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Sou um homem branco? Epistemologia política do paradoxo majoritário1 1 Tradução: Sérgio Carrara (CLAM/IMS/UERJ), scarrara1@gmail.com. Atividade desenvolvida no contexto do Projeto CAPES/COFECUB Gênero Ameaça(n)do, coordenado por Éric Fassin e Anna Paula Uziel.

¿Soy un hombre blanco? Epistemología política de la paradoja mayoritaria

Am I a white man? Political epistemology of the majority paradox

Resumo

Como um homem branco pode falar sobre questões minoritárias? Sustento que a epistemologia dos saberes situados não diz respeito somente à perspectiva dos grupos minoritários e não silencia vozes majoritárias. Na verdade, não requer confissões, mas um pensamento crítico formulado em primeira pessoa. Procurando evitar o que Donna Haraway chamou de “truque de deus”, inicio o artigo discutindo a rejeição francesa dos estudos de gênero e dos estudos críticos sobre raça, situando-a no contexto de uma reação internacional. A reflexão de Joan W. Scott em torno do que ela nomeou de paradoxo minoritário (falar como mulher para não ser tratada como tal) nos ajuda então a conceitualizar o que chamo aqui de paradoxo majoritário: falar sobre questões minoritárias desde uma posição majoritária sem, entretanto, falar pelos sujeitos minoritários. Enfrentando seriamente o paradoxo majoritário formula-se então a posição de insider without, simetricamente oposta à que Patricia Hill Collins chamou de outsider within. Ser por essa razão tratado como traidor apenas revela um certo tipo de política identitária majoritária. Resistir a tal identificação pode ser assim produtivo.

Palavras-chave:
raça; gênero; sujeitos minoritários; sujeitos majoritários; saber localizado

Resumen

¿Cómo puede un hombre blanco hablar de cuestiones minoritarias? Sostengo que la epistemología del conocimiento situado no sólo se refiere a la perspectiva de los grupos minoritarios y no silencia las voces mayoritarias. De hecho, no requiere confesiones, sino un pensamiento crítico formulado en primera persona. Tratando de evitar lo que Donna Haraway denominó “truco de dios”, empiezo por discutir el rechazo francés a los estudios de género y los estudios críticos sobre raza, situándolo en el contexto de una reacción internacional. La reflexión de Joan W. Scott sobre lo que llamó una paradoja minoritaria (hablar como una mujer para no ser tratada como tal) nos ayuda a conceptualizar lo que llamaré una paradoja mayoritaria: hablar de temas minoritarios desde una posición mayoritaria, aunque sin hacerlo en lugar de los sujetos minoritarios. Enfrentando seriamente la paradoja mayoritaria, formulo la posición de insider without, simétricamente opuesta a lo que Patricia Hill Collins llamó outsider within. Ser por esta razón tratado como un traidor sólo revela un cierto tipo de política identitaria mayoritaria. Resistirse a tal identificación puede ser entonces productivo.

Palabras clave:
raza; género; sujetos minoritarios; sujetos mayoritarios; conocimientos situados

Abstract

How can one speak about minority issues as a White man? Standpoint epistemology is not just for minorities, and it does not silence majority voices. Indeed, what is required is not a confession; rather, critical thinking in the first person. In order to avoid Donna Haraway’s “god trick”, I start from the French rejection of gender and critical race studies situated in an international context of reaction. Joan W. Scott’s feminist (and minority) paradox (speaking up as a woman, in order not to be treated as one) then helps conceptualize what I call the majority paradox: speaking up, from a majority position, about minority issues, without speaking for minorities. Taking seriously this majority paradox creates a position that is symmetrical to Patricia Hill Collins’ “outsider within”: the insider without. Being called a traitor as a result only reveals a kind of majority identity politics. Resisting this identification can thus be productive.

Keywords:
race; gender; minority; majority; situated knowledge

Há trinta anos conduzo pesquisas sobre questões de gênero, sexualidade e raça que têm se desdobrado em inúmeras intervenções públicas nesses temas. Através desse saber engajado construí relações com diversos movimentos minoritários, embora eu mesmo não pertença a nenhuma categoria minoritária. É essa posição paradoxal que gostaria de explorar nesse artigo. Aproveitei para isso o convite dos organizadores da 32ª Reunião Brasileira de Antropologia (2020) e especialmente do Comitê de Antropólogas/os Negras/os da Associação Brasileira de Antropologia, que, no ano passado, pediram-me que refletisse em primeira pessoa sobre a questão racial e em diálogo com a antropóloga colombiana e amiga de longa data Mara Viveros Vigoya2 2 Chamado de “As cores do antirracismo”, o diálogo entre Mara Viveros Vigoya (2020) e Eric Fassin pode ser conferido em https://www.youtube.com/watch?v=Yo2vqhKLlV8. O artigo que Viveros desenvolveu a partir desse diálogo foi publicado no número 36 de Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana com o título “As cores do antirracismo (na Améfrica Ladina)”. .

A raça não é apenas objeto de estudo e militância; não é exterior aos nossos campos de pesquisa e engajamento; ao contrário, inscreve-se em seu interior e atravessa os sujeitos que somos. A reflexividade então se impõe. E disso estou ainda mais convencido pelo fato de que, queiramos ou não reconhecer, os saberes são situados. É essa a lição das epistemologias feministas, particularmente do feminismo negro. Uma vez que se trata de legitimar pontos de vista ilegítimos tornando-os audíveis e visíveis, são em geral os sujeitos minoritários que situam ou posicionam seu próprio discurso, no registro político e frequentemente também no registro científico. Longe de apagar as marcas ou pistas que determinada posição dominada imprime aos discursos, o saber situado as coloca em evidência; longe de neutralizar determinado ponto de vista, trata de reivindicá-lo em razão daquilo que ele visibiliza.

Por seu lado, quando sujeitos majoritários fazem esse tipo de exercício reflexivo, o fazem a guisa de preâmbulo, senão de desculpa, antes de entrarem no cerne do tema que lhes interessa discutir. É verdade que não se pode invocar a autoridade da posição dominante para falar de dominação. Mas é tão problemático calar tal posição, quanto dizê-la. Gostaria de levar a sério esse caráter problemático e pensá-lo em sua positividade, como um recurso e não, negativamente, como um obstáculo. Para que o paradoxo majoritário não se transforme em uma contradição, é importante transformar o obstáculo ou o problema que nos impede de pensar e agir em uma problematização intelectual e politicamente produtiva. Por isso, penso ser útil tomar como objeto de análise esta situação que, sendo a minha, não me é particular3 3 Como indica o título desse artigo, invocarei aqui apenas duas de minhas propriedades majoritárias: ser “homem” e “branco”. Seria pertinente apontar também a heterossexualidade, uma vez que meus trabalhos acadêmicos e engajamentos políticos envolvem igualmente os direitos das minorias sexuais. Isso seria ainda mais necessário pelo fato dessas diferentes propriedades serem “consubstanciais”, para lembrar a expressão utilizada pela socióloga francesa Danièle Kergoat (2010). Entretanto, do meu ponto de vista, tratar dessa propriedade requereria uma análise diferente e que pretendo desenvolver em outro momento, pois a homossexualidade nem sempre é “visível”. Assumir a própria heterossexualidade não tem, portanto, o mesmo sentido que nomear aquilo que não parece ser necessário dizer: o sexo e a raça. Aliás, nos combates pela igualdade sexual, escolhi jamais fazer um “coming out heterossexual” justamente por temer validar o estigma homofóbico ao procurar aparentemente evitá-lo. .

