Acessibilidade / Reportar erro

Simulação do comportamento do fogo em cultivo de Eucalypyus urograndis (Clone H13)

Fire behavior simulations in Eucalytpus urograndis (Clone H13) crop

Resumo

Avaliou-se simulações do comportamento do fogo por dois programas computacionais BehavePlus e Eucalyptus Fire Safety System (EMSS) comparadas com observações experimentais (queimas controladas), em uma área com Eucalyptus urograndis (Clone H13) com 4,5 anos de idade, no município de Sorriso-MT, ao longo da estação seca (maio a setembro) de 2015. As queimas experimentais ocorreram em parcelas de 3,0 x 20,0 m (largura e comprimento), com topografia plana e considerando as interfaces EF (interface eucalipto-floresta nativa), EL (interface eucalipto-lavoura) e EE (centro do talhão). Foram avaliadas a velocidade de propagação do fogo, intensidade do fogo e comprimento da chama. O BehavePlus superestimou todas as variáveis do comportamento do fogo, independentemente da época do ano e da interface. As melhores simulações foram obtidas com EMSS. Com base nas simulações do comportamento do fogo e em função da segurança da operação, recomenda-se a realização de queimas no mês de julho, considerando a sequência de interfaces EM-EE-EL.

Palavras-chave:
BehavePlus; Eucalyptus Fire Safety System; Queimas controladas; Cultivos florestais

Abstract

Fire behavior simulations were carried out by two computer programs “BehavePlus” and “Eucalyptus Fire Safety System” (EMSS) and compared to experimental observations (prescribed burning) in an Eucalyptus urograndis (Clone H13) forest, with 4.5 years-old, in the Sorriso County, Mato Grosso State, during the dry season (May to September) of 2015. Experimental burnings occurred in plots of 3.0 x 20.0 m (width and length), with flat topography and considering the interfaces EF (eucalyptus- native forest), EL (eucalyptus-crops) and EE (center of the field). The fire propagation velocity, fire intensity and flame length were evaluated. BehavePlus overestimated all fire behavior variables, regardless of time of year and environmental interface. The best simulations were obtained with EMSS. Based on the simulations of the fire behavior and the safety of the operation, it is recommended to perform firing in July, considering the sequence of EM-EE-EL interfaces.

Keywords:
BehavePlus; Eucalyptus Fire Safety System; Prescrived burning; Forest crops

Introdução

Nas condições climáticas do centro-oeste brasileiro, os incêndios florestais ocorrem normalmente na estação seca, causando vários problemas econômicos e ambientais em florestas ou cultivos. Esse cenário demanda a utilização de sistemas operacionais de gestão, que integrem o comportamento do fogo aos módulos de planejamento de apoio à decisão na gestão florestal (KALABOKIDIS et al., 2014KALABOKIDIS, K.; ATHANASIS, N.; VASILAKOS, C.; PALAIOLOGOU, P. Porting of a wildfire risk and fire spread application into a cloud computing environment. International Journal of Geographical Information Science, v. 28, n. 3, p. 541-552, 2014.).

Com o avanço da tecnologia da informação, foram desenvolvidos meios para a utilização de soluções mais rápidas e seguras em gestão do fogo. Os softwares usados em simulação da propagação dos incêndios têm se tornado ferramentas de apoio e suporte para a tomada de decisão dos gestores florestais (ANDREWS, 2008ANDREWS, P. L. BehavePlus: fire modeling system (user’s guide). 4 ed. Ogden: USDA Forest Service, Rocky Mountain Research Station. 2008. 123 p.), pois apresentam o comportamento da propagação do fogo semelhante à sua realidade de ocorrência (GOULD et al., 2007GOULD, J. S.; MCCAW, W. L.; CHENEY, N. P.; ELLIS, P. F.; KNIGHT, I. K.; SULLIVAN, A. L. Project Vesta-Fire in Dry Eucalypt Forest: fuel structure, fuel dynamics and fire behaviour. Ensis-CSIRO, Canberra: Department of Environment and Conservation. Perth, WA, 2007. 218 p.).

Em geral, simulações do comportamento do fogo vem sendo consideradas como ferramentas eficientes na obtenção da probabilidade e da severidade do incêndio, em diferentes condições ambientais e classes de combustíveis (AGER et al., 2007AGER, A. A.; FINNEY, M. A.; KERNS, B. K.; MAFFEI H. Modeling wildfire risk to northern spotted owl (Strix occidentalis caurina) habitat in Central Oregon, USA. Forest Ecology and Management, v. 246, p. 45-56, 2007.; FINNEY, 2007FINNEY, M. A. A computational method for optimising fuel treatment locations. International Journal of Wildland Fire, v. 16, p. 702-711, 2007.; NOONAN-WRIGHT et al., 2011NOONAN-WRIGHT, E. K.; OPPERMAN, T. S.; FINNEY, A. M.; ZIMMERMAN, T.; SELI, R. C.; ELENZ, L. M.; CALKIN, D. E.; FIEDLER, J. R. Developing the US Wildland Fire Decision Support System. Journal of Combustion, p. 1-14, 2011.; WHITE et al., 2013aWHITE, B. L. A.; RIBEIRO, G. T.; SOUZA, R. M. Caracterização do material combustível e simulação do comportamento do fogo em eucaliptais no litoral norte da Bahia, Brasil. Floresta, v. 44, n. 1, p. 33-42, 2014.,b). Essas aplicações podem ser direcionadas na definição de estratégias e táticas de prevenção e combate, no planejamento da paisagem, na estimativa dos efeitos ecológicos dos incêndios, na concepção do tratamento de material combustível (AGER et al., 2007; NOONAN-WRIGHT et al., 2011; KALABOKIDIS et al., 2015KALABOKIDIS, K.; PALAIOLOGOU, P.; GERASOPOULOS, E.; GIANNAKOPOULOS, C.; KOSTOPOULOU, E.; ZEREMOS, C. Effect of climate change projections on forest fire behavior and values-at-risk 15 in Southwestern Greece. Forests, v. 6, p. 2214-2240, 2015.), na previsão, identificação e definição espacial de áreas de risco (FINNEY, 2004).

