Acessibilidade / Reportar erro

Arenização: dinâmica climática atual, erosiva-deposicional e de usos e cobertura da terra no Pampa brasileiro

Resumo

No Oeste do estado do Rio Grande do Sul, há manchas de areia (denominadas areais) inseridas na paisagem do Pampa brasileiro. Estes areais são associados a depósitos eólicos instáveis e/ou estáveis e representam a herança de climas mais secos do que o atual, fornecendo evidências paleoclimáticas importantes para a compreensão da evolução desta paisagem. Atualmente, os depósitos de areia, que têm sua gênese em climas secos, estão sujeitos, ao mesmo tempo, à ação eólica, nas estações secas, e às erosões superficial e subsuperficial, em estações chuvosas, o que remobiliza os sedimentos inconsolidados, dando início ao processo de arenização e à formação de areais. Propõe-se, neste estudo, identificar, classificar e mapear estas paleofeições eólicas (depósitos eólicos estáveis e areais), na sequência, busca-se compreender suas dinâmicas erosiva e deposicional e, por fim, avaliar os contextos da evolução e da pressão agrícola dos sistemas de pastoreio e das monoculturas na área de estudo, os quais caracterizam o Pampa. Pode-se afirmar que os depósitos eólicos estáveis exibem formas remodeladas pelas erosões pluvial e fluvial, apresentando, ainda, diferentes graus de preservação morfológica, em relação àquelas do passado recente, razão pela qual o relevo de colinas atuais pode ser associado aos campos de dunas longitudinais do Holoceno. Quanto à dinâmica agrícola, a conversão de uso destas colinas, sobretudo, de campo herbáceo, utilizado para o pastoreio, em áreas de monoculturas arbóreas e de grãos intensificou a pressão sobre os recursos hídricos, sobre a vegetação herbácea e sobre os solos (Neossolos Quartzarênicos), particularmente sensíveis às erosões hídrica e eólica.

Palavras-chave:
Dinâmica eólica continental; Quaternário; Formações superficiais Dinâmicas agrícolas

Abstract

In the western part of the Rio Grande do Sul state - Brazil, there are sand spots (called areais) embedded in the Brazilian Pampa landscape. These sand spots, which are associated with unstable and/or stable aeolian deposits, are a legacy of drier climates from the past rather than the present one. Therefore, they provide important paleoclimatic evidence for understanding the evolution of this landscape. Currently, the sand deposits, which had their genesis in dry climates, are subject, at the same time, to wind action in the dry seasons, and surface and subsurface erosion in the rainy season, which remobilizes the unconsolidated sediments, initiating the sandization process and the formation of sand spots. In this study, we propose to identify, classify, and map these aeolian paleofeatures (stable aeolian deposits and sandstones), to understand their erosional and depositional dynamics, and to evaluate the contexts of evolution and agricultural pressure of grazing and monoculture systems in the study area, which characterize the Pampa. It can be stated that the stable aeolian deposits exhibit forms remodeled by pluvial and fluvial erosions, still presenting different degrees of morphological preservation concerning those of the recent past, which is why the present hills can be associated with Holocene longitudinal dune fields. As for agricultural dynamics, the conversion of these hills, mainly from pastureland, used for grazing, into tree and grain monocultures has intensified the pressure on water resources, herbaceous vegetation, and soils (Quartz Neosols), which are particularly sensitive to water and wind erosion.

Keywords:
Continental wind dynamics; Quaternary; Superficial formations; Land use changing

INTRODUÇÃO

Na paisagem aberta do Pampa, os depósitos eólicos, sobretudo, os depósitos estáveis (não ativos), que ainda não estão em processo de arenização, são cobertos por vegetação típica dos campos nativos deste ecossistema. Estes se caracterizam como uma vegetação arbustiva e herbácea sobre as colinas (coxilhas, na denominação regional) de sedimentos eólicos inconsolidados e, portanto, frágeis, desde os pontos de vista litológico, pedológico e geoecológico.

Em síntese, os areais resultam do retrabalhamento de depósitos arenosos de formações superficiais quaternárias, decorrentes de dinâmicas morfogenéticas atuais, nas quais os processos hídricos superficiais, particularmente, o escoamento concentrado dos tipos ravina ou voçoroca, associados às chuvas torrenciais, expõem, transportam e depositam areia, dando origem à formação de areais, os quais, em contato com o vento, tendem a uma constante remoção (SUERTEGARAY, 1987SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. A trajetória da Natureza: um estudo geomorfológico sobre os areais de Quaraí - RS. 1987. 243 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987.; VERDUM, 1997VERDUM, Roberto. Approche géographique des “déserts” dans les communes de São Francisco de Assis et Manuel Viana, État du Rio Grande do Sul, Brésil. 1997. 211 f. Tese (Doutorado) - Université de Toulouse II, Le Mirai, 1997.; SUERTEGARAY et al., 2001; SUERTEGARAY & VERDUM, 2008).

Além disso, reconhece-se que estas morfologias são degradadas, a partir da recente pressão agrícola exercida sobre a cobertura de pastagens nativas em solos arenosos (Neossolos Quartzarênicos). A introdução dos cultivos mecanizados, como o do trigo, a partir de 1950, o da soja, a partir de 1970, e o da silvicultura, a partir dos anos 2000, sobre o relevo de colinas arenosas de “[...] fácil manejo, cobertos pela vegetação herbácea típica do Pampa, criou uma nova paisagem”, sobretudo, pela conversão de área de campo em lavoura, “[...] onde, até então, predominava a pecuária extensiva” (VERDUM, 2016VERDUM, Roberto. Paisagem do Pampa: monotonia que se rompe no espaço e no tempo. In: CHOMENKO, L.; BENCKE, G. A. (Org.). Nosso Pampa Desconhecido. Porto Alegre: Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, 2016. 50 p. Available at: http://www.fzb.rs.gov.br/upload/20160429181829nosso_pampa_desconhecido.pdf. Accessed on: September 18, 2021. ISBN 978-85-60378-12-8.
http://www.fzb.rs.gov.br/upload/20160429...
, p. 50).