Nacionalização e internacionalização

“O pensamento de uma época é de uma época” Sandra Harding (1992: 452HARDING, Sandra. 1992. Rethinking Standpoint Epistemology: What Is ‘Strong Objectivity’?, The Centennial Review (Outono), vol. 36, n°3, p. 437-470.)

Meu diálogo com Mara Viveros aconteceu, Covid-19 oblige, à distância. Isso implica enfatizar que, mesmo assim, as trocas internacionais não são capazes de apagar a ancoragem nacional de nossas perspectivas. Não se trata de me reduzir a tais perspectivas e nem delas me abstrair. O que proponho é pensar a partir dessa realidade para ir além dela. Em primeiro lugar, falo desde o contexto intelectual e político da França, onde vivo, ensino e atuo. E se me parece importante começar por aí é porque, na França, falar de gênero e a fortiori de raça, ou ainda de interseccionalidade, significa nadar na contracorrente da retórica nacional dominante. De fato, desde finais dos anos 1980, assistimos, no espaço público francês, ao forte retorno de um discurso que invoca a cultura política nacional para celebrar um universalismo cego às diferenças, sejam de gênero, sexualidade ou de raça. A República (Francesa) só reconhece cidadãos abstratos e assim relega suas propriedades singulares ou particulares à esfera privada. Questões minoritárias seriam, portanto, incompatíveis com a tradição francesa.

Sob a máscara de filosofia política, tal retórica culturalista visa a despolitizar as questões minoritárias tratando-as como dependentes dos contextos nacionais. Brande-se de bom grado o que chamei de “espantalho americano” (Fassin, 1997FASSIN, Éric. 1997. L’épouvantail américain. Penser la discrimination française. Vacarme, n°4-5, septembre, https://vacarme.org/article1159.html.
https://vacarme.org/article1159.html...
): o gênero, a sexualidade e a raça teriam sentido apenas para “eles” (os Estados Unidos) e, de todo modo, não para “nós” (a França). Isso explica a já antiga recusa mesmo no mundo universitário, incluindo-se aí a esquerda, de se traduzir para o francês a expressão inglesa gender. Aliás, talvez seja essa uma das razões para o fato de as campanhas políticas anti-gênero terem florescido com tanto vigor na França a partir do início dos anos 2010: o terreno estava preparado. Quanto à palavra raça, ela é geralmente remetida ao racismo e por isso está sempre em discussão sua supressão do texto constitucional. Mesmo que não se tenha ainda obtido pleno sucesso, em 2018 o congresso nacional já votou pela sua supressão. E note-se que através da alocução “sem distinção de raça”, a palavra aparece apenas uma vez na Constituição francesa, exatamente no ponto em que se proíbe qualquer tipo de discriminação racial. De qualquer forma, o censo demográfico não coleta qualquer dado relativo à raça e tudo se passa como se, a exemplo do gênero, a raça fosse uma noção completamente estranha à história nacional.

Introduzir questões de gênero, de sexualidade e de raça no campo científico francês suscita assim uma forte oposição. Na França, a legitimidade dos estudos de gênero, por muito tempo marginalizados, permanece frágil e as pesquisas sobre raça também encontram grandes resistências, permanecendo privadas de qualquer reconhecimento institucional. Nas universidades, os múltiplos ataques partem tanto da direita, quanto da esquerda, e mobilizam duas lógicas políticas historicamente opostas: de um lado, o universalismo republicano que, como dissemos, apenas reconhece cidadãos abstratos; de outro, a tradição marxista que advoga o primado da classe social. As duas lógicas se posicionam contra análises minoritárias, vistas como identitárias, mesmo que ao final lhe oponham, a primeira, uma identidade nacional e a segunda, uma identidade de classe. Seja em nome de uma “neutralidade axiológica”, supostamente defendida por Max Weber, ou de uma “autonomia do campo científico”, postulação atribuída a Pierre Bourdieu, é também em nome da defesa da cientificidade/objetividade que se organiza a ofensiva contra tais saberes ditos militantes. É assim que, opondo ciência à política, as universidades francesas se engajam hoje por razões políticas na luta contra todo um campo de pesquisa científica.

Todos esses discursos, mesmo os que provêm das universidades, devem ser compreendidos pelo que são: uma retórica política contrária às reivindicações minoritárias. O próprio presidente da república veio a público denunciar os estudos sobre a questão racial e até mesmo sobre a “inteseccionalidade”: “O mundo universitário é culpado. Ele incentivou a etnicização da questão social pensando que seria um bom filão a perseguir, mas isso acabou dando em secessionismo”.4 4 Ver matéria no Le Monde, https://www.lemonde.fr/politique/article/2020/06/10/il-ne-faut-pas-perdre-la-jeunesse-l-elysee-craint-un-vent-de-revolte_6042430_823448.html (último acesso em 16/04/2021). Estávamos então em junho de 2020, no exato momento em que, ecoando o movimento Black Lives Matter, uma grande manifestação foi organizada na França contra a violência policial que desde há muito tempo atinge minorias raciais. Para Emmanuel Macron, o que poderia “quebrar a República em duas” não era a discriminação racial, mas universitárias e universitários que propunham sua análise crítica. Em 2 de Outubro, ele retomaria o discurso sobre “separatismo”, denunciando a presença de “certas teorias das ciências sociais que, com seus problemas, foram importadas inteiramente dos Estados Unidos da América”5 5 Ver https://www.elysee.fr/emmanuel-macron/2020/10/02/la-republique-en-actes-discours-du- president-de-la-republique-sur-le-theme-de-la-lutte-contre-les-separatismes. . E o ataque seria retomado pelo ministro de educação que no dia 22 daquele mês falaria até em “cumplicidade intelectual com o terrorismo”6 6 Ver, https://twitter.com/Europe1/status/1319164632007847936?s=20 (último acesso em 16/04/2021). ; secundado posteriormente pela secretária de ensino superior que, já em 2021, no dia 14 de fevereiro, encomendaria uma investigação sobre o “islamoesquerdismo”7 7 Ver https://www.soundofscience.fr/2648?fbclid=IwAR1_VI_3M3JiYPk2a1a7FKYG8nT9i4x 738 xZMfoeFarXtAcisTm_-7WSeLs (último acesso em 16/04/2021). e mais genericamente sobre todo um “conjunto de correntes de pesquisa” (gênero, raça, estudos pós-coloniais ou decoloniais, interseccionais...). Esse deslizamento demonstra muito bem o processo de racialização da questão religiosa na França. A retórica universalista da laicidade dá roupagens republicanas ao racismo, como acontece no discurso da extrema direita. Muitos colegas, entre os quais pessoas insuspeitas de apoiar o presidente ou seu governo, não disseram nada sobre isso e até aplaudiram. Em resumo, na França, falar de raça, como de gênero, implica expor-se à acusação de não ser republicano e, portanto, de não ser francês de verdade.

