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PROGRAMA NACIONAL DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR: TRAJETÓRIAS E DESAFIOS NO VALE DO RIBEIRA, BRASIL

National program of fortification for family farming: trajectories and challenges at the Ribeira Valley, Brazil

RESUMO

A agricultura sofreu grandes transformações que fragilizaram a sustentabilidade do meio rural, porém, a agricultura familiar ainda mantém proximidade com o desenvolvimento sustentável deste meio. Assim, são relevantes investigações sobre políticas públicas promotoras da agricultura familiar e os respectivos efeitos destas. Neste sentido, este artigo tem como objetivo analisar as influências do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) a partir de um estudo realizado nos municípios do Vale do Ribeira, Paraná - Rio Branco do Sul e Itaperuçu. Após uma fundamentação teórica sobre políticas públicas e agricultura familiar sob a ótica da sustentabilidade, apresenta-se a metodologia, a qual fora construída a partir de uma abordagem qualitativa baseada em um estudo de caso, com entrevistas semiestruturadas realizadas com os agentes ligados à implementação do PRONAF e beneficiários do Programa. A partir desta foi possível concluir que o PRONAF contribuiu para o desenvolvimento rural sustentável ao elevar a renda, fortalecer a capacidade produtiva da agricultura familiar e estimular a manutenção local da atividade agrícola de pequena escala, ainda que conte com diversas limitações em relação à sua operacionalização.

Agricultura Familiar; Políticas Públicas; PRONAF; Vale do Ribeira

ABSTRACT

The agriculture has undergone big changes that weakened the rural areas sustainability, however, the family farming is still keeping proximity with the sustainable development in rural areas. Therefore, relevant are scientific studies about public policies promoters of family farming and their respective effects. In this way, this article aims to analyze the influences of National Program of Fortification for Family Farming (PRONAF) from a study realized in the Ribeira Valley municipalities - Rio Branco do Sul and Itaperuçu (Paraná). After a theoretical substantiation about public policies and family farming with a perspective of sustainability, it presents the methodology, which was built from a qualitative approach based on a case study, with semistructure interviews accomplished with agents linked to implementation of PRONAF and the Program beneficiaries. From there it was possible to conclude that PRONAF contributed for sustainable rural development by raising incomes, strengthening the productive capacity of family farming and stimulating the local maintenance of agricultural activity on a small scale, although has many limitations related with Program operation.

Family Farming; Public Policies; PRONAF; Ribeira Valley

INTRODUÇÃO

Agricultura Familiar é uma forma de produção que se utiliza predominantemente da mão-de-obra familiar na execução das atividades agropecuárias. Discute-se hoje o seu papel na ocupação e geração de renda nos espaços rurais, assim como a sua responsabilidade perante a produção de alimentos de qualidade, a racionalização quanto à utilização sustentável dos recursos naturais e a manutenção da biodiversidade no campo. Neste sentido, há uma perspectiva, inclusive nas políticas públicas, de fortalecer a agricultura familiar como expressão social, cultural, econômica, política e ambiental, de modo a rediscutir e redimensionar o atual modelo de desenvolvimento rural. Dentre estas iniciativas se destaca o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), principal programa do Governo Federal para a garantia, manutenção e desenvolvimento da agricultura familiar. O Programa foi implantado na década de 1990 e de acordo com Carneiro (1997)CARNEIRO, M.J. Política Pública e Agricultura Familiar: uma leitura do PRONAF. Estudos Sociedade e Agricultura, n.8, p.70-82, 1997. tem a proposta de fortalecer a agricultura familiar a partir das demandas dos trabalhadores, o que constituiu um importante avanço em relação às políticas anteriores em relação a organização dos atores da agricultura familiar em suas “lutas” na busca de melhores condições de vida.

Em se tratando do objeto de estudo, tem-se o Vale do Ribeira, um território que envolve os estados de Paraná e São Paulo, rico em reservas minerais e florestais. Contudo, os principais ciclos econômicos que se instalaram na porção paranaense do território transformaram o lugar em um fornecedor de recursos naturais de baixo custo, explorados desconsiderando o patrimônio ambiental e cultural e sem geração ou transferência de benefícios para a população residente. Cabe destacar a extração de minerais (areia, argila, calcário, calcário dolomítico, diabásio, filito, fluorita, granito, mármore, saibro, sienito e talco) pela Votorantim Cimentos, para a produção de cimento, e a extração de madeira de reflorestamento Pinus elliottii (Engelm) e do Eucalyptus saligna (Sm) para produção de madeiras em tora pela Trombini Industrial S/A nos municípios de Itaperuçu e Rio Branco do Sul.

Assim, como em outras regiões, as transformações técnicas e produtivas decorrentes da modernização da agricultura ocasionaram grande vulnerabilização da agricultura familiar na região do Vale do Ribeira – PR, principalmente nas cidades aqui analisadas, Itaperuçu e Rio Branco do Sul. Os agricultores familiares se inseriram intensamente na dinâmica do mercado, vendendo sua mão de obra ou arrendando suas terras para o cultivo extensivo do Pinus e do Eucalyptus. Em decorrência disso, muitos destes atores perderam a autonomia no processo produtivo assim como a a tradição do saber fazer e produzir os seus próprios alimentos. Como agravante, a dinâmica populacional dos municípios acompanhou o processo histórico brasileiro de êxodo das zonas rurais a partir da década de 1970.

