Há alguns anos, a professora Ana Sofia d’Oliveira publicou um excelente editorial – O Valor de um Artigo [ 1 ]. Sua análise cita os dois fatores preponderantes para o desenvolvimento técnico-científico que resulta em uma publicação de qualidade: uma infraestrutura adequada e o investimento humano. Ainda, pondera que o investimento humano, embora difícil de mensurar, se quantificado ultrapassaria aquele valor dispendido para proporcionar a disponibilidade de equipamentos e materiais. Finalmente, traçando um paralelo com os países desenvolvidos, cita a capacidade criativa e solidariedade da comunidade científica e industrial como contraponto ao reduzido investimento em pesquisa em nosso país.
Concordo plenamente com a análise, mas gostaria de falar um pouco mais sobre as adversidades inesperadas, que somam-se à falta de investimento e infelizmente também ocorrem com maior frequência em países como o nosso e, se não enfrentadas, podem ser um grande desestímulo à pesquisa. Para ilustrar esse tipo de situação vou citar dois casos vivenciados neste último ano.
Aqueles que costumavam acessar artigos publicados ou buscar informações sobre a Revista Soldagem & Inspeção devem ter notado que o link para o site da revista na homepage da ABS está fora do ar há algum tempo. Em março de 2018 começou-se a discutir a transferência da hospedagem do site, que diferentemente do site da revista no SciELO, continha os fascículos completos incluindo capa e todas as seções presentes na versão impressa da revista. O que ocorreu é que durante o processo de discussão sobre a transferência dos arquivos, a página simplesmente foi apagada. Apesar da intercessão dos professores relacionados à área de soldagem da instituição, não houve nenhuma resposta e nenhum “profissional” responsável pela área de TI assumiu a autoria do fato ou disponibilizou backup dos arquivos lá hospedados, com evidente prejuízo para a revista e seus usuários.
O segundo fato diz respeito a um processo de doação de equipamento de uma indústria para a universidade. Há mais de um ano, uma empresa, líder de mercado, que atua na fabricação de ferramentas motorizadas manuais decidiu doar uma cabine de Raios X utilizada para inspeção de componentes e consultou universidades e centros de pesquisa sobre o interesse em recebê-la. Evidentemente, manifestei interesse do LS&TC em contar com tal equipamento para inspeção de juntas soldadas. Devido às especificidades que envolvem a transferência deste tipo de equipamento (local adequado, plano de proteção radiológica, autorização da CNEN) as tratativas demoraram mais de um ano, prazo razoável face aos benefícios para ensino e pesquisa de um equipamento que não teríamos condições de adquirir de outra forma. A adversidade, nesse caso, surgiu quando durante o processo descobriu-se que para doar o equipamento para a universidade (pública) a empresa deveria arcar com os impostos no valor de aproximadamente 20% do valor do equipamento (mais de U$ 20,000). Muitas vezes reclamamos da falta de interação entre empresa e universidade, mas esse tipo de barreira imposta por uma legislação que não leva em consideração o círculo virtuoso que um ato como esse produz, certamente constitui um desestímulo à cooperação reduzindo as possibilidades de interação com consequente melhoria na infraestrutura de instituições de ensino e pesquisa.
Tais exemplos de forma alguma contrariam ou desmentem a análise citada inicialmente, pelo contrário, corroboram a importância de criatividade, solidariedade e trabalho, para superar as dificuldades. Não citei estes dois exemplos como desestímulo, ao contrário, quero apenas afirmar que quando adversidades se materializam seja na forma de incompetência, má fé, falta de visão ou simplesmente algo imponderável, sempre há como vencê-las.
Criatividade e trabalho hão de restituir o material contido no site da ABS e novamente disponibilizá-lo a seus usuários. Solidariedade, firmeza de propósito e crença no futuro fizeram a empresa citada acima arcar não somente com os impostos como também com treinamento, manutenção e posta em marcha do equipamento, que em breve estará em operação.
Certamente, cada estudante/pesquisador poderia citar situações semelhantes que tiveram que ser superadas no curso de suas investigações e desenvolvimentos. Vamos continuar demonstrando na prática o valor de nosso trabalho e, quando necessário, a capacidade de vencer as adversidades produzindo artigos de qualidade. Embora a parcela da comunidade científica e industrial que trabalha com soldagem seja enorme, me atrevo a dizer que a quantidade de artigos recebidos para avaliação na S&I não faz jus à sua dimensão. O rigoroso processo de avaliação (no último ano, apenas 45% dos artigos submetidos foram aprovados) não deve soar como adversidade. Pelo contrário, deve servir de estímulo pois assegura que artigos interessantes e úteis sejam publicados, além de proporcionar aos autores a satisfação de publicar em um autêntico e qualificado veículo de difusão do conhecimento, sem nenhum custo de publicação.
Estamos aguardando sua contribuição.
Referências
-
1 Oliveira ASC. O valor de um artigo. Soldagem e Inspeção. 2015;20(4):381-382. http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/SI2004.01.
» http://dx.doi.org/10.1590/0104-9224/SI2004.01
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2018 -
Data do Fascículo
Dez 2018
Histórico
-
Recebido
18 Fev 2019 -
Aceito
18 Fev 2019