Temos aí uma razão a mais para resistir à tentação de explicar essa recusa apenas como uma singularidade francesa, uma vez que isso apenas validaria novamente a premissa culturalista que despolitiza as questões minoritárias ao nacionalizá-las. A virulência com que tais questões vêm sendo atacadas deve ser antes compreendida como sinal de que as coisas estão mudando. Dito de outro modo, é necessário situar a batalha minoritária em uma dupla dimensão espacial e temporal, ou seja, considerar o lugar, mas também o momento. Ora, novas personagens emergem atualmente no espaço público. Na França, são especialmente as mulheres ditas racializadas, aquelas a quem se designa um lugar subalterno na ordem social em razão de sua aparência, de seu patronímico, sua religião ou origem - que vêm “passar a palavra”.8 8 NT: A expressão utilizada no texto original é “ouvrir la voix” e faz referência ao título de um documentário lançado em 2017, produzido por uma mulher negra, Amandine Gay, que dá voz a outras mulheres negras. Há aí um jogo de palavras uma vez que, em francês, “ouvrir la voix” (“abrir a voz”) e “ouvrir la voie” (“abrir o caminho”) são expressões homófonas. Para o documentário, ver https://ouvrirlavoixlefilm.fr/ (último acesso em 16/04/2021). Assiste-se assim ao aumento do poder daquilo que, apoiando-me em um conceito de Nancy Fraser (1990FRASER, Nancy. 1990. Rethinking the Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing Democracy, Social Text, n. 25/26, p. 56-80.), analisei como “contra públicos minoritários”9 9 Ver https://blogs.mediapart.fr/eric-fassin/blog/090419/contre-publics-minoritaires (último acesso em 16/04/2021). . Até recentemente excluídos do espaço público, agora, com o desenvolvimento das redes sociais, eles estão conseguindo entreabrir a porta desse espaço ou então entrar nele pela janela. Constatamos isso tanto nas mobilizações contra as violências policiais, quanto no mundo da cultura ou das mídias. Isso também é verdadeiro para as universidades, particularmente nas ciências sociais, como testemunha o dossiê da revista Mouvements, organizado por Abdellali Hajjat e Silyane Larcher em resposta aos ataques contra a interseccionalidade que advinham do meio universitário10 10 NT: Ver https://mouvements.info/category/intersectionnalite/ (último acesso em 08/04/2021). .

Devemos ver nisso uma americanização, como parece inquietar muitos na França? Afinal, do #BlackLivesMatter ao #Me Too, a política do hashtag, como, aliás, indica a própria expressão, joga-se sobretudo em inglês. Além disso, as referências bibliográficas vêm frequentemente dos Estados Unidos, mesmo que os estudos pós-coloniais e decoloniais, igualmente alvos dessas polêmicas, remetam-se a outras tradições intelectuais, como a da Índia ou da América Latina. E os ataques da direita encontram eco à esquerda. A emergência de questões minoritárias, até mesmo no meio acadêmico, não seria mais que uma dimensão da “artimanha da razão imperialista”, como denunciado há mais de vinte anos por Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant?11 11 NT: Com o título “As Artimanhas da razão imperialista”, o artigo de Bourdieu e Wacquant a que se refere o autor foi publicado no Brasil em 2002, na revista Estudos Afro-Asiáticos. Na verdade, falar de americanização nos impede de ver a realidade da internacionalização. Com a hashtag #NiUnaMenos e com o novo hino feminista “Un violador en tu camiño”, também a América Latina, tanto quanto os Estados Unidos, é hoje referência para mobilizações feministas. Quanto às questões raciais, se na França fala-se delas em linguagem economicista como uma importação, como não perceber também a exportação? Não seria esse o caso da jornalista Rohhaya Diallo ou da militante Assa Traoré, que ganharam visibilidade não apenas na França, mas internacionalmente? Tendo a primeira se tornado colunista do Washington Post, enquanto a segunda foi aclamada pela revista Time como “defensora do ano” 2020.

Ao invés de nacionalizar as questões minoritárias, pensar sua internacionalização permite perceber que, apesar de diferenças contextuais, nessas mobilizações simultaneamente ativistas e universitárias, estão em jogo lógicas comparáveis em matéria de raça ou de gênero. Do outro lado, vê-se também a internacionalização das ofensivas que reagem a tais mobilizações, como nas campanhas contra a “ideologia de gênero” ou contra os estudos críticos sobre raça. É verdade que, conforme cada país, encontramos narrativas nacionais diversas e mesmo divergentes em sua maneira de colocar ou não a raça em discurso. No lugar de opor de modo binário ideologias de nação que são cegas à raça (color-blind) às que, ao contrário, têm consciência de cor (color-conscious), valeria a pena fazer um inventário das ideologias nacionais que, nesse aspecto, poderia incluir: a “república universalista” (França), a “democracia racial” (Brasil), a “mestiçagem” (disseminada nos países latino-americanos), o “multiculturalismo” (Canadá), a “tolerância” (Países Baixos), a “nação arco-iris” (África do Sul pós-apartheid). Manifestamente, o discurso da “singularidade” nacional não se restringe à França... Podemos então levantar a hipótese de que, se as narrativas nacionais estão hoje em crise, como atesta a internacionalização das mobilizações em campos opostos, é porque para além de suas variações nacionais elas estão sendo percebidas pelo que são: ideologias que desmentem a experiência e a constatação tanto da dominação racial, quanto da dominação sexual e de gênero.

Do paradoxo minoritário ao paradoxo majoritário

“...uma mulher que só tem paradoxos a oferecer e não problemas fáceis de resolver” Olympe de Gouges (1788)12 12 La phrase d’Olympe de Gouges é citada em Scott (1996: 4).

