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Estudo do mercado de trabalho em Arranjo Produtivo Local (APL): território e produção cerâmica em Santa Gertrudes/SP

A local labor market study in Local Productive Arrangements (APL): territory and ceramic production in Santa Gertrudes/SP

Resumos

No presente artigo, sob a perspectiva de que toda aglomeração produtiva está associada a um respectivo mercado de trabalho local, são analisadas as principais características do mercado de trabalho inerente à territorialidade da indústria de revestimentos cerâmicos da região de Santa Gertrudes/SP. No contexto de profundas modificações na atividade industrial e no mundo do trabalho que conduzem a novos formatos espaciais das relações econômicas, são discutidos no texto a pertinência da noção de mercado de trabalho local à luz da atual ênfase dada aos aglomerados territoriais de pequenas e médias empresas - chamados de APLs (Arranjos Produtivos Locais)- a partir de seu potencial gerador de competitividade e desenvolvimento territorial.

Mercado de trabalho local; Território; Arranjo produtivo local


Under the perspective that all productive clusters is related a respective local labor market, the author analyze, in this paper, the principal characteristics of labor market associated with Santa Gertrudes/ Sao Paulo region territoriality of manufacturing pavement ceramic. In the context of deep changes in manufacture activity and labor world that drive for new special forms of economic relations, the importance of local labor market notion behind of actual Little and Medium territorialized industries clusters valorization - named APL (Local Productive Arrangements) -are examined in this text, considering it promotes potential of competitiveness and territorial development.

Local labor market; Territory; Local productive arrangements


ARTIGOS

Estudo do mercado de trabalho em Arranjo Produtivo Local (APL): território e produção cerâmica em Santa Gertrudes/SP

A local labor market study in Local Productive Arrangements (APL): territory and ceramic production in Santa Gertrudes/SP

Lucas Labigalini Fuini

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unesp-Rio Claro, email: lucasfuini@yahoo.com.br

RESUMO

No presente artigo, sob a perspectiva de que toda aglomeração produtiva está associada a um respectivo mercado de trabalho local, são analisadas as principais características do mercado de trabalho inerente à territorialidade da indústria de revestimentos cerâmicos da região de Santa Gertrudes/SP. No contexto de profundas modificações na atividade industrial e no mundo do trabalho que conduzem a novos formatos espaciais das relações econômicas, são discutidos no texto a pertinência da noção de mercado de trabalho local à luz da atual ênfase dada aos aglomerados territoriais de pequenas e médias empresas - chamados de APLs (Arranjos Produtivos Locais)- a partir de seu potencial gerador de competitividade e desenvolvimento territorial.

Palavras-chave: Mercado de trabalho local. Território. Arranjo produtivo local.

ABSTRACT

Under the perspective that all productive clusters is related a respective local labor market, the author analyze, in this paper, the principal characteristics of labor market associated with Santa Gertrudes/ Sao Paulo region territoriality of manufacturing pavement ceramic. In the context of deep changes in manufacture activity and labor world that drive for new special forms of economic relations, the importance of local labor market notion behind of actual Little and Medium territorialized industries clusters valorization - named APL (Local Productive Arrangements) -are examined in this text, considering it promotes potential of competitiveness and territorial development.

Keywords: Local labor market. Territory. Local productive arrangements.

INTRODUÇÃO

Como resposta à crescente globalização dos mercados e conseqüente flexibilização e desregulamentação das relações produtivas e trabalhistas, advém movimentos de recomposição das escalas territoriais pelas dinâmicas espaciais da indústria que levam à construção de novos formatos produtivo-territoriais baseados na competitividade e desenvolvimento localizados. Dentre os formatos aventados destacam-se os Arranjos Produtivos Locais (APL), objeto de intenso debate teórico e político recente no Brasil e no mundo, pois que, articulam uma aglomeração de empresas setorialmente especializadas e geograficamente próximas com os atores e instituições locais, elevando a competitividade de pequenos negócios com resultados para o desenvolvimento econômico dos municípios.

