Acessibilidade / Reportar erro

Campanha permanente: o Brasil e a reforma do conselho de segurança da ONU

RESENHA

Campanha permanente: o Brasil e a reforma do conselho de segurança da ONU

Tulio Barbosa

Profº. Adj. Instituto de Geografia, UFU. tulio@ig.ufu.br

VARGAS, João Augusto Costa. Campanha permanente: o Brasil e a reforma do Conselho de Segurança da ONU. Rio de Janeiro: FGV, 2011. 130 p.

A política externa brasileira é marcada historicamente por uma "obsessão": um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU - essa demanda requer esclarecimentos, pois ao pleitear o assento o Brasil almeja o aumento de sua influência no cenário internacional e é justamente isso que João Augusto Costa Vargas na sua obra "Campanha permanente: o Brasil e a reforma do Conselho de Segurança da ONU" debate. Neste sentido, entendemos que se trata de uma obra importante para debatermos a questão, uma vez que a mesma insere pontos fundamentais para compreensão geográfica dos aspectos políticos e geopolíticos da História do Tempo Presente.

O livro é composto pelos seguintes capítulos: 1. O Conselho de Segurança e a ordem internacional, 2. Uma breve história da reforma do Conselho de Segurança e 3. A posição do Brasil sobre a reforma do Conselho de Segurança. A estrutura do livro permite uma ampla compreensão da questão e introduz várias temáticas da política exterior brasileira e suas implicações geopolíticas. O livro apresenta argumentos congruentes as relações internacionais e o papel do Brasil no Conselho de Segurança, todavia, entendemos que o Brasil diante do pleito tem força e objetivos geopolíticos, porém, discursivamente, os embaixadores argumentam que o papel do Brasil ao ter assento permanente atuará como promovedor do equilíbrio regional da América Latina. A obra demonstra esses argumentos oficiais e traduz a política exterior brasileira como pacifista e promovedora do respeito ao direito internacional; assim, a campanha pelo assento pode ser entendida como uma estratégia brasileira para a ampliação de suas áreas de influências, porém sem qualquer intenção de desrespeitar a ordem internacional estabelecida.

Vargas sistematiza a fundamentação teórica e prática, objetivando a compreensão ampla das relações de poder pela organização internacional dos países a partir do Conselho de Segurança, tendo como fio condutor o processo histórico; assim, as relações de poder e sua organização internacional são pensadas do século XIX aos dias atuais, isso enriquece a leitura por demonstrar historicamente os processos constituintes da organização internacional das nações. O autor destaca o início do século XXI como o momento de recuperação das discussões empreendidas com maior vigor na década de 1980, isto é, historicamente o Brasil busca maior participação nas decisões internacionais, porém nas últimas três décadas tem aumentado as exigências - por parte do executivo federal - voltadas para a implantação de práticas internacionais que permitam ao país ter destaque e liderança - pelo menos regional. Os argumentos lançados na obra direcionam o Brasil como país pacífico e cumpridor de contratos internacionais, porém não abdica de sua liderança; assim, o papel do Conselho de Segurança no mundo atual ao ter o Brasil como membro permanente não terá alterações, pelo contrário, o governo brasileiro compromete-se com a continuidade destas políticas internacionais. O desafio, portanto, é convencer os membros do Conselho de Segurança a creditarem ao Brasil a confiança necessária para o pleito se concretizar.

O livro de Vargas proporciona-nos o questionamento necessário para refletirmos as necessidades reais do Brasil tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança, somado aos processos históricos e a linha teórica e prática das políticas externas. Trata-se, nos últimos governos brasileiros, de tentativas de aproximar o país quanto a ampliação de sua capacidade gerencial mundial nestes tempos de políticas e economias globalizadas, ou seja, é fundamental ter voz e veto no Conselho de Segurança para que o Brasil seja visto como país extremamente responsável, definidor de limites e capacidade gerencial, pois esses atributos constroem uma imagem de país mais responsável e confiável nas esferas políticas, militares e, principalmente, econômicas, uma vez que o país se apresente ao mundo como regulador de conflitos e cumpridor de normas internacionais, as agências internacionais de classificação de risco econômico terão mais confiança e as consequências serão mais investimentos internacionais diretos no Brasil, maior confiança nas empresas brasileiras, certeza de que o governo brasileiro cumprirá seus acordos e, simbolicamente, o país construirá uma imagem mais positiva e atuante em defesa dos problemas que afligem o mundo. Todavia, para que as possibilidades tornem-se reais é fundamental a reforma do Conselho, e tal empreitada não parece nada fácil, pois segundo Vargas o Brasil precisa demonstrar interesses consorciados a coletividade do atual Conselho e o mesmo precisa enxergar no Brasil interesses comuns.