A utilização de softwares em sistemas de apoio à decisão em operações com incêndio florestal tem sido realizada em diferentes países, com destaques na literatura para o FARSITE (FINNEY, 2004FINNEY, M. A. FARSITE: Fire area simulator: model development and evaluation. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 2004. 47 p.), o FlamMap (FINNEY, 2007) e o BehavePlus Fire Modeling System - BehavePlus (ANDREWS, 2008ANDREWS, P. L. BehavePlus: fire modeling system (user’s guide). 4 ed. Ogden: USDA Forest Service, Rocky Mountain Research Station. 2008. 123 p.), que apresentam como resultados valores da velocidade de propagação do fogo, comprimento das chamas, intensidade da linha do fogo, energia calorífica, dentre outros (WHITE et al., 2013aWHITE, B. L. A.; RIBEIRO, G. T.; SOUZA, R. M. Caracterização do material combustível e simulação do comportamento do fogo em eucaliptais no litoral norte da Bahia, Brasil. Floresta, v. 44, n. 1, p. 33-42, 2014.).

O BehavePlus é um software muito utilizado por gestores do fogo em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália (ANDREWS, 2008ANDREWS, P. L. BehavePlus: fire modeling system (user’s guide). 4 ed. Ogden: USDA Forest Service, Rocky Mountain Research Station. 2008. 123 p.). No Brasil, esse software foi utilizado por Mistry & Berardi (2005MISTRY, J. BERARDI, A. Assessing fire potential in a Brazilian Savanna Nature Reserve1. Biotropica, v. 37, n. 3, p. 439-541, 2005.) para avaliar o potencial do dano pelo fogo em vegetação de cerrado; por White et al. (2013aWHITE, B. L. A.; RIBEIRO, G. T.; SOUZA, R. M. Caracterização do material combustível e simulação do comportamento do fogo em eucaliptais no litoral norte da Bahia, Brasil. Floresta, v. 44, n. 1, p. 33-42, 2014.) para simular o comportamento do fogo no Parque Nacional Serra de Itabaiana; e por White et al. (2014) na simulação do comportamento do fogo em plantios de Eucalyptus urograndis em diferentes cenários de umidade do combustível. No entanto, estes autores não realizaram queimas experimentais para validarem seus resultados.

Apesar da obtenção de resultados positivos nas validações das simulações realizadas com o BehavePlus, destaca-se que em alguns casos não são encontrados resultados satisfatórios que indicam a utilização plena do BehavePlus para predizer o comportamento do fogo (STEPHENS et al., 2008STEPHENS, S. L.; WEISE, D. R.; FRY, D. L.; KEIFFER, R. J.; DAWSON, J.; KOO, E.; POTTS, J.; PAGNI, P. J. Measuring the rate of spread of chaparral prescribed fires in Northern California. Fire Ecology, v.4, n.1, pp.74-86, 2008.; FERNANDES, 2009FERNANDES, P. A. M. Examining fuel treatment longevity through experimental and simulated surface fire behaviour: a maritime pine case study. Canadian Journal Forest Research, v. 39, p. 2529-2535, 2009.). White (2014WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.) realizou simulações do comportamento do fogo com o BehavePlus e comparou com resultados de queimas experimentais em laboratório utilizando materiais da serrapilheira de Eucalyptus spp. O autor não encontrou resultados satisfatórios nas validações, em virtude disso, desenvolveu o software Eucalyptus Fire Safty System (EMSS) para emprego em áreas de eucalipto no Brasil.

Portanto, o uso de softwares para prever o comportamento do fogo desempenha um papel importante no suporte à tomada de decisão na gestão das operações envolvendo o fogo em área florestal, porém, essas informações precisam ser validadas, uma vez que podem ficar restritas ao campo teórico (WHITE et al., 2013bWHITE, B. L. A.; RIBEIRO, A. S.; RIBEIRO, G. T.; SOUZA, R. M. Building fuel models and simulating their surface fire behavior in the “Serra de Itabaiana” National Park, Sergipe, Brazil. Floresta, v. 43, n. 1, p. 27-38, 2013a.). Essa validação pode ocorrer tanto pela correlação com os dados históricos dos incêndios como por meio da comparação dos resultados obtidos nas queimas experimentais com as informações previstas nos programas computacionais existentes.

O objetivo deste estudo foi comparar os resultados de queimas experimentais realizadas em um plantio de Eucalyptus urograndis (clone H13) com as simulações de dois programas computacionais, o BehavePlus e o EMSS, para identificar qual ferramenta computacional pode ser utilizada pelo gestor florestal para manejar a área.

Material e Métodos

Área experimental

As queimas controladas foram realizadas na Fazenda Santo Antonio (pertencente a Empresa Brasil Foods - unidade de Lucas do Rio Verde), no município de Sorriso, região centro-oeste, mesorregião geográfica médio-norte do estado de Mato Grosso, considerada como transição Cerrado-Amazônia. As parcelas foram inseridas entre as latitudes 12° 32’ 43” S e as longitudes 55° 42’ 41” W, com altitude média de 365 metros e topografia plana (Figura 1).

A área experimental possui plantio de Eucalyptus urograndis (Clone H13) com 4,5 anos de idade, com árvores plantadas no espaçamento de 3,0 x 3,0 metros (linha x entrelinha). A área experimental é margeada na face oeste por uma área de lavoura (soja/milho e algodão) e na face leste por um remanescente de floresta com altura média de 15 m. O estabelecimento das parcelas objetivou avaliar a influência dessas interfaces (bordaduras) sobre o comportamento do fogo.

O delineamento experimental empregado foi o de blocos casualizados, com arranjo fatorial de 4 x 3 (meses x posições no talhão), com três repetições. As queimas controladas ocorreram de junho a setembro, enquanto que as posições no talhão foram definidas como EL (parcelas dispostas a 30 m de distância da bordadura com lavoura - soja/algodão), EE (parcelas no centro do talhão) e EM (parcelas dispostas a 30 m de distância da bordadura com a floresta nativa) (Figura 2). As parcelas foram delimitadas em nível, com dimensões de 3,0 x 20,0 m (largura x comprimento) e acompanharam o alinhamento de plantio, com aceiros de 1,0 m em todas as interfaces.

Figura 1
Localização da área experimental e do município de Sorriso, no estado de Mato Grosso.

Figura 2
Arranjo experimental e distribuição das interfaces do talhão de Eucalyptus urograndis (Clone H13) com floresta nativa e com a lavoura.