Esses aglomerados industriais se constituem como sistemas concentrados que abarcam uma série de elementos justapostos, dentre os quais os mercados de trabalho locais se colocam como condição essencial da reprodução e ascensão de aglomerações produtivas e cuja análise cuidadosa se faz premente para o escopo das políticas de desenvolvimento regional atuais. Neste sentido, efetuar-se-á um estudo do mercado de trabalho local da região de Santa Gertrudes/SP, líder na produção de pisos e azulejos cerâmicos no Brasil, a partir da idéia de um APL dotado de mercado de trabalho específico.

Este artigo procura colocar em debate, a justaposição das noções de Mercado de trabalho local e Arranjo Produtivo Local como base do desenvolvimento territorial de uma dada região, à luz da análise específica de Santa Gertrudes. Na primeira seção (1), efetua-se uma análise da concepção de Mercado de trabalho local, considerando o trabalho tanto como fator de localização produtivo quanto um objeto de construção sócio-institucional. Na segunda seção (2), coloca-se em questão a noção de APL, tão valorizada na atualidade, sob a hipótese de seu sucesso ser indissociável do mercado de trabalho que lhe dá sustentação. A terceira seção é dedicada ao estudo do Mercado de Trabalho do APL de Santa Gertrudes, suas características históricas e setoriais mais gerais e, a partir dos dados estatísticos Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, alguns aspectos do emprego local.

O MERCADO DE TRABALHO LOCAL: O ÂMBITO ESPACIAL DAS RELAÇÕES DE EMPREGO

Uma consideração básica para se entender a lógica de espacialização do trabalho e das relações de emprego é partir da (re)interpretação da noção de divisão territorial do trabalho, admitindo que o trabalho como fator de produção ampliado tem uma mobilidade limitada entre os lugares, sendo definido pelas especializações produtivas regionais que alimentam demandas tecnológicas, relações com o local de trabalho e conflitos de emprego específicos (STORPER; WALKER, 1989, p. 155-182 ).

Em uma proposta para o estudo geográfico do "trabalho", George (1979) aponta três aspectos essenciais para este tipo de análise:

1) Distinção de sistemas técnicos, econômicos e sociais que comportam formas particulares de articulação das diferentes atividades, da divisão da força de trabalho conforme formas e lugares de trabalho; 2) a avaliação das taxas de utilização da força de trabalho e de suas estruturas e técnicas; 3) o local de trabalho no tempo e no espaço vivido, a gênese de um direito do trabalho e dos quadros institucionais no plano nacional e internacional. A combinação de tais elementos deve dar meios a que se estabeleça uma classificação de sistemas de trabalho inerentes a estruturas econômicas e sociais, tendo cada uma um domínio espacial próprio em determinada época da evolução histórica de cada grupo e cada espaço [...]. (GEORGE, 1979, p. 13).

A relação do "trabalho" com seu contexto espacial se encontra profundamente modificada na atualidade devido aos profundos processos de reestruturação produtiva, com o uso de novas tecnologias e formas de gestão da mão-de-obra, e pelas políticas locais de emprego, que acabaram atuando no sentido de dar maior liberdade alocativa ao capital industrial na busca de maior rentabilidade em lugares afastados das pressões sindicais e das altas remunerações, características do emprego fordista, disseminando-se formas de emprego mais flexíveis e precárias. Matoso (1995, p. 121-154) reconhece nesse movimento uma desestruturação do trabalho no Brasil, passando as empresas a fazerem uso de mecanismos de corte de pessoal e uso de empregos precários (tempo determinado, terceirizados), ação ratificada por políticas de corte neoliberais implantadas pelo Estado brasileiro, favorecendo a flexibilidade na contratação e demissão de mão-de-obra e desconcentração espacial da produção via guerra fiscal entre estados e municípios.

No entanto, o uso da noção de "mercado de trabalho local" ainda continua essencial, pois está na base da reprodução territorial e dissolução de "sistemas industriais concentrados locacionalmente". Considera-se mercado de trabalho local como a concentração de trabalhadores em dado lugar, gerando economias de aglomeração e promovendo determinadas instituições e convenções que consolidam as qualificações e habilidades dos trabalhadores e regem com certa estabilidade o comportamento dos atores. Mas o mercado de trabalho vai além de uma simples bacia de empregos definida no plano da oferta e procura por emprego com certas qualificações nas zonas urbanas (SCOTT; STORPER, 1988, p. 35). O mercado de trabalho local é caracterizado também pela dimensão social da força de trabalho local no âmbito de um conjunto de atitudes e práticas dos trabalhadores em torno de contrato de emprego e dos salários, das relações profissionais no seio das unidades de produção e da presença de um coletivo geográfico de trabalhadores atuando politicamente em torno dos sindicatos e associações representativas. Para Pires (2000, p.182), as relações salariais locais (aquelas relativas ao contrato de emprego) se expressam também através de costumes e regras não necessariamente escritas que concernem aos empregadores e assalariados de um ramo localizado em uma região os caminhos de colocar os compromissos locais em certa estabilidade.