Assim, as experiências vivenciadas pelos agricultores do Vale do Ribeira explicitam a relação entre as transformações na agricultura contemporânea e as questões relativas ao desenvolvimento sustentável, que por sua vez estão vinculadas às políticas públicas e à agricultura familiar. Neste sentido, esse artigo tem como objetivo analisar o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF e sua influência para com o desenvolvimento e manutenção da atividade da agricultura familiar nos municípios do Vale do Ribeira, Paraná (Brasil) - Rio Branco do Sul e Itaperuçu.

A metodologia utilizada tem como fundamento a pesquisa qualitativa, pois como expõe Dencker (2001DENCKER, A. F. M. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Turismo. 5 ed. São Paulo: Futura, 2001., p. 97), esta “permite uma análise das causas, condições e frequência de determinadas situações sociais, permitindo a compreensão de problemas, estruturas, sistemas e processos”. Como estratégia da pesquisa, optou-se por adotar a abordagem de estudo de caso, tendo em vista que por meio deste o pesquisador explora profundamente um programa, um evento, uma atividade ou um processo (CRESWELL, 2010CRESWELL, J. W. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3 ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.). Sendo assim, a estratégia permitiu uma compreensão mais aproximada acerca da complexidade dos processos que envolveram o panorama atual da agricultura familiar local sob a ótica dos atores envolvidos, acarretando no melhor entendimento sobre a natureza geral da questão, ao passo que abriu espaço para discussões e interpretações.

A coleta dos dados foi realizada por meio de um roteiro de entrevista semiestruturad, com a gravação e transcrição literal das informações, complementadas por um diário de campo. Foram realizadas no total 29 entrevistas com sujeitos ligados à agricultura familiar local, divididos em categorias distintas: lideranças comunitárias de agricultores familiares e técnicos/servidores públicos relacionados a área. Para análise e interpretação dos dados utilizou-se a técnica de categorização, proveniente da análise de conteúdo. Para Minayo (2001)MINAYO, M. C. S. (org.). Pesquisa Social: teoria, método criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001. as categorias são empregadas para se estabelecer classificações, de forma a agrupar elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger a totalidade do enfoque da pesquisa.

Assim, após a introdução, o artigo apresenta um referencial teórico no qual é tratada a relação entre agricultura familiar e políticas públicas com enfoque nos embates sociopolíticos em torno do desenvolvimento rural. Em seguida, são expostos os resultados sobre a aplicabilidade in loco do PRONAF bem como os desafios a serem contornados pela política pública. Então são apresentadas as considerações finais acerca do tema.

AGRICULTURA FAMILIAR E POLÍTICAS PÚBLICAS

Segundo Wanderley (1985)WANDERLEY, M. N. B. O camponês: um trabalhador para o capital. Cadernos de Difusão de Tecnologia, Brasília: Embrapa, n.1, v.2, p.13 -78, 1985., a agricultura familiar caracteriza-se como sendo uma atividade em que a família ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Guanziroli et al. (2001)GUANZIROLI, C.; ROMEIRO, A.; BUAINAIN, A. M.; SABBATO, A.; BITTENCOURT, G. Agricultura Familiar e Reforma Agrária no Século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. complementam associando ao fato do trabalho familiar ser superior ao trabalho contratado de terceiros. A partir do governo brasileiro, é possível definir que agricultura familiar é aquela praticada por agricultores que utilizem mão-de-obra familiar, contando com até dois empregados permanentes, que não detém de áreas superiores a quatro módulos fiscais, residentes na propriedade ou em povoado próximo, sendo que no mínimo 80% de sua renda bruta familiar anual é proveniente do exercício da atividade (BRASIL, 2015BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Agricultura Familiar. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/bolsa-familia/programas-complementares/beneficiario/agricultura-familiar>. Acesso em: 6 jul. 2015.
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).

De acordo com Porro e Porro (2015)PORRO, R.; PORRO, N.S.M. Identidade social, conhecimento local e manejo adaptativo de comunidades tradicionais em Babaçuais no Maranhão. Ambiente & Sociedade, n.1, v.18, p.1-20, 2015. a condição dos agricultores e a qualidade de vida dos mesmos são afetadas, dentre outros, pelos fatores como acesso a recursos, sistema de produção adotado, interação com o mercado, ação coletiva, estágios das unidades domésticas e intervenção externa. Neste contexto, com a modernização agrícola brasileira, a grande propriedade impôs-se como modelo socialmente reconhecido e recebeu estímulos expressos na política agrícola que procurou modernizar e assegurar sua reprodução (WANDERLEY, 1985WANDERLEY, M. N. B. O camponês: um trabalhador para o capital. Cadernos de Difusão de Tecnologia, Brasília: Embrapa, n.1, v.2, p.13 -78, 1985.).

Silva (2005)SILVA, N. J. R. Dinâmicas de Desenvolvimento da Piscicultura e Políticas Públicas no Vale do Ribeira/SP e Alto Vale do Itajaí/SC – Brasil. Tese de doutorado - Universidade Estadual Paulista e École Nationale Supérieure Agronomique de Rennes. Defesa: São Paulo, 2005. afirma que os efeitos dos programas implantados anteriormente, influenciam os resultados de ações públicas em curso e o histórico da intervenção governamental impacta na trajetória da população e nas transformações na ocupação dos territórios. Portanto, os resultados obtidos pelos agricultores assim como as condições em que se encontra a agricultura familiar são em grande medida consequências da trajetória das políticas públicas.

