Resumos
Este trabalho teve como principal objetivo a obtenção de parâmetros quantitativos básicos sobre os estoques de carbono em áreas de Campo Limpo Úmido, além da modelagem de função para a estimação do conteúdo de carbono orgânico do solo(COS) a partir de parâmetros físicos do solo (ex. textura, densidade). Foram selecionados 4 regiões com Campo Limpo Úmido no Distrito Federal, caracterizadas pelo baixo impacto antrópico, sendo 2 delas sobre gleissolo e 2 sobre plintossolo, tipos de solo mais comuns nessas regiões.. Em cada uma delas foi demarcado um transecto com 4 pontos equidistantes e realizada coleta de material em sete profundidades: 0-5, 5-10, 10-20, 20-30, 30-40, 40-50 e 50-60 cm. Foram determinadas a textura, a densidade aparente e o teor de carbono em cada profundidade. O estoque de carbono médio para as áreas de Campo Limpo Úmido até 60 cm de profundidade foi de 243.16Mg C ha-1e o estoque total estimado para essas áreas no Distrito Federal foi de 205.86 Gg C. Os estoques de carbono e o COS em áreas degleissolo foram maiores do que em áreas de plintossolo. A função obtida com a modelagem das variáveis independentes (densidade, areia, argila e silte) mostrou-se capaz de estimar adequadamente o COS, tanto para gleissolo (R2 = 0,88, RMSD = 1,48; RMSD validação = 1,49) quanto para plintossolo (R2 = 0,77, RMSD = 1,57; RMSD validação = 1,62).
Estoque de Carbono; Cerrado; Áreas Úmidas; Campo Limpo Úmido
The main purpose of this study was to obtain basic quantitative parameters for carbon storage and modeling the soil organic carbon (SOC) in Humid Grassland (Campo LimpoÚmido), a kind of grassland phytophysiognomy found in the Cerrado. We selected 4 regions of the Federal District with this kind of vegetation formation, characterized by low anthropic impact. In each one of the sampled regions, we marked a transect with 4 equidistant points and collected material at 7 different levels of depth: 0-5, 5-10, 10-20, 20-30, 30-40, 40-50 and 50-60 cm. We determined the texture, bulk density and concentration of carbon at each depth. The average carbon storage for Humid Grassland areas, down to 60 cm deep, was 243.16 Mg C ha-1 and the total estimated stock for these areas in the Federal District was 205.86 Gg C. In general, the samples obtained in gleysols showed a carbon stockand SOC superior to those in plinthosols.The function obtained with the modeling of the independent variables (bulk density, sand, clay and silt) proved to be able to properly estimate the SOC in gleysol (R2 = 0,88, RMSD = 1,48; RMSD validação = 1,49) and in plinthosol(R2 = 0,77, RMSD = 1,57; RMSD validação = 1,62).
Carbon Stocks; Cerrado; Wetland; Grasslands
INTRODUÇÃO
O aumento da concentração de Gases de Efeito Estufa (GEE) – CO2, N2O e o CH4 - na atmosfera terrestre e sua estreita relação com as mudanças climáticas torna de grande importância o estudo desses elementos no meio ambiente. Diferentes compartimentos do ciclo biogeoquímico do carbono estão envolvidos na liberação de compostos de carbono para a atmosfera, sendo de particular relevância o carbono presente no compartimento solo. Esse representa cerca de quatro vezes mais do que o presente na biomassa vegetal e quase três vezes mais do que o presente na atmosfera(LAL; FOLLETT, 2009LAL, R.; FOLLETT, R. F. (EDS.). Soil carbon sequestration and the greenhouse effect. Madison WI: Soil Science SocietyofAmerica, 2009. p. 410pp).Ambientes como formações vegetacionais de tipo campestre e áreas úmidas podem exercer um papel especialmente importante na mitigação desse processo, em especial pelas condições ambientais específicas sob as quais são mantidas que favorecem a acumulação de carbono orgânico.
Áreas campestres são responsáveis pela cobertura de grandes extensões de hábitat
natural no mundo (SCURLOCK; HALL, 1998SCURLOCK, J. M. O.; HALL, D. O. The global carbon sink : a grassland
perspective. Global Change Biology, n.4, p.229–233, 1998. DOI:
http://dx.doi.org/10.1046/j.1365-2486.1998.00151.x
https://doi.org/10.1046/j.1365-2486.1998...