No contexto da evolução agrícola, o Sul do Rio Grande do Sul é a região que tradicionalmente desenvolve a pecuária extensiva, contudo os agricultores vêm mudando os usos e manejos de suas fazendas, com as produções de arroz nas várzeas e com o estabelecimento de pastagens artificiais e de cultivos de milho, de trigo e de soja nas colinas, além do plantio de monoculturas arbóreas exóticas, como a do eucalipto, também sobre os relevos de colinas, o qual vem se ampliando, recentemente. Neste espaço, sob as dinâmicas de um clima subtropical, a intensificação de tais cultivos é acompanhada por pressões sobre os recursos hídricos e sobre os solos, que são particularmente sensíveis à erosão, sobretudo, na área de estudo (CORBONNOIS et al., 2014CORBONNOIS, Jeannine; LAURENT, François; ANDREU-BOUSSUT, Vincent; MESSNER, François; VIEIRA, Rosa Medeiros; SOGUE, Makhtar. L’intensification des pratiques agricoles et la mobilisation des ressources naturelles dans La Pampa du Sud du Brésil. Vertigo, v. 14, n. 1, maio 2014. https://doi.org/10.4000/vertigo.14590
https://doi.org/10.4000/vertigo.14590...
).

Diante do exposto, surgem as reflexões seguintes: a) as dinâmicas sedimentares são oriundas, em parte, dos processos geomorfológicos do passado e, de outra parte, das ações eólicas recentes, em conjunção com as transformações históricas pela ocupação e uso da terra?; e b) como estão ocorrendo a construção e a exumação de novas morfologias e de sedimentos tipicamente eólicos antigos?

Portanto, com este estudo, pretende-se, inicialmente, identificar, classificar e mapear as paleofeições geomorfológicas eólicas do Oeste do Rio Grande do Sul, procurando compreender sua dinâmica erosiva, para associá-las aos contextos da evolução e da pressão agrícola, sobretudo, dos sistemas de pastoreio e das monoculturas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Apresentação e relevância da área de estudo

A ocorrência dos areais se limita ao meridiano de 54ºO, pelas fronteiras com a Argentina e com a República Oriental do Uruguai. O fenômeno da arenização abrange dez municípios do Oeste do Rio Grande do Sul (Figura 1) e vem sendo estudado há cerca de quatro décadas. No entanto, ainda há muito a ser pesquisado nessa temática, sobretudo, pela importância do conhecimento deste fenômeno para os desenvolvimentos adequados da agricultura, introduzidas na região há algumas décadas, e da pecuária, aptidão primária dos campos de colinas do Pampa.

Cabe salientar que, com exceção dos areais do município de Quaraí, os demais núcleos arenosos ocorrem na área de abrangência da bacia hidrográfica do rio Ibicuí, a qual pertence à Região Hidrográfica do Uruguai (U050) e compreende uma área de 36.397,69 km² (GUASSELLI, 2012GUASSELLI, Laurindo Antonio. O mapeamento de areias a partir de sensoriamento remoto. In: SUERTEGARAY, D. M. A.; SILVA, L. A. P. da; GUASSELLI, L. A. (Org.). Arenização: natureza socializada. Porto Alegre: Compasso Lugar-Cultura; Imprensa Livre, 2012. p. 97-123. ISBN 978-85-7697-318-8.).

Figura 1
Mapa de localização dos municípios com processos da arenização, nos quais os areais estão representados pelos pontos vermelhos.

Destaca-se, ao mesmo tempo, que, atualmente, a região conjuga fatores que favorecem à formação de areais, como, por exemplo, a topografia de terras baixas, o regime de ventos apropriado (em velocidade e em direção) e a disponibilidade de sedimentos arenosos (areia quartzosa), expostos à ação dos ventos, para transporte e para posterior deposição. Estes fatores caracterizam os elementos fundamentais na composição da paisagem atual.

A arenização ocorre sobre dois compartimentos geomorfológicos (Figura 2): a) a Cuesta do Haedo, enquanto compartimento geomorfológico, na escarpa erosiva do Planalto Meridional, caracterizando áreas de relevo acidentado e com presença de relevos testemunhos; e b) a Depressão Central Gaúcha ou Depressão Periférica, em que predominam as paisagens do Pampa brasileiro, com presença de relevos dos tipos colinas (coxilhas) e morros testemunhos (cerros), com cotas altimétricas de até 200 m.

Figura 2
Unidades geomorfológicas do Rio Grande do Sul e da área experimental de estudo.

Assim, os areais ocorrem predominantemente nos compartimentos de colinas com substrato arenítico fluvial, intercalados por depósitos eólicos da Fr. Guará (Jurássico Superior) e por arenitos eólicos da Fr. Botucatu (Jurocretáceo), sendo, em grande parte, originários de deposições eólicas recentes, admitindo-se a fragilidade das morfologias de colinas, em virtude da presença de vegetação herbácea rarefeita (ou da sua ausência), de solos incipientes e de formações superficiais holocênicas inconsolidadas.

O recorte espacial escolhido, com cerca de 144 mil ha (Figura 2), situa-se entre os municípios de Alegrete e de Manoel Viana, ao longo da BR-377, nas coordenadas 29°44'30"S; 55°37'0"W e 29°57'30"S; 55°22'0"W. Optou-se por esta área, pois apresenta as formas típicas de ação eólica (abrasão e sedimentação) do passado recente e a complexidade dos processos geomorfológicos analisados na pesquisa.

Neste recorte espacial, identifica-se uma série de morfologias, associadas aos depósitos eólicos estáveis e/ou instáveis, aos areais ativos e a outras feições geomorfológicas, que serão detalhadamente destacadas, a seguir.

Procedimentos metodológicos e operacionais

O caminho metodológico aplicado ao mapeamento das formações superficiais e das feições

Para fins de espacialização das formações superficiais, Pfaltzgraff (2003PFALTZGRAFF, Pedro Augusto dos Santos. Cartografia das Formações Superficiais na Região Metropolitana do Recife. In: IX CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, Recife, 2003. Anais... Recife, 2003.) destaca que o produto final de um mapeamento deve conter informações detalhadas sobre as unidades residuais e transportadas, sobre a origem do material, sobre o substrato aflorante (com indicação do tipo litológico), sobre os elementos de neotectônica, sobre as feições erosivas com significado regional, sobre a cronologia relativa, sobre os recursos minerais, sobre as feições relevantes do modelado e sobre as características físicas dos materiais.