Entende-se como políticas públicas o conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos (LYNN, 1980LYNN, L. E. Designing Public Policy: A Casebook on the Role of Policy Analysis. Califórnia: Goodyear, 1980.), ou ainda, “como o que o governo escolhe fazer ou não fazer” (DYE, 1984DYE, T. D. Understanding Public Policy. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice- Hall, 1984.). Bucci (2002)BUCCI, M. P. D. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva. 2002. acrescenta que as políticas públicas são um conjunto de programas e ações governamentais visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.

Frente à necessidade de manutenção e desenvolvimento da agricultura familiar e de seu potencial como modelo social, econômico e produtivo é necessário entender como os pequenos produtores lidam com os desafios colocados pelo capitalismo, assim como o papel das políticas públicas no apoio a estes.

Souza et al., (2006SOUZA, R. V. C. C. de et al. O acesso às inovações nos sistemas da agricultura familiar tradicional e em assentamentos da reforma agrária. In: I Encontro da Rede de Estudos Rurais. Rio de Janeiro, 2006., p. 6) mencionam que, devido ao pouco avanço tecnológico, a agricultura de pequeno porte ainda se apresenta com baixos níveis ligados à inovação, que acarretam em problemas de caráter produtivo, organizativo e técnico (baixa capacidade de produção, mecanização inadequada, terras insuficientes, falta de assistência técnica eficiente, entre outros). Assim, a agricultura familiar se adapta à nova dinâmica existente no espaço rural para se inserir no processo produtivo. Por outro lado, há diferentes formas de inovação, devendo estas estarem sumariamente adaptadas à realidade local. Leite (2011LEITE, S. P. Políticas Públicas, atores sociais e desenvolvimento territorial no Brasil. Série Desenvolvimento Rural Sustentavel, vol. 14. Brasília: IICA, 2011., p. 46) observa que “A modernização da agricultura não significa, forçosamente, extinção do pequeno, significa mais seu fortalecimento, caso ele não fique alheio ao processo de inovação [...]”.

Schneider (2010)SCHNEIDER, S. Situando o desenvolvimento rural no Brasil: o contexto e as questões em debate. Revista de Economia Política, n.3, v. 30, p. 511-531, 2010. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31572010000300009
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defende a importância da disseminação de práticas ligadas a um tipo de agricultura familiar mais “mercadológica”, no sentido de adaptação à sociedade capitalista a que está submetida, que conte com acesso a mercados e tecnologias de produção adequadas, operando de forma criativa a inserção produtiva. A despeito de quão difícil isso possa parecer, se impõe o desafio de retornar o abastecimento alimentar para a esfera local, priorizando os alimentos de melhor adaptação à região e observando sua alternância segundo o ritmo das estações, a sazonalidade, casado a uma matriz tecnológica mais ecológica, mais sustentável (KHATOUNIAN, 2001KHATOUNIAN, C. A. A reconstrução ecológica da agricultura. Botucatu: Agroecológica, 2001.).

Todavia, Abramovay (1998)ABRAMOVAY, R. Agricultura Familiar e Desenvolvimento Territorial. Ruralia Revista da Association des Ruralistes Français, n 3, v.2, p. 91-111, 1998. defende que “o desenvolvimento rural não acontecerá espontaneamente como resultado da dinâmica das forças de mercado, mas sim na elaboração das políticas capazes de promovê-lo”. Na visão do autor, a valorização da agricultura familiar e o reconhecimento de seu potencial dinamizador das economias locais é o ponto principal de discussão.

Neste sentido, Cazella (2012)CAZELLA, A. A. Agricultura Familiar: ainda é possível se diferenciar? N.43. Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura, 2012. expõe que, para que a inserção produtiva seja possível, mudanças de rumo precisam ser feitas nas principais políticas públicas de desenvolvimento rural. Porém, Leite et. al. (2011)LEITE, S. P. Políticas Públicas, atores sociais e desenvolvimento territorial no Brasil. Série Desenvolvimento Rural Sustentavel, vol. 14. Brasília: IICA, 2011. ressaltam que a necessidade de reconfigurar os campos de poder se faz presente, sendo preciso avaliar bem os instrumentos disponíveis para tanto (como o fortalecimento das organizações locais) e o perfil de atores estratégicos com os quais se irá desenvolver o processo de gestão, sendo necessário dar visibilidade a atores mais vulneráveis, para os quais se espera um acesso ao conjunto de políticas e recursos. Ou seja, é preciso pensar a dinâmica territorial de forma não autárquica, valorizando os procedimentos de desenvolvimento endógeno, o qual resultará numa gestão e governança mais complexa intra e inter territórios, bem como entre os diferentes níveis por onde circulam os atores.

Para Soto (2002)SOTO, W. H. G. Desenvolvimento sustentável, agricultura e capitalismo. In: BECKER, Dinizar Ferminiano. (org.) Desenvolvimento sustentável: necessidade ou possibilidade? 4 ed. Santa Cruz: EDINISC, 2002. 241p., a discussão sobre o desenvolvimento sustentável para a agricultura implica repensar formas de produção e a (re) definição das relações entre os atores envolvidos com a dinâmica dos territórios rurais e a natureza. As bases em que deveria caminhar o desenvolvimento sustentável, na visão do autor, se vinculam a: manutenção em longo prazo dos recursos naturais e da produtividade agrícola, minimização dos impactos adversos ao meio ambiente, ao retorno econômico adequado aos produtores, otimização da produção com o mínimo de insumos externos, satisfação das necessidades humanas de alimentos e renda e atendimento das necessidades sociais das famílias e comunidades rurais.