). Esse
tipo de formação, caracterizada pelo predomínio de um estrato herbáceo contínuo e a
ausência de árvores ou arbustos, têm até 60% de toda sua ocorrência na região
tropical, especialmente em ecossistemas de savana (SCURLOCK; HALL, 1998SCURLOCK, J. M. O.; HALL, D. O. The global carbon sink : a grassland
perspective. Global Change Biology, n.4, p.229–233, 1998. DOI:
http://dx.doi.org/10.1046/j.1365-2486.1998.00151.x
https://doi.org/10.1046/j.1365-2486.1998...
). No Brasil, esse tipo de ambiente está
representado principalmente no Bioma Cerrado.Grace
et al. (2006)GRACE, J. et al. Productivity andcarbonfluxesof tropical savannas.
Journal of Biogeography, v.33, n.3, p 387–400, mar. 2006.
DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2699.2005.01448.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2699.2005...
indicaram que entre 10% e 30% de todo o carbono presente
nos solos, localizam-se em regiões de savana tropical.
Os solos sob áreas úmidas, por sua vez, são reconhecidos na literatura como
importantes áreas estocadoras e fontes potenciais para a liberação de carbono,
devido, principalmente, às condições anaeróbicas sob as quais são mantidas (baixo
nível de oxigênio, alta quantidade de água, baixa difusividade de gases). Tais
condições favorecem o acúmulo de matéria orgânica e carbono no solo (COLETTI et al., 2013COLETTI, J. Z. et al. Hydrological controls on carbon metabolism in
wetlands. Ecological Modelling, v. 249, p. 3–18, 2013. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.ecolmodel.2012.07.010
https://doi.org/10.1016/j.ecolmodel.2012...
). Pequenas diferenças
climáticas, hidrológicas e no uso da terra podem alterar de forma importante o
delicado balanço dos estoques de carbono dessas regiões, provocando sua liberação
para a atmosfera (NEUE et al., 1997NEUE, H. U. et al. Carbon in tropical wetlands.
Geoderma, v.1, p.163–185, 1997. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/S0016-7061(97)00041-4
http://dx.doi.org/10.1016/S0016-7061(97)...
).
Ainda que o predomínio das fitofisionomias no Cerrado sejam as associadas a solos bem
drenados, com formações savânicas, em que estão presentes arbustos, ocorrem nesse
bioma diferentes fitofisionomias sobre solos periodicamente inundados,
correspondendo a ecossistemas de áreas úmidas(WALTER; CARVALHO; RIBEIRO, 2008WALTER, B. M. T.; CARVALHO, A. M. DE; RIBEIRO, J. F. O Conceito de
Savana e de seu Componente Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. DE; RIBEIRO,
J. F. (Eds.). Cerrado: Ecologia e Flora. Brasília, DF: Embrapa
Informação Tecnológica, 2008. p.19–45.). O Campo Limpo Úmido é uma delas. Esse
tipo de ambiente tem sua ocorrência onde o lençol freático é superficial,
especialmente em áreas de nascentes, em encostas, nos fundos dos vales e bordeando
as matas de galeria, em solos hidromórficos(WALTER;
CARVALHO; RIBEIRO, 2008WALTER, B. M. T.; CARVALHO, A. M. DE; RIBEIRO, J. F. O Conceito de
Savana e de seu Componente Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. DE; RIBEIRO,
J. F. (Eds.). Cerrado: Ecologia e Flora. Brasília, DF: Embrapa
Informação Tecnológica, 2008. p.19–45.). Caracteriza-se pelo predomínio de um estrato
herbáceo contínuo, ausência de árvores ou arbustos, além de grande abundância e
riqueza de espécies da família Poaceae (MUNHOZ;
FELFILI, 2008MUNHOZ, C. B. R.; FELFILI, J. M. Fitossociologia do estrato
herbáceo-subarbustivo em campo limpo úmido no Brasil Central 1. Acta
Botanica Brasilica, v.22, n.4, p.905–913, 2008. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-33062008000400002
https://doi.org/10.1590/S0102-3306200800...
).