Caracterização do material combustível

O material combustível foi coletado ao lado de cada parcela (distância máxima de 6,0 m) e com mesmas condições de serapilheira. Foram demarcadas 04 (quatro) subparcelas aleatórias de 1,0 x 1,0 m para quantificação do material combustível total (totalizando 12 repetições por tratamento). O combustível consumido foi obtido pela diferença entre a biomassa anterior à queimada (serapilheira) e o combustível residual pós-queima (mensurado em áreas de 1,0 m² em cada posto de observação).

As metodologias utilizadas para coletar, categorizar e determinar a massa foram baseadas em trabalhos de Rothermel (1972ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.) e Brown et al. (1982BROWN, J. K.; OBERHEU, R. D.; JOHNSTON, C. M. Handbook for inventorying surface fuels and biomass in the Interior West. Ogden: USDA Forest Service, 1982. 48 p.): A) material combustível vivo: i) material herbáceo (MVH) - plantas espontâneas que possuem a consistência e porte de vegetação rasteira (gramíneas, leguminosas, musgos e samambaias, dentre outras); ii) material lenhoso (MVL): inclui folhagem, casca e pequenos ramos dos arbustos vivos (materiais vegetais cujo diâmetro é menor ou igual a 0,70 cm); B) material combustível morto (seco): i) folhas; ii) MS1: material seco com diâmetro menor ou igual a 0,70 cm; iii) MS2: material seco com diâmetro maior que 0,70 e menor ou igual a 2,50 cm; iv) MS3: material seco com diâmetro maior que 2,50 e menor ou igual a 7,60 cm.

Após a coleta, classificação e determinação da massa úmida, foram retiradas subamostras representativas de cada classe de material combustível (100 g) para determinação da massa seca e do teor de umidade, que por sua vez, foram obtidos pela secagem em estufa de circulação forçada de ar, na temperatura de ± 65 ºC até atingir massa seca constante. A seguir são apresentados os valores de massa seca, umidade (%), altura da serrapilheira (cm) e densidade do material combustível (kg.m-3), para diferentes classes de material combustível, obtidas nas parcelas de queimas controladas e empregadas nas simulações:

  • i) Massa seca (t.ha-1) e umidade do material combustível (em %; entre parênteses):
    • - Classe MS1: - EL: 8,28; 8,01; 10,34 e 14,35 t.ha-1; e 9,3; 8,1; 7,7 e 5,3%; - EE: 9,18; 8,03; 10,79 e 12,70 t.ha-1; e 7,6; 9,7; 8,3 e 5,5%; - EF: 11,42; 9,34; 11,61 e 11,54 t.ha-1; e 9,3; 11,7; 8,7 e 7,7 %, entre junho e setembro, respectivamente.

    • - Classe MS2: - EL: 4,01; 3,83; 2,77 e 3,56 t.ha-1; e 9,9; 9,3; 8,2 e 5,9%; - EE: 3,87; 3,87; 3,57 e 3,89 t.ha-1; e 9,6; 11,1; 8,7 e 6,2%; - EF: 5,30; 4,45; 4,55 e 5,49 t.ha-1; e 11,7; 12,4; 8,7 e 8,6%, entre junho e setembro, respectivamente.

    • - Material herbáceo: - EL: 0,003; 0,005; 0,002 e 0,021 t.ha-1; e 46,2; 77,1; 11,2 e 8,6%; - EE: 0,0099; 0,008; 0,005 e 0,044 t.ha-1; e 47,9; 40,6; 9,9 e 8,9%; - EF: 0,283; 0,230; 0,200 e 0,550 t.ha-1; e 95,13; 78,47; 69,3 e 20,95%, entre junho e setembro, respectivamente.

    • - Folhas: EL: 4,89; 4,36; 6,27 e 8,68 t.ha-1 e 9,53; 7,48; 7,36 e 5,05%; - EE: 5,42; 4,74; 6,27 e 7,83 t.ha-1 e 6,50; 9,33; 8,38 e 5,30%; - EF: 7,02; 5,12; 6,71 e 7,05 t.ha-1 e 8,51; 11,34; 8,77 e 7,56%, entre junho e setembro, respectivamente.

    • - Massa seca total: - EL: 12,29; 11,84; 13,11 e 17,93 t.ha-1; - EE: 13,05; 11,92; 14,36 e 16,63 t.ha-1; - EF: 16,99; 14,02; 16,36 e 17,57 t.ha-1, entre junho e setembro, respectivamente.

  • ii) altura da serrapilheira (cm) e densidade do material combustível (kg.m-3):
    • - Posição EL: 13,58; 12,25; 13,42 e 13,08 cm; e 9,25; 9,82; 10,03 e 13,84 kg.m-3; - Posição EE: 11,33; 11,50; 10,50 e 12,33 cm; e 11,81; 10,49; 13,96 e 13,73 kg.m-3; - Posição EF: 10,50; 10,18; 10,08 e 11,00 cm; e 16,66; 14,17; 16,80 e 16,30 kg.m-3.

Caracterização das variáveis meteorológicas

Os valores médios de temperatura do ar, umidade relativa do ar e velocidade do vento obtidos durante as queimas controladas e empregados nas simulações são descritos abaixo:

  • - Para velocidade do vento (km.h-1): - EL: 1,79; 1,73; 2,74 e 4,54 m.s-1; - EE: 1,60; 1,75; 2,38 e 3,62 m.s-1; - EF: 0,88; 0,59; 2,02 e 1,67 m.s-1, entre junho e setembro, respectivamente.

  • - Para temperatura do ar (°C): - EL: 29,62; 32,99; 36,13 e 40,01 °C; - EE: 32,29; 32,97; 36,77 e 39,69 °C; - EF: 30,69; 27,94; 32,67 e 37,68 °C, entre junho e setembro, respectivamente.

  • - Para umidade relativa do ar (%): - EL: 48,6; 21,70; 17,5 e 10,1%; - EE: 38,1; 25,2; 17,9 e 10,7%; - EF: 44,0; 53,6; 30,8 e 15,4%, entre junho e setembro, respectivamente.