Situar o saber é, antes de mais nada, restaurar os contextos em que se inscreve, ou seja, explicitar seu aqui e seu agora. Mas não é só isso. A epistemologia feminista demanda igualmente uma visada reflexiva: “Quem fala?”. O saber situado interroga assim o sujeito do saber, definido não de modo independente aos contextos, mas em relação a eles. Evitemos um primeiro mal-entendido. Dando aulas depois de maio de 1968 na então recém criada universidade de Vincennes (em cuja herdeira em Saint-Denis eu hoje também ensino), Michel Foucault contou como lá “era difícil dizer o quer que fosse sem que alguém perguntasse: ‘Mas de onde você fala?’”. Dizia que isso lhe parecia “policialesco” porque, “sob a aparência de uma questão teórica e política (‘De onde você fala?’), de fato colocavam para mim uma questão de identidade (‘No fundo, quem é você?’)” (Foucault, 1975FOUCAULT, Michel. 1975. Les confessions de Michel Foucault, entrevista com Roger- Pol Droit, disponível em http://1libertaire.free.fr/Foucault40.html.
http://1libertaire.free.fr/Foucault40.ht...
). Se a epistemologia feminista em torno dos saberes situados se diferencia desse policiamento identitário é porque ela emerge não de uma inquisição, mas de uma reflexividade. Oscila-se assim entre a segunda e a primeira pessoa verbal. A questão não é mais “quem é você para falar”, mas “quem sou eu, quem é esse eu que fala?”13 13 NT: No texto original, “qui suis-je, moi qui parle?” O autor recorre à distinção entre je e moi que se remete a diferentes posições de sujeito e que, em português, seria recoberta de modo impreciso pela oposição entre eu e mim. . E a leitura de Foucault pode nos ajudar a evitar assim um segundo mal-entendido. Quando as minorias tomam a palavra, elas se veem frequentemente adscritas ao lugar de onde falam e, desse modo, reduzidas à sua identidade. Ao contrário, apenas a posição majoritária escaparia ao particular para aceder ao universal. Como desfazer essa adscrição14 14 NT: No original, assignées. Do mesmo modo, assignation foi traduzida por adscrição. desigual? Para isso, não se trata apenas de inverter seus termos, mas de subvertê-los. A interrogação “De onde eu falo?” demanda uma análise e não uma confissão: ela não convida a se abrir, mas a se pensar. É necessário, portanto, entendê-la menos como afirmação de uma identidade e mais como a problematização de uma adscrição, de uma posicionalidade.

Para situar minhas próprias análises em um esforço de reflexividade, recorro ao conceito de paradoxo, tal como elaborado por Joan W. Scott (1996SCOTT, Joan W., 1996. Only Paradoxes to Offer. French Feminists and the Rights of Man. Cambridge, Londres & Cambridge, Harvard University Press.). Para analisar o que é habitualmente apontado como contraditório, a historiadora americana parte de Olympia de Gouges, cuja “Declaração dos direitos da mulher e da cidadã” sacudiu a França revolucionária em 1791. Para a autora, o feminismo se dividiria em dois campos, conforme se organiza em torno do princípio da igualdade ou do princípio da diferença. Na realidade, reivindicar direitos implica simultaneamente aceitar e recusar uma identidade. Para além de Olympe de Gouges, são, portanto, as feministas que em seu conjunto “não têm senão paradoxos a oferecer”. E, como ressalta Scott, contrariamente ao que diriam os misóginos, isso não se explica por “sua incapacidade de raciocinar”, mas sim pelo fato de que “o feminismo ocidental moderno se constituiu no interior de práticas discursivas próprias à política democrática e que assimilaram masculinidade e individualidade” (Scott 1996: 5). Se é assim “sintoma das contradições constitutivas do individualismo liberal”, é também o que torna visíveis tais contradições. Durante a Revolução Francesa e depois dela, ao ser formulada nos termos do universalismo, a intervenção feminista, revela as incoerências do universalismo. De fato, para se fazerem ouvir, elas devem ocupar simultaneamente dois lugares considerados incompatíveis. Resume-se assim o paradoxo: deve-se tomar a palavra como mulher, para não ser mais tratada como mulher.

Pode-se ainda alargar esse conceito para falar mais amplamente de paradoxo minoritário. A própria Joan Scott sugere isso: “como os negros, os judeus e os mulçumanos em outras circunstâncias históricas, [as mulheres] endossaram a identidade de grupo que lhes foi atribuida, embora recusassem seus aspectos negativos. Esta afirmação identitária tornava impossível de lhe negar toda pertinência política” (Scott 1996, pág.x). Para além do feminismo, a historiadora logo expandiria o argumento para outras questões minoritárias - em particular, a discriminação positiva ou ação afirmativa, que

foi contestada enquanto forma de ‘tratamento preferencial’ que introduziria distinções entre os indivíduos segundo sua ‘comunidade’. As leis contra a discriminação de homossexuais foram revogadas com a justificativa de que conferiam direitos específicos supérfluos dos quais os indivíduos não gozavam. A campanha por maior diversidade na universidade, nas faculdades de direito e medicina, encontrou resistências porque dar atenção à identidade comunitária teria como efeito comprometer a avaliação do mérito objetivo de cada candidato individualmente (Scott, 1999: 1SCOTT, Joan W. 1999. The Conundrum of Equality, Occasional paper, Institute for Advanced Study, Princeton.).

Assim, a tensão a um só tempo teórica e retórica entre igualdade e diferença não é específica das lutas das mulheres, mas diz respeito ao conjunto de políticas minoritárias. Sem apagar suas diferenças ou hierarquizá-las, as diferentes minorias são confrontadas com o mesmo paradoxo e nunca colocam “problemas fáceis de resolver” (desses que nos permitem escolher uma posição e permaner nela). Elas propõem paradoxos: reivindicar enquanto sujeito minoritário, recusando-se a permanecer nesse lugar.

Mas, e a posição majoritária? A epistemologia feminista dissipa a ilusão da neutralidade majoritária, o que Donna Haraway (1988HARAWAY, Donna. 1988. Situated Knowledges: The Science Question in Feminism and the Privilege of Partial Perspective, Feminist Studies, vol. 14, No. 3 (Outono), p. 575-599.) chamou de “truque de deus” (god trick). E essa crítica se faz em nome da objetividade e não da subjetividade: trata-se de uma exigência inseparavelmente científica e política. Mas aqui temos uma “objetividade encorporada” ou “encarnada” (embodied objectivity), que substitui a visão do alto (view from above), panorâmica, de um “saber não localizável e, portanto, irreponsável”, por um ponto de vista construído a partir de determinado lugar, ou seja, localizado ou situado (view from somewhere). Se “os dominados15 15 NT: No original: assujettis. têm uma boa chance de não se deixar enganar pelo truque de deus”, ao contrário, “a única posição a partir da qual é impossível colocar em prática e honrar a objetividade é o ponto de vista do mestre, do senhor, do Homem, do Deus único”. Em resumo, “apenas o truque de deus é interdito”. Deveríamos então concluir que aos sujeitos minoritários estaria reservada a lucidez e os majoritários estariam condenadas à cegueira? Uma tal derrocada da epistemologia dominante participaria, adverte Donna Haraway, de um “relativismo” que não se reconhece como tal e que não pode ser senão a imagem invertida do truque de deus. Substituir uma verdade absoluta por outra, é justamente o contrário do que se propõe um saber crítico fundado sobre uma “perspectiva parcial”.