Segundo Vargas o discurso do governo brasileiro a partir de José Sarney apoiou-se no conceito de multipolaridade para contrastar com unipolaridade e bipolaridade. A multipolaridade nestes tempos de globalização parece ser o discurso mais acertado, todavia a questão que precisa ser feita é - Esse discurso "agrada" aos membros permanentes do Conselho de Segurança? Não temos dúvidas que diante da opinião pública internacional a multipolaridade é apoiada, mas não temos a mesma certeza referente aos países membros do Conselho. Essa questão é apontada por Vargas a partir de Gelson Fonseca, o qual parte da tese primordial - a igualdade jurídica entre os Estados. Celso Amorin sublinhou essa dificuldade, ou seja, os países membros permanentes não desejam subtrair seus poderes, pois ao aumentar o número de cadeiras o Conselho contará com novos atores com objetivos próprios, mesmo que esses países, como o Brasil, afirmem seus compromissos consorciados com o Conselho essas nações tem seus interesses particulares e suas necessidades para pleitearem a permanência no Conselho de Segurança. Já Celso Amorin, segundo Vargas, enxerga com ressalvas o multipolarismo. Conforme Vargas (p. 94): "O aspecto mais importante da defesa brasileira de uma reforma do Conselho de Segurança é a articulação entre os conceitos, por um lado, de justiça e representatividade; por outro, de eficácia e eficiência". Pois o embate quanto à igualdade jurídica tem suas fraquezas no que Vargas denomina de memória institucional, uma vez que os países membros permanentes do Conselho tem familiaridades de décadas e isso os leva a formularem políticas, na maioria das vezes, conjuntas e que não firam os objetivos dos países membros. Óbvio que em alguns momentos as incongruências políticas são manifestadas no Conselho, todavia mesmo essas diferenças não impedem que os mesmos ajam conjuntamente. Segundo Vargas (p. 93): "[...] Esse tipo de desequilíbrio só poderia ser corrigido com a criação de novos assentos permanentes com ou sem poder de veto".

Se a igualdade jurídica parece um caminho longo a ser trilhado, a relação da justiça e representatividade e da eficácia e eficiência parecem mais próximos, pois o Brasil centra seus argumentos na ampliação dos assentos pelo acréscimo de novos atores e suas promoções para a eficiência da representatividade e da eficácia jurídica internacional. Para que isso seja possível é fundamental a reforma do Conselho - historicamente não foram poucos os pedidos e as propostas de reformas, todavia, não houve nenhuma mudança que promovesse a entrada de novos membros. Segundo Vargas, quando em 2004 o governo Luiz Inácio Lula da Silva junto com Joschka Fischer (ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha), Junichiro Koizumi (primeiro-ministro do Japão) e Manmohan Singh (primeiro-ministro da Índia) iniciaram articulações políticas e formaram o Grupo dos 4 (G-4) para buscarem força e apoio na promoção da reforma do Conselho de Segurança, os países que se posicionaram (e ainda são) contra as reformas articularam-se e impediram o sucesso do G-4. Todavia, esse aparente insucesso deve ser compreendido como estratégia de ação, como ponto de resistência diante do conservadorismo dos países membros permanentes do Conselho de Segurança, ou seja, o movimento de países insatisfeitos com o Conselho revela a não homogeneidade do mesmo e a necessidade das forças serem promovidas pela união de países que comungam dos mesmos objetivos.