Isto posto, elaborou-se a chave de interpretação para o mapeamento de detalhe (Quadro 1). No entanto, antes, foi necessário realizar um amplo levantamento, referente às metodologias aplicadas ao mapeamento de formações superficiais, sobretudo, quanto aos depósitos eólicos estáveis interiores continentais, incluindo revisão bibliográfica sobre estudos de geologia, de geomorfologia e de sedimentologia, especialmente, os relativos à região da área de estudos e de trabalho de campo.

Quadro 1
Chaves de interpretação para o mapeamento das feições geomorfológicas.

Logo, para a escolha do recorte espacial, observou-se o agrupamento do maior número de atributos relevantes: a presença de depósitos eólicos, os areais, os afloramentos de blocos areníticos, as falhas geológicas (enquanto condicionantes estruturais de ancoragem), os lagos em bacia de deflação, as paleodrenagens (valões) soterrados ou em reativação (por depósitos eólicos), os depósitos de origem eólica, entre outras características postas em evidência.

O levantamento destes atributos subsidiou a elaboração da chave de interpretação para o mapeamento, aplicada a partir de fotointerpretação digital, isto é, de classificação visual de imagens de alta resolução espacial, disponibilizadas pelo Google Earth Pro, e de imagens SRTM/TOPODATA (com resolução espacial de 30 m), os quais passaram por validação em trabalho de campo.

O pré-processamento da base para a fotointerpretação digital consistiu da transformação de fotos áreas analógicas em digitais, formadas por par estereoscópico pelo método anáglifos, passíveis de serem manipuladas diretamente em meio digital 3D, em qualquer software de geoprocessamento.

As primeiras fotografias aéreas analógicas analisadas na pré-visualização, do ano de 1990 e na escala de 1:60.000, foram obtidas, junto à 1ª Divisão de Levantamento do Exército Brasileiro (DSG, 1990). Após a delimitação da área experimental, foram usadas fotografias aéreas (com escala de 1:60.000, obtidas nos anos de 1964/1965) (DSG, 1964) constantes do acervo da biblioteca do Instituto de Geociências da UFRGS.

Em seguida, foram identificados e vetorizados os depósitos eólicos estáveis e/ou instáveis, a partir da interpretação visual de informações qualitativas do objeto estudado, através da fotointerpretação digital 3D em anáglifos, anteriormente preparados. Feitas as primeiras considerações sobre a localização e sobre o padrão morfológico dos depósitos eólicos, realizou-se o mapeamento de todos os atributos e das feições a serem qualificados e/ou quantificados.

O caminho metodológico aplicado ao mapeamento de uso e cobertura da terra

O mapeamento dos usos e coberturas da terra se deu por processamento digital de duas cenas de imagens orbitais da missão satelital Landsat: (i) uma, do sensor Thematic Mapper (TM) do Landsat 2 (órbita/ponto), com resolução espacial de 80 m e com data da passagem em 16/01/1982; e (ii) outra, do sensor TM do Landsat 8 (órbita/ponto), com resolução espacial de 30 m e com passagem em 28/09/2016. Ambas estão disponíveis no portal do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Todos os processamentos aplicados ao mapeamento de uso foram realizados no software ArcGIS 10.5 e QGIS3.22. No ambiente do software ArcGIS 10.5, foi utilizada, ainda, a ferramenta Basemap, para auxiliar na identificação, na vetorização e na quantificação de focos de arenização e/ou de areais ativos, por meio da interpretação visual das imagens de alta resolução espacial.

A classificação e a definição dos tipos de uso ocorreram, a partir do sistema de classificação de cobertura e uso da terra sugerido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que aborda um sistema multinível de classificação, com três níveis de abstração e, dando origem a um sistema básico de classificação das coberturas e usos da terra, sendo possível interpretar vários usos de áreas: antrópicas e não agrícolas; antrópicas agrícolas; de vegetação natural; águas; e outras áreas - unidades de conservação, de proteção, de uso sustentável, terras indígenas etc. (IBGE, 2013).

Assim, para o mapeamento de uso recente (TM-Landsat 1/2016), a classificação das áreas ocorreu, através do método de classificação supervisionada, no qual foram destacadas cerca de 80 amostras de treinamento por tipo de uso. Para a composição da imagem, foram utilizadas as bandas de 1 a 6 (R(5)G(3)B(1)). A coleta das amostras dos tipos de uso Campo e/ou Pastagem foi realizada com maior número de amostras de menor tamanho, considerando a maior diferença perceptível entre os pontos na imagem aérea.

O processamento das imagens foi realizado no ArcGIS 10.5 usando a extensão Spatyal Analyst Ttools ( Image Classification. Assim, as 80 amostras de treinamento foram coletadas com a ferramenta “Training Sample Drawing Tools” e, com a ferramenta “Training Sample Manager” foram identificadas e agrupadas por classe de uso da terra. Em “Create Signature File”, gerou-se o arquivo com as amostras coletadas e finalizou-se a classificação supervisionada seguindo o caminho: barra de “Image Classification ( Classification ( Maximum Likelihood Classification”.

O mapeamento dos usos na imagem de 1982 foi realizado, a partir da classificação supervisionada interativa, porém sua execução ocorreu com uma maior quantidade de coleta de amostras (em média, 100 por uso), tendo em vista que este foi realizado com imagens do satélite Landsat 2, com menores resolução espacial e quantidade de bandas. A composição de bandas para a classificação foi feita em R(2)G(1)B(3).