Simulando o comportamento do fogo

Foram avaliados dois programas computacionais que descrevem o comportamento do fogo: i) BehavePlus Fire Modeling System (5.0.5), que é um software livre e pode ser obtido através do download no link https://www.frames.gov/partner-sites/BehavePlus/software-manuals/; ii) Eucalyptus Fire Safety System - EMSS (1.0), não é um software livre, todavia, o acesso foi autorizado pela equipe de desenvolvimento.

Para a realização das simulações em cada parcela de queima foi utilizado o valor médio da velocidade do vento, pois em cada parcela foram obtidos 10 valores de velocidade de propagação do fogo e comprimento de chama, porém a velocidade do vento foi medida a cada 5 minutos, gerando um valor correspondente ao tempo de duração da queima por subparcela, dessa forma, optou-se em utilizar valores médios. Para a topografia foi utilizado 0º. As variáveis de entrada (inputs) necessárias para simular o comportamento do fogo ao se optar por modelos customizados no BehavePlus são apresentadas a seguir:

  • - Material combustível superficial: modelo do material combustível; tipo do modelo do material combustível; carga do material combustível de 1-h de timelag (t.ha-1) - MS1; carga do material combustível de 10-h de timelag (t.ha-1) - MS2; carga do material combustível de 100-h de timelag (t.ha-1) - MS3; carga do material vivo herbáceo (t.ha-1) - MH; carga do material vivo lenhoso (t.ha-1) - ML; área superficial pelo volume do material de 1-h de timelag (m².m-3); área superficial pelo volume do material vivo herbáceo (m².m-3); área superficial pelo volume do material vivo lenhoso (m².m-3); altura da liteira (cm); umidade de extinção do material combustível morto (%); energia calorífica do material combustível morto (kJ.kg-1); energia calorífica do material combustível vivo (kJ.kg-1);

  • - Umidade: umidade do material combustível de 1-h de timelag (%) - MS1; umidade do material combustível de 10-h de timelag (%) - MS2; umidade do material combustível de 100-h de timelag (%) - MS3; umidade do material vivo herbáceo (%) - MH; umidade do material vivo lenhoso (%) - ML

  • - Clima: velocidade do vento a 1,8 m de altura (km.h-1)

  • - Relevo: declividade do terreno (%)

Nesse caso, para aplicação no BehavePlus alguns valores foram considerados como estáticos e foram obtidos na literatura, como segue: i) área superficial pelo volume do material de 1 h (m2.m-3) = 4200 (FERNANDES et al., 2011FERNANDES P. A. M.; LOUREIRO, C.; PALHEIRO, P.; VALE-GONÇALVES, H.; FERNANDES, M. M.; CRUZ, M. G. Fuels and fire hazard in blue gum (Eucalyptus globulus) stands in Portugal. Boletín del CIDEU, v. 10, p. 53-61, 2011.); ii) área superficial pelo volume do material vivo herbáceo (m2 m-3) = 4921 (SCOTT; BURGAN, 2005SCOTT, J. H.; BURGAN, R. E. Standard fire behavior fuel models: a comprehensive set for use with Rothermel’s surface fire spread model. USDA Forest Service, Rocky Mountain Research Station, Fort Collins, 2005. 72 p. (General Technical Report RMRSGTR-153).); iii) área superficial pelo volume do material vivo lenhoso (m2 m-3) = 4921 (SCOTT; BURGAN, 2005); iv) umidade de extinção do material combustível morto (%) = 30 (SCOTT; BURGAN, 2005); (SOARES; BATISTA, 2007SOARES, R. V.; BATISTA, A. C. Incêndios Florestais: controle, efeitos e uso do fogo. 1ª ed. Curitiba: UFPR, 2007. 264 p.); v) energia calorífica do material combustível morto (kJ.kg-1) = 21000 (FERNANDES et al., 2011); vi) energia calorífica do material combustível vivo (kJ.kg-1) = 21000 (FERNANDES et al., 2011).

De acordo com White (2014WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.), para o programa Eucalyptus Fire Safety System (EMSS), as variáveis de entrada necessárias para a realização das simulações foram: i) material combustível superficial distribuído em carga do material combustível de 1-h de timelag (t/ha) - MS1, carga total do material combustível morto (t.ha-1), espessura do leito (m), altura da serapilheira (cm); ii) umidade do material combustível de 1-h de timelag (%) - MS1; iii) clima: velocidade do vento a 1,8 m de altura (km.h-1); iv) declividade do terreno (%).

As variáveis de saída comparadas aos resultados das queimas experimentais foram a velocidade de propagação do fogo, intensidade da linha do fogo e comprimento da chama, que foram obtidas através dos modelos propostos por Rothermel (1972ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.) para o programa BehavePlus. Quanto ao programa EMSS foram obtidas as mesmas variáveis supracitadas (com exceção da intensidade da linha do fogo), além da porcentagem de material consumido.

Análise estatística

Para a validação de simulações foram considerados conjuntos de valores estimados e observados para a velocidade de propagação, comprimento de chama, intensidade e material consumido, sendo empregados os seguintes indicativos estatísticos de desempenho: coeficiente de determinação (R²), erro médio relativo - MBE (Mean Bias Error), raiz quadrada o erro quadrático médio - RMSE (Root Mean Square Error) e índice de ajustamento “d” de Willmott, conforme recomendações de Souza et al. (2011SOUZA, A. P.; ESCOBEDO, J. F.; DAL PAI, A.; GOMES, E. Estimativas das componentes da radiação solar incidente em superfícies inclinadas baseadas na radiação global horizontal. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 15, n. 3, p. 277-288, 2011.).

Resultados

Quanto aos percentuais de material consumido nas queimas controladas, foram obtidos por época e posição no talhão os seguintes valores: i) posição EL: 97,89; 97,83; 98,15 e 98,18%; ii) posição EE: 94,69; 94,60; 95,62 e 95,44%; iii) posição EF: 93,21; 92,01; 93,21 e 92,30%, para junho, julho, agosto e setembro, respectivamente. Os percentuais de material combustível residual apresentaram influência do material herbáceo e, em função de ser inferior a 7,99%, provavelmente não contribuiria para um novo incêndio.

Tabela 1
Velocidade de propagação do fogo (m.min-1) em queimas experimentais e simuladas pelo BehavePlus e EMSS, em áreas de E. urograndis (Clone H13) com 4,5 anos de idade, em diferentes meses e posição no talhão.