Apesar de sua potencial importância para a preservação do carbono no solo, até o
momento, poucos estudos abordaram áreas de Campo Limpo Úmido(FERREIRA et al., 2008FERREIRA, E. A. B. et al. Influência de variações ambientais sobre o
fluxo de CO2 em solos sob Campo Limpo Úmido no Cerrado. II Simpósio
internacional de Savanas Tropicais, v.3, p.7pp,
2008.; MEIRELLES; FERREIRA; FRANCO, 2006MEIRELLES, M. L.; FERREIRA, E. A. B.; FRANCO, A. C. Dinâmica Sazonal
do Carbono em Campo Úmido do Cerrado. Documentos/Embrapa
Cerrados, v.164, p 32p, 2006.).Trabalhos envolvendo a modelagem e
desenvolvimento de funções de pedotransferênciapara solos do Cerrado têm observado
uma relação entre o conteúdo de carbono orgânico no solo (COS) e suas
características físicas e estruturais, como a textura, densidade e mineralogia
(FRANÇA, 2011FRANÇA, A. M. DA S. Função de pedotransferência para
estimativa de estoques de carbono em solo de áreas de Campo Limpo Úmido do
Distrito Federal. 2011. Tese (Doutorado em Geologia) – Instituto de
Geociências, Depto de Geologia, Universidade de Brasília, Brasília.
2011.; REIN; DUXBURY, 2008REIN, T. A.; DUXBURY, J. M. Modeling the soil organic carbon,
texture and mineralogy relations in the profile of oxisols from the brazilian.
In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE SAVANAS TROPICAIS, 2., 2008, Brasília –
DF. Anais do II Simpósio internacional de Savanas
Tropicais, Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2008.; ZINN et
al., 2007ZINN, Y. L. et al. Edaphic Controls on Soil Organic Carbon Retention
in the Brazilian Cerrado: Soil Structure. Soil Science Society of
America Journal, v.71, n.4, p.1204, 2007. DOI:
http://dx.doi.org/10.2136/sssaj2006.0015
https://doi.org/10.2136/sssaj2006.0015...
).O desenvolvimento de tais funções permite a estimação dos
estoques de carbono a partir de informações com menor custo e maior rapidez para sua
obtenção.
Considerando a potencial importância de fitofisionomias de Campo Limpo Úmido para a manutenção do carbono orgânico no solo, evitando sua emissão para a atmosfera, e com a finalidade de fornecer meios menos dispendiosos para a estimação dos estoques de carbono nesse tipo de ambiente, temos porprincipal objetivo neste estudoa obtenção de parâmetros quantitativos básicos dos solos nas regiões de ocorrência de Campos Limpos Úmidos, bem como o desenvolvimento de função que permita a estimação do carbono orgânico.
MATERIAIS E MÉTODOS
Área de Estudo
O estudo foi realizado no Distrito Federal (Brasil), o qual compreende uma área
de 5.779 km2, localizado na região central do Bioma Cerrado (Figura 1). Essa região é caracterizada como
uma região típica de Cerrado, composta por um mosaico heterogêneo de diferentes
formações vegetacionais (EITEN, 1972EITEN, G. The Cerrado Vegetation of Brazil. The Botanical
Review, v.38, n.2, p.201–327, 1972.;
WALTER; CARVALHO; RIBEIRO, 2008WALTER, B. M. T.; CARVALHO, A. M. DE; RIBEIRO, J. F. O Conceito de
Savana e de seu Componente Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. DE; RIBEIRO,
J. F. (Eds.). Cerrado: Ecologia e Flora. Brasília, DF: Embrapa
Informação Tecnológica, 2008. p.19–45.),
abrangendo cerca de 0,3% da área total do Cerrado (2,03 milhões de
km2).A maior parte da paisagem natural na região é caracterizada
por planaltos com solos bem drenados, mas também há a ocorrência de regiões
periodicamente úmidas ou alagadas (SILVA et al.,
2006SILVA, J. F. et al. Spatial heterogeneity , land use and
conservation in the cerrado region of Brazil. Journal of
Biogeography, p.536–548, 2006. DOI:
http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2699.2005.01422.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2699.2005...
).O clima na região é tropical úmido (Aw - classificação de
Köppen), caracterizado por marcada sazonalidade, com invernos secos e verões
chuvosos. Cerca de 70%do Distrito Federalé ocupado por regiões com classes de
uso antrópico (IBAMA, 2014), sendo a maior parte das áreas naturais bem
preservadas situadas em propriedades pública destinadas à conservação do
ambiente natural ou à pesquisa, a exemplo de unidades de conservação e unidades
dedicadas à pesquisa ambiental.
As áreas de Campo Limpo Úmido normalmente situam-se em faixas horizontais sobre lados de vales, separando o Cerrado Stricto Senso da Mata de Galeria. Na maioria das vezes, essas áreas formam limites bem definidos com essas fitofisionomias, numa região com abrupta transição entre diferentes comunidades biológicas e grande diversidade. Por serem áreas úmidas, nessas regiões o lençol freático tende a ser raso e frequentemente aflora à superfície. Os solos permanecem grande parte do ano saturado de água, impedindo ou dificultando sua coleta em períodos em que o lençol freático se encontra próximo à superfície.Os tipos mais comuns de solo nesse tipo de fitofisionomiasão o gleissolo e o plintossolo.
