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Gestão participativa na recuperação de área degradada pela agricultura

Participatory management in recovery degraded area by agriculture

RESUMO

Pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) subsidiaram uma estratégia de gestão participativa, visando o planejamento e implantação de um plano de recuperação de área degradada (PRAD) em área de preservação permanente degradada pelo uso agrícola, na bacia hidrográfica do rio São Lourenço, em Campo Verde, município de destaque no agronegócio mato-grossense e brasileiro. A pesquisa ocorreu mediante dinâmicas de grupo no contexto de algumas técnicas de gestão da qualidade utilizadas na norma ISO 9001. Verificou-se pouca interação entre os atores locais em termos da implantação de ações de recuperação ambiental. O custo econômico de implantação e manutenção do PRAD representaram fatores limitantes. A falta de perspectiva de considerar o PRAD como fornecedor de área produtiva, também foi considerado um entrave na perspectiva dos produtores rurais. A pesquisa fortaleceu as ações da UFMT, visando diminuir a degradação que ocupa em torno de um terço do território de Mato Grosso.

ABSTRACT

Researchers at Federal University of Mato Grosso (UFMT) subsidized a strategy for participatory management, in order to plan and implement a degraded area recovery plan (DARP) in the permanent preservation area at the basin of the São Lourenço river, in Campo Verde, municipality prominent in Mato Grosso and Brazil agribusiness. Research was carried out using group dynamics that are often applied in quality management standards ISO 9001. There was little interaction between local actors in terms of implementation of environmental recovery actions. The economic cost of deployment and maintenance of DARP is a bottle neck. The lack of perspectives to consider DARP as a productive area was also limiting point in farmers perspectives. The research that UFMT undertook strengthened efforts in order to reduce degradation that currently occupies around 33% of the State of Mato Grosso.

INTRODUÇÃO

Em Mato Grosso, o avanço da agropecuária partindo do Cerrado rumo à Floresta Amazônica (FEARNSIDE, 2006FEARNSIDE, P. M. Desmatamento na Amazônia: dinâmica, impactos e controle. Acta Amazônica, Manaus, v. 36, n. 3, 2006, pp. 395-400. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0044-59672006000300018
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, p. 396), coloca em risco a integridade das cabeceiras de drenagem, inseridas em áreas de preservação permanente. De acordo com o Relatório de Ação Governamental do ano de 2009, um terço do Estado apresenta solos degradados, sendo que matas ciliares degradadas contabilizam 1.047.769 hectares (MATO GROSSO, 2009MATO GROSSO. Relatório Governamental (2009). Cuiabá: Mato Grosso, 2009. Disponível em: <http://www.seplan.mt.gov.br/rag/2009/O9.pdf. Acesso em: 10 de set. 2012.
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, p.03).

O Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) lançou em 2010 o programa Agricultura de Baixo Carbono, que incentiva e disponibiliza crédito para que produtores rurais adotem técnicas agrícolas sustentáveis de recuperação de pastagens, reservas legais e áreas de preservação permanente. Essa estratégia está em consonância com a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), que estabeleceu a necessidade da recuperação de áreas degradadas mencionando a importância, do que se chamou de “restauração dos recursos ambientais” (BRASIL, 1981BRASIL. LEI Nº 6.938 de 31 de 1981. Institui a Política Nacional de Meio Ambiente. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 1981.).

Conflitos relacionados à busca pelo uso sustentável dos recursos hídricos são reportados no mundo todo (WALD, 2012WALD, C. Uncharted waters: Probing aquifers to head off war. 2012. Disponível em: <http://newscientist1.blogspot.com.br/2012/02/uncharted-waters-probing-aquifers-to.html. Acesso em: 15 de mar. 2012.
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), o que reflete, em parte, a necessidade de atingir, coletivamente, um consenso sobre as necessidades locais e globais. O termo “mobilização social” pode ser contextualizado nessa demanda por condutas democráticas e participativas (TORO; WERNECK, 2004TORO, B.; WERNECK, N. M. F. D. Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.). Cabe aqui o conceito de “participação social”, para o sucesso de projetos como o das “Bacias Irmãs” no Estado de São Paulo (DUALIBI et al., 2008DUALIBI, M.; PERKINS, E.; MASSAMBANI, O. Balanço do Projeto Bacias Irmãs. São Paulo: USP, 2008.). Conceitos utilizados nas Ciências Agrárias e em outras áreas do conhecimento, como “manejo comunitário” (SILVA et al., 2006SILVA, L. G.; PONTE, T. M.; HOMMA, A. K.; MATOS, G. B.; LIMA, A. P. Manejo Comunitário de Microbacias Hidrográficas em Áreas de Assentamento do Sudeste Paraense. 237. Belém: EMBRAPA Amazônia Oriental, 2006.), também dão suporte à temática de preservação de recursos hídricos e esforços em prol da agropecuária sustentável.

Ressalta-se que práticas de mobilização, participação e ação conjunta, podem resultar em parcerias, acordos, desacordos e disputas, que ocorrem em um contexto multidisciplinar (BEDUSCHI, 2003BEDUSCHI, L. E. Redes Sociais em Projetos de Recuperação de Áreas Degradadas no Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciências) – USP, Piracicaba, 2003.). Ao assumir a necessidade de gerir atividades de recuperação de áreas degradadas de modo participativo, enfatiza-se a adoção de procedimentos alternativos, imprescindíveis para facilitar ações, sejam elas de diagnóstico ou de intervenção.