Não se deve portanto confundir a perpectiva de um grupo com o próprio grupo, ou seja, não se deve identificar o ponto de vista minoritário apenas às minorias. Nancy Hartsock colocava essa distinção como princípio do “feminismo da posicionalidade”: “como a vida dos proletários para a teoria marxista, a vida das mulheres oferece um ponto de vista particular e privilegiado sobre a dominação masculina” (Hartsock, 1983: 284HARTSOCK, Nancy. 1983. The Feminist Standpoint: Developing the Ground for a Specifically Feminist Historical Materialism. In: Harding, Sandra e Hintikka, Merrill B. (org), Discovering Reality. Feminist Perspectives on Epistemology, Metaphysics, Methodology, and Philosophy of Science. Kluwer Academic Publishers, p. 283-310.). Sandra Harding retoma o exemplo a seu modo: assim como Hegel, na dialética do senhor e do escravo, toma o ponto de vista do escravo sem ser escravo, Marx não fazia parte do proletariado e, entretanto, adotou a sua perspectiva para analisar a luta de classes. Mulheres que não viveram experiências de violência sexual ou de trabalho sexual podem tomá-las como ponto de partida para a reflexão. Enfim, é enganoso supor que “apenas os oprimidos podem produzir conhecimento” (: 450HARDING, Sandra. 1992. Rethinking Standpoint Epistemology: What Is ‘Strong Objectivity’?, The Centennial Review (Outono), vol. 36, n°3, p. 437-470.). As mulheres não têm o monopólio da produção de um saber feminista: “não apenas elas não podem revindicar ter excusividade sobre tal saber, como não se pode isentar os homens da obrigação de produzi-lo sob o argumento de que não são mulheres” (: 456-7HARDING, Sandra. 1992. Rethinking Standpoint Epistemology: What Is ‘Strong Objectivity’?, The Centennial Review (Outono), vol. 36, n°3, p. 437-470.). Quanto ao feminismo negro, “os homens negros, as mulheres brancas, os homens brancos e outras pessoas não-brancas podem contribuir para o seu desenvolvimento” (: 457HARDING, Sandra. 1992. Rethinking Standpoint Epistemology: What Is ‘Strong Objectivity’?, The Centennial Review (Outono), vol. 36, n°3, p. 437-470.). Para Sandra Harding isso se remete, aliás, à nossa experiência cotidiana: “aprender a pensar a partir de uma pluralidade de vidas que se enfrentam é um desafio familiar para a antropologia e para a história, [mais também], na negociação de conflitos, para as empregadas domésticas, as esposas, mães e à maioria de nós em diferentes contextos cotidianos” (Harding, 1992: 455HARDING, Sandra. 1992. Rethinking Standpoint Epistemology: What Is ‘Strong Objectivity’?, The Centennial Review (Outono), vol. 36, n°3, p. 437-470.).

Tais textos fundadores de uma epistemologia feminista não deixam dúvida, saberes majoritários podem contribuir, desde o seu lugar, com os saberes minoritários. O dilema da posição majoritária não é portanto epistemológico: ele é estritamente político. Penso aqui no célebre título de um trabalho de Gayatri Spivak: “Pode o subalterno falar?” (2010 [1985]SPIVAK, Gayatri Chakravorty. 2010 [1985]. Pode o Subalterno Falar? Belo Horizonte: Editora UFMG.). E se torcermos a questão do mesmo modo que a perspectiva: “Devem os majoritários se calar?”. Se coloco essa questão é obviamente porque tenho a palavra ou, dito de outro modo, a resposta ao enunciado é dada pela própria enunciação. E, de fato, não escolhi ficar em silêncio durante 30 anos e ainda agora. É que não consigo achar que questões minoritárias não me digam respeito: elas definem em negativo a posição majoritária. Mas não quero falar no lugar das minorias e, assim, potencializar seu apagamento no momento mesmo em que o denuncio. Minha situação, que partilho com muitos outros, seria então definida pelo que proponho chamar de paradoxo majoritário. Tomar a palavra enquanto sujeito majoritário - sem ocupar o lugar dos sujeitos minoritários ou falar em seu nome - para que, paradoxalmente, eles possam detê-la. Enunciar minhas propriedades visíveis - de ser homem e branco - é dizer o óbvio, mas é também perturbá-lo, pois desse modo afirmo que o não-dito não é óbvio. Não me defino como sujeito majoritário para ser tratado desse modo ou para não o ser. Faço isso para problematizar essa posição, para politizá-la ou melhor para trazer à luz seus apectos políticos, ao invés de, universalizando-a, dá-la como natural. Trata-se de levar a sério o programa das epistemologias feministas, não apenas de uma perspectiva minoritária, mas também do ponto de vista majoritário. Em resumo, isso implica localizar minha própria posição ao invés de crer e fazer crer que estou em toda parte.

Trair a identidade majoritária?

“Não importa onde estejam, nem o que façam, os traidores serão castigados” Panfleto Resistência Francesa, 194316 16 Esse trecho de um panfleto da Resistência Francesa, acompanhado do desenho de uma forca, foi reproduzido em uma carta anônima islamofóbica enviada à minha casa na véspera do Natal de 2013.

O que fazer de minha posição paradoxal de sociólogo majoritário engajado em questões minoritárias? Dito de outro modo, como agir a partir dessa posição? A tomada de consciência dos privilégios vinculados à minha posição não me impediria de enxergar o fato de continuar a usufruir deles. A postura crítica que proponho se baseia em um princípio: desejo que tal posição seja fonte de responsabilidade e não de culpa, sentimento que, sabemos bem, não serve para nada. Pior: sob o pretexto de servir a uma causa que me ultrapassaria, bater no peito dizendo-me culpado apenas me reenviaria a mim mesmo. “Enough about you, let’s talk about me” (“Já falamos demais de você, falemos agora de mim”) é uma humorística formulação do narcisismo. Politicamente, uma psicologização desse tipo seria apenas uma distração. Ao contrário, tomar consciência de meu privilégio de homem branco me engaja em uma utilização responsável desse fato. É por isso que procuro refletir sobre o paradoxo majoritário não sob o registro da introspecção, mas nos termos de uma reflexividade: daí a importância dos saberes situados. A questão que minha intervenção enquanto sujeito majoritário trabalhando sobre temas minoritários levanta é sobre o que minha posição faz e não sobre o que ela faz para mim. Em seu pragmatismo, tal perspectiva interpela - certamente em primeira pessoa, mas não para falar de mim - a posição em que estou colocado no sentido de contribuir para deslocá-la.

Então a questão não é mais, se eu, que sou majoritário, devo ou não falar sobre questões minoritárias. Seria, sobretudo: uma vez que tomo a palavra, como fazê-lo? Quando é melhor me abster? Isso aponta para a diferença que existe entre reduzir o problema a uma simples alternativa ou encarar a complexidade do paradoxo. Frente à interpelação minoritária, a opção mais comum tem sido dar de ombros: pouco importa quem fala! O que conta é apenas a verdade, supostamente objetiva, do discurso. Uma opção alternativa mais rara e não mais satisfatória é votar-se ao silêncio (“Eu me calo!”) ou se deixar silenciar (“Cala-te!), como se para expiar seu privilégio. Mas isso não seria senão a figura inversa da mesma indiferença, marcada com o selo da culpa e da culpabilização. A primeira alternativa se quer universalista; a segunda emana de uma certa forma de política identitária. Nos dois casos, o problema se reduz a uma simples alternativa: falar ou então se calar de uma vez por todas. Ora, o paradoxo majoritário abre outras opções. Trata-se com efeito de uma casuística sobre a qual reflito só ou coletivamente; e ela não recobre uma escolha binária (sim ou não), mas toda uma gama de modalidades (como).