O mapeamento de áreas de Campo Limpo Úmido no Distrito Federal foi realizado por França & Sano (2011)FRANÇA, A. M. DA S.; SANO, E. E. Influência de variações ambientais sobre o fluxo de CO2 em solos sob Campo Limpo Úmido no Cerrado. Sociedade e Natureza, v.2, p.197–209, 2011., com a utilização de imagens multiespectrais – Landsat5/TM e CBERS2B/HRC – e o uso de técnicas de fusão IHS. Como resultado, houve a identificação de 846,61 ha de Campo Limpo Úmido no Distrito Federal (0,14% de toda a área de estudo).
Características do solo
Os solos presentes nas áreas estudadas são os gleissolos e os plintossolos. Os gleissolos formam-se a partir de sedimentos aluviais, com presença de lençol freático próximo à superfície na maior parte do ano, caracterizando um ambiente de acúmulo de matéria orgânica e de oxirredução (REATTO et al., 1998REATTO, A. et al. Solos de ocorrência em duas áreas sob matas de galeria no Distrito Federal: aspectos pedológicos, uma abordagem química e físico-hídrica. In: RIBEIRO, J. F.; FONSECA, C. E. L.; SOUSA-SILVA, J. CARLOS (Eds.). Cerrado: caracterização e recuperação de matas de galeria. Brasília: Embrapa Cerrados, 1998. p.115–140.). São solos que ocasionalmente podem ter textura arenosa (areia ou areia franca) somente nos horizontes superficiais, desde que seguidos de horizonte glei de textura franco arenosa ou mais fina (EMBRAPA, 2006EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. Rio de Janeiro: Embrapa-SPI, 2006. p.306pp; FAO, 2006FAO. World reference base for soil resources 2006: a framework for international classification, correlation and communication. Rome: FAO, 2006. p.1–145). São solos desenvolvidos em materiais inconsolidados (sedimentos ou saprolito) e muito influenciados por ocorrências de encharcamento prolongado. Tais condições são normalmente ocasionadas por um lençol freático próximo à superfície, pelo menos em alguns meses do ano, o que deixa os poros saturados com água por tempo relativamente prolongado. Essa saturação, na presença de matéria orgânica, diminui o oxigênio dissolvido e provoca a redução química e dissolução dos óxidos de ferro, que é transformado, e parcialmente removido, o que faz com que surjam cores acinzentadas no horizonte subsuperficial (LEPSCH, 2002LEPSCH, I. F. Formação e Conservação Dos Solos. São Paulo: Ofina de Textos, 2002. 178p.).
Os plintossolos correspondem a solos minerais hidromórficos, com séria restrição à percolação de água, encontrados em situações de alagamento temporário e, portanto, escoamento lento (REATTO et al., 1998REATTO, A. et al. Solos de ocorrência em duas áreas sob matas de galeria no Distrito Federal: aspectos pedológicos, uma abordagem química e físico-hídrica. In: RIBEIRO, J. F.; FONSECA, C. E. L.; SOUSA-SILVA, J. CARLOS (Eds.). Cerrado: caracterização e recuperação de matas de galeria. Brasília: Embrapa Cerrados, 1998. p.115–140.). Morfologicamente apresentam horizonte de subsuperfície com manchas avermelhadas distribuídas no perfil, de aspecto variegado (resultado da concentração de ferro do solo), chamadas de plintita (EMBRAPA, 2006EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. Rio de Janeiro: Embrapa-SPI, 2006. p.306pp; FAO, 2006FAO. World reference base for soil resources 2006: a framework for international classification, correlation and communication. Rome: FAO, 2006. p.1–145). São solos formados sob condições de algum impedimento ao movimento da água gravitativa, mormente em locais em que há grande oscilação do lençol freático facilitando a formação da plintita (LEPSCH, 2002LEPSCH, I. F. Formação e Conservação Dos Solos. São Paulo: Ofina de Textos, 2002. 178p.). Ocorrem em regiões quentes e úmidas, especialmente naquelas com estação seca bem definida ou período com marcante diminuição da precipitação pluvial (OLIVEIRA; JACOMINE; CAMARGO, 1992OLIVEIRA, J. B.; JACOMINE, P. K. T.; CAMARGO, M. N. Classes Gerais de Solos do Brasil. Guia Auxiliar para seu Reconhecimento. Jaboticabal: FUNEP, 1992. 201p.).