O processamento de imagens no Qgis3.22 foi realizado utilizando o complemento Semi-Automatic Classification Plugin (SCP) ( SCP: ROI Creation ( SCP: Classification. Com o complemento SCP habilitado, ativa-se as barras de ferramentas para a classificação. Em SCP: ROI Creation, realizou-se a coleta das amostras, vinculando-as as classes de uso da terra e, exportando-as em arquivo ROI com formato shapefile. Posteriormente, em SCP: Classification, define-se as tonalidades dos usos. Por fim em Classification Algorithm define-se o método de máxima verossimilhança e efetua-se a classificação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dinâmicas hídricas e eólicas na remobilização dos areais

Como já mencionado, a gênese dos areais é natural, visto que sua formação resulta do processo de arenização de depósitos arenosos não consolidados, retrabalhados pelas dinâmicas hídrica e eólica, ao longo do tempo geológico. Assim, estes depósitos eólicos estão sujeitos, ao mesmo tempo, à ação eólica, nas estações secas, e às erosões hídricas superficial e subsuperficial, em estações chuvosas, as quais remobilizam os sedimentos eólicos inconsolidados, dando início ao processo de arenização e à formação de areais (GOMES, 2019GOMES, Tania Cristina. Feições eólicas quaternárias e vulnerabilidades agrícolas em áreas de Arenização no Pampa Brasileiro. 2019. 294 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.).

Em geral, os depósitos eólicos não possuem padrão morfológico ou orientação definida de deposição. Porém, os depósitos eólicos estáveis exibem formas originais, remodeladas pelas erosões pluvial, fluvial, apresentando diferentes graus de preservação, quanto à morfologia eólica (ibidem) (Figura 3A, B, C e D).

Figura 3:
Mosaico de colinas em depósitos eólicos estáveis e/ou instáveis (com areais ativos) associados a campos de dunas

Entretanto, se analisarmos os depósitos instáveis (areais reativados pela dinâmica climática atual), é possível inferir que estes areais apresentam uma orientação regional. Igualmente, na escala regional, são observadas colinas, associadas a campos de dunas (dune fields) do Quaternário, sobretudo, do Holoceno, dispostas de forma alongada no sentido SE (face de barlavento) para NO (face de sotavento), demonstrando o sentido preferencial de paleoventos, formando um corredor de deposição (Figura 4).

Figura 4
Mapa das feições geomorfológicas.

Os depósitos eólicos estáveis, com cobertura herbácea e com afloramentos rochosos, ainda permitem identificar a abrasão na face a barlavento (SE) e proporcionar a deposição eólica a sotavento (NO). Também podem apresentar pequenos lagos em deflação (lunettes ou PAN), que consistem, basicamente, de áreas deprimidas pela abrasão eólica, originando pequenos e visíveis lagos deflacionados, atualmente, na forma de açudes. Além disso, os depósitos eólicos podem estar associados a canais fluviais soterrados pelas suas areias. Atualmente, é possível observar estes depósitos eólicos, barrando a continuidade da drenagem, visivelmente encaixada em áreas úmidas.

Relacionado ao contexto das dinâmicas climáticas atuais e às mudanças de usos da terra no Pampa, cuja aptidão primária é a pecuária, frisa-se o papel da produção agrícola contemporânea, na qual se instalaram, a posteriori, as monoculturas arbóreas e de grãos, trazendo alterações às relações entre as dinâmicas climáticas e meteorológicas, assim como às dinâmicas agrícolas do passado recente (década de 1970) e as atuais, as quais potencializam os processos erosivos/deposicionais sobre os depósitos eólicos, sobretudo, quanto àqueles, desprovidos de proteção da cobertura vegetal campestre.

Para a análise dos processos erosivos, sob a ótica da geomorfologia dinâmica, é relevante observar dados das precipitações diárias e mensais. A região pode acumular precipitações diárias de até 110 mm. Podem ocorrer fortes precipitações diárias na primavera (setembro, outubro e novembro), no outono (março, abril, maio e junho) e no mês de julho, no inverno, sendo que os meses de abril e de novembro apresentaram precipitações diárias mais intensas, enquanto os meses de dezembro, de janeiro, de fevereiro e de agosto apresentaram considerável redução nas precipitações. Este comportamento pluviométrico apresenta distintas consequências, sendo as principais delas a recarga dos reservatórios subterrâneos e o desencadeamento das fases de saturação do solo e de escoamento superficial concentrado, principal agente erosivo do tipo ravina, francamente ligado à gênese dos areais (VERDUM, 1997VERDUM, Roberto. Approche géographique des “déserts” dans les communes de São Francisco de Assis et Manuel Viana, État du Rio Grande do Sul, Brésil. 1997. 211 f. Tese (Doutorado) - Université de Toulouse II, Le Mirai, 1997.; SUERTEGARAY, VERDUM & GUASSELLI, 2001SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes; VERDUM, Roberto; GUASSELLI, Laurindo Antonio (Org.). Atlas da Arenização, Sudoeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria da Coordenação e Planejamento e Secretaria de Ciência e Tecnologia, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2001. 85 p.).

Para a região de ocorrência de processos de arenização, embora a precipitação média anual (de 1.400 mm/ano a 1.700 mm/ano) seja considerada elevada, esta ocorre entre 70 e 90 dias, concentrando-se em poucos dias (entre seis e nove dias, ao mês), nos meses de outono e de primavera. A temperatura média anual varia entre 20ºC e 23ºC, com temperaturas médias mensais oscilando entre 11ºC e 14ºC no mês mais frio e entre 23ºC e 29ºC no mês mais quente. Estes dados evidenciam a má distribuição da precipitação nesta tipologia climática, contrapondo-se à classificação anterior, que descrevia a região como de chuvas bem distribuídas (ROSSATO, 2011ROSSATO, Maíra Suertegaray. Os climas do Rio Grande do Sul: variabilidade, tendências e tipologia. 2011. 240 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.).

No período entre 2000 e 2017, as precipitações mensais no município de Alegrete (RS) foram elevadas (acima de 200 mm) e podem ter ocorrido chuvas diárias de 20 mm (de alto potencial erosivo) nos meses de setembro, de outubro e de novembro. O volume de chuvas também foi significativo em março, em abril e em maio. Os meses de abril e de novembro apresentaram os maiores volumes, chegando a 661 mm no mês de novembro, ratificando a premissa de ocorrência de maior volume de precipitação nestes meses. Em contraponto, os meses com menores precipitações (abaixo de 100 mm), nos quais podem ter ocorrido chuvas diárias de 3 mm (de baixo potencial erosivo), foram junho, julho e agosto (Figura 5).