Em suma, o planejamento e gestão dos territórios rurais precisa estar ancorado em um novo paradigma de desenvolvimento, que permita rever as práticas atuais empregadas para o alcance do mesmo bem, visando a reorientação da economia, mas priorizando também as implicações sociais e ambientais das políticas direcionadas ao processo de desenvolvimento no meio rural. Este é o desafio que se apresenta para o futuro, ou seja, harmonizar o desenvolvimento econômico, a qualidade ambiental e a justiça social.

O PROGRAMA NACIONAL DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR – PRONAF

Como uma opção política pelo apoio à inserção social e produtiva de agricultores familiares historicamente excluídos das políticas públicas em um cenário de predomínio de apoio às grandes unidades agrícolas, está o PRONAF. O Programa é resultado de uma transferência de política pública, ou seja, um processo no qual o conhecimento sobre políticas públicas de um sistema político é usado para desenvolver situações semelhantes em outra realidade (BENSON; JORDAN, 2011BENSON, D.; JORDAN, A. What Have We Learned from Policy Transfer Research? Dolowitz and Marsh Revisited. Political Studies Review, v.9, p.366–378, 2011.). Segundo Carneiro (1997)CARNEIRO, M.J. Política Pública e Agricultura Familiar: uma leitura do PRONAF. Estudos Sociedade e Agricultura, n.8, p.70-82, 1997. esta referência europeia do PRONAF tem um vínculo especialmente com a França, no pós-guerra, onde a agricultura familiar foi eleita como uma forma de modernização da agricultura e da sociedade rural.

Na visão de Gazolla (2004)GAZOLLA, M. Agricultura Familiar, Segurança Alimentar e Políticas Públicas: uma análise a partir da produção para o autoconsumo no território do Alto Uruguai/RS. Dissertação de mestrado - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Setor de Ciências Econômicas, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural. Defesa: Porto Alegre, 2004., o Programa inaugura uma nova fase voltada à agricultura familiar brasileira, onde os agricultores familiares se tornam alvos de políticas públicas e atores sociais, demostrando assim, a importância destes para o desenvolvimento do país. Sachs (2001SACHS, I. Brasil Rural: da redescoberta à invenção, Estudos Avançados, n.15, v.43, 2001., p.77) realça que o Programa representou pela primeira vez um rompimento do setor público com o “apoio exclusivo à agricultura patronal e ao agribusiness, considerados como o único caminho viável de modernização para a agricultura brasileira”.

Segundo o Decreto Nº 1.946, de 28 de junho de 1996, que criou o PRONAF, o objetivo geral do Programa consiste em fortalecer a capacidade produtiva da agricultura familiar; contribuir para a geração de emprego e renda nas áreas rurais e melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares. O PRONAF estabelece, no seu documento base, como sendo o objetivo primeiro do Programa: “a promoção do desenvolvimento sustentável do meio rural a partir da implementação de ações que possibilitem o aumento da capacidade produtiva, a manutenção e geração de empregos e a elevação da renda, visando à melhoria da qualidade de vida e ao exercício da cidadania pelos agricultores familiares” (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Manual operacional do crédito rural PRONAF. Brasília, 2002., p. 7).

Em suma, o Crédito Rural do PRONAF financia atividades agropecuárias e não agropecuárias desenvolvidas pelos agricultores familiares e beneficiários do Programa, havendo várias modalidades de financiamento, tanto para o custeio da produção quanto para projetos de investimento e para agregação de renda à produção rural.

Guanziroli (2007)GUANZIROLI, C. E. PRONAF dez anos depois: resultados e perspectivas para o desenvolvimento rural. Revista de Economia e Sociologia Rural. n.2, v.45, 2007. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20032007000200004
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destaca que o PRONAF surge em vias de subsidiar crédito aos agricultores, em particular os familiares, numa época em que o elevado custo e a escassez de crédito eram apontados como os principais problemas. O autor cita que após 10 anos de execução, o Programa se estendeu de forma considerável por todo o território nacional, ampliou o montante financiado, impulsionou outros programas, assumiu a assistência técnica e reforçou a infraestrutura tanto dos próprios agricultores quanto dos municípios abrangidos. Como exposto por Bianchini (2015)BIANCHINI, V. Vinte anos do PRONAF, 1995-2015: avanços e desafios. Brasília: SAF/MDA, 2015. o Programa, presente em todos os municípios rurais do território brasileiro, disponibilizou em 20 anos mais de R$150 bilhões para mais de 2 milhões de famílias.

Porém, há críticas entre grande parte dos autores que discutem o tema, no sentido de que o PRONAF contou com uma grande distorção de seu foco de atuação relacionado à abrangência dos beneficiários do Programa, em termos regionais e sociais. Petrelli; Silva (2004)PETRELLI C.V.; SILVA, F. O novo desenho do Financiamento Agrícola e as dificuldades para os produtores não integrados. Anais XVII Congresso da SOBER, julho/2004. Cuiabá - MT. ressaltam o fato do Programa privilegiar a propriedade familiar “eficiente” em detrimento dos mais fragilizados, em observância ao fato de que, o universo considerado como sendo o de agricultores familiares que conseguem acessar o crédito com maior facilidade é o grupo mais economicamente integrado, sendo as benesses desta integração ainda parte do processo de modernização conservadora. Os autores observam as altas taxas de financiamento para o fumo (hoje proibido) e a soja sobre o total financiado - produtos destinados à produção agroindustrial e de exportação; ao passo que verifica-se baixa participação de liberações de recurso para a produção de arroz, feijão e outros produtos dirigidos ao mercado interno.