Amostragem de campo
No Distrito Federal foram selecionados quatro sítios de amostragem com características típicas de Campo Limpo Úmido. Dois deles situaram-se na Estação Ecológica Águas Emendadas (área 1 - gleissolo e área 2 - plintossolo) e dois deles na Fazenda Água Limpa (área 3 – gleissolo e área 4 - plintossolo), unidade de pesquisa de propriedade da Universidade de Brasília. As áreas amostradas foram escolhidas por manterem preservadas suas características naturais, apresentando baixo impacto antrópico. A amostragem foi realizada durante o período de seca.
Em cada um dos quatro Campos Limpos Úmidos selecionados, foi delimitado um transecto na região central, iniciando na borda do Cerrado sensu stricto e finalizando na Mata de Galeria, atravessando toda a sua extensão. Em cadatransecto foram demarcados 4 pontos amostraisequidistantes onde foram coletadas amostras em sete diferentes profundidades: 0-5 cm, 5-10 cm, 10-20 cm, 20-30 cm, 30-40 cm, 40-50 cm e 50-60 cm.
Para a determinação do teor de carbono e textura do solo foram coletadas amostras deformadas utilizando trado holandês e para a determinação da densidade aparente do solo foram coletadas amostras indeformadas com auxílio de anéis volumétricos. Como resultado, obteve-se112 amostras, sendo 56 amostras referentes às áreas de Campo Limpo Úmido sob gleissoloe 56 amostras referentes às áreas de Campo Limpo Úmido sob plintossolo.
Preparação das amostras e análises laboratoriais
Em relação a características texturais do solo, foi determinadoo conteúdo de areia, argila e siltepara todos os intervalos de profundidade por meio de análise granulométrica das amostras deformadas, distinguindo suas frações em classes de acordo com seus diâmetros: argila (0,000-0.002 mm), silte (0.002–0.063 mm) e areia (0.063–2 mm).
A densidade aparente foi determinada obtendo-se amostras indeformadas de solo em diferentes profundidades, com a utilização de anel de aço de bordos cortantes e capacidade interna de 100 cm3. As amostras obtidas foram secas em estufa a 110 ºC e pesadas com utilização de instrumento de precisão. A densidade aparente (Da) foi determinada como função da massa de solo seco e do volume conhecido (Da=Massa/Volume). Nenhuma das amostras obtidas para a análise da densidade conteve quantidade significativa de rochas ou fragmentos, não sendo necessária a correção dos valores obtidos.
As amostras de solo coletadas para a determinação do teor de carbono foram secas ao ar e posteriormente destorroadas e passadas em peneira de 2mm. Essas amostras foram trituradas com o auxílio de um moedor e utilizando-se gral e pistilo até que as partículas pudessem passar por peneira de malha de 0,25 mm. A cada troca de conjunto de amostras foi realizada a higienização de todo o material (moedor, gral, pistilo e peneiras), a fim de se evitar sua contaminação. Subamostras foram pesadas entre 20 e 30 mg, com precisão de 4 casas decimais, em cápsulas de estanho e submetidas à análise para determinação do teor de carbono total no solo (TOC).
O teor de carbono nas amostras de solo foi determinado por meio do método analítico por combustão seca a 900ºC (CHNS/O) em analisador elementar (Perkin Elmer, PE-2400 Séries II). Nesse método, uma pequena amostra de solo é aquecida até 900ºC e é medido o CO2 resultante da combustão do material. Os resultados são expressos como percentual e refere-se ao carbono orgânico e inorgânico presente nas amostras (TIESSEN; MOIR, 1993TIESSEN, H.; MOIR, J. O. Total and organic carbon. In: CARTER, M. E. (Ed.). Soil Sampling and Methods of Analysis. Ann Arbor, Michigan: Ed. Lewis Publishers, 1993. p.187–211.). Foi realizado um total de 112 medições e a cada 10 amostras o aparelho foi calibrado com amostras-padrão cistina.
Modelagem e validação da função de pedotransferência
A função para a estimação do COS foi obtida com a utilização do algoritmo de
optimização deLevenberg-Marquardt (LEVENBERG,
1944LEVENBERG, K. A Method for the Solution of Certain Non-Linear
Problems in Least Squares. Quarterly of Applied Mathematics,
v.2, p.164–168, 1944.; MARQUARDT, 1963MARQUARDT, D. An Algorithm for Least-Squares Estimation of Nonlinear
Parameters. SIAM Journal on Applied Mathematics, v.11, n.2,
p.431–441, 1963.)por meio
dosoftware Matlab 2013(MATLAB, 2013MATLAB, The MathWorks Inc. MATLAB R2013a. Natick,
Massachusetts, United States. 2013. Disponível em:
<http://www.mathworks.com/>
http://www.mathworks.com/...