Figura 5
Volume da precipitação mensal entre 2000 e 2017 em Alegrete (RS), Brasil (em azul, meses de precipitação considerada elevada, e em vermelho, meses de baixa precipitação)

A estreita relação entre as condições climáticas atuais e os processos erosivos/deposicionais da arenização mostra como a intensidade da ocorrência de meses secos ou de episódios chuvosos conduz a dinâmica erosiva nos depósitos eólicos, revelando fases do escoamento concentrado, bruscas e potentes, e, também, fases de prevalência da ação eólica em períodos de seca, promovendo processos morfogenéticos sobre as superfícies frágeis, do ponto de vista litopedológico, os quais são observados, especialmente, em processos dos tipos ravina e voçoroca, associados a depósitos eólicos holocênicos estáveis ou instáveis.

Este é o panorama geral das condições climáticas atuais do Oeste do Rio Grande do Sul, região que abriga amplos campos de coxilhas, cobertos por vegetação rasteira ou de pequeno porte, com exceção das áreas de mata ciliar, ao longo da rede de drenagem, e das vertentes, junto aos relevos testemunhos. Esta paisagem pode ser considerada um relicto, assim como os depósitos eólicos continentais estáveis, que, em condições climáticas contemporâneas, estão sujeitos aos processos erosivos superficiais e subsuperficiais.

Em períodos de alta precipitação sobre os depósitos eólicos estáveis e com cobertura vegetal rarefeita, o processo de escoamento concentrado subsuperficial produz o carreamento de sedimentos arenosas em subsuperfície (formação de piping) e a ocorrência de degraus de abatimento por coalescência de piping. Na sequência, estes evoluem em ravinas e em voçorocas, dando início ao processo de arenização, com a formação de areais. Estes ficam sujeitos à ação eólica em períodos de estiagem, acarretando a remobilização, o transporte e o depósito das areias, conforme as capacidades aerodinâmica e de ancoragem dos espaços.

Transformações agrícolas e a arenização

Quanto à dinâmica agrícola, a região que tradicionalmente desenvolvia a pecuária extensiva vem experimentando transformações nos usos das suas terras, através da introdução/consolidação das produções de arroz nas várzeas e de pastagens artificiais e de lavouras de milho, de trigo e de soja nas colinas, bem como, por último, do plantio de novas monoculturas arbóreas exóticas, como a do eucalipto. A intensificação destes cultivos é acompanhada por pressões sobre os recursos hídricos e sobre os Neossolos Quartzarênicos (CORBONNOIS et al., 2014CORBONNOIS, Jeannine; LAURENT, François; ANDREU-BOUSSUT, Vincent; MESSNER, François; VIEIRA, Rosa Medeiros; SOGUE, Makhtar. L’intensification des pratiques agricoles et la mobilisation des ressources naturelles dans La Pampa du Sud du Brésil. Vertigo, v. 14, n. 1, maio 2014. https://doi.org/10.4000/vertigo.14590
https://doi.org/10.4000/vertigo.14590...
), que são particularmente sensíveis à erosão.

Nesse sentido, para avaliar a degradação da terra, as limitações e as fragilidades do meio, bem como a pressão exercida pelos padrões agrícolas sobre o meio, foram analisadas as fases de ocupação do território, considerando dados estatísticos, como, por exemplo, os relativos à área ocupada por lavouras temporárias e por pastagens, a produção de cultivos temporários, a relação entre área ocupada com pastagem e com cabeças de gado, além da área ocupada por proprietários e por arrendatários. A análise destes dados permite compreender a diferenciação das formas de pressão, com base na diversidade de processos históricos, na persistência das práticas agrícolas e no estudo da intensificação da pecuária extensiva e da agricultura mecanizada especulativa (VERDUM, 1997VERDUM, Roberto. Approche géographique des “déserts” dans les communes de São Francisco de Assis et Manuel Viana, État du Rio Grande do Sul, Brésil. 1997. 211 f. Tese (Doutorado) - Université de Toulouse II, Le Mirai, 1997.).

Assim, na perspectiva da diversidade de processos históricos, a partir das primeiras formas de apropriação, até as formas contemporâneas de exploração dos recursos naturais, a partir da pecuária e da produção agrícola, pode-se dizer que os povos indígenas pouco transformaram a paisagem original, pois as pequenas populações nativas utilizavam apenas instrumentos rudimentares, como, por exemplo, o machado de pedra polida (VERDUM, 1997VERDUM, Roberto. Approche géographique des “déserts” dans les communes de São Francisco de Assis et Manuel Viana, État du Rio Grande do Sul, Brésil. 1997. 211 f. Tese (Doutorado) - Université de Toulouse II, Le Mirai, 1997.).

Do mesmo modo, no século XIX, não se pode falar de um território organizado ou de uma base econômica mais tecnificada, que possa conformar uma espécie de identidade regional, pois os conflitos e a indefinição da fronteira política entre as coroas portuguesa e espanhola não permitiram a organização de uma área agrícola no Rio Grande do Sul, à época. No entanto, já no século XX, pode-se falar de uma pressão agrícola consistente sobre os Campos Limpos (Pampa), notadamente, a partir da década de 1970, com o estabelecimento de culturas mecanizadas, facilitado pelo relevo suave das colinas cobertas pela vegetação herbácea e pelo fácil manejo dos solos, com a moderna agricultura, fortemente motomecanizada (VERDUM, 1997VERDUM, Roberto. Approche géographique des “déserts” dans les communes de São Francisco de Assis et Manuel Viana, État du Rio Grande do Sul, Brésil. 1997. 211 f. Tese (Doutorado) - Université de Toulouse II, Le Mirai, 1997.).