Na visão de Sabourin (2007)SABOURIN, E. Que política pública para a agricultura familiar no segundo governo Lula? Sociedade e Estado. n.3, v.22, 2007., ainda que os créditos para a agricultura familiar tenham aumentado e sejam distribuídos segundo diversas modalidades, apenas representam de 15% a 20% daqueles destinados à agricultura patronal. O autor defende ainda que o PRONAF, sob a forma de crédito individual ou de subvenção para equipamentos coletivos, beneficiou, sobretudo, os agricultores familiares mais dotados de capital, melhor articulados com a rede bancária e de forma espacializada, beneficiando essencialmente a região Sul.

Em meados da primeira década dos anos 2000, o Programa elevou a capilaridade dos financiamentos e melhorou a distribuição dos recursos entre regiões e entre níveis de renda dos agricultores familiares, implicando na redução da desigualdade da distribuição dos financiamentos do Programa até o ano de 2006 (SCHNEIDER; CAZELLA; MATTEI, 2004SCHNEIDER, S.; MATTEI, L.; CAZELLA, A. A. Histórico, caracterização e dinâmica recente do PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. In: SCHNEIDER, S.; SILVA, M. K.; MARQUES, P. E. Moruzzi (Org.). Políticas Públicas e Participação Social no Brasil Rural. Porto Alegre: 2004, p. 21-50.). Sobretudo a partir de 2007, a distribuição dos financiamentos voltou a se concentrar, favorecendo principalmente os estados da região Sul do país, respondendo no ano de 2010, por quase 60% do crédito para custeio e 50% do crédito de investimento total do Programa. Conjuntamente, as regiões Sul e Sudeste tomaram cerca de 84% do crédito de custeio, 62% do crédito de investimento e aproximadamente 73% do total de crédito (SOUZA et al., 2013SOUZA, P. M.; PONCIANO, N.J; NEY, M.G.; FORNAZIER, A. Análise da evolução do valor dos financiamentos do PRONAF - Crédito (1999 a 2010): Número, valor médio e localização geográfica dos contratos. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 51, p. 237-254, 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20032013000200002
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).

Cazella (2012)CAZELLA, A. A. Agricultura Familiar: ainda é possível se diferenciar? N.43. Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura, 2012., observa que a modalidade de microcrédito do Programa apresentou resultados pífios com diversas evidências de que não se trata de uma linha estratégica dentro do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Analisando o desempenho e a capacidade do PRONAF em beneficiar agricultores familiares, este autor conclui que a orientação do Programa se deu em vias de atender unidades familiares com melhor desempenho produtivo em decorrência da maior capacidade de pagamento do empréstimo.

Azevedo; Pessoa (2011)AZEVEDO, F. F.; PESSÔA, V. L. S. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar no Brasil: uma análise sobre a distribuição regional e setorial dos recursos. Sociedade & Natureza, n.3, v.23, p. 483-496, 2011. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1982-45132011000300009
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em seu estudo ressaltam ainda o pouco acompanhamento dos resultados do Programa por parte das partes envolvidas, além das fragilidades nos métodos de avaliação da política pública - dificultando o aperfeiçoamento da mesma - e por fim, a inobservância da integração desta política com outras políticas públicas desenvolvidas pelo Estado brasileiro.

Diante desse cenário paradoxal do PRONAF, ou seja, gera benefícios para os agricultores familiares, mas ainda marcado por falhas, na seção a seguir será analisada a presença do Programa em uma região carente de políticas públicas que promovam o desenvolvimento rural sustentável voltado para a inclusão do agricultor familiar.

TRAJETÓRIAS E DESAFIOS DO PRONAF: O CASO DO VALE DO RIBEIRA, BRASIL

O PRONAF tem como propósito propiciar o atendimento das necessidades da agricultura familiar como uma política pública compatível com o seu padrão tecnológico, tornando-a sustentável e produtiva, fundamentalmente, pela disponibilidade de crédito com taxas de juros e prazos especiais para a categoria da agricultura familiar assegurar emprego e renda.

Nos municípios do Vale do Ribeira, Itaperuçu e Rio Branco do Sul, o PRONAF pode ser acessado por meio de duas entidades distintas: Cresol – Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária e Banco do Brasil. Segundo dados obtidos em campo, a Cresol de Rio Branco do Sul conta com 900 associados, sendo que destes aproximadamente 380 agricultores acessam algum tipo de PRONAF. Aproximadamente 150 agricultores acessaram as linhas de custeio e o restante a modalidade de investimento, variando os empréstimos de R$ 1.000,00 a 30.000,00 reais, a uma taxa de juros que varia de 1,5% a 3,0% ao ano dependendo da modalidade.

Para empréstimos de custeio o agricultor goza de 12 meses para pagar e no caso de investimento conta com um prazo que varia de 6 a 10 anos para quitar a dívida, dependendo do que irá ser financiado. Segundo o gestor do PRONAF na Cooperativa, a Cresol repassava em 2014 em média à agricultura familiar um montante de dois milhões de reais ao ano através do Programa, contando com uma carteira de clientes fixa e apresentando uma taxa de inadimplência controlada, que gira em torno de 1% no índice de não pagantes.

Já a Cresol de Itaperuçu atende aproximadamente 280 agricultores familiares que emprestam crédito do PRONAF via Cooperativa, sendo os contratos estabelecidos para fins de investimento e custeio da produção. O funcionário do setor financeiro ligado ao PRONAF esclarece que, todos os agricultores sem exceção, que emprestam recurso através da categoria investimento são proprietários de terra, assim como aqueles que financiam o custeio da pecuária via PRONAF. Já os custeios agrícolas via Programa são cedidos na maioria dos casos para arrendatários de terras.