Deste modo, o mercado de trabalho local tem uma dupla função na articulação da produção com o território: de promover recursos específicos, como o trabalho qualificado, e de servir como âmbito a construção de normas e regras de estabilização das relações de emprego locais por meio do coletivo de atores. No primeiro plano o trabalho aparece como um fator de concorrência entre lugares para localização das empresas baseado em uma lógica espacial de custos e preços. Segundo a tipologia de Benko; Pecqueur (2001), a mão de obra quando não qualificada e não utilizada aparece como recurso e ativo genéricos, sendo o desempregado pouco qualificado um ativo, pois ele acaba pressionando o padrão salarial do mercado de trabalho local.

Já o trabalho qualificado aparece como recurso e ativo específico, visto que na condição de elemento da competitividade, sua formação técnica é um custo compartilhado pelo território e seus vários elementos. A segunda função caracteriza o mercado de trabalho local na articulação e confronto entre os atores locais no tocante às relações salariais. A relação salarial se define como instituição, pelo contrato de emprego e pela garantia legítima de salários diretos e indiretos, através de regras e convenções que regem a relação de emprego, o quadro sócio-institucional que produz tais regras, e os atores coletivos com seu modo de constituição, organização e interesses.

ARRANJOS PRODUTIVOS E MERCADO DE TRABALHO LOCAL: CONSTRUINDO INTERDEPENDÊNCIAS

Ao analisarem as múltiplas formas de reestruturação do processo produtivo e seu impacto na configuração territorial de sistemas industriais, Lipietz; Leborgne (1988) partem da premissa de que as relações trabalhistas e profissionais se expressam diferentemente segundo os ramos e regiões onde se localizam. Essa múltipla influência setor-território se torna ainda mais nítida no espaço geográfico da cidade, segmentado em espaço produtivo, espaço social e espaço de circulação, as três dimensões articuladas em um sistema único pelo "mercado de trabalho local", que estabelece a ligação entre indivíduos, empregos e salários (SCOTT, 1994, p. 35).

Considera-se que a atividade industrial ganha coerência espacial através de cadeias e circuitos produtivos que interligam partes de segmentos e ramos produtivos concatenados a um produto específico em concentrações localizadas. A análise dos mercados de trabalho localizados deve estar orientada, pois, para as partes territorializadas de cadeias, que a depender do nível de governança interna, podem constituir Arranjos Produtivos Locais.

A noção de Arranjo Produtivo Local (APL) adquiriu proeminência no debate científico e nas estratégias de políticas públicas no Brasil e no mundo como instrumento de articulação dos atores locais a fim de elevarem a produtividade de um conjunto de empresas no uso dos recursos do território (BENKO; PECQUEUR, 2001, STORPER, 1993), promovendo competitividade e desenvolvimento territorial por meio de cooperação, complementaridade, inovação e trabalho qualificado. De forma resumida, um Arranjo Produtivo Local se refere a:

Aglomerações de empresas localizadas em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais tais como governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa (SEBRAE, 2003, p. 15).

Essas aglomerações de indústrias especializadas - também chamadas de clusters e distritos industriais - são o meio geográfico pelo qual os produtores em uma divisão social do trabalho (estabelecimentos especializados em diferentes atividades complementares) realizam as economias externas de escala, ou seja, o crescimento desses sistemas industriais urbanos é geralmente acompanhado por um suporte institucional de atividades e serviços que contribuem para a consolidação do desenvolvimento econômico local, suporte este que pode assumir a forma de associações comerciais, estabelecimentos de ensino que ministram disciplinas úteis a localidade, joint-ventures e alianças estratégicas entre empresas, agências para-governamentais, etc. (SCOTT, 1994, p. 69 e STORPER; SCOTT, 1988, p. 36).