). O
algoritmo mencionado tem por objetivo encontrar o melhor ajuste entre uma função
objetivo e os dados observados, promovendo a redução da distância entre valores
estimados e observados (redução de mínimos quadrados). Para a definição da
função objetivo, a exemplo de Zinnet al. (2012), regressões lineares foram
empregadas para detectar possíveis relações entre teores de COS e as
variáveisindependentes consideradas (profundidade, densidade, areia, argila e
silte). Além dos dados originais, foram submetidas à regressão transformações
logarítmicas das variáveis e a soma ou multiplicação entre até duas variáveis
dependentes. Os termos integrantes da função objetivo foram definidos como
aqueles que apresentassem as melhores características para a regressão linear
(maior R2 e menor Root Mean Square Deviation -
RMSD).
Para a seleção dos coeficientes, a função objetivo foi submetida a500 interações realizadas com diferentes conjuntos de dados, sendo tomados randomicamente 46 registros para treinamento e 10 registros para validação. Com o procedimento mencionado foi possível se obter os coeficientes (valores médios) e o ajuste médio dos valores estimados de COS aos dados observados, bem como aos dados de validação (SEE, R2, R2 ajustado e RMSD).
Cálculos do Estoque de Carbono no Solo
O estoque de carbono orgânico no solo foi quantificado em base volumétrica expressa em Mg C ha-1 para as camadas 0-5 cm, 5-10 cm, 10-20 cm, 20-30 cm, 30-40 cm, 40-50 cm e 50-60 cm de profundidade. O cálculo do estoque de carbono para uma determinada profundidade (ρ, cm) foi realizado com o uso da função:
Onde:
EC = estoque de C orgânico em determinada profundidade (Mg ha-1)
C = teor de C orgânico total na profundidade amostrada (g kg-1)
ρ = densidade aparente do solo da profundidade (kg dm-3)
e = espessura da camada considerada (cm)
RESULTADOS
Para ambos os tipos de solos amostrados, gleissolose plintossolos, foi observada textura predominantemente argilo-siltosa, com um menor conteúdo de areia ao longo do perfil (Tabela 1).
Em relação à textura, a principal diferença observada entre os tipos de solos foi um maior percentual de areia nas porções mais profundas do perfil (30-60 cm) em plintossolos e uma maior quantidade de argila em gleissolosnessa mesma porção (Figura 2). Não houve diferença relevante entre os solos em relação ao conteúdo de silte, sendo observado um decréscimo de seu conteúdo com a profundidade para ambos os solos. A densidade do solo foi crescente ao longo do perfil (0-60 cm) e apresentou maiores valores observados para plintossolos. As maiores diferenças para a densidade também ocorreram para maiores profundidades (30-60 cm).
– conteúdo de areia (a); argila (b); silte (c); e densidade aparente do solo (d) ao longo do perfil (0-60cm) em áreas de Campo Limpo Úmido sobre gleissolo e plintossolo.
A concentração de COS foi decrescente com a profundidade, sendo que plintossolos apresentaram menores valores ao longo de todo o perfil quando comparados a gleissolos (Tabela 2). O estoque de carbono também apresentou valores superiores em áreas de gleissolo (Tabela 2).
O estoque de carbono médio observado para Campo Limpo Úmido foi de 243.16±25.17 Mg Cha-1. Na porção do solo de 0-60 cm, nos 846,61 hectaresocupados por áreas de Campo Limpo Úmido no Distrito Federal, estimou-se um estoque total de 205.86±21.30Gg C.