A Lei nº 9.433 de 1997, conhecida como Lei das Águas, prevê no Art. 1º, inciso VI, a necessidade da participação comunitária no processo de gestão dos recursos hídricos (BRASIL, 1997BRASIL. LEI Nº 9.433 de 08 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 1997.), o que requer diálogo entre os diferentes atores sociais inseridos nas bacias hidrográficas, alvo de projetos de recuperação de áreas degradadas. Nas ações práticas, o diagnóstico é o passo inicial para o planejamento e recuperação de áreas degradadas (JESUS et al., 2007JESUS, E. F.; RIBEIRO, W.; SOUSA, O. P.; TORRES, J. L. R. Caracterização e recomposição da mata ciliar do córrego Lanhoso. Revista Brasileira de Agroecologia, Pelotas, v. 2, n. 3, 2007, pp. 18-28.), sendo o Diagnóstico Rural Participativo (DRP) definido como uma atividade sistemática, conduzida por uma equipe multidisciplinar e planejada para a obtenção rápida de informações no meio rural (CAMPOLIN, 2005CAMPOLIN, A. I. Abordagens qualitativas na pesquisa em Agricultura Familiar. 80. Corumbá: EMBRAPA Pantanal, 2005.).

A pesquisa conduziu seus procedimentos pautando-se pelos princípios do DRP, no contexto da gestão participativa, quanto à tomada de decisão para recuperação de área degradada, tendo como pano de fundo elementos presentes no ciclo PDCA (Plan - Planejar, Do - Executar, Check - Monitorar e Action -Tomar Decisão), caracterizado como um método utilizado em processos de certificação da qualidade ISO 9001 (VALLS, 2004VALLS, V. M. O enfoque por processos da NBR ISO 9001 e sua aplicação nos serviços de informação. Ci. Inf., Brasília, v. 33, n. 2, 2004, pp. 172-178. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-19652004000200018
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). Esta ferramenta de gestão reúne conceitos básicos da administração em uma estrutura enxuta e lógica, baseada em melhoria contínua, possibilitando que a mesma seja compreendida e gerenciada por qualquer organização (ANDRADE, 2003ANDRADE, F. F. O método de melhorias PDCA. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.).

Planos de recuperação de áreas degradadas (PRADs) frequentemente enfrentam dificuldades de ordem técnica, gerencial, econômica e social (BITAR, 1997BITAR, O. Y. Avaliação da recuperação de áreas degradadas por mineração na região metropolitana de São Paulo. Tese (Doutorado em Ciências) – São Paulo, 1997.). Com isso, objetivou-se envolver os agricultores no diagnóstico, na elaboração e nas ações iniciais de recuperação de área degradada presente na cabeceira do rio São Lourenço. Buscou-se também avaliar o desempenho das atividades considerando avanços e limitações em termos de elaboração e execução coletiva do PRAD.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

O município de Campo Verde está situado na região sudeste de Mato Grosso, a 130 km da capital Cuiabá e possui área de 4.782,116 km2. A população no ano de 2010 totalizou 31.589 habitantes, sendo que a economia municipal gira em torno da agricultura, pecuária, indústria, comércio e construção civil, com Produto Interno Bruto (PIB) local em torno de 512 milhões em 2005 (IBGE, 2012IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo município Campo Verde - 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1961&id_pagina=1. Acesso em: 10/07/2012.
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).

O local do estudo abrange três propriedades rurais, sendo que duas possuem o Cadastro Ambiental Rural, documento necessário para a regularização ambiental da propriedade junto ao órgão ambiental estadual. Na elaboração do CAR, pode ser constatada a presença de área degradada em reserva legal (RLD) ou em área de preservação permanente (APPD), o que determina a necessidade de plano de recuperação de área degradada (PRAD).

As três propriedades foram denominadas de propriedade, 01, propriedade 02 e propriedade 03. A propriedade 01 situa-se na nascente do córrego dos “Cumpadres”, com área de 80 hectares, onde há prática de avicultura tecnificada, cultivo de soja, milho e algodão em sistema convencional, como atividades principais. Os proprietários formam um casal de idosos que residem no local e remuneram uma família para trabalhar na avicultura. A propriedade 02 abrange a lateral direita da nascente do referido córrego e pertence a um grupo empresarial familiar que cultiva milho, soja e algodão. Os proprietários e trabalhadores residem nas proximidades da fazenda. A propriedade 03 abrange área à esquerda do curso d’água, com produção de agricultura altamente tecnificada e empresarial. O proprietário não mora no local, ficando na propriedade os trabalhadores e gerente da fazenda.

Gestão Participativa

Para iniciar as atividades do DRP foi realizada uma apresentação acerca dos projetos desenvolvidos pela Universidade Federal de Mato Grosso e que estavam em andamento na área de estudo. A primeira etapa do trabalho aconteceu em julho de 2010, a partir da definição das atividades que no projeto comporiam o ciclo PDCA (ANDRADE, 2003ANDRADE, F. F. O método de melhorias PDCA. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.).