Essa complexidade relacional e sócio-institucional torna-se coerente através de formas de organização e distribuição de poderes na cadeia produtiva, chamada de "governança". Essa governança pode assumir formas mais hierarquizadas, no caso de uma grande empresa controlando um conjunto de subcontratados e fornecedores, e formas mais horizontais, no caso de um conjunto de pequenas e médias empresas compartilhando de objetos comuns (associações, poder público, mão-de-obra). (STORPER; HARRISON, 1994, p. 176-177).

Assim, um elemento chave e primordial que está na base do surgimento, reprodução territorial e dissolução de Arranjos Produtivos Locais, e até agora bastante ocultado na análise de aglomerados, são os "mercados de trabalho locais". Eles se constituem a medida que os complexos localizados de indústrias se desenvolvem e crescem, atraindo para sua órbita espacial uma força de trabalho correspondente que incorpora as habilidades, qualificações e atributos requeridos pelos empregadores locais, características essas nem sempre negociáveis no mercado. Trata-se antes de tudo de economias de aglomeração derivadas da concentração de muitos trabalhadores em dado lugar, e que depois de formadas, ajudam a sustentar o padrão de crescimento localizado, influenciando decisivamente na expansão e retração de empregos no seio do mercado de trabalho local e na maior ou menor socialização e organização coletiva da força de trabalho (SCOTT; STORPER, 1988, p. 36-37).

Este estudo traz como idéia básica central, absorvida de outros autores (STORPER; WALKER, 1989), a possibilidade de os mercados de trabalho serem analisados geograficamente, pois a demanda e oferta de trabalho são diferenciadas por indústrias e lugares através de mecanismos de divisão espacial do trabalho, que na atualidade fazem emergir como componentes altamente competitivos os Arranjos Produtivos Locais. Para tanto, um caminho metodológico possível no sentido de precisar de forma mais objetiva possível à complexidade dos mercados de trabalho locais é partir de algumas variáveis básicas imanentes às relações de emprego, obtidas na RAIS, e que podem dar um quadro consistente do mercado de trabalho local. São elas:

1) características sociais gerais do mercado de trabalho local (emprego formal/informal, desemprego);

2) especialização da mão-de-obra local por porte e atividade do estabelecimento;

3) instrução/qualificação da mão-de-obra;

4) remuneração média da mão-de-obra (em salários mínimos);

5) estrutura profissional (principais ocupações);

6) flutuação do emprego (movimento de admissão e demissão).

Ao final, se obterá um retrato geral quantitativo do mercado de trabalho local coligado a territorialidade inerente ao APL de Santa Gertrudes

ESTUDO DE CASO: O MERCADO DE TRABALHO DA INDÚSTRIA DE REVESTIMENTOS CERÂMICOS DE SANTA GERTRUDES/SP

A maior parte da produção brasileira de revestimentos cerâmicos está concentrada geograficamente na região sudeste e sul, sobretudo em torno das regiões produtoras de Santa Gertrudes (38% do volume de produção nacional em 2003) e Criciúma, Santa Catarina (15,9% do total, 2003), acompanhando a tendência mundial de concentração espacial da produção cerâmica em torno de determinadas regiões, como se verifica em Sassuolo, Itália, e Castellon, Espanha (MACHADO, 2003, p. 34).

A cerâmica de revestimento é material de construção civil usado para cobrir e dar acabamento a superfícies lisas (pisos, azulejos, ladrilhos e pastilhas), inserindo-se no âmbito da indústria de transformação de minerais não metálicos, dentro do complexo industrial de materiais de construção. A cadeia produtiva de revestimentos cerâmicos tem como elos principais as atividades de mineração, produção de massa, fabricação de cerâmica e construção civil, e como elos secundários o fornecimento de insumos sintéticos (esmaltados, pigmentos, corantes) e equipamentos, perfazendo seis fases na linha de produção, percorrendo a mineração, mistura e moagem, conformação, esmaltação, queima e embalagem.