As pastagens naturais de colinas cobertas de herbáceas sempre foram utilizadas para a criação de gado, cuja tradição foi introduzida pelos missionários jesuítas, desde o século XVII. A pecuária predomina, até os dias atuais, entretanto a introdução de cultivos alimentares, sobretudo, o desenvolvimento de culturas agroindustriais, desde o século XIX, mudou a forma de ocupação da zona rural. Os criadores de gado dos Campos Limpos passaram a dividir o espaço com os agricultores do Planalto Meridional (planalto basáltico), situado ao Norte do estado, ou optaram pelo cultivo de grãos. Os agricultores migrantes introduziram as práticas mecanizadas na região, com vistas ao desenvolvimento das monoculturas, o que acentuou a pressão dos processos erosivos sobre a vegetação herbácea e sobre os solos arenosos friáveis (Neossolos Quartzarênicos) (VERDUM, 1997VERDUM, Roberto. Approche géographique des “déserts” dans les communes de São Francisco de Assis et Manuel Viana, État du Rio Grande do Sul, Brésil. 1997. 211 f. Tese (Doutorado) - Université de Toulouse II, Le Mirai, 1997.).

Desse modo, foram mapeados os usos e coberturas da terra entre os anos de 1982 e 2016, com a finalidade de conferir o crescente avanço das atividades agrícolas sobre os campos nativos do Pampa. Os usos mapeados foram: Campo, Mata Ciliar, Lavoura, Solo Exposto, Corpo d’água, Cultivo Irrigado e Areais (Figura 6).

Figura 6
Mapas de usos e cobertura da terra (1982 ( 2016).

Dos distintos usos mapeados, observa-se que a área destinada à lavoura se manteve praticamente igual, ao longo do período analisado (cerca de 2,74% da área total, em 1982, e de 2,52%, em 2016). Porém, o campo sofreu uma redução de cerca de 22%, passando de 74% da área total, em 1982, para cerca de 54%, em 2016 (Figura 6 e Tabela 1).

No entanto, houve um pequeno aumento da superfície destinada ao cultivo irrigado, que cresceu de cerca de 13%, em 1982, para cerca de 14%, em 2016. Houve aumento, também, da classe mata ciliar, que, em 1982, representava cerca de 12% da área total e, em 2016, passou a representar 22%.

Tabela 1
Cálculo de área por uso da terra.

A silvicultura é observada somente no ano de 2016, pois o incentivo ao plantio de exóticas teve início ao final da década de 1970, quando foram realizados os primeiros estudos, na 1ª fase do Plano-Piloto de Alegrete. O plantio efetivo de eucaliptos ocorreu posteriormente. Dados estatísticos para o município de Alegrete, disponíveis no Censo Agropecuário do IBGE, mostram um crescimento da área ocupada por lavouras (de 26 mil ha, em 1970, para 107 mil ha, em 2017) e uma diminuição das áreas de pastagens (de 680 mil ha, em 1970, para 575 mil ha, em 2017).

Em relação à produção de soja, esta não existia, em 1960, mas, em 2017, é o segundo maior cultivo produzido, passando de apenas 162 toneladas, em 1970, para cerca de 124 mil toneladas, em 2017.

Analisando a produção de outros cultivos temporários no município de Alegrete, identifica-se que o arroz é produzido, desde 1960, aumentando continuamente o seu rendimento. Foram produzidas cerca de 20 mil toneladas, em 1960, e cerca de 480 mil toneladas, em 2017, conforme os censos agropecuários do IBGE.

Os demais cultivos, de milho e de trigo, apresentam baixa produção, além de sofrer restrições naturais, especificamente, no caso do trigo, servindo para abastecer apenas o mercado local. Alegrete apresenta perfil diferente dos municípios vizinhos, nos quais a soja vem substituindo, inclusive, as lavouras de arroz e as pastagens, como mostram os números da produção de arroz no município. Este cultivo temporário foi o que mais cresceu, possivelmente, pela localização próxima ao rio Ibicuí e a seus tributários, cujas planícies aluviais são favoráveis a este cultivo.

Dados do Censo Agropecuário do IBGE mostram, ainda, a evidente diminuição da área ocupada por pastagem entre 1970 e 1985. A partir de meados de 1980, a atividade de cultivos ganha área, até 1996, ponto em que volta a perder espaço. A retomada do ganho de área destinada à pastagem ocorre, a partir de 2006, estendendo-se até os dias atuais (2017).

Figura 7
Relação entre a área ocupada com pastagem e com cabeças de gado em Alegrete (RS), Brasil.

A produção de gado se mantém constante e discreta, mas crescente, havendo um declínio entre os anos de 1985 e de 2006, com retomada na produção, até 2017. A questão global é a de que a produção de cabeças aumentou, ao longo dos anos, e a área de pastagem diminuiu, causando pressão sobre a cobertura vegetal herbácea e sobre o solo, correspondendo a um comportamento-padrão na região, pois os municípios vizinhos apresentam situações semelhantes.

Outro dado interessante diz respeito à aquisição de maquinário, utilizado na agricultura mecanizada. Em 1960, início da Revolução Verde, os agricultores de Alegrete cultivavam a terra com 382 tratores e, em 2017, este quantitativo ultrapassa duas mil unidades. Os demais tipos de maquinários utilizados no plantio e na colheita também se mantêm em taxas de aquisição constantes, segundo os censos agropecuários do IBGE.

Além disso, a sobreposição do mapeamento das feições geomorfológicas ao do uso e cobertura da terra estabelece uma relação entre processos erosivos lineares, usos e conversão de usos. A Tabela 2 mostra a área ocupada por cada feição geomorfológica, relativamente aos distintos usos, no entanto é preciso destacar que pode ocorrer um exagero de área no resultado, pois os cálculos foram apurados, a partir de dados raster e vetor, podendo implicar distorções no somatório final das áreas.

O uso mais significativo é o de campo, correspondendo a cerca de 52% da área total, sendo, ainda, uma característica natural do Pampa. Ao relacionarmos esse uso a depósitos eólicos, a areais e a processos erosivos, observa-se que, dos 74.456 ha, 15.605,28 são de depósitos eólicos, com ocorrência de 59,13 ha de areais e de 465,03 ha de processos erosivos.

Tabela 2
Uso e cobertura da terra x depósitos eólicos, areais e processos erosivos.