Inicialmente houve uma reunião entre a equipe do projeto e os atores sociais pertencentes às propriedades rurais estudadas. Nesta reunião, utilizou-se a técnica do brainstorming (tempestade de ideias), para a identificação da localização e priorização de áreas degradadas que deveriam ser recuperadas.

Houve após o brainstorming outra rodada de discussão para a definição das técnicas mais apropriadas, considerando a eficiência e eficácia ambiental e o investimento econômico que as mesmas representavam. Essa definição ocorreu após a atividade de campo realizada, bem como, após uma apresentação e explicação das técnicas possíveis, que foi realizada por um pesquisador do projeto.

A discussão a respeito das técnicas de recuperação teve como referência o Diagrama de Ishikawa, que estabelece relação entre uma não conformidade ou efeito indesejável e suas causas e consequências (primárias, secundárias, terciárias, etc.), compondo um diagrama de causas e efeitos (CAMPÃO et al., 2012CAMPÃO, C.A.L. et al. Análise dos custos da qualidade: um estudo de caso em uma empresa alimentícia. Espacios, Caracas, v. 33, n. 3, 2012, s/p.).

A atividade de campo consistiu na visita à área de estudo, a partir de um roteiro previamente elaborado, seguido pelos pesquisadores e atores sociais envolvidos com a pesquisa, que contemplou a identificação, incluindo registro fotográfico e a demarcação (por meio de estacas) e caracterização dos ambientes perturbados e degradados presentes em área de preservação permanente (APP).

Na segunda etapa, em agosto de 2010, foi realizada em Campo Verde uma reunião onde houve a utilização de estratégias do DRP. Participaram pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), proprietários rurais, gerentes de fazenda, arrendatário e membro da Secretaria Municipal de Agricultura. As ferramentas utilizadas para coleta dos dados foram: um questionário semiestruturado, o diagrama de Venn e duas perguntas-chave.

O questionário foi aplicado para mensurar o conhecimento dos agricultores sobre os projetos em andamento na área, os motivos dos projetos, a identificação dos parceiros e os benefícios resultantes da execução do projeto. O instrumento apresentou as seguintes perguntas: 1. “Qual o nível de conhecimento sobre projeto global?” (referindo-se a todos os projetos em andamento na área; 2. “qual o motivo?”, o porquê do desenvolvimento destes trabalhos científicos nesta localidade; 3. “quantos trabalhos?” estão sendo desenvolvidos na área? 4. “quais são os parceiros?”; 5. “quantos/quais equipamentos estão instalados na área?. A partir deste questionário formatou-se uma matriz, no qual cada item foi pontuado pelos agricultores em escala de 1 a 5, sendo (1) considerado de pleno conhecimento sendo capaz de explicar detalhes, (2) tem conhecimento suficiente mas não é capaz de explicar detalhes, (3) conhece apenas alguns aspectos sobre a questão tendo observado em campo e por meio de relato dos pesquisadores, (4) pouco conhecimento tendo apenas obtido relato dos pesquisadores e (5) sem conhecimento algum sobre o aspecto.

O diagrama de Venn permitiu mensurar a intensidade da relação entre os agricultores e diversas organizações (segundo a opinião dos agricultores), sendo o grau de relação definido em alto (1), regular (2), superficial (3), distante (4) e inexistente (5). Aqui, considera-se que o debate sobre os papeis funcionais de cada instituição é um elemento positivo e por isso houve a busca por estabelecer o grau de interação entre os atores e as instituições envolvidas, no contexto de um tema central de interesse coletivo (AGRAWAL; GUPTA, 2005AGRAWAL, A.; GUPTA, K. Decentralization and participation: The governance of common pool resources in Nepal´s Terai. World Development, v. 33, n. 7, 2005, pp. 1101-1114. DOI:10.1016/j.worlddev.2005.04.009
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; CHAMBERS, 1987CHAMBERS, R. Practical action. In: Rural development: Putting the last first. England: Longman Scientific & Technical, 1987, pp. 190-218.; DEMO, 1988DEMO, P. Participação é conquista: noções de política social participativa. São Paulo: Cortez, 1988.). Na medida em que o diagrama foi construído, registros fotográficos das áreas que seriam submetidas ao PRAD eram projetados em tela por meio de equipamento multimídia, para facilitar o debate e a obtenção de um diagrama definitivo.

A pergunta chave “Existe vontade/necessidade de recuperar as áreas?” foi utilizada com objetivo de avaliar a vontade/necessidade de recuperar tais áreas, assim como a percepção dos agricultores quanto à importância das matas ciliares para a conservação dos recursos hídricos. As respostas do questionário, o diagrama de Venn definitivo e da pergunta-chave, foram debatidas imediatamente, buscando definir um consenso entre os participantes.