O contexto geográfico da indústria cerâmica de Santa Gertrudes é formado pelos municípios de Santa Gertrudes, Cordeirópolis, Rio Claro, Limeira, Araras, Piracicaba e Ipeúna, concentrando em 2003 (RAIS, 2003) cerca de 68 estabelecimentos fabricantes de produtos cerâmicos para uso estrutural na construção civil (CNAE, Cadastro Nacional de Atividades Econômicas, 1995), setor que inclui a produção de pisos e azulejos, sem contar um número significativo de estabelecimentos fornecedores de insumos e matérias-primas para as empresas do setor, configurando deste modo um sistema produtivo altamente concentrado que mobiliza cerca de 4.600 empregos formais diretos na produção principal e mais um sem número de empregos nos segmentos correlatos do Arranjo. Nos municípios de Santa Gertrudes, Cordeirópolis e Rio Claro é onde se localizam a maioria das empresas e dos empregos na produção cerâmica regional, sobretudo, no eixo rodoviário da Washington Luís. Santa Gertrudes respondia em 2001 por 38% do volume da produção nacional, produzindo cerca de 180 milhões de metros quadrados de revestimentos.

Uma das vantagens competitivas do APL de Santa Gertrudes é a boa qualidade e acabamento de seu produto, aliado ao seu baixo preço (R$ 5 m2 contra R$ 8 reais de Criciúma). Além destes, outros elementos condicionantes da alta competitividade territorial de Santa Gertrudes é a oferta de matéria-prima de boa qualidade no local (argila Corumbataí) e a presença de mão-de-obra capacitada a operar na produção cerâmica (famílias tradicionais no ramo).

A análise do mercado de trabalho local de Santa Gertrudes se submeterá aos três municípios mais representativos já citados, utilizando dados da RAIS (Relatório Anual de Indicadores Sociais, Ministério do Trabalho e Emprego) para períodos selecionados (1997-2000-2003) e do IBGE (2000).

Quanto às condições de emprego mais gerais constata-se, no âmbito dos ocupados sem carteira, valores porcentuais levemente menores que os da metrópole paulistana, constatando a presença em municípios pequenos (Santa Gertrudes) de uma razoável quantidade de mão-de-obra na informalidade, apesar de contingente inferior aos dos grandes centros. Tais dados confrontados com as taxas de desemprego confirmam valores levemente menores que os da metrópole, indicando na visão de Storper; Scott (1988, p. 36) que os grandes mercados de trabalho locais tendem a apresentar taxas de desemprego maiores que os pequenos, pois tm uma dinâmica de rotatividade e recolocação entre candidatos a um emprego e vagas oferecidas maior que os pequenos mercados, onde as firmas tendem a resguardar seus empregados, dificultando a abertura de novos postos. Esse quadro serve então como alerta para o fortalecimento de políticas de emprego locais e regionais, a partir do que Pochmann (2000, p. 102) coloca: "Nos anos [19]90, dos 13,5 milhões que ingressaram no mercado de trabalho, apenas 8,5 milhões obtiveram acesso a algum trabalho, gerando um excedente de mão-de-obra de 5,1 milhões, ou seja, 37,5% das pessoas que ingressaram no mercado".

Outro elemento importante na análise dos mercados de trabalho locais é explorar os setores de atividade que configuram as relações de emprego locais, considerando a existência de uma especialização produtiva regional subsidiária de uma divisão espacial do trabalho imanente ao território brasileiro. Na região do APL de Santa Gertrudes encontram-se níveis bastante altos de especialização da mão-de-obra, ratificando a hipótese de que a atividade industrial de fabricação de revestimentos cerâmicos, organizada na forma de um APL, é o eixo estruturador do mercado de trabalho local. No caso dos municípios de Santa Gertrudes e Cordeirópolis, 48,3% e 46,2% dos empregos formais, respectivamente, estão relacionados com a atividade cerâmica. No Índice Quociente de Localização – IQL, Santa Gertrudes e Cordeirópolis apresentam valores altíssimos de concentração do emprego, superando em mais de 27 vezes a média brasileira de concentração de empregos neste setor. Já em Rio Claro, apesar do número de empregos nesta atividade ser bastante representativo, a especialização encontra-se menos pronunciada em decorrência da base econômica e industrial dessa cidade ser mais diversificada, sofrendo impacto também pronunciado de outros segmentos, como o de plásticos, químico, mecânico, etc.