Referente à influência do Brasil e sua proposta de reforma do Conselho de Segurança, Vargas destaca que o Brasil teve um dos primeiros assentos não permanentes, sublinha que o Brasil foi membro não permanente em dez situações, de 1945 a 2011, demonstrando o relativo poder do governo brasileiro, todavia, o pleito firma-se para a permanência do Brasil, esse objetivo em alguns momentos parece próximo e outros muito distante como durante o período do governo militar nas décadas de 1960 a metade de 1980. O autor aponta o fim da Guerra Fria como o ponto nevrálgico para a retomada da defesa, por parte do governo brasileiro, da reforma do Conselho e a inclusão do Brasil como membro permanente. A expectativa era de que o fim da URSS promovesse mudanças significativas no Conselho, o que não ocorreu, como relatou Vargas (p. 64): "Conforme apontam Blavowkos e Bourantonis, havia um interesse direto dos membros permanentes do Conselho em fazer da sucessão russa à União Soviética em um fato consumado, que não abrisse discussões mais amplas sobre a composição do órgão".

Vargas entende que a sucessão da URSS foi um processo que não promoveu reformas, pelo contrário, foi uma tentativa gerencial quanto a manutenção da bipolaridade. Todavia, com a fragilidade econômica e política da Rússia vários países empreenderam esforços para propor reformas no Conselho; assim, os países em desenvolvimento, Japão e Alemanha destoaram por fomentaram a necessidade das reformas.

A reforma tem como centralidade o aumento do número de cadeiras no Conselho de Segurança da ONU, isso implica, em parte, na relativização do poder, todavia, esse poder é ainda dominado por poucas nações como os Estados Unidos, a Rússia e a China, ou seja, por mais que as reformas resultem no aumento de membros isso não significa mudanças substanciais a curto e médio prazo, pois as grandes potências bélicas e/ou econômicas são "donas" das decisões no Conselho.

Conforme Vargas os esforços do governo brasileiro são muitos, o autor destaca a lista escrita por Celso Amorim publicada na Revista Política Externa em 1995 como uma ilustração das intenções das credenciais do Brasil para fazer parte do Conselho como membro permanente, dentre tais, Amorim sublinha que somos signatários desde a origem da Carta das Nações Unidas, somos definidores de princípios históricos e universais que foram aceitos e compõem a Carta das Nações, somos um país que se dedica a manutenção da paz e da segurança, temos capacidade de negociar promovendo consensos, o Brasil é um país plural e harmonioso, enfim, somos um país democrático e, nas palavras de Amorim: "[...] o Brasil constitui um país cuja contribuição não pode ser menosprezada na construção de uma ordem internacional mais pacífica e equilibrada". Vargas sublinha dentre os argumentos de Amorim: "[...] em termos militares, o Brasil é um dos países que menos gasta com defesa em todo o mundo: alocamos menos de 1% do PIB a gastos militares". Vargas compreende essa afirmação como positiva diante do pleito do Brasil, todavia, entendemos que o argumento apresentado não formula as necessidades de um mundo cada vez mais militarizado, não que apoiamos os conflitos, pois compreendemos a necessidade da paz pelo equilíbrio. Vargas (p. 104) afirma que: "Arrolar o desinteresse em ser potência bélica como credencial para integrar permanentemente o Conselho de Segurança é, ao contrário, afirmar que não só da força se faz o direito – salientado a verdadeira dimensão qualitativa da reforma defendida pelo Brasil". Esse argumento parte da premissa que a fraqueza bélica brasileira cativará aos membros permanentes do Conselho, em outras palavras, somos inofensivos militarmente e atuaremos mundialmente como diplomatas. Esses apontamentos são extremamente valiosos para compreendermos o futuro da política externa brasileira, pois um dos argumentos é que somos uma nação que atua em prol do continente latino americano.

O livro de Vargas levanta inúmeros pontos polêmicos e assegura-nos a crítica necessária para refletirmos as políticas externas brasileiras; assim, a busca de décadas por uma vaga como membro permanente no Conselho de Segurança é debatido com todo o rigor para refletirmos os caminhos e os desvios inoportunos das políticas externas brasileiras, ao mesmo tempo em que faz-nos entender as prioridades de um Estado e suas implicações para o cotidiano dos brasileiros.

Resenha recebida em 24/02/2013 e aceita para publicação em 05/03/2013

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 2013
Editora da Universidade Federal de Uberlândia - EDUFU Av. João Naves de Ávila, 2121 - Bloco 5M – Sala 302B, 38400902 - Uberlândia - Minas Gerais - Brasil, +55 (34) 3239- 4549 - Uberlândia - MG - Brazil
E-mail: sociedade.natureza@ig.ufu.br