Observou-se uma maior relação na variação do COS com a densidade (R2 = 0,75; p<0,00), o produto entre a densidade e o logaritmo natural da profundidade (R2 = 0.66; p<0,00) e com o somatório entre areia e silte (R2 = 0.37; p= 0,05). Respeitando a relação não-linear apresentada entre o conteúdo de carbono no solo e as variáveis independentes (densidade, profundidade, areia e silte), os melhores ajustes na relação entre o COS medido e o COS estimado foram obtidos com a função polinomial:
Onde:
C (est) – carbono orgânico estimado (g kg-1);
Dens. – densidade do solo (kg dm-3);
Prof. – profundidade - valores de entrada: 2,5 cm; 7,5 cm; 15 cm; 25 cm; 35 cm; 45 cm; 55 cm, referentes às classes de profundidade 0-5 cm, 5-10 cm, 10-20 cm, 20-30 cm, 30-40 cm, 40-50 cm e 50-60 cm;
Areia – conteúdo de areia (%);
Silte – conteúdo de silte (%);
Xn – coeficientes;
Os coeficientes determinados para as funções foram:
Gleissolo: X1 = -3.2617; X2=6.6697; X3=-0.4543; X4=-1.1727; X5=-17.8626; X6=0.0102; X7=18.7415; X8=0.0412;
Plintossolo: X1 = -1.2428; X2=2.6539; X3=-0.6836; X4=-0.4019; X5=-44.4943; X6=-4.1142; X7=0.0331; X8=1.2513;
O carbono estimado com o uso das funções (Tabela 2) apresentou um bom ajuste em relação àquele observado para todo o perfil (Figura 3-a e Figura 3-b). A função obtida para gleissolo apresentou um erro médio de 1,48g kg-1 em relação aos dados observados e de 1,49 g kg-1 em relação aos dados de validação. A função para a estimação do COS em plintossolo apresentou erro médio ligeiramente superior: 1,57 g kg-1 para dados observados e 1,62 g kg-1 para dados de validação (Tabela 3).
– conteúdo de carbono no solo (COS) observado e estimado (a); estoque de carbonoestimado e observado (b); gráfico quantil-quantil para o COS observado e estimado em gleissolo (c); gráfico quantil-quantil para o COS observado e estimado em plintossolo (d).
Em relação ao intervalo de valores de concentração do COS, os piores ajustes ocorreram para maiores concentrações, superiores a 150 g kg-1 em gleissolo e a 100 g kg-1 em plintossolo, conforme Figura 3 (atentar para perfis 3c e 3d). A partir desses valores de concentração, a função tendeu a subestimar o conteúdo de carbono no solo.
DISCUSSÃO
Áreas úmidas na região tropical são reconhecidamente importantes estocadoras de
carbono (BERNAL; MITSCH, 2008BERNAL, B.; MITSCH, W. J. A comparison of soil carbon pools and
profiles in wetlands in Costa Rica and Ohio. Ecological
Engineering, v.4, p.311–323, 2008. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.ecoleng.2008.09.005
https://doi.org/10.1016/j.ecoleng.2008.0...
; BIANCHI et al., 2013BIANCHI, T. S. et al. Estuarine, Coastal and Shelf Science
Historical reconstruction of mangrove expansion in the Gulf of Mexico : Linking
climate change with carbon sequestration in coastal wetlands. Estuarine,
Coastal and Shelf Science, v.119, p.7–16, 2013. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.ecss.2012.12.007
https://doi.org/10.1016/j.ecss.2012.12.0...
; DE LA CRUZ, 1986DE LA CRUZ, A. A. Tropical wetlands as a carbon source.
Aquatic Botany, v.25, p.109–115, 1986. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/0304-3770(86)90048-3
https://doi.org/10.1016/0304-3770(86)900...
; NEUE et al.,
1997NEUE, H. U. et al. Carbon in tropical wetlands.
Geoderma, v.1, p.163–185, 1997. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/S0016-7061(97)00041-4
http://dx.doi.org/10.1016/S0016-7061(97)...
). Apesar de ainda pouco exploradas no Bioma Cerrado, os resultados
obtidos neste artigo confirmam o papel desempenhado por essafitofisionomia para a
manutenção docarbono orgânico no solo.
Adensidade do COS em áreas de Campo Limpo Úmido apresentou valor superior àquele
observado para outras fitofisionomias típicas de áreas bem drenadas do Cerrado(Tabela 4). Em áreas de savana (cerrado e
cerrado sensu stricto) o COS foi estimado entre 45 Mg C
ha-1e 73 Mg C ha-1 para profundidade de até 60 cm (Tabela 4), valor até 5 vezes menor do que a
densidade do estoque obtida para as áreas úmidas analisadas.Em regiões com formações
campestres, com ocorrênciaemregiões bem drenadas(com solos de tipo Ferrasols),a
densidade do estoque de carbono também foi bastante inferior àquelas obtidas para
áreas de Campo Limpo Úmido (Tabela 4). Apesar
da semelhança fitofisionômica entre essas regiões, campos limpos tiveram o estoque
do solo estimado em 100 Mg C ha-1 para a profundidade de até 100 cm(SILVA et al., 2004SILVA, J. E. et al. Carbon storage in clayey Oxisol cultivated
pastures in the Cerrado region, Brazil. Agriculture, Ecosystems &
Environment, v.103, p.357–363, 2004. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.agee.2003.12.007
https://doi.org/10.1016/j.agee.2003.12.0...