Tanto minhas intervenções quanto meus silêncios têm uma função estratégica. Trata-se, conforme o contexto, de dar ou de passar a palavra, de partilhá-la, de tomá-la... ou efetivamente de calar. Foi desse modo que, nas recentes polêmicas políticas lançadas contra as problemáticas minoritárias nas ciências sociais, fiz a escolha por não responder aos ataques de colegas da minha geração, homens brancos como eu, para não multiplicar o apagamento que isso implicava para outros/ as colegas, mais jovens, mais feminilizados/as e racializados/as, muitos/as dos/as quais foram nossos/as estudantes. E, de todo modo, elas e eles tomaram a palavra que não lhes foi concedida17 17 Uma escritura inclusiva, que marca a recusa à masculinização linguística, é igualmente visada nas polêmicas atuais e por isso me interessa utilizá-la nesse ponto de minha reflexão. . Trata-se, portanto, de um mutismo estratégico. Ele me permite falar de outra coisa (de uma urgência do presente muito mais do que de uma nostalgia do passado) e com outras pessoas (as novas gerações). Ao contrário, quando intervenho sobre questões raciais ou sobre sexualidade e gênero, tomo cuidado cada vez maior de, em um momento ou outro, fazer referência à minha posição de homem branco. Joga um papel estratégico o procurar tornar explícito o implícito, dizer o que se vê, o que salta aos olhos e é ordinariamente silenciado, permanecendo como não-dito. Trata-se, e retomo com prazer aqui a expressão de Pierre Bourdieu, de “abrir o jogo”18 18 NT: No original, vendre sa mèche. . E, vejam, não se trata aqui somente de tirar o véu do que acontece ao mundo ao qual pertenço, mas também fazer-se a si mesmo visível, em sua particularidade, renunciando à transparência ilusória do truque de deus: o rei majoritário está nu.

É preciso ter muito claro que se trata de uma posição paradoxal. E a comparação com as feministas negras que entram na universidade pode nos ajudar a compreendê-la. Sua trajetória as conduz talvez menos “da margem ao centro”, para evocar o título da radical bell hooks (hooks 1984HOOKS, Bell. 1984. Feminist Theory: From Margin to Centre. Boston: South End Press.), e mais a um “entre dois”. Para pensar suas implicações epistemológicas, outra teórica desse movimento intelectual, Patricia Hill Collins (1986COLLINS, Patricia Hill. 1986. Learning from the Outsider Within: The Sociological Significance of Black Feminist Thought, Social Problems, out-dez, vol. 33, n° 6, “Special Theory Issue”, p. S14-S32.), nomeou essa posição desconfortável de “excluído interno” (outsider within)19 19 Na tradução francesa, Diane Lamoureux conservou as palavras em inglês (Lamoureux, 2016). NT: A mesma opção foi tomada na tradução publicada no Brasil (Collins, 2016). : É uma forma, para os que não são dali, de estar dentro do círculo sem, entretanto, fazer parte dele. Eu proponho inverter a expressão para descrever a posição do sujeito majoritário engajado em uma perspectiva minoritária como um “incluído externo” (insider without), ou seja, alguém que corre o risco de não pertencer mais ao seu meio ou ao menos de descentrar-se. Se a feminista negra faz parte do mundo universitário sem propriamente pertencer a ele; o sujeito majoritário a ele pertence por definição, deixando de sê-lo apenas na medida em que se engaja em um ponto de vista minoritário.

Um tal engajamento implica trair-se a “si próprio”? Não seria recusar um lugar adscrito e, consequentemente, uma identidade? De todo modo, expõe a quem nele se aventura a ser percebido com traidor aos olhos dos “seus”. Gostaria, para terminar, de analisar essa retórica da traição, tanto mais importante por dizer respeito a questões políticas relativas à identidade, mas também ao pertencimento. As ameaças de morte que recebi em finais de 2013, levaram-me a tomar consciência em relação a isso: “os traidores serão castigados”. Torcendo a lógica política de um panfleto da Resistência dirigido contra a colaboração com os nazistas, a carta anônima a mim endereçada com ameaças de morte reproduzia trechos de sites de extrema-direita, acusando-me de colaborar com a “ocupação” mulçumana. Em outubro de 2020, logo após a decaptação do professor Samuel Paty por um terrorista atuando supostamente em nome do islã, fui, mais do que de hábito, alvo de insultos e ameaças do mesmo tipo no Twitter: “Sabemos quem são os traidores!”, “Os colaboradores não mudam!”; ou uma variante, segundo o léxico da extrema direita a respeito das minorias submetidas em território islâmico: “Existe alguém mais dhimmi que Fassin?” E ainda mais: “Você faz parte dos terroristas, você escolheu seu lado”. Ora, nesse período, apareceram os mesmos argumentos expressos pelo minitro da educação: “cumplicidade intelectual com o terrorismo”. Além disso, a ameaça se fazia explícita: “Coloquei seu nome na minha lista de idiotas a serem decapitados quando chegar a hora. A lista é longa, mas, tenha paciência, chegará a sua vez”. Identificado, o autor do tweet, que havia recentemente militado em grupos neo-nazistas, foi condenado a quatro meses de prisão, com direito a condicional.

Já em 2016, um colega (e até então amigo) tinha me enviando uma mensagem indignada. Para ele o fato de eu ter apoiado um texto coletivo de universitarios/as brancos/as de minha universidade defendendo o direito de estudantes se reunirem em grupos racializados significava uma “traição à sociologia”. Aliás, essa retórica seria exposta em uma paródia de “processo de anti-racismo político” organizado em Saint-Denis algumas semanas mais tarde. Nele, minha colega Nacira Guénif, fantasiada de juiz, com ironia declarava-me “traidor da [minha] raça” e também “traidor da sociologia”20 20 Procès de l’antiracisme, Bourse du travail de Saint-Denis, 25 maio 2016. https://www.youtube.com/watch?v=fOtLQQ4nmro (último acesso em 20/04/2021). . O registro da traição explica sem duvida o impacto formidável de uma entrevista que, dois anos mais tarde, em 2018, dei sobre o (suposto) “racismo anti-branco”e que foi divulgada pelos canais France Culture e France Info. Eu começava a entrevista por lembrar que “tal racismo não existe para as ciências sociais, que isso não fazia sentido. Em contraste, é muito presente no discurso público”21 21 Le racisme anti-blanc existe-t-il ? France Culture (e France Info), 10 outubro 2018: https://www.franceculture.fr/societe/le-racisme-anti-blancs-existe-t-il (último acesso em 20/04/2021). . Assistida mais de um milhão de vezes, essa entrevista suscitou reações contrastantes, violentamente hostis ou calorosamente favoráveis, e ecoa até hoje. Entretanto, meus argumentos, afinal não muito originais, não “mereciam nem tanta honra, nem tamanha indignidade” (para citar um verso de Racine). Como compreeender que até mesmo a presidente do Rassemblement National,22 22 NT: Literalmente, Reunião Nacional. Trata-se do nome que o partido de extrema direita Front Nacional (Frente Nacional) assumiu a partir de 1o de junho de 2018. Marine Le Pen considerou importante condenar minhas análises? Minha hipótese é de que isso se deu porque eu falava em nome da ciência e invocava minha experiência como branco. Nesse sentido era mesmo um traidor da sociologia e de minha raça.