Na terceira etapa do trabalho, ocorrida em novembro de 2010, foi realizada a apresentação um plano de recuperação de áreas degradadas (PRAD) provisório, que serviu para debater as ações previstas, e, de modo coletivo, permitiu que se fizessem ajustes para a obtenção de um PRAD definitivo. O PRAD provisório foi previamente elaborado pela equipe do projeto, a partir de consulta à literatura especializada (BRANCALION et al., 2010BRANCALION, P. H. S. et al. Instrumentos legais podem contribuir para a restauração de florestas biodiversas. Revista Árvore, Viçosa, v. 34, n. 3, 2010, pp. 455-470. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-67622010000300010
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; MARTINS, 2007MARTINS, S. V. Recuperação de matas ciliares. 2ª ed. Viçosa: Aprenda Fácil, 2007.; RESENDE et al., 200), considerando também, as respostas e diálogos juntos aos agricultores na primeira e segunda etapas da metodologia DRP (julho e agosto de 2010), sendo respaldado em demandas legais referentes à legislação estadual pertinente.

O PRAD provisório, com as respectivas técnicas recomendadas, bem como, as suas vantagens e desvantagens, foi apresentado e debatido junto aos agricultores. Os ajustes e a adequação do PRAD provisório incluiu a definição de um planejamento de ações. Nesse caso, ainda na fase de planejamento, ocorreu a elaboração de um plano de ação, contendo o local onde seriam realizadas as atividades, do quanto seria realizado (hectares), a definição do que seria feito (descrição da intervenção), do que seria para operacionalizar a técnica (equipamentos, maquinários, etc.) e a definição dos atores (responsabilidade dos parceiros) que realizariam as benfeitorias. O uso de planos de ação representa uma estratégia para a busca de gestão da qualidade de processos.

A partir do uso de elementos da metodologia PDCA apresentada por Simões (2005)SIMÕES, L. O ciclo PDCA como ferramenta da qualidade total. Lins: Unisalesiano de Lins. 2005., foi possível efetivar a substituição de um PRAD provisório e a definição e validação do PRAD definitivo. Tais itens foram estabelecidos a partir da elaboração de um mapa-falante (TOLEDO; PELICIONI, 2009TOLEDO, R. F.; PELICIONI, M. C. F. A educação ambiental e a construção de mapas-falantes em processo de pesquisa-ação em comunidade indígena na Amazônia. Interacções. Lisboa, v. 5, n. 11, 2009, pp. 193-213.) e na presença de proprietários, gerentes de fazenda, membro da secretaria de agricultura e pesquisadores da UFMT. A adaptação da metodologia (SIMÕES, 2005SIMÕES, L. O ciclo PDCA como ferramenta da qualidade total. Lins: Unisalesiano de Lins. 2005.) se traduz na ausência dos itens de custo financeiro e datas de calendário, em função de priorizar-se o início de atividades de recuperação, independente do montante, e de definir que as ações deveriam, impreterivelmente, iniciar antes ou no começo da estação chuvosa de 2010.

Ao longo de dezembro de 2010, concluiu-se a quarta e última etapa do trabalho, com a implantação do PRAD, dividido em quatro áreas experimentais, sendo que o conjunto dessas áreas forma uma Unidade Demonstrativa de Restauração Ecológica (UDRE). UDRE, para a presente pesquisa, representa uma área experimental estabelecida para a avaliação de técnicas de regeneração vegetal, contemplando ações de pesquisa científica, ensino, extensão e, sobretudo, incentivando a participação dos atores sociais locais (PIETRO-SOUZA et al., 2012PIETRO-SOUZA, W.; CÂNDIDO, A. K. A. A.; FARIAS, L. N.; SILVA, N. M.; BARBOSA, D. S. Produção de necromassa e de serapilheira em Área de Preservação Permanente pertencente ao rio São Lourenço, Campo Verde – MT. Engenharia Ambiental, Espírito Santo do Pinhal, v. 9, n. 1, 2012, pp. 047-066.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os entrevistados informaram desconhecer a utilidade dos trabalhos científicos e até a existência de equipamentos instalados por pesquisadores da UFMT no local. Mas, os mesmos consideram grandes os benefícios desses projetos e fazem uma clara identificação dos pesquisadores como parceiros que desenvolvem as atividades de pesquisa, extensão e cooperação. Essa perspectiva revela uma visão dogmática que a ciência/cientista imprime sobre os outros (PRAIA; CACHAPUZ, 2005PRAIA, J.; CACHAPUZ, A. Ciência-tecnologia-sociedade: um compromisso ético. Revista CTS, Buenos Aires, v. 2, n. 6, 2005, pp. 173-194.). Isso deve ser superado pelos organizadores e executores dos projetos que ocorrem na área de estudo. A Universidade Federal de Mato Grosso tem desenvolvido nos últimos 10 anos, diversos estudos sobre química do solo, da água e avaliação de técnicas de restauração ecológica, no setor de cabeceiras do rio São Lourenço, em Campo Verde-MT.

Considerando apenas projetos relacionados a dissertações de mestrado, pode-se listar 12 trabalhos executados na área de estudo. Porém, o quantitativo e a temática desses trabalhos ainda são de desconhecimento dos agricultores, bem como a razão ou justificativa deles é pouco compreendida (Tabela 1).

Tabela 1
– Avaliação dos agricultores sobre o conhecimento que possuem acerca dos projetos em andamento na área de estudo.