O Banco do Brasil repassa o crédito do PRONAF em ambos os municípios, nas modalidades de custeio e de investimento, em sua maioria para projetos individuais, contando com um baixo índice de inadimplência. Segundo o funcionário ligado ao setor financeiro do PRONAF, em Itaperuçu e Rio Branco do Sul, o crédito é utilizado praticamente para atividades ligadas à pecuária, sendo muito pouco destinado à agricultura de grãos e olerícolas para a sustentação da safra de um ano para o outro e custeio de lavouras de Pinus. Ele relata que os investimentos são direcionados, em sua maior parte, à aquisição de matrizes de gado de corte e uma parcela para a recente criação de bubalinos instalada na localidade, e o custeio para a manutenção do rebanho com vacinas, ração e afins.

O referido entrevistado acrescenta que no ano 2014, via Banco do Brasil, foi aplicado R$ 17.400.000,00 (U$ 7.500.000,00) na agricultura familiar de Itaperuçu e Rio Branco do Sul através do PRONAF, sendo a maior parte do montante voltada para a categoria de investimento, em geral com propostas ligadas à pecuária, e também para aquisição de máquinas, veículos utilitários e caminhões, ligados ou não à atividade pecuária. O entrevistado acrescenta que o Programa atinge os dois públicos, cada qual com sua maneira diferente, mas que em sua opinião hoje quem tem mais proveito do PRONAF é a figura do agricultor que já está no mercado, até mesmo porque na hora de apresentar o projeto e pedir o crédito, este agricultor mostra que tem mais capacidade de pagamento e quitação da dívida, apesar de o agricultor de subsistência contar com linhas de financiamento próprias, conseguindo em geral financiamento para a modalidade custeio.

Segundo dados da Emater (2014), na modalidade investimento são beneficiados apenas 20 agricultores via Banco do Brasil em Itaperuçu, classificados como pequeno a médio agricultor, onde relatos afirmam que o número de agricultores beneficiados é reduzido, mas o montante de verba destinada à categoria é maior. O crédito é utilizado basicamente para compra de veículo utilitário, trator, compra de gado (boi e búfalo) e reflorestamento de Pinus e/ou Eucalyptus via Pronaf Eco. Os agricultores familiares beneficiados pela categoria estão localizados basicamente em comunidades rurais que acusam uma realidade basicamente voltada para agricultura de cultivo de grãos, pecuária mista (bovino e bubalino) e reflorestamento (Pinus e Eucalipto).

Segundo os gestores intermediários do PRONAF (funcionários do setor financeiro) os projetos são em sua maioria acessados e realizados de forma individual. Eles afirmam ainda que o crédito do Programa é utilizado em sua maior parcela na modalidade investimento, por agricultores familiares que acusam maior desempenho produtivo e consequentemente maior inserção no mercado. O crédito cedido, na maioria das vezes, é utilizado para custeio da safra ou para atividades agroindustriais (investimento em máquinas, equipamentos ou infraestrutura de produção e serviços agropecuários ou não agropecuários). Ele visa geralmente a compra de veículos utilitários, maquinários, equipamentos e matrizes de animais ― com muita recorrência às matrizes de boi e búfalo.

Em menor quantidade de verba, o PRONAF beneficia a categoria custeio, que é utilizada em geral para agricultores familiares de subsistência ou que acessam o Programa Nacional de Aquisição de Alimentos - PAA como principal forma de comercialização de sua produção, sendo utilizado em geral para custeio da safra. Recorrentemente, esteve presente na fala dos entrevistados a informação de que, há pouco investimento disponível via PRONAF para a agricultura familiar, como podemos constatar na seguinte fala: “A maioria do crédito do PRONAF no município vai para a compra de animais de criação - gado e búfalo e compra de veículos, sendo a maior parte dos beneficiários os proprietários de terras ou arrendatários (ENTREVISTADO A8 – GESTOR INTERMEDIÁRIO PRONAF). Em se tratando da opinião do poder público sobre se o crédito cedido via PRONAF, constata-se que o mesmo é mais utilizado para custeio da safra ou realização de atividades agroindustriais, segundo afirmação de um dos entrevistados:

O crédito pelo PRONAF é mais cedido de forma individual, geralmente para investimento em máquinas (trator, caminhonete, utilitário), equipamentos (semeadeira e plantadeira para as regiões mais planas) e matrizes de bovino e bubalino (ENTREVISTADO A4 – PODER PÚBLICO).

O Quadro 01 sintetiza, a partir da visão do poder público local e gestores intermediários locais do PRONAF, a abrangência do Programa in loco, assim como o perfil do público beneficiado pela política pública em âmbito local.

Quadro 01
Visão dos gestores intermediários e do poder público local sobre o PRONAF

O Quadro 1 explicita o fato de que os pequenos agricultores, que se encontram em uma situação econômica vulnerável (arrendatários, posseiros, meeiros e pesquemos proprietários), investem na produção agrícola do município, que está fragilizada, mas são atendidos pela modalidade de menor valor do programa. Já os agricultores capitalizados, proprietários de terra e que possuem um melhor rendimento econômico, investem na pecuária extensiva de gado e búfalo e na compra de máquinas e no reflorestamento e são os que usufruem da modalidade de que disponibiliza maiores quantidades de recursos.