A partir desse elementos, é possível compreender a questão da “traição”. Ela é dupla. De um lado, a intervenção de um sociólogo branco pode afastar a suspeita que pesa sistematicamente sobre as minorias ou sujeitos minoritários quando eles se pronunciam sobre questões minoritárias. Por isso o vídeo com a entrevista conheceu um sucesso contínuo nas redes sociais, junto a um público racializado. Pela mesma razão ela provocou a ira dos majoritários que, em nome do universalismo, fustigam as políticas identitárias. Com efeito, pela minha aparência física e por invocar a autoridade da ciência, eu incarnava um desmentido vivo da idéia de que questões minoritárias seriam um problema apenas para minorias supostamente distantes da racionalidade científica. De outro lado, a virulência dos ataques desferidos contra mim traiam, se posso dizer assim, uma inquietude reativa: e se a lógica identitária caracterizasse não mais o ponto de vista minoritário, que interroga a norma, mas um comunitarismo majoritário? Com efeito, o “processo” a que fui submetido revela um pressuposto: normalmente, eu não deveria estar do lado dos “meus”, quer dizer, dos brancos ? O léxico da traição então desmente e revela os preconceitos; ele fala da cegueira dos majoritários que, de um lado, fixam as minorias em sua posição minoritária e, de outro, ignoram qualquer reflexividade. Eis porque, ao contrário, eu reivindico falar de raça e de gênero não a despeito de ser um homem branco, mas dado que sou um homem branco. É uma forma, inseparavelmente política e científica, de acabar com o “truque de deus”.

Como poderia não ser um homem branco?

“É exatamente a realidade da ‘raça’. Ela não existe, mas continua produzindo mortos” Colette Guillaumin (1981: 65GUILLAUMIN, Colette. 1981 ‘Je sais bien, mais quand même’, ou les avatars de la notion de race. Le Genre humain, n°1, La science face au racisme. Paris, Fayard, p. 55-65.)

Eu sei bem, mas mesmo assim: este é o modo de existência paradoxal da questão racial. É claro que não existe, embora continue a produzir efeitos sociais bem reais, Retomemos então a questão inicial: sou eu um momen branco? Sim, claro, é só me olhar. Não, isso não faz sentido, eu não sou isso. A questão mais interessante talvez seja: como eu poderia deixar de sê-lo em uma soiedade onde a racialização atinge não apenas as pessoas ditas racializadas, mas a todo mundo. A França não é branca, aliás, ela nunca foi; entretanto ela vem a ser, ou o menos pode estar em processso de se transformar em branca. Não em termos demográficos, mas politicamente. É o avesso da inquietação majoritária em relação a uma improvável “tirania das minorias”: a reafirmação de um projeto nacional majoritário, o que quer dizer uma França branca. Pode-se dizer o mesmo para outros países da Europa, para os Estados Unidos ou para o Brasil, apenas para trazer alguns exemplos. Nessas condições, quer dizer, situado em um tal contexto, como eu poderia não ser um homem branco?

Não se trata apenas de uma questão retórica. Ela não significa: eu não posso não ser...; mas: como posso evitar vir a me tornar? Como fazer para não acabar me identificando com isso? A resposta que esbocei nessas páginas é: trabalhando sobre a questão, nomeando e situando meu discurso na esperança de escapar dessas adscrições. Com efeito, situar o saber, nesse contexto, significa não adscrever (ou se adscrever) a um lugar. Bem ao contrário, significa desfazer o processo de adscrição e nomeá-lo para que o que é de uma evidência ofuscadora deixe de ser invisível. “Não fique no seu lugar!” Esse é um conselho minoritário que a jornalista Rokhaya Diallo usa como título de um ensaio cujo subtítulo é: “Como chegar lá, onde ninguém te espera” (Diallo, 2019DIALLO, Rokhaya. 2019. Ne reste pas à ta place! Comment arriver là où personne ne vous attendait. Marabout, Paris.). Mas qual é o lugar do majoritário? Ele não deve se esforçar por não ficar lá, onde todos o esperam?

A “traição” que me é imputada, como a outras pessoas, não tem nada de acidental: desfazer a adscrição passa com efeito por um processo de desidentificação. E a desidentificação como majoritário começa pelo reconhecimento de que se é assim identificado. Eu sou mesmo um homem branco? Sim, uma vez que sou constantemente colocado nessa posição e que esse processo de adscrição só deixa duas alternativas: ou a cumplicidade, ou a traição. Não, uma vez que me esforço em dizer o não-dito, em escapar ao devir-branco e em situar meu saber. Reconheço que o desconforto dessa situação não desaparece, mas, ao menos, não se está mais condenado à paralisia. O trabalho crítico permite fazer desse desconforto um desconforto produtivo. Implica rejeitar a culpa para acolher a responsabilidade. Sair da psicologia para entrar na política significa trocar de “programa”; pensar não o que esse mal-estar faz para mim, mas o que faço dele e o que, com os outros, podemos fazer dele.

Esse texto em primeira pessoa fala de mim, mas a singularidade leva à pluralidade, pois ela fala de um nós. Ele trata não apenas dos homens brancos, mas também da situação majoritária, procurando produzir simultaneamente um deslocamento e uma ampliação. Como vimos em relação à posição minoriária, também em relação à posição majoritára não devemos confundir a perspectiva de um grupo com o próprio grupo, ou seja o ponto de vista majoritário não é o da maioria. Para dizê-lo mais diretamente, o mal-estar não é reservado apenas aos homens brancos. Seja minoritária ou majoritária, a posição que se ocupa é sempre relativa: ela se define na relação com outros. Ela varia portanto conforme as situações: uma mulher branca ou um homem negro podem se encontrar, conforme o caso, de um lado ou de outro nas relações de poder. Somos sempre majoritários ou minoritários em relação a alguém. Isso não quer dizer que não reconheçamos que a intersecção da dominação de gênero e de raça delimita as mulheres não-brancas23 23 NT: No original, de couleur. como grupo minoritário, sendo que poderíamos mesmo ampliar os critérios de minoração acrescentando a dimensão da sexualidade, da deficiência etc.