), mais de duas vezes
inferior àquele observado em áreas de Campo Limpo Úmido.
De forma semelhante a outros tipos fitofisionômicos, áreas de Campo Limpo Úmido apresentaram relação entre características do solo (tipo de solo, textura, densidade) e o conteúdo de carbono orgânico nele presentes. No caso observado, as amostras obtidas em gleissolo, em geral, apresentaram conteúdo de carbono superior àquelas de plintossolo. O tratamento independente entre amostras pertencentes a solos com características físicas distintas, parece ser uma estratégia adequada para a análise de amostras obtidas em Campo Limpo Úmido.
Como observado em outros estudos que modelaram o COS em regiões do Bioma Cerrado
(FRANÇA, 2011FRANÇA, A. M. DA S. Função de pedotransferência para
estimativa de estoques de carbono em solo de áreas de Campo Limpo Úmido do
Distrito Federal. 2011. Tese (Doutorado em Geologia) – Instituto de
Geociências, Depto de Geologia, Universidade de Brasília, Brasília.
2011.; REIN; DUXBURY, 2008REIN, T. A.; DUXBURY, J. M. Modeling the soil organic carbon,
texture and mineralogy relations in the profile of oxisols from the brazilian.
In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE SAVANAS TROPICAIS, 2., 2008, Brasília –
DF. Anais do II Simpósio internacional de Savanas
Tropicais, Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2008.; ZINN et
al., 2012ZINN, Y. L. et al. Perfis de carbono orgânico do solo nas regiões
sul e Serra do Espinhaço meridional, Minas Gerais: Modelagem em profundidade.
Revista Brasileira de Ciências do Solo, v.36, n.5,
p.1395–1406, 2012. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/S0100-06832012000500003
https://doi.org/10.1590/S0100-0683201200...
), foi possível um ajuste adequado de uma função de estimação a
partir de informações menos onerosase de mais fácil obtenção (ex: densidade e
textura). Esse tipo de abordagem contribui para uma maior agilidade e menor
dispêndio de recursos em trabalhos que envolvam a avaliação dos estoques existentes
na região de estudo.
Considerando que Campos Limpos Úmidos são áreas que se caracterizam como importantes estocadores de carbono no solo, os quais potencialmente podem ser liberados para a atmosfera em caso do manejo inadequado ou alterações ambientais que afetem o ciclo hidrológico natural, érecomendável a realização de estudos específicos que investiguem variações no COS decorrentes da mudança de uso e manejo em regiões de Campo Limpo Úmido, bem como a realização de pesquisas que abranjam toda a área do Bioma Cerrado.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos mostraram que Campos Limpos Úmidos, uma das fitofisionomias presentes no Bioma Cerrado, possuem elevado potencial para estocar carbono no solo, com uma estimativa de 243.16 Mg C ha-1até a profundidade 60 cm. O estoque total estimado para essas áreas no Distrito Federal foi de 205.86Gg C, presentes em 846.61 ha de Campo Limpo Úmido. Os resultados obtidos indicaram uma diferença entre áreas sobre gleissolo e plintossolo. Em gleissolos, o estoque médio de 258.84Mg C ha-1, enquanto áreas de plintossolos apresentaram em média214.49Mg C ha-1. Foram obtidas equações capazes de estimar o conteúdo de carbono orgânico no solo (COS) a partir de informações de mais fácil acesso (densidade e textura). Os valores estimados pela função apresentaram boa adequação aos dados observados em campo. A função para gleissolo apresentou um erro médio de 1,48 g kg-1 em relação aos dados observados e de 1,49 g kg-1 em relação aos dados de validação. A função para a estimação do COS em plintossolo apresentou erro médio ligeiramente superior: 1,57 g kg-1 para dados observados e 1,62 g kg-1 para dados de teste. Considerando a grande pressão antrópica a que estão submetidas as regiões naturais no Bioma Cerrado, é recomendável a realização de estudos específicos que investiguem variações no COS decorrentes da mudança de uso e manejo em regiões de Campo Limpo Úmido ou em função de alterações ambientais. Sugere-se, ainda, que novos estudos, com área de estudo que abranja toda a área do Bioma Cerrado, sejam realizados para esse tipo de fitofisinomia.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq-Brasil pelo auxílio concedido para a realização da pesquisa.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Apr 2015
Histórico
-
Recebido
15 Set 2014 -
Aceito
02 Fev 2015