As velocidades simuladas apresentaram um comportamento similar ao do experimento, visto que os maiores valores ocorreram na posição EL em setembro e agosto, enquanto que os menores foram obtidos na posição EF em junho e julho (Tabela 1). Em geral, as correlações entre a velocidade de propagação estimada (variável independente) e a experimental (variável dependente) apresentaram baixos coeficientes de correlação (Figura 3).

Figura 3
Correlações da velocidade de propagação do fogo simuladas com BehavePlus e EMSS e com as observações experimentais para EL (eucalipto/lavoura).

Em julho foram observadas menores das velocidades médias do vento e maiores valores dos percentuais de umidades do material combustível, que em conjunto podem ter propiciado as menores estimativas da velocidade de propagação pelos dois programas avaliados. As diferenças obtidas para a intensidade do fogo para os softwares avaliados são decorrentes da forma de estimativa, visto que são usados os modelos de Rothermel (1972ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.) e Byram (1959BYRAM, G. M. Combustion of forest fuels. In: Davis KP. Forest fire - control and use. p.77-84, 1959.) para BehavePlus eEMSS, respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2
Intensidade do fogo (kW.m-1) em queimas experimentais e simuladas pelo BehavePlus e EMSS, em áreas de E. urograndis (Clone H13) com 4,5 anos de idade, em diferentes meses e posição no talhão.

Os comprimentos de chamas simulados apresentaram comportamentos similares as observações experimentais, visto que, maiores valores ocorreram na posição EL e em agosto-setembro, enquanto que, os menores valores na posição EF em junho e julho (Tabela 3).

Na Tabela 4 estão apresentados os indicativos estatísticos da análise entre valores simulados e experimentais, para as três variáveis avaliadas. Em geral, as melhores correlações (maiores coeficientes de determinação) foram obtidas com EMSS. Para a velocidade de propagação, notou-se que os dois programas geraram subestimativas em julho (até -0,07 m.min-1) e superestimativas inferiores a 0,61 m.min-1.

Tabela 3
Comprimento de chama (m) em queimas experimentais e simuladas pelo BehavePlus e EMSS, em áreas de E. urograndis (Clone H13) com 4,5 anos de idade, em diferentes épocas do ano e posição no talhão.
Tabela 4
Coeficientes de regressão linear (Y = a + b X) e indicativos estatísticos para variáveis de comportamento do fogo em queimas controladas em áreas de Eucalyptus urograndis (Clone H13), com 4,5 anos, em diferentes épocas e posições no talhão.

Discussão

Devido às dificuldades e problemas envolvendo a obtenção das variáveis de entrada do BehavePlus e do fato de ser um programa recente (primeira versão criada em 2002), e a versão 5.0.5 ter sido produzida em 2009, não é muito comum encontrar na literatura trabalhos utilizando esta ferramenta (WHITE et al., 2013aWHITE, B. L. A.; RIBEIRO, G. T.; SOUZA, R. M. Caracterização do material combustível e simulação do comportamento do fogo em eucaliptais no litoral norte da Bahia, Brasil. Floresta, v. 44, n. 1, p. 33-42, 2014.), principalmente no que concerne às comparações com resultados de queimas experimentais, pois a maioria realiza somente previsões do comportamento do fogo aplicada à redução do material combustível ou aos incêndios de copa (ALEXANDER; CRUZ, 2013ALEXANDER, M. E.; CRUZ M, G.; VAILLANT, N. M.; PETERSON, D. L. Crown fire behavior characteristics and prediction in conifer forests: a state-of-knowledge synthesis. Idaho: Joint Fire Science Program, Boise, JFSP 09-S-03-1 Final Report. 2013. 39 p.; ALEXANDER et al., 2013).

Outro fator que dificulta o uso do BehavePlus é o uso de modelos customizados, pois as variáveis que caracterizam os combustíveis desempenham um papel fundamental no momento das simulações, sendo necessário ajustar as equações para diminuir esse erro (ANDREWS, 2008ANDREWS, P. L. BehavePlus: fire modeling system (user’s guide). 4 ed. Ogden: USDA Forest Service, Rocky Mountain Research Station. 2008. 123 p.; FERNANDES, 2009FERNANDES, P. A. M. Examining fuel treatment longevity through experimental and simulated surface fire behaviour: a maritime pine case study. Canadian Journal Forest Research, v. 39, p. 2529-2535, 2009.; ALEXANDER; CRUZ, 2013ALEXANDER, M. E.; CRUZ M, G.; VAILLANT, N. M.; PETERSON, D. L. Crown fire behavior characteristics and prediction in conifer forests: a state-of-knowledge synthesis. Idaho: Joint Fire Science Program, Boise, JFSP 09-S-03-1 Final Report. 2013. 39 p.).

As simulações e validações encontrados na literatura, baseados nos modelos de Byram (1959BYRAM, G. M. Combustion of forest fuels. In: Davis KP. Forest fire - control and use. p.77-84, 1959.) e Rothermel (1972ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.) integrados ao módulo "Superfície" no BehavePlus, apresentam resultados divergentes quanto a capacidade de predição do comportamento do fogo. Hough & Albine (1978HOUGH, W. A.; ALBINI, F. A. Predicting Fire Behavior in Palmetto-Gallberry Fuel Complexes. USDA Forest Service, Southeastern Forest Experiment Station, Asheville, North Caroline, 1978. 44 p.), Wagtendonk & Botti (1984WAGTENDONK, J. W. V.; BOTTI, S. J. Modeling Behavior of Prescribed Fires in Yosemite National Park. Journal of Forestry, v. 82, n.6, p. 479-484, 1984.) e Glitzenstein et al. (2006GLITZENSTEIN, J. S.; STRENG D. R.; ACTEMEIER, G. L.; NAEHER, L. P.; WADE, D. D. Fuels and fire behaviour in chipped and unchipped plots: implications for landmanagement near the wildland/urban interface. Forest Ecology and Management, v. 236, p. 18-29, 2006.) obtiveram simulações satisfatórias, com destaque para pequenas diferenças apenas na velocidade de propagação. Em áreas com Pinus pinaster (FERNANDES, 2009FERNANDES, P. A. M. Examining fuel treatment longevity through experimental and simulated surface fire behaviour: a maritime pine case study. Canadian Journal Forest Research, v. 39, p. 2529-2535, 2009.), Adenostoma fasciculatum (STEPHENS et al., 2008STEPHENS, S. L.; WEISE, D. R.; FRY, D. L.; KEIFFER, R. J.; DAWSON, J.; KOO, E.; POTTS, J.; PAGNI, P. J. Measuring the rate of spread of chaparral prescribed fires in Northern California. Fire Ecology, v.4, n.1, pp.74-86, 2008.) e Eucalyptus spp (WHITE, 2014WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.), as simulações com BehavePlus propiciaram subestimativas do comprimento das chamas e da velocidade de propagação.