Ainda em relação à sobreposição do mapeamento das feições geomorfológicas ao do uso e cobertura da terra, observando os 26.557 ha de área de campo convertida em áreas de cultivo irrigado, de lavoura e de silvicultura, que caracterizam usos não adequados à aptidão primária do Pampa, é possível somar 187,29 ha de processos erosivos do tipo linear, inclusive, nesta pequena porção convertida.

Os depósitos eólicos e os areais, próximos à mata ciliar e a áreas de cultivo irrigado, majoritariamente, situados às margens dos cursos d’água, caracterizam depósitos fluviais, compostos de sedimentos, provenientes de depósitos eólicos e fluviais, os quais são de difíceis diferenciação e classificação, por serem compostos de sedimentos de origens eólica e fluvial.

Pode-se dizer, por fim, que os distintos usos das áreas sobre as colinas, associados aos depósitos eólicos, determinam as dinâmicas ambiental e econômica no Pampa brasileiro. A conversão de uso, sobretudo, de campo de pastoreio em lavoura, destinada a cultivos agrícolas, intensificou a pressão sobre os recursos hídricos, sobre a vegetação herbácea dos campos e sobre os solos, que são particularmente sensíveis à erosão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os depósitos eólicos estáveis e/ou instáveis guardam evidências das dinâmicas hídricas e eólicas na remobilização dos areais, influenciando na formação e na transformação da paisagem atual, abrigando características geomorfológicas específicas da região do Pampa brasileiro, inclusive, tornando-a única no mundo.

Os diferentes usos das colinas, associados aos depósitos eólicos estáveis e/ou instáveis, determinam as dinâmicas ambiental e econômica do Pampa brasileiro. Como já mencionado, o Pampa possui, como aptidão primária, a pecuária, e a conversão de uso, sobretudo, de campo de pastoreio em lavoura, destinada a cultivos agrícolas, intensifica a pressão sobre os recursos hídricos (superficiais e subsuperficiais), sobre a vegetação herbácea e sobre os solos mais sensíveis à erosão.

A fragilidade das morfologias eólicas, associada a práticas agrícolas inadequadas e incompatíveis com a pecuária, potencializam os processos erosivo-deposicionais sobre os depósitos eólicos e revelam a relação entre sociedade/natureza, sob novas variáveis, especialmente, as relacionadas às atividades econômicas, ligadas à agropecuária (pecuária extensiva e cultivo de monoculturas), fundamentais para o setor do agronegócio.

É importante estudar, no futuro, a ocorrência/continuidade do fluxo migratório de agricultores do Norte do estado, especialmente, de sojicultores, para o Oeste e para o Sudoeste, para produzir em terras arrendadas e, sobretudo, examinar os impactos da prática de conversão de campo em lavoura sobre os depósitos eólicos estudados, levando em consideração que o problema da arenização afeta em muito os pequenos e os médios produtores, revelando uma questão de indução à concentração fundiária.

Por fim, pode-se destacar, como outro estudo importante a ser realizado, a necessidade de identificação dos processos erosivos hídricos atuantes na rede de drenagem, os quais procuram reestabelecer suas dinâmicas, antes da deposição de sedimentos, em períodos de seca, que entulham os fundos dos vales e que, muitas vezes, estão sendo retomados pela intervenção dos produtores rurais. Nesse sentido, a geração e o agravamento dos processos erosivos, na forma de ravinas e de voçorocas, podem ser desencadeados e adensados, se não houver um monitoramento técnico.