Os dados obtidos indicam que ainda não foi possível criar um ambiente plenamente interativo e de diálogo representativo no local. Estabelecer um caráter participativo é importante para o aprendizado mútuo (MACHADO; MACHADO, 2006MACHADO, A. T.; MACHADO, C. T. T. Melhoramento Vegetal participativo com ênfase na eficiência nutricional. 104. Planaltina: EMBRAPA Cerrados, 2006.), o que, inclusive, aumenta a eficiência e eficácia das ações assumidas no trabalho coletivo (AJZEN; MADDEN, 1986AJZEN, I.; MADDEN, T. J. Prediction of goal-directed behavior: attitudes, intentions, and perceived behavior control. Journal of Experimental Social Psychology, v. 22, n. 5, 1986, pp. 453-474. DOI: 10.1016/0022-1031(86)90045-4
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; ROCHA et al., 2008ROCHA, F. E. C.; ALBUQUERQUE, F. J. B.; DIAS, M. R.; COELHO, J. A. P. M.; MARCELINO, M. Q. S. Intenção do Pagamento do Crédito (Pronaf): uma Aplicação da Teoria da Ação Planejada. 202. Planaltina: EMBRAPA Cerrados, 2008.). No intuito de reverter esse cenário, em maio de 2013, houve um ciclo de apresentações na Câmara de Vereadores de Campo Verde, que contou com a presença dos proprietários rurais, seus filhos, representantes da Prefeitura Municipal, professores da educação básica, profissionais liberais, incluindo um representante da Promotoria de Meio Ambiente. Na ocasião, professores e estudantes de pós-graduação da UFMT, proferiram diversas palestras foram apresentadas em linguagem adequada ao público. Ao fim do evento, ocorreu uma serie de discussões sobre a necessidade de projetos futuros na área de estudo e em seu entorno.

Na opinião dos agricultores, a UFMT é a entidade que se relaciona mais intensamente com eles, como mostra o diagrama de Venn. Provavelmente, isso é consequência da presença física, por meio de visitas mensais, desta instituição no desenvolvimento de projetos que ocorrem no local de estudo. A Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT) ficou em segundo lugar, sendo também apontada durante como uma entidade parceira e instrutiva. A Prefeitura de Campo Verde ficou em terceiro lugar. A relação das organizações correlatas, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), empresas privadas e sindicatos rurais, com a comunidade local, foi considerada fraca (Figura 1).

Figura 01
Diagrama de Venn revelando a proximidade da relação entre instituições, representações e os agricultores do Alto Rio São Lourenço-MT.

A interação entre produtores rurais e a Prefeitura de Campo Verde é estratégica, em decorrência da proximidade geográfica dos atores envolvidos e considerando que, em caso de demandas por parte dos agricultores, a tendência, é que a Prefeitura, por meio de suas secretarias e técnicos, seja a primeira entidade a ser acionada.

Ao pontuar a relação com o IBAMA, os agricultores revelaram opiniões pouco amigáveis, no sentido de que existe desproporção entre fiscalização punitiva e as contribuições potenciais e efetivas advindas deste instituto. Isso se deve, provavelmente, às atribuições de fiscalização deste instituto. Deve-se esclarecer junto aos proprietários rurais, o papel institucional de cada ente federativo (Ibama, SEMA e Prefeitura, por exemplo), buscando minimizar visões distorcidas presentes na sociedade, muitas vezes fruto da sobreposição de funções entre os órgãos públicos, incluindo a indefinição de competências legais de cada nível de governo (FARIA, 2011FARIA, I. D. Ambiente e Energia: Crença e Ciência no Licenciamento Ambiental Parte III - Sobre Alguns dos Problemas que Dificultam o Licenciamento Ambiental no Brasil. Brasília: Núcleo de estudos e pesquisas no Senado. 2011., p. 06). É também importante a participação de representantes desses órgãos em projetos de pesquisa e extensão em parceria com a UFMT, além da presença dessas entidades em reuniões e comissões que envolvam direta ou indiretamente os interesses comunitários. Essa parceria já está ocorrendo entre a universidade e a Prefeitura de Campo Verde.

Considerou-se distante a relação entre empresas e o público local, na perspectiva dos entrevistados. A interação entre empresas e o público que se beneficiaria de projetos ambientais, de forma geral, é avaliada a partir de uma visão pragmática por parte dos empresários. Instituições privadas buscam identificar oportunidades financeiras no contexto da responsabilidade socioambiental. Um fator limitante, é que o cenário brasileiro para a prática dessa responsabilidade ainda é nebuloso, se resumindo a busca por certificação (geralmente por parte de grandes empresas) ou simples campanhas de marketing positivo visando aumentar nicho de mercado. Orellano; Quiota (2011)ORELLANO, V. I. F.; QUIOTA, S. Análise do retorno de investimentos socioambientais das empresas brasileiras. RAE, São Paulo, v. 51, n. 5, 2011, pp. 417-484. encontraram resultados de que a teoria da “Boa Gestão” melhora o relacionamento da empresa com seu público direto, representado por empregados, consumidores e investidores, promovendo aumento no retorno financeiro da instituição. Porém, essa melhora financeira ainda não foi observada quando se considera a relação da empresa com o público em geral (não consumidor). Os mesmos autores chamam a atenção para a identificação de indicadores socioambientais estratégicos e um monitoramento de longo prazo, para que seja possível analisar mais cuidadosamente esse cenário.