Outro elemento essencial na análise da relação entre estrutura produtiva e mercados de trabalho locais é quanto ao porte predominante dos estabelecimentos industriais do APL, fator que recai sobre a escala de produção obtida, a configuração técnica do trabalho, e às próprias relações profissionais. A maior parte dos empregos na produção de revestimentos cerâmicos de Santa Gertrudes está relacionada aos estabelecimentos de porte médio (91,6%), proporção adequada ao tipo de configuração técnica e parâmetro de competitividade da produção de revestimentos cerâmicos nacional e internacional, que passa a exigir dos estabelecimentos do ramo a obtenção de uma dada escala de produção e melhoria da eficiência e qualidade em consonância à infra-estrutura técnico-organizacional instalada e novas competências tecnológicas demandadas.

A dinâmica do mercado de trabalho local, considerando a evolução e mobilidade dos empregos nas atividades predominantes no contexto regional, se coloca também como mais um componente essencial ao estudo das relações de emprego locais visto que as alterações no emprego e desemprego da mão-de-obra são bastante freqüentes nas cidades. Na questão da expansão dos empregos na fabricação de revestimentos cerâmicos, considerando um período de seis anos, verifica-se um crescimento significativo e contínuo da base de empregos local na atividade de fabricação de revestimentos cerâmicos. Em Cordeirópolis, os empregos na atividade cerâmica cresceram, entre 1997 e 2003, cerca de 70%, com um grande pico entre 2000 e 2003. Em Rio Claro houve um crescimento também na casa dos 70%, com pico semelhante no último triênio.

Santa Gertrudes apresenta um comportamento anômalo na fabricação de revestimentos cerâmicos, pois parte de uma base zero para chegar a mais de 1.200 empregos. A inclusão da fabricação de revestimentos cerâmicos em outra classe de atividade Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE (2642-9 – fabricação de produtos cerâmicos não refratários para usos diversos) se refletiu posteriormente em uma progressiva migração da mão-de-obra da fabricação de vasos, recipientes e objetos de cerâmica artesanal e semi-industrial, que concentrava cerca de 1.792 empregos em 1997, para a produção fabril de pisos e azulejos em expansão.

É justamente no último triênio analisado que se verifica uma fase de expansão de empregos relacionada ao aumento do volume de produção na região, com investimentos em tecnologia e melhor organização institucional interna (estruturação da Associação Paulista de Produtores de Cerâmica/ ASPACER), criando economias externas favoráveis à abertura de novos estabelecimentos e ampliação daqueles já existentes.

Quanto à mobilidade da mão-de-obra no mercado de trabalho local, verifica-se comportamentos parecidos nos períodos de 2004 e 2005. Nos dois períodos e para os três municípios observa-se um saldo de movimentação positivo, ou seja, houveram mais admitidos do que demitidos, confirmando a tendência de crescimento da base de empregos local nos últimos anos. Santa Gertrudes apresenta um saldo de movimentação mais pronunciado, natural, pois neste município está concentrada a maior parte dos estabelecimentos do APL, enquanto Rio Claro apresenta valores mais modestos.

A qualificação e instrução da mão-de-obra perfazem um outro elemento indispensável à análise do mercado de trabalho local, considerando a aquisição de educação formal pelos trabalhadores como elemento que facilita a obtenção de conhecimentos especializados, hábitos e práticas inovadoras adequadas ao sistema industrial local. A instrução média da mão-de-obra apresenta nos três anos analisados, a partir dos módulos completos e incompletos cursados pelos empregados, predomínio de instrução até o nível fundamental ou (8ª. série). No entanto, se verifica sensível aumento dos anos de estudo da mão-de-obra, visto que o percentual daqueles que cursam o ensino médio e superior tem crescido a cada ano e, enquanto que no nível fundamental tem decaído.

Tal panorama indica um aumento das exigências por maior qualificação da mão-de-obra em decorrência de mercados cada vez mais exigentes nos quais se projeta o APL de Santa Gertrudes, exigindo medidas no sentido de oferecer cursos de nível básico e superior, em intercâmbio com instituições públicas e privadas, voltados à capacitação de seus funcionários, que ainda se encontram, em sua maioria, em um patamar intermediário de instrução. A ASPACER (Associação Paulista de Produtores de Cerâmica) com sede em Santa Gertrudes tem tomado medidas recentes visando incrementar os saberes técnicos dos trabalhadores da região.