Dentre os agricultores e agricultoras entrevistados residentes nos municípios de Rio Branco do Sul e Itaperuçu, 12 deles acessaram a política pública e apenas 03 desconheciam ou nunca participaram do Programa. Destes, 11 agricultores acessaram a modalidade de crédito para custeio e 06 a modalidade investimento, havendo casos de um único agricultor fazer empréstimo em ambas.

Na opinião dos agricultores (as) familiares entrevistados, o PRONAF contribui de forma direta para a elevação da renda e para a melhoria das condições de vida no meio rural, quando relacionado à subvenção para a produção e mantenimento da safra. De forma indireta, percebe-se uma melhora no nível de organização desses agricultores, que hoje engendram a busca por outros subsídios para a agricultura, como maquinários, assistência técnica e outros insumos, assim como outras políticas públicas ligadas à habitação rural, saneamento, saúde e educação.

Quando indagados sobre, se o PRONAF promove o fortalecimento da agricultura familiar local, os agricultores, em sua maioria, responderam que sim, o PRONAF é fundamental para a agricultura familiar local, ajudando o homem e a mulher a manter-se trabalhando na terra: “Sim, fortalece a agricultura familiar porque tem agricultor que não tem um meio para trabalhar sem o PRONAF, o PRONAF ajuda bastante para o investimento na roça” (ENTREVISTADO A11 - AGRICULTOR FAMILIAR).

Foi identificada apenas uma ocorrência de resposta negativa: “Olha, permite pouco o fortalecimento da agricultura familiar por causa do preço. Você investe, investe e na hora de vender vende barato e se apura para pagar” (ENTREVISTADO A9 - AGRICULTOR FAMILIAR).

Nessa abordagem crítica do programa, além do melhor planejamento do uso do dinheiro emprestado aos agricultores, relatado anteriormente, os pequenos agricultores entrevistados, revelaram que mudanças substantivas devem ser realizadas no PRONAF, sendo as respostas mais recorrentes: aumento nos valores financiados pelo Programa; redução da taxa de juros; extensão do prazo de pagamento do empréstimo; adequação do crédito cedido, de acordo com o período da venda dos produtos; facilitação no acesso à política, de forma a tornar-se menos burocrático o processo.

O Entrevistado A17, agricultor familiar explica a necessidade da adequação do crédito cedido, de acordo com o período da venda dos produtos e a consequente extensão do prazo de pagamento do empréstimo: “Você faz o financiamento, por exemplo, no mês de julho, o dinheiro vai sair em outubro quase, ai já não dá mais tempo de plantar feijão, batata, fazer a roça, porque em janeiro já tem que começar a pagar.

Em se tratando do processo burocrático para acesso ao crédito via PRONAF, foi relatada a necessidade de se permitir ao agricultor acessar a linha de crédito várias vezes no ano, e não somente uma vez. A respeito da necessidade de reduzir as exigências burocráticas o Entrevistado 25, agricultor familiar relata que “Dependendo do valor, precisa de avalista e não é fácil encontrar um avalista para emprestar de dez, quinze mil reais pra cima”.

Dessa forma, o Quadro 02 resume as principais incidências de respostas em relação ao impacto positivo que o PRONAF traz para a agricultura familiar local, assim como os principais gargalos e pontos a melhorar, na visão dos próprios beneficiários do Programa:

QUADRO 02
Impacto do PRONAF na agricultura local segundo os agricultores familiares

Em suma, a visão dos sujeitos beneficiários que vivem o “dia a dia na roça” e enfrentam as adversidades da agricultura familiar, revela que, de uma forma geral, os homens e mulheres entrevistados se mostram satisfeitos com as possibilidades que o PRONAF proporciona. Estes acreditam que as coisas melhoraram no campo desde a chegada do Programa na região.

No entanto, reiteram que o PRONAF poderia ser aperfeiçoado, de forma a adequar-se às necessidades que envolvem a realidade da agricultura familiar local em aspectos relacionados ao juros, prazo e exigências burocráticas. Estes aspectos aliados à priorização no financiamento de atividades econômico, social e ambientalmente sustentáveis, são essenciais para que o Pronaf promova o desenvolvimento rural sustentável e pautado na inclusão social.

CONSIDERACOES FINAIS

Este artigo teve como objetivo analisar o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF e sua influência nos municípios do Vale do Ribeira, Paraná (Brasil) - Rio Branco do Sul e Itaperuçu.

A nível macro da política pública, segundo o referencial teórico utilizado composto pelos diversos autores citados, pode-se concluir que, embora enfáticos em afirmar a importância desse Programa para a agricultura familiar nacional e o desenvolvimento rural do país, existem limitações quanto a operacionalização do PRONAF. Dentre elas, destacam-se a baixa abrangência em termos de regiões atingidas – espacialização da política pública e desigualdade na distribuição regional dos recursos; o acesso facilitado para agricultores mais capitalizados e a facilidade de acesso por parte da propriedade familiar “eficiente” em detrimento dos mais fragilizados; sendo que o modelo de agricultura estimulado via concessão de financiamentos aponta para um baixo volume de crédito destinado à agricultura familiar, entre outros aspectos.

De uma forma geral, o PRONAF surge em vias de subsidiar crédito aos agricultores familiares, vindo a beneficiar a categoria e reconhece-la institucionalmente como sendo importante para a economia nacional, numa época em que o elevado custo e a escassez de crédito eram apontados como os principais problemas. Porém, na bibliografia do presente estudo há a menção de que o Programa contou com uma grande distorção de seu foco de atuação relacionado à abrangência dos beneficiários em termos regionais e sociais, de forma a não romper com a lógica do modelo adotado pela Revolução Verde, ou seja, beneficiar aqueles produtores que seguem o modelo de aumento de produção agrícola baseada no uso de fertilização, implementos agrícolas, maquinário e outros insumos, destinados ao aumento da produção de média e grande escala em detrimento de atingir maior eficiência produtiva, sem mensurar os custos envolvidos em todo o processo.