A distância do setor empresarial em relação ao público alvo revela que, até mesmo empresas que atuam diretamente com a regularização ambiental de propriedades rurais, ainda não estabeleceram um vínculo mais consolidado com os proprietários rurais que participam do projeto. A reduzida procura pela regularização ambiental por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR), no período de execução da pesquisa, que representa um instrumento que pode induzir a elaboração de planos de recuperação de áreas degradadas (PRAD), é uma das explicações.

O governo de Mato Grosso instituiu estratégias de regularização ambiental visando reduzir desmatamentos e regularizar propriedades rurais. Porém, de acordo com Azevedo e Saito (2013)AZEVEDO, A. A.; SAITO, C. H. O perfil dos desmatamentos em Mato Grosso, após implementação do licenciamento ambiental em propriedades rurais. Cerne, Lavras, v. 19, n. 1, 2013, pp. 111-122. levando em conta a área ocupada por propriedades em Mato Grosso até 2006, e considerando a área em Mato Grosso cadastrada no Sistema de Licenciamento Rural de Propriedades Rurais (SLAPR), dividida pela área total do estado e excluindo os limites de unidades de conservação e terras indígenas, observa-se apenas 30,7% de regularização ambiental por parte das propriedades rurais.

A distância do Sindicato rural para com os atores locais, constatada no diagrama de Venn, é um indicativo da relação desta instituição com questões de ordem ambiental. Há a necessidade de parcerias interinstitucionais, que envolvam o primeiro, segundo e terceiro setor, com o intuito de fortalecer a visão plural das ações de regularização ambiental. A necessidade de unificação de diferentes setores que, naturalmente, podem apresentar pontos de vista distintos revela que há um desafio anterior, que se assenta na busca pela convergência de ações me prol do cumprimento da legislação ambiental. Com a efetivação do Código Florestal (Lei Federal 12.651/12, com adequações da Lei Federal 12.727/12), a busca por ações articuladas entre diversos segmentos tende a se tornar mais fortalecido, na medida em que o setor ambiental e do agronegócio assumam a necessidade de cumprir a legislação.

Os agricultores revelaram disposição para realizar a recuperação de suas matas ciliares e, com isso, a proteção dos recursos hídricos locais. Contudo, ao discursar sobre o assunto revelaram itens ou condições para que isso fosse viável. Os agricultores ressaltaram a necessidade de propostas economicamente viáveis para a recuperação de áreas degradadas, bem como, de tecnologias para a contenção de gramíneas invasoras nas áreas de recuperação. Houve ênfase de que as áreas degradadas que seriam recuperadas sejam também produtivas e, mais especificamente, a percepção de que existe perda de área para produção.

A produção de alimentos ou geração de renda nas áreas em processo de recuperação parece ser um fator motivacional para os agricultores na implantação dos PRADs. Contudo, os agricultores revelam ciência de aspectos gerais dos instrumentos normativos, que regulamentam as áreas de preservação permanente (APP). Cabe destacar que o atual Código Florestal permite utilizar recursos de áreas protegidas como a reserva legal da propriedade, desde que isso ocorra por meio de manejo sustentável, permitindo o consumo familiar de uma serie de produtos (frutos, sementes e madeira) (BRASIL, 2012BRASIL. LEI Nº 12.651 de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 2012.). Assim, há dispositivos neste instrumento legal que poderão ser utilizados como estratégias de incentivo à regularização ambiental de propriedades rurais, incluindo o estabelecimento de planos de recuperação de áreas degradadas.

Os agricultores revelaram percepções assertivas em relação à importância das matas ciliares para a conservação dos recursos hídricos, como função de “filtro”, de “segurar produtos” e de “refúgio dos animais”. Um aspecto apontado pelos produtores é a utilização destas áreas para atividades de lazer, como pesca, reunião com amigos e com familiares. A restrição de acesso a tais áreas pode coibir os agricultores de realizar atividades lúdicas, que no meio rural muitas vezes são bastante restritas. Este resultado mostrou-se útil para evidenciar expectativas de vida e valores que agricultores possuem (OAKLEY; MARSDEN, 1987OAKLEY, P.; MARSDEN, D. Approaches to participation in rural development. Genove: International Labour Office, 1987.). Assim, o fator lazer e bem estar proporcionado pelos remanescentes vegetais nativos e corpos hídricos locais foram detectados como pontos estratégicos para a consolidação do PRAD. Isso demonstra a necessidade de uma ótica sistêmica (MACHADO et al., 2006MACHADO, J. D.; HEGEDÜS, P.; SILVEIRA, L. B. Estilos de relacionamento entre extensionistas e produtores: desde uma concepção bancária até o “empowerment”. Ciência Rural, Santa Maria, v. 36, n. 2, 2006, pp. 641-647.; MDA/SAF, 2007MDA/SAF- Ministério do Desenvolvimento Agrário. Secretaria de Agricultura Familiar. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – PNATER. Brasília, 2007. Disponível em: <www.mda.gov.br/portal/saf. Acesso em: 14 de set. 2012.
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), no qual as atividades agrícolas e não agrícolas que acontecem na propriedade fortalecem economicamente e socialmente o agricultor.