A remuneração da mão-de-obra é um outro aspecto fundamental dos mercados de trabalho locais, visto que o salário é para a empresa um instrumento de seleção, de formação e de incitação da mão-de-obra, refletindo um movimento de aprofundamento da divisão técnica do trabalho e estratificação do estatuto dos assalariados nas empresas de acordo as especialidades, postos de trabalhos e profissões exercidas (PIRES, 2002, p. 175-176). Quanto à remuneração média mensal, quando avaliada em valores (Reais –R$), verifica-se um aumento dos rendimentos em todos os municípios, com acréscimos em valores na casa dos 150 a 200 reais no período de seis anos. Mas, se avaliarmos pelos Salários mínimos (s.m.), observa-se uma relação de declínio da renda, inversamente proporcional aos valores nominais. Tratando o salário mínimo como uma renda básica necessária à reprodução do indivíduo e que se ajusta conforme os custos de vida de cada período, observa-se que na verdade houve senão um declínio da renda do trabalhador, pelo menos um achatamento da mesma, ressaltando que o aumento dos rendimentos, mensurados nos valores da moeda corrente, indicam apenas uma trajetória que acompanha o aumento do valor do salário mínimo, portanto, tendo sempre os níveis de rendimento mais baixos como referência.

A remuneração média na produção de revestimentos cerâmicos apresenta, no entanto, sensíveis variações conforme a função exercida na empresa e o grau de instrução do trabalhador. Por exemplo, os trabalhadores da cerâmica no município de Santa Gertrudes no cargo de ceramistas, engajados na linha de produção, têm uma renda mensal de 814 reais, já no cargo de supervisor de fabricação, têm renda de 1.673, enquanto que engenheiros eletricistas e eletrônicos têm renda de 2.126 reais. No caso do nível de instrução observa-se a mesma tendência. No município de Cordeirópolis, um trabalhador com 4ª. Série completa apresenta renda de até 3,11 s.m., para aquele com 8ª. série completa, a renda é de 3,8 s.m., com nível 2º. Grau é de 4,06, e para aqueles com nível superior completo é de 7,4 s.m.

Por fim, outro dos elementos singulares das relações de emprego locais é a estrutura de ocupações do mercado de trabalho local, compreendendo neste item as características técnicas da mão-de-obra e as expectativas dos empregadores quanto às qualificações exigidas. As ocupações que absorvem mais mão-de-obra são aquelas ligadas diretamente à linha de produ-ção e manutenção do processo produtivo, as mesmas que aparecem nos patamares de renda mais baixos.

Outros elementos poderiam ter sido adicionados em um estudo neste caráter, sobretudo no que tange as políticas locais de emprego e a participação local dos sindicatos e associações representativas em torno do conflito capital e trabalho, visto que os mercados de trabalho se configuram em processos dinâmicos de construção e reconstrução das relações de emprego locais. Tais problemáticas podem servir como tema para análises posteriores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como um dos seus objetivos principais contribuir para a melhor compreensão da influência exercida pelos mercados locais de trabalho sobre sistemas e arranjos produtivos localizados, tendo em vista a (re)configuração do papel do emprego e dos sistemas de produção na atualidade.

Nesse estudo, a partir de algumas variáveis chaves, foi possível delinear um panorama do comportamento da mão-de-obra inserida no contexto territorial do aglomerado cerâmico de Santa Gertrudes, enfatizando a dinâmica deste mercado de trabalho local em alguns de seus aspectos positivos, como a melhoria das condições de instrução dos empregados locais, e negativos, como a relativa estagnação da renda salarial média da mão-de-obra empregada na indústria.

Em síntese, neste texto tratou-se de buscar na base de análise local e regional, dentro do enfoque territorial, uma âncora possível de articulação dos movimentos de transformações do mundo do trabalho e dos sistemas produtivos, oferecendo mais uma contribuição aos estudos geográficos sobre o tema trabalho e mercado de trabalho.

Artigo recebido para publicação em 05/07/2007 e aceito para publicação em 21/02/2008

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2008

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2007
  • Aceito
    21 Fev 2008
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