As velocidades simuladas pelo BehavePlus foram superestimadas e, somente na posição EF, foram obtidos valores semelhantes ao experimental. Diferentemente deste estudo, Fernandes (2009FERNANDES, P. A. M. Examining fuel treatment longevity through experimental and simulated surface fire behaviour: a maritime pine case study. Canadian Journal Forest Research, v. 39, p. 2529-2535, 2009.), em queimas superficiais controladas em plantios de Pinus pinaster Ait. encontrou predições imprecisas e pouco correlacionadas com as observações em campo, que, quase sempre, foram subavaliadas pelas simulações. Stephens et al. (2008STEPHENS, S. L.; WEISE, D. R.; FRY, D. L.; KEIFFER, R. J.; DAWSON, J.; KOO, E.; POTTS, J.; PAGNI, P. J. Measuring the rate of spread of chaparral prescribed fires in Northern California. Fire Ecology, v.4, n.1, pp.74-86, 2008.) encontraram valores de velocidade de propagação simulada subestimadas em 50 a 75% dos valores reais. Fernandes (2009) também obteve simulações da velocidade de propagação do fogo menores do que as observadas através de queimadas experimentais em plantações de Pinus pinaster em Portugal, com valores 22% menor do que a observada. White (2014WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.) também encontrou velocidade de propagação simulada subestimada, com velocidade experimental 2,89 vezes maior do que a simulada, porém o autor relata que houve correlação significativa entre os valores (r = 0,72), sendo possível desenvolver uma equação de ajuste do modelo de Rothermel (1972ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.) com base nos dados experimentais com um razoável coeficiente de determinação (R2 = 0,52; RMSE = 0,42; p < 0,0001).

Independentemente da posição no talhão, as baixas correlações entre velocidades de propagação estimadas e experimentais decorrem dos elevados espalhamentos observados para um mesmo valor da variável independente (RMSE), gerados pelas condições meteorológicas e da umidade do próprio material combustível, indicando que em meses secos (agosto e setembro) ocorreu aumento significativo da velocidade de propagação experimental.

Fernandes (2009FERNANDES, P. A. M. Examining fuel treatment longevity through experimental and simulated surface fire behaviour: a maritime pine case study. Canadian Journal Forest Research, v. 39, p. 2529-2535, 2009.) propôs que a umidade do combustível vivo influencia consideravelmente no modelo de Rothermel (1972ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.), sendo que, em geral esse modelo subestima a contribuição da biomassa viva na velocidade de propagação do fogo a favor do vento. A posição EF apresentou menores velocidades de propagação do fogo e maiores percentuais de material vivo herbáceo quando comparada as demais posições, e aliado ao fato de que não foram encontrados materiais combustíveis vivos lenhosos (MVL), têm-se que MVH correspondia a única forma de material combustível vivo, e consequentemente a altos teores de umidade para as simulações. Em setembro, foram encontrados os menores valores de umidade do material combustível, fato que deve ter influenciado na melhoria da estimativa no BehavePlus para EF. No modelo EMSS, a umidade do material combustível utilizada é a da classe MS1, que influencia negativamente. Portanto, como em setembro ocorreram menores valores de umidade na classe MS1, também foram observadas melhores projeções estimativas de V, independentemente da posição.

A velocidade do vento e a umidade do material combustível são as variáveis mais utilizadas para medir a velocidade de propagação do fogo, sendo que ambas estão inseridas nos modelos de Rothermel (1972ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.) e de White (2014WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.). Fernandes (2009FERNANDES, P. A. M. Examining fuel treatment longevity through experimental and simulated surface fire behaviour: a maritime pine case study. Canadian Journal Forest Research, v. 39, p. 2529-2535, 2009.) utilizou essas duas variáveis na definição da velocidade de propagação do fogo e observou influencias positivas (diretamente proporcionais) da velocidade do vento e negativas (inversamente proporcionais) para velocidade de propagação e umidade do material combustível.

Outro fator que pode estar relacionado com as respostas dos softwares é a quantidade e densidade de combustíveis. Em julho, foram observadas as menores quantidades e densidades de material combustível. No modelo de Rothermel (1972ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.), adotado no BehavePlus, a velocidade de propagação do fogo é proporcional à razão entre a carga de combustível e o tempo de reação (duração da combustão com chama).

Alguns estudos indicam o efeito dos descritores estruturais do combustível como fator importante na variação das respostas do modelo. Como o avanço do fogo não abrange, simultaneamente, toda a extensão vertical do combustível, o tempo de reação deverá aumentar com a respectiva profundidade, o que resulta numa dependência linear da velocidade com a carga e espessura do combustível (FERNANDES, 2009FERNANDES, P. A. M. Examining fuel treatment longevity through experimental and simulated surface fire behaviour: a maritime pine case study. Canadian Journal Forest Research, v. 39, p. 2529-2535, 2009.). Gould et al. (2007GOULD, J. S.; MCCAW, W. L.; CHENEY, N. P.; ELLIS, P. F.; KNIGHT, I. K.; SULLIVAN, A. L. Project Vesta-Fire in Dry Eucalypt Forest: fuel structure, fuel dynamics and fire behaviour. Ensis-CSIRO, Canberra: Department of Environment and Conservation. Perth, WA, 2007. 218 p.) afirmam que o modelo de Rothermel (1972ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.) é excessivamente sensível à espessura do material combustível e visto que essa variável pode ser obtida de forma rápida e visual, torna-se a variável de maior facilidade de acesso (FERNANDES, 2009), exigindo assim maior rigor na sua obtenção. A equação de Rothermel (1972) utiliza a variável densidade do material combustível como um fator negativo para a velocidade de propagação do fogo, ou seja, quanto maior a densidade, menor a velocidade de propagação do fogo. No EMSS, a quantidade de material combustível da classe MS1 e a densidade do leito são duas dentre as três variáveis preponderantes da equação de estimativa da velocidade de propagação (WHITE, 2014WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.).