A nível micro, na pesquisa realizada, o PRONAF foi identificado como sendo a política pública mais utilizada pelos agricultores familiares nos municípios analisados. Nesta região, a ausência de agroindústrias, cooperativas e até mesmo de uma agricultura familiar com melhor desempenho produtivo, ou seja, mais capitalizada, coloca um desafio para o Programa: o de se consolidar como política pública junto a um público mais empobrecido em unidades de produção com sistemas menos integrados aos mercados.

A agricultura familiar local carece de fatores como disponibilidade de terra, regularização fundiária dos terrenos, assistência técnica de qualidade, infraestrutura de base, acesso facilitado às políticas públicas, capacitação e profissionalização para o campo, dentre outros fatores. A falta de recursos financeiros, acarreta na geração de um círculo vicioso em que, não tendo recursos para custear a safra e investir na propriedade, os agricultores familiares não conseguem realizar a produção de alimentos para subsistência e comercialização, o que, por sua vez, impede que novos investimentos sejam feitos e assim por diante. A quebra desse ciclo somente é possível com o fornecimento de crédito, em condições especiais e em consonância com os desejos e necessidades do segmento. Assim sendo, constata-se, através da literatura e da pesquisa empírica, que o PRONAF representa uma importante conquista para os agricultores, porém, carece ainda ser aprimorada quanto política pública de apoio à categoria da agricultura familiar, em vias de alcançar os objetivos primários e secundários propostos pelo Programa.

A nível local, constatou-se que de fato o Programa privilegia a propriedade familiar “eficiente” em detrimento das mais fragilizadas, ou seja, agricultores familiares que se encontram mais economicamente integrados ao mercado e que dispõem de “garantias” de retorno quanto ao empréstimo concedido. Assim, apesar de seu caráter integrador voltado ao auxílio da agricultura familiar frente ao agronegócio, de fato o Programa não rompe com os padrões adotados durante os anos da modernização conservadora da agricultura nacional.

Nesse sentido, notou-se um equilíbrio entre as respostas, tanto da categoria dos agricultores familiares quanto do poder público local. Há um consenso de que a agricultura familiar enfrentou e enfrenta desafios a serem superados e que os agricultores lutam para que melhoras significativas ocorram dentro de um contexto favorável para a atividade e suas esferas de atuação. Indubitavelmente, com apoio do Estado, a agricultura familiar pode vir a suplementar o fornecimento de alimentos baratos e de boa qualidade para a sociedade, reproduzida a categoria como uma forma social engajada nos mecanismos de desenvolvimento rural e salvaguarda dos ricos patrimônios naturais e culturais existentes no meio rural.

A pesquisa revela que o crédito cedido via PRONAF é mais utilizado na modalidade investimento, subsidiando a compra de máquinas (trator, caminhonete e utilitários), equipamentos agrícolas (semeadeira, plantadeira) e matrizes de bovinos e bubalinos. Mas em sua maioria os pequenos agricultores não contam com uma estrutura produtiva que necessite da compra de maquinário frente à locação dos equipamentos via associações de agricultores, e estes não detêm grandes rebanhos de bois e muito menos de búfalos. Logo, conclui-se que o crédito cedido para investimento nos municípios de Itaperuçu e Rio Branco do Sul beneficia sim aquele agricultor mais capitalizado.

Sendo assim, conclui-se que o PRONAF atende, em partes, os objetivos propostos pela legislação vigente. O Programa contribui de forma direta para a elevação da renda e para a melhoria das condições de vida no meio rural quando relacionado à subvenção para a produção e sustentação da safra. Portanto, ele fortalece a capacidade produtiva da agricultura familiar, promovendo a geração de emprego e renda nas áreas rurais e, consequentemente, gerando uma melhora na qualidade de vida dos agricultores familiares, ainda que tal política pública não se encontre em um padrão considerado ideal para os envolvidos na dinâmica produtiva da agricultura familiar local.

Por outro lado, o Programa deixa a desejar ao se considerar os objetivos específicos propostos, como o ajuste da política pública à realidade dos agricultores familiares, a elevação do nível de profissionalização dos pequenos agricultores através do acesso aos novos padrões de tecnologia e de gestão social e ao estímulo ao acesso desses agricultores aos mercados de insumos e produtos. Não houve menção por parte dos entrevistados de aspectos relacionados a tais objetivos específicos previstos pela portaria da política pública, assim como a realidade local não demonstrou tais benefícios advindos por meio do Programa.

Finalmente, pesquisas futuras podem se dedicar a responder as seguintes indagações: Como romper com as políticas que beneficiam sumariamente aqueles agricultores mais envolvidos com o mercado, não deixando à margem questões de combate à pobreza, diversificação da produção e geração de renda para o meio rural de forma a envolver os pequenos agricultores? Como harmonizar a dimensão ambiental em um cenário de fragilidades para o crescimento da inclusão social dos agricultores familiares? Como obter assistência técnica de qualidade e educação no meio rural para potencializar os investimentos disponíveis em crédito e infraestrutura? Como otimizar o capital social existente para potencializar este conjunto de ações?

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2015
  • Aceito
    08 Nov 2016
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