Fundamentado nos relatórios de campo oriundos da primeira e da segunda etapa do DRP, algumas técnicas eleitas e apresentadas durante a explanação do PRAD provisório foram: plantio de consórcio de sementes (muvuca) nativas e adubo verde, com uso de máquinas agrícolas, plantio de mudas, barreiras de isolamento vegetal, sistema de nucleação (REIS et al., 2010REIS, A.; BECHARA, F. C.; TRES, D. R. Nucleation in tropical ecological restoration. Scientia Agricola, Piracicaba, v. 67, n. 2, 2010, pp. 244-250. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-90162010000200018
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), incluindo a introdução de sistemas agroflorestais (SAF). O isolamento de determinadas áreas foi estabelecido como prioritário em função da necessidade de coibir o acesso de animais domésticos.

Na apresentação do PRAD provisório surgiram contestações e argumentos por parte dos participantes, o que é considerado normal quando se adota técnicas voltadas a um trabalho coletivo (DEMO, 1988DEMO, P. Participação é conquista: noções de política social participativa. São Paulo: Cortez, 1988.; OAKLEY; MARSDEN, 1987OAKLEY, P.; MARSDEN, D. Approaches to participation in rural development. Genove: International Labour Office, 1987.). A partir deste momento, surgiram novas questões e sugestões para modificar o PRAD provisório, visando à adequação da metodologia no contexto da realidade local (MINAYO, 2008MINAYO, M. C. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 2008.), o que caracteriza um processo de “adaptação mútua” (BOX, 1989BOX, L. Virgilio´s theorem: a method for adaptive agricultural research. In: CHAMBERS, R.; PACEY, A.; THRUPP, L. A. Farmer First: Farmer innovation and agricultural research. Great Britain: Short Run Press, pp. 61-67, 1989.). (Tabela 02).

Tabela 02
– PRAD provisório apresentado aos agricultores em novembro de 2010 para a recuperação de área degradada na cabeceira do rio São Lourenço – MT.

Embora listados no PRAD definitivo (Tabela 03), o plantio de muvuca de sementes sob a forma de reboleiras não foi executado na região de cabeceira (propriedade 01), devido à falta de mão de obra e necessidade de investimentos financeiros iniciais (estimado em R$7.000,00). Com relação às técnicas de PRAD estabelecidas para as propriedades 02 e 03, os sulcos profundos não foram feitos, por defeito no sulcador que a Prefeitura Municipal cederia, além da falta de sementes de adubos verdes, no mercado local. Considerando os prazos estabelecidos no projeto, não houve tempo hábil para coleta de sementes nos remanescentes vegetais nativos existentes na região. A falta de sementes de Crotalária (Crotalaria juncea) resultou que, na margem direita da propriedade 02, a barreira vegetal fosse semeada apenas no primeiro terço da área proposta. O plantio de cana de açúcar ou de uma capineira na parte externa do perímetro não foi realizado, também por alegação de falta de mão de obra. Além disso, o espaçamento no plantio das mudas foi aumentado em função do insuficiente estoque de mudas no viveiro da prefeitura (obteve-se 1200 mudas e precisava-se de 12000). O trator da prefeitura não pode ser disponibilizado devido ao seu uso em outras atividades no município.

Tabela 03
– PRAD definitivo a ser implantado na região da cabeceira do rio São Lourenço – MT em dezembro de 2010.

Alguns fatores podem ser considerados para justificar inconsistências entre o PRAD provisório e o PRAD executado, como por exemplo, a prioridade destinada às atividades agropecuárias realizadas nas três propriedades estudadas, que demandam investimentos por parte dos produtores. Diversas espécies nativas deveriam ser plantadas (via sementes ou mudas) no início do período das chuvas, o que coincide com período de manejo de safras agrícolas. Os sistemas agroflorestais (SAF) também não foram implantados, apesar deste ter sido um tema bastante debatido na apresentação do PRAD provisório. O plantio de “muvuca de sementes” na propriedade 03 foi realizado conforme planejado.

Em relação aos indicadores utilizados na metodologia PDCA (SIMÕES, 2005SIMÕES, L. O ciclo PDCA como ferramenta da qualidade total. Lins: Unisalesiano de Lins. 2005.), no contexto do plano de ação, o item “quem executará a atividade” foi o elemento mais assertivo, em termos de fidelidade ao PRAD executado. Estudantes de graduação e pós-graduação da UFMT, junto com os agricultores, funcionários das propriedades rurais e outros voluntários, foram os atores ativos que colaboraram para a iniciativa de recuperação de trecho de APP degradada, na cabeceira do rio São Lourenço. A identificação dos colaboradores que apresentam aptidões naturais para tarefas de recuperação de área degradada é um tópico que deve ser explorado na elaboração de PRADs. A importância da identificação de perfis nos processos de mudança de comportamento foi citada por CAPORAL (2007)CAPORAL, F. R. Superando a revolução verde. A transição agroecológica no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. In: CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. A Agroecologia e Extensão Rural: contribuições para a promoção do desenvolvimento rural sustentável. Brasília:MDA/SAF/DATER, pp. 121-137, 2007..