De acordo com White (2014WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.), alguns modelos para a velocidade de propagação do fogo aplicados em vários países não utilizam a variável densidade do leito em suas projeções, porém a maioria emprega de forma indireta através da mensuração da altura e da carga do material combustível (GOULD et al., 2007GOULD, J. S.; MCCAW, W. L.; CHENEY, N. P.; ELLIS, P. F.; KNIGHT, I. K.; SULLIVAN, A. L. Project Vesta-Fire in Dry Eucalypt Forest: fuel structure, fuel dynamics and fire behaviour. Ensis-CSIRO, Canberra: Department of Environment and Conservation. Perth, WA, 2007. 218 p.).

O fato da intensidade do fogo ser uma variável calculada, não a desqualifica, pelo contrário, consiste em uma das mais importantes variáveis do comportamento do fogo (SOARES; BATISTA, 2007SOARES, R. V.; BATISTA, A. C. Incêndios Florestais: controle, efeitos e uso do fogo. 1ª ed. Curitiba: UFPR, 2007. 264 p.), pois pode ser considerada como a melhor variável para determinar as consequências de um incêndio, definir os efeitos de uma queima controlada e como indicador nas atividades de supressão ao fogo.

Na prática, o comprimento da chama é a variável com maior facilidade de obtenção visando a descrição da energia liberada, e, portanto, é importante a sua previsão para indicar o comportamento do fogo durante uma queima controlada (FERNANDES, 2009FERNANDES, P. A. M. Examining fuel treatment longevity through experimental and simulated surface fire behaviour: a maritime pine case study. Canadian Journal Forest Research, v. 39, p. 2529-2535, 2009.). As simulações no BehavePlus foram subestimadas em junho e julho nas posições EF e EE. Fernandes (2002, 2009) e Stephens et al. (2008STEPHENS, S. L.; WEISE, D. R.; FRY, D. L.; KEIFFER, R. J.; DAWSON, J.; KOO, E.; POTTS, J.; PAGNI, P. J. Measuring the rate of spread of chaparral prescribed fires in Northern California. Fire Ecology, v.4, n.1, pp.74-86, 2008.), utilizando o BehavePlus encontraram valores de comprimento da chama subestimados em comparação as observações experimentais. White (2014WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.) encontrou valores de comprimento das chamas durante queimas controladas 2,47 vezes superior aos valores simulados. Esse comportamento pode ser decorrente das variações de material combustível nas posições no talhão, visto que o BehavePlus pode ser entendido como um sistema de previsão do comportamento do ponto de combustão, sendo mais indicado para ser usado na análise do crescimento e comportamento do fogo para vegetações homogêneas com dados meteorológicos estáticos, evitando erros nas simulações (ANDREWS, 2008ANDREWS, P. L. BehavePlus: fire modeling system (user’s guide). 4 ed. Ogden: USDA Forest Service, Rocky Mountain Research Station. 2008. 123 p.).

Pelo EMSS, todos os valores do comprimento de chama foram maiores que as observações experimentais, com médias superiores a 1,0 m em todos os meses e posições no talhão. Pelo BehavePlus foram obtidas diferenças superiores a 1,0 m entre simulações e experimental apenas na posição EL em setembro. No EMSS, a altura da serrapilheira e a velocidade do vento são os fatores que influenciam positivamente no comprimento das chamas (WHITE, 2014WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.), portanto, o incremento de serrapilheira na estação seca pode ter contribuído nas superestimativas.

Quanto aos desempenhos estatísticos, os espalhamentos observados (RMSE) na velocidade de propagação do fogo variaram de 0,08 a 0,81 m.min-1, com menores valores de RMSE e maiores ajustamentos (d) obtidos com EMSS, independentemente da época do ano e posição no talhão. Para a intensidade do fogo (I), os espalhamentos variam de 56,6 a 206,5 kW.m-1, com maiores ajustamentos obtidos com EMSS. Todavia, quanto ao comprimento de chama (L), os menores desvios médios (MBE) foram obtidos pelo BehavePlus, independentemente da época e da posição no talhão. Os espalhamentos do comprimento de chama simulado oscilaram de -0,15 a 0,41 m, sendo os ajustamentos superiores a 91%. Os indicativos estatísticos obtidos em junho demonstram que os softwares não propiciam boas simulações para queimas controladas a serem realizadas no início da estação seca.

Considerações Finais

Com base nos valores simulados de velocidade de propagação do fogo, intensidade do fogo e comprimento de chama, o mês de julho seria o indicado para a realização de queimas controladas considerando limites de segurança para aplicação da técnica.

Os valores encontrados na interface eucalipto/lavoura (EL) foram os valores mais significativos para os dois softwares, sendo que o EMSS apresentou a melhor performance nesta posição.

O BehavePlus superestimou as variáveis do comportamento do fogo quando comparado com as medidas experimentais.

O EMSS apresentou melhor desempenho estatístico e pode ser indicado para simular o comportamento em áreas de Eucalyptus urograndis.

Agradecimentos

Aos membros do Grupo de Pesquisa “Interações Ambiente e Planta”. A Empresa Brasil Foods (unidade de Lucas do Rio Verde) pela liberação da área experimental e a todos os funcionários da UPL 03.