Mas é importante reconhecer: a produção dos saberes não é igualmente partilhada. Trata-se também de uma questão de classe e passa pelo capital cultural e pelo capital social. Contribuir com as representações sobre o mundo, sejam científicas ou não, aprofunda a separação entre as pessoas que representam e aquelas que são representadas no âmbito de uma relação de poder, cuja intensidade é maior principalmente quando os primeiros reivindicam falar pelos segundos. Entre as próprias minorias, há os que tomam a palavra, às vezes demasiadamente, e os que nunca ou pouco o fazem. É certo que é necessário questionar a autoridade dos saberes majoritários para poder autorizar os saberes minoritários, mas resta ainda que ao mesmo tempo que são afirmados, os saberes minoritários devem também ser interrogados. O “lugar de fala”, para retomar aqui os termos de Djamila Ribeiro (2019RIBEIRO, Djamila. 2019. Lugar de Fala. Pólen Livros, São Paulo.), é menos um ponto imóvel no espaço social e mais uma situação, ao mesmo tempo móvel e relativa. A lição política da epistemologia feminista não é a de fazer com que, autorizado agora por sua posição minoritária, um outro discurso ocupe o lugar (ou o não-lugar) do discurso majoritário. Sua lição é a de criticar de um ponto de vista minoritário todo o saber que não problematize sua própria posição. Minoritário ou majoritário, não se trataria sempre de se situar? E de se situar não para se fixar em um lugar, mas, ao contrário, para justamente resistir a essa espécie de prisão domiciliar que implica qualquer processo de adscrição?

Referências Bibliográficas

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  • 1
    Tradução: Sérgio Carrara (CLAM/IMS/UERJ), scarrara1@gmail.com. Atividade desenvolvida no contexto do Projeto CAPES/COFECUB Gênero Ameaça(n)do, coordenado por Éric Fassin e Anna Paula Uziel.
  • 2
    Chamado de “As cores do antirracismo”, o diálogo entre Mara Viveros Vigoya (2020VIGOYA, Mara Viveros. 2020. As cores do antirracismo (na Améfrica Ladina), 2020, Sex., Salud Soc. (Rio J.), n. 36 , Rio de Janeiro, Dec. p.19-34.) e Eric Fassin pode ser conferido em https://www.youtube.com/watch?v=Yo2vqhKLlV8. O artigo que Viveros desenvolveu a partir desse diálogo foi publicado no número 36 de Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana com o título “As cores do antirracismo (na Améfrica Ladina)”.
  • 3
    Como indica o título desse artigo, invocarei aqui apenas duas de minhas propriedades majoritárias: ser “homem” e “branco”. Seria pertinente apontar também a heterossexualidade, uma vez que meus trabalhos acadêmicos e engajamentos políticos envolvem igualmente os direitos das minorias sexuais. Isso seria ainda mais necessário pelo fato dessas diferentes propriedades serem “consubstanciais”, para lembrar a expressão utilizada pela socióloga francesa Danièle Kergoat (2010KERGOAT, Danièle. (2010). Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos estudos CEBRAP, (86), 93-103.). Entretanto, do meu ponto de vista, tratar dessa propriedade requereria uma análise diferente e que pretendo desenvolver em outro momento, pois a homossexualidade nem sempre é “visível”. Assumir a própria heterossexualidade não tem, portanto, o mesmo sentido que nomear aquilo que não parece ser necessário dizer: o sexo e a raça. Aliás, nos combates pela igualdade sexual, escolhi jamais fazer um “coming out heterossexual” justamente por temer validar o estigma homofóbico ao procurar aparentemente evitá-lo.
  • 4
    Ver matéria no Le Monde, https://www.lemonde.fr/politique/article/2020/06/10/il-ne-faut-pas-perdre-la-jeunesse-l-elysee-craint-un-vent-de-revolte_6042430_823448.html (último acesso em 16/04/2021).
  • 5
    Ver https://www.elysee.fr/emmanuel-macron/2020/10/02/la-republique-en-actes-discours-du- president-de-la-republique-sur-le-theme-de-la-lutte-contre-les-separatismes.
  • 6
    Ver, https://twitter.com/Europe1/status/1319164632007847936?s=20 (último acesso em 16/04/2021).
  • 7
    Ver https://www.soundofscience.fr/2648?fbclid=IwAR1_VI_3M3JiYPk2a1a7FKYG8nT9i4x 738 xZMfoeFarXtAcisTm_-7WSeLs (último acesso em 16/04/2021).
  • 8
    NT: A expressão utilizada no texto original é “ouvrir la voix” e faz referência ao título de um documentário lançado em 2017, produzido por uma mulher negra, Amandine Gay, que dá voz a outras mulheres negras. Há aí um jogo de palavras uma vez que, em francês, “ouvrir la voix” (“abrir a voz”) e “ouvrir la voie” (“abrir o caminho”) são expressões homófonas. Para o documentário, ver https://ouvrirlavoixlefilm.fr/ (último acesso em 16/04/2021).
  • 9
    Ver https://blogs.mediapart.fr/eric-fassin/blog/090419/contre-publics-minoritaires (último acesso em 16/04/2021).
  • 10
    NT: Ver https://mouvements.info/category/intersectionnalite/ (último acesso em 08/04/2021).
  • 11
    NT: Com o título “As Artimanhas da razão imperialista”, o artigo de Bourdieu e Wacquant a que se refere o autor foi publicado no Brasil em 2002, na revista Estudos Afro-Asiáticos.
  • 12
    La phrase d’Olympe de Gouges é citada em Scott (1996: 4).
  • 13
    NT: No texto original, “qui suis-je, moi qui parle?” O autor recorre à distinção entre je e moi que se remete a diferentes posições de sujeito e que, em português, seria recoberta de modo impreciso pela oposição entre eu e mim.
  • 14
    NT: No original, assignées. Do mesmo modo, assignation foi traduzida por adscrição.
  • 15
    NT: No original: assujettis.
  • 16
    Esse trecho de um panfleto da Resistência Francesa, acompanhado do desenho de uma forca, foi reproduzido em uma carta anônima islamofóbica enviada à minha casa na véspera do Natal de 2013.
  • 17
    Uma escritura inclusiva, que marca a recusa à masculinização linguística, é igualmente visada nas polêmicas atuais e por isso me interessa utilizá-la nesse ponto de minha reflexão.
  • 18
    NT: No original, vendre sa mèche.
  • 19
    Na tradução francesa, Diane Lamoureux conservou as palavras em inglês (Lamoureux, 2016LAMOUREUX, Diane. 2016. “Introduction”. In: Collins, Patricia Hill, La pensée féministe noire. Montréal: Remue-Ménage.). NT: A mesma opção foi tomada na tradução publicada no Brasil (Collins, 2016COLLINS, Patricia Hill. 2016. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Sociedade e Estado, 31(1), 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
    https://doi.org/10.1590/S0102-6992201600...
    ).
  • 20
    Procès de l’antiracisme, Bourse du travail de Saint-Denis, 25 maio 2016. https://www.youtube.com/watch?v=fOtLQQ4nmro (último acesso em 20/04/2021).
  • 21
    Le racisme anti-blanc existe-t-il ? France Culture (e France Info), 10 outubro 2018: https://www.franceculture.fr/societe/le-racisme-anti-blancs-existe-t-il (último acesso em 20/04/2021).
  • 22
    NT: Literalmente, Reunião Nacional. Trata-se do nome que o partido de extrema direita Front Nacional (Frente Nacional) assumiu a partir de 1o de junho de 2018.
  • 23
    NT: No original, de couleur.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2020
  • Aceito
    30 Mar 2021
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