O esforço coletivo para se colocar em prática o PRAD definitivo representa um aprendizado que traz à tona aspectos importantes na área pesquisada, e que podem ocorrer em outros locais do Brasil. Existem limitações financeiras por parte dos envolvidos no processo, incluindo uma dificuldade, por parte dos atores locais, em identificar no processo, a oportunidade de benefícios e não apenas custos ou prejuízos econômicos. Existem deficiências locais de infraestrutura (mercado local e insumos agrícolas para aquisição), principalmente em termos de sementes e mudas. Constatou-se também dificuldades que a prefeitura possui para ser uma parceira mais ativa (no caso do presente projeto, quando se considera a manutenção e disponibilização de equipamentos, envolvidos em projetos interinstitucionais). Possivelmente, algumas dificuldades são resultado do curto espaço de tempo entre os procedimentos iniciais de diagnóstico e a execução do PRAD. Pontos semelhantes em atividades de recuperação de área degradada foram reportados por Almeida e Sánchez (2005)ALMEIDA, R. O. P. O.; SÁNCHEZ, L. E. Revegetação de áreas de mineração: critérios de monitoramento e avaliação de desempenho. Revista Árvore, Viçosa, v. 29, n. 1, 2005, pp. 47-54. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-67622005000100006
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e são aprendizados para os atores envolvidos, visando redimensionar iniciativas futuras.

Até o fim do século XX, a participação comunitária na recuperação de áreas degradadas foi bastante discreta no Brasil (BITAR, 1997BITAR, O. Y. Avaliação da recuperação de áreas degradadas por mineração na região metropolitana de São Paulo. Tese (Doutorado em Ciências) – São Paulo, 1997.). Contudo, admite-se que algumas divergências entre o planejado e o realizado possam ser resultado da eleição do método participativo, que segundo FRANCO (2005)FRANCO, M. A. S. Pedagogia da pesquisa-ação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, 2005, pp. 483-502. é uma estratégia para promover ação e interação social, porém, está sujeita a seguir rumos incertos. Por diversos motivos, a eleição de métodos participativos pode ser criticada, tendo em vista que o planejamento muitas vezes é compreendido como “uma função do Estado”, que realiza avaliações e repassa as tarefas previamente estabelecidas (DEMO, 1988DEMO, P. Participação é conquista: noções de política social participativa. São Paulo: Cortez, 1988.). Isso foge à proposta do trabalho, que priorizou a sensibilização dos atores locais, o diálogo e a ação coletiva na recuperação da cabeceira do rio São Lourenço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Identificou-se a necessidade de melhorar aspectos de interação entre agricultores, pesquisadores e instituições envolvidas para a restauração de áreas degradadas. Existe compreensão sobre a necessidade de recuperar as áreas degradadas, e há certo entusiasmo por parte dos atores locais. Contudo, a dificuldade em implantar as decisões estabelecidas conjuntamente, deve-se, dentre outros aspectos, à tomada de decisão por parte dos agricultores em termos de investimento financeiro, considerando a mobilização de mão de obra e aquisição de insumos, o que se traduz em conflito de interesses entre investir nas lavouras/pastagens e na recuperação de áreas degradadas, principalmente se a área do passivo ambiental é de tamanho considerável (exemplo: dezenas de hectares). As limitações da prefeitura municipal também representaram gargalos no processo de gestão participativa visando estabelecer um processo coletivo direcionado à recuperação da área de preservação permanente degradada.

A UFMT, como instituição que atua no ensino, pesquisa e extensão, igualmente, possui suas limitações, e sua presença torna-se mais evidente, principalmente, quando seus professores aprovam projetos financiados por agências de fomento, captando recursos para irem a campo e realizarem seus trabalhos. Porém, a aprovação desses projetos, a cada ano, torna-se mais difícil, considerando que o foco em pesquisa científica orientado essencialmente à produção de artigos, muitas vezes, é priorizado em detrimento ao desenvolvimento tecnológico e à extensão universitária. É necessário considerar que entre todos os entes envolvidos, os proprietários rurais representaram os atores mais estratégicos no processo, por se tratar de intervenções em áreas particulares.

A metodologia utilizada repercutiu em debates diversos e discussões sobre os papeis funcionais de cada instituição e oportunizaram a identificação de opiniões legítimas e de fatores limitantes para a implantação de planos de recuperação de área degradada (PRAD). A eleição da abordagem participativa funcionou no sentido de promover um debate ideias e pontos de vista sobre o a implantação do PRAD. Ao término da experiência, constata-se que se criou um panorama mais otimista e que parcerias estão sendo criadas e serão fortalecidas. Esse aprendizado estimula a continuidade de ações de recuperação de áreas degradadas e conservação de recursos hídricos em propriedades privadas, visando à regularização ambiental das propriedades rurais, adequando-as ao novo Código Florestal.

AGRADECIMENTOS

À CAPES pela concessão de bolsas de estudo, ao CNPq (Processos 561923/2010-8 e 310724/2011-2), à FAPEMAT, à empresa A.M.E.O Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2015
  • Aceito
    22 Mar 2016
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