REFERENCES

  • ALMEIDA, F.; TAPAHUASCO, W. F. C.; ODY, L. P.; CAMPAGNOLO, L. B. Estudos de correlação granulométrica de distintos solos de origem eólica. In: 9º SIEPE - SALÃO INTERNACIONAL DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO. Anais... Available at: https://guri.unipampa.edu.br/uploads/evt/arq_trabalhos/12492/seer_12492.pdf Accessed on: September 18, 2021.
    » https://guri.unipampa.edu.br/uploads/evt/arq_trabalhos/12492/seer_12492.pdf
  • AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Base Hidrográfica Ottocodificada da Bacia do Rio Uruguai. Available at: https://metadados.snirh.gov.br/geonetwork/srv/api/records/3d6a7031-5b18-45ea-ab41-39911975e51a Accessed on: March 23, 2022.
    » https://metadados.snirh.gov.br/geonetwork/srv/api/records/3d6a7031-5b18-45ea-ab41-39911975e51a
  • BRASIL. Exército Brasileiro. [Aerial Photography] /Diretoria de Serviço Geográfico - 1ª Divisão de Levantamento do Exército Brasileiro. 1965; 1990. Unpublished.
  • BRASIL. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Centro Estadual de Pesquisas em Sensoriamento Remoto e Meteorologia. [Metadata - Shapefiles] / Laboratório de Geoprocessamento e Análise Ambiental (LAGAM). Unpublished.
  • CORBONNOIS, Jeannine; LAURENT, François; ANDREU-BOUSSUT, Vincent; MESSNER, François; VIEIRA, Rosa Medeiros; SOGUE, Makhtar. L’intensification des pratiques agricoles et la mobilisation des ressources naturelles dans La Pampa du Sud du Brésil. Vertigo, v. 14, n. 1, maio 2014. https://doi.org/10.4000/vertigo.14590
    » https://doi.org/10.4000/vertigo.14590
  • DANTAS, Marcelo Eduardo; VIERO, A. C.; SILVA, D. R. A. Origem das Paisagens do estado do Rio Grande do Sul. In: Ana Cláudia Viero & Diogo Rodrigues Andrade da Silva. (Org.). Geodiversidade do Estado do Rio Grande do Sul. 1. ed. Porto Alegre: CPRM, 2010. v. 1, p. 35-50. Available at: https://rigeo.cprm.gov.br/handle/doc/16774 Accessed on: June 15, 2021.
    » https://rigeo.cprm.gov.br/handle/doc/16774
  • FAVERA, Alexandre Ceretta Dalla; LUIZ, Eduardo Weide; SCHUCH, Nelson Jorge; MARTINS, Fernando Ramos, PEREIRA, Enio Bueno. Potencial eólico no Rio Grande do Sul - distribuição estatística dos ventos na região Central do Estado. Rev. Geográfica Acadêmica, v. 6, n. 1, p. 38-51, 2012.
  • GIANNINI, Paulo César Fonseca; ASSINE, M. L.; BARBOSA, L.; BARRETO, A. M. F.; CLAUDINO-SALES, V.; MAIA, L. P.; MARTINHO, C. T.; PEULVAST, J.; SAWAKUCHI, A. O.; TOMAZELLI, L. J. Dunas e paleodunas eólicas costeiras e interiores. In: SOUZA, Celia Regina de Gouveia; SUGUIO, Kinitiro; OLIVEIRA, Antonio Manoel dos Santos; OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. (Org.). Quaternário do Brasil. São Paulo: Holos Editora, 2005. p. 235-257. ISBN 85-86699-47-0.
  • GOMES, Tania Cristina. Feições eólicas quaternárias e vulnerabilidades agrícolas em áreas de Arenização no Pampa Brasileiro. 2019. 294 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.
  • GUASSELLI, Laurindo Antonio. O mapeamento de areias a partir de sensoriamento remoto. In: SUERTEGARAY, D. M. A.; SILVA, L. A. P. da; GUASSELLI, L. A. (Org.). Arenização: natureza socializada. Porto Alegre: Compasso Lugar-Cultura; Imprensa Livre, 2012. p. 97-123. ISBN 978-85-7697-318-8.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Agropecuário 2006. Available at: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9827-censo-agropecuario.html?edicao=9830&t=sobre Accessed on: mar. 2018.
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9827-censo-agropecuario.html?edicao=9830&t=sobre
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Manual técnico de Uso da Terra. 3. ed. 2013. (Manuais técnicos em Geociências, 7). Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81615.pdf Accessed on: September 18, 2021.
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv81615.pdf
  • INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE). Banco de Dados Geomorfométricos do Brasil - Projeto TOPODATA. 2008. Available at: http://www.dsr.inpe.br/topodata/documentos.php Accessed on: May 15, 2017.
    » http://www.dsr.inpe.br/topodata/documentos.php
  • PFALTZGRAFF, Pedro Augusto dos Santos. Cartografia das Formações Superficiais na Região Metropolitana do Recife. In: IX CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, Recife, 2003. Anais... Recife, 2003.
  • ROSSATO, Maíra Suertegaray. Os climas do Rio Grande do Sul: variabilidade, tendências e tipologia. 2011. 240 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
  • SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. A trajetória da Natureza: um estudo geomorfológico sobre os areais de Quaraí - RS. 1987. 243 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987.
  • SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes; GUASSELI, Laurindo Antonio; VERDUM, Roberto; BASSO, Luís Alberto; MEDEIROS, Rosa Maria Vieira; BELLANCA, Eri Tonietti; BERTÊ, Ana Maria de Aveline. Projeto Arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul, Brasil: gênese, dinâmica e espacialização. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, Univ. de Barcelona, n. 287, mar. 2001. ISSN 1138-9796. Available at: http://www.ub.edu/geocrit/b3w-287.htm Accessed on: August 6, 2014.
    » http://www.ub.edu/geocrit/b3w-287.htm
  • SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes; MOURA, Nina Simone Vilaverde. Morfogênese do Relevo do Estado do Rio Grande do Sul. In: VERDUM, R.; BASSO, L. A.; SUERTEGARAY, D. M. A. (Org.). Rio Grande do Sul: paisagens e territórios em transformação. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. p. 11-26.
  • SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes; VERDUM, Roberto. Desertification in the Tropics. Encyclopedia of Life Support Systems. Paris: UNESCO Publishing, 2008. p. 1-17.
  • SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes; VERDUM, Roberto; GUASSELLI, Laurindo Antonio (Org.). Atlas da Arenização, Sudoeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria da Coordenação e Planejamento e Secretaria de Ciência e Tecnologia, Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2001. 85 p.
  • VERDUM, Roberto. Approche géographique des “déserts” dans les communes de São Francisco de Assis et Manuel Viana, État du Rio Grande do Sul, Brésil. 1997. 211 f. Tese (Doutorado) - Université de Toulouse II, Le Mirai, 1997.
  • VERDUM, Roberto. Falta controle sobre a poluição por agrotóxicos das águas do Pampa. Entrevista cedida a Vitor Necchi. Revista Instituto Humanitas Unisinos/ADITAL [on-line], 8 fev. 2017. Available at: http://www.ihu.unisinos.br/?id=564647 Accessed on: November 4, 2018.
    » http://www.ihu.unisinos.br/?id=564647
  • VERDUM, Roberto. Paisagem do Pampa: monotonia que se rompe no espaço e no tempo. In: CHOMENKO, L.; BENCKE, G. A. (Org.). Nosso Pampa Desconhecido. Porto Alegre: Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, 2016. 50 p. Available at: http://www.fzb.rs.gov.br/upload/20160429181829nosso_pampa_desconhecido.pdf Accessed on: September 18, 2021. ISBN 978-85-60378-12-8.
    » http://www.fzb.rs.gov.br/upload/20160429181829nosso_pampa_desconhecido.pdf
  • FINANCIAMENTO

    Programa CAPES/Embrapa - Bolsa de doutorado (processo 88882.157107/2017-01) - Vigência: 01/12/2014 a 01/08/2017 e 01/09/2018 a 30/11/2018 Programa CAPES/Cofecub - Bolsa de doutorado Sanduiche/Cotutela (processo 88887.137176/2017-00) - Vigência: 01/09/2017 a 31/08/2018

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2021
  • Aceito
    13 Jan 2022
  • Publicado
    31 Mar 2022
Editora da Universidade Federal de Uberlândia - EDUFU Av. João Naves de Ávila, 2121 - Bloco 5M – Sala 302B, 38400902 - Uberlândia - Minas Gerais - Brasil, +55 (34) 3239- 4549 - Uberlândia - MG - Brazil
E-mail: sociedade.natureza@ig.ufu.br