Referências

  • AGER, A. A.; FINNEY, M. A.; KERNS, B. K.; MAFFEI H. Modeling wildfire risk to northern spotted owl (Strix occidentalis caurina) habitat in Central Oregon, USA. Forest Ecology and Management, v. 246, p. 45-56, 2007.
  • ALEXANDER, M. E.; CRUZ, M. G. Limitations on the accuracy of model predictions of wildland fire behaviour: a state-of-the-knowledge overview. Forestry Chronicle, v. 89, p. 370-381, 2013.
  • ALEXANDER, M. E.; CRUZ M, G.; VAILLANT, N. M.; PETERSON, D. L. Crown fire behavior characteristics and prediction in conifer forests: a state-of-knowledge synthesis. Idaho: Joint Fire Science Program, Boise, JFSP 09-S-03-1 Final Report. 2013. 39 p.
  • ANDREWS, P. L. BehavePlus: fire modeling system (user’s guide). 4 ed. Ogden: USDA Forest Service, Rocky Mountain Research Station. 2008. 123 p.
  • BROWN, J. K.; OBERHEU, R. D.; JOHNSTON, C. M. Handbook for inventorying surface fuels and biomass in the Interior West. Ogden: USDA Forest Service, 1982. 48 p.
  • BYRAM, G. M. Combustion of forest fuels. In: Davis KP. Forest fire - control and use. p.77-84, 1959.
  • FERNANDES P. A. M.; LOUREIRO, C.; PALHEIRO, P.; VALE-GONÇALVES, H.; FERNANDES, M. M.; CRUZ, M. G. Fuels and fire hazard in blue gum (Eucalyptus globulus) stands in Portugal. Boletín del CIDEU, v. 10, p. 53-61, 2011.
  • FERNANDES, P. A. M. Examining fuel treatment longevity through experimental and simulated surface fire behaviour: a maritime pine case study. Canadian Journal Forest Research, v. 39, p. 2529-2535, 2009.
  • FINNEY, M. A. A computational method for optimising fuel treatment locations. International Journal of Wildland Fire, v. 16, p. 702-711, 2007.
  • FINNEY, M. A. FARSITE: Fire area simulator: model development and evaluation. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 2004. 47 p.
  • GLITZENSTEIN, J. S.; STRENG D. R.; ACTEMEIER, G. L.; NAEHER, L. P.; WADE, D. D. Fuels and fire behaviour in chipped and unchipped plots: implications for landmanagement near the wildland/urban interface. Forest Ecology and Management, v. 236, p. 18-29, 2006.
  • GOULD, J. S.; MCCAW, W. L.; CHENEY, N. P.; ELLIS, P. F.; KNIGHT, I. K.; SULLIVAN, A. L. Project Vesta-Fire in Dry Eucalypt Forest: fuel structure, fuel dynamics and fire behaviour. Ensis-CSIRO, Canberra: Department of Environment and Conservation. Perth, WA, 2007. 218 p.
  • HOUGH, W. A.; ALBINI, F. A. Predicting Fire Behavior in Palmetto-Gallberry Fuel Complexes. USDA Forest Service, Southeastern Forest Experiment Station, Asheville, North Caroline, 1978. 44 p.
  • KALABOKIDIS, K.; ATHANASIS, N.; VASILAKOS, C.; PALAIOLOGOU, P. Porting of a wildfire risk and fire spread application into a cloud computing environment. International Journal of Geographical Information Science, v. 28, n. 3, p. 541-552, 2014.
  • KALABOKIDIS, K.; PALAIOLOGOU, P.; GERASOPOULOS, E.; GIANNAKOPOULOS, C.; KOSTOPOULOU, E.; ZEREMOS, C. Effect of climate change projections on forest fire behavior and values-at-risk 15 in Southwestern Greece. Forests, v. 6, p. 2214-2240, 2015.
  • MISTRY, J. BERARDI, A. Assessing fire potential in a Brazilian Savanna Nature Reserve1. Biotropica, v. 37, n. 3, p. 439-541, 2005.
  • NOONAN-WRIGHT, E. K.; OPPERMAN, T. S.; FINNEY, A. M.; ZIMMERMAN, T.; SELI, R. C.; ELENZ, L. M.; CALKIN, D. E.; FIEDLER, J. R. Developing the US Wildland Fire Decision Support System. Journal of Combustion, p. 1-14, 2011.
  • ROTHERMEL, R. C. A mathematical model for predicting fire spread in wildland fuels. Ogden: United States Department of Agriculture, Forest Service, 1972. 40p.
  • SCOTT, J. H.; BURGAN, R. E. Standard fire behavior fuel models: a comprehensive set for use with Rothermel’s surface fire spread model. USDA Forest Service, Rocky Mountain Research Station, Fort Collins, 2005. 72 p. (General Technical Report RMRSGTR-153).
  • SOARES, R. V.; BATISTA, A. C. Incêndios Florestais: controle, efeitos e uso do fogo. 1ª ed. Curitiba: UFPR, 2007. 264 p.
  • SOUZA, A. P.; ESCOBEDO, J. F.; DAL PAI, A.; GOMES, E. Estimativas das componentes da radiação solar incidente em superfícies inclinadas baseadas na radiação global horizontal. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 15, n. 3, p. 277-288, 2011.
  • STEPHENS, S. L.; WEISE, D. R.; FRY, D. L.; KEIFFER, R. J.; DAWSON, J.; KOO, E.; POTTS, J.; PAGNI, P. J. Measuring the rate of spread of chaparral prescribed fires in Northern California. Fire Ecology, v.4, n.1, pp.74-86, 2008.
  • WAGTENDONK, J. W. V.; BOTTI, S. J. Modeling Behavior of Prescribed Fires in Yosemite National Park. Journal of Forestry, v. 82, n.6, p. 479-484, 1984.
  • WHITE, B. L. A. Modelagem matemática e avaliação do comportamento do fogo em liteira de eucalipto. Tese (Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 2014.
  • WHITE, B. L. A.; RIBEIRO, G. T.; SOUZA, R. M. Caracterização do material combustível e simulação do comportamento do fogo em eucaliptais no litoral norte da Bahia, Brasil. Floresta, v. 44, n. 1, p. 33-42, 2014.
  • WHITE, B. L. A.; RIBEIRO, A. S.; RIBEIRO, G. T.; SOUZA, R. M. Building fuel models and simulating their surface fire behavior in the “Serra de Itabaiana” National Park, Sergipe, Brazil. Floresta, v. 43, n. 1, p. 27-38, 2013a.
  • WHITE, B. L. A.; RIBEIRO, G. T.; SOUZA, R. M. O uso do BehavePlus como ferramenta para modelagem do comportamento e efeito do fogo. Pesquisa Florestal Brasileira, v. 33, n. 73, p. 73-83, 2013b.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2016
  • Aceito
    28 Set 2018
Editora da Universidade Federal de Uberlândia - EDUFU Av. João Naves de Ávila, 2121 - Bloco 5M – Sala 302B, 38400902 - Uberlândia - Minas Gerais - Brasil, +55 (34) 3239- 4549 - Uberlândia - MG - Brazil
E-mail: sociedade.natureza@ig.ufu.br