Open-access “É dar a cara à tapa todos os dias”: arranjos de privacidade em torno dos usos das mídias digitais por mulheres jovens brasileiras

“It means facing things every day”: privacy arrangements around the use of digital media by young Brazilian women

Resumo

Este texto constrói-se com o intuito de compreender como a relação público-privado é vivenciada por mulheres das classes populares brasileiras, conectadas pela rede mundial de computadores. A reflexão apontará como dimensões de honra, vergonha, reconhecimento, sentimentos vinculados a arranjos de gênero e sexualidade, bem como aspectos relacionados ao local de moradia – que integram as experiências de vida dessas mulheres – são importantes para a forma como estes sujeitos negociam sua visibilidade e/ou protegem sua privacidade em rede. A pesquisa foi conduzida com base em uma etnografia digital, desenvolvida em plataformas de redes sociais, bem como em contextos de moradia das interlocutoras da pesquisa, na cidade do Rio de Janeiro. A proposta reflete sobre como a privacidade e aquilo que é dito, ocultado, compartilhado, onde é dito e como é exposto resulta de um arranjo relacional, que leva em conta elementos intersubjetivos, assim como contextuais. O texto questiona a tese que afirma o fim da privacidade e a ideia de que a exposição na rede é resultado ou de personalidades narcísicas ou de um desconhecimento do sujeito acerca dos interesses das grandes corporações da tecnologia. A exposição na rede, ao contrário, mostra uma elaborada gestão do capital social online e a constituição de circuitos de reconhecimento entre mulheres.

Palavras-chave:
mídias digitais; privacidade; jovens brasileiras; sociologia digital; reconhecimento

Abstract

This text is constructed with the aim of understanding how the public-private relationship is experienced by women from the Brazilian popular classes, connected by the world wide web. The reflection will address how dimensions of honor, shame, recognition, feelings linked to gender and sexuality arrangements, as well as aspects related to the place of residence – which are part of these women's life experiences – are important for the way these subjects negotiate their visibility and/or protect their network privacy. The research was conducted based on a digital ethnography, developed on social media platforms, as well as in the housing contexts of the research interlocutors, in the city of Rio de Janeiro. The proposal reflects on how privacy and what is said, hidden, shared, where it is said and how it is exposed results from a relational arrangement, which takes into account intersubjective as well as contextual elements. The text questions the thesis that affirms the end of privacy and the idea that exposure on the network is the result of either narcissistic personalities or the subject's lack of knowledge about the interests of large technology corporations. Exposure on the network, on the contrary, shows an elaborate management of social capital online and the constitution of circuits of recognition among women.

Keywords:
digital media; privacy; young Brazilian women; digital sociology; recognition

1. Introdução

É frequente nos discursos do cotidiano sobre a internet o argumento de que as relações em rede colocam fim a qualquer possibilidade de manter nossas vidas em segredo e sob garantia de privacidade.

No campo do conhecimento acadêmico hegemônico, que elabora teorias em torno do sujeito contemporâneo e de nossas formas de estabelecer relações também com as tecnologias digitais, reflexões sobre o valor cultural da exposição (Han, 2017) e sobre o aspecto confessional de nossa cultura (Bauman, 2008) surgem quase que como uma sentença de vida, ou de morte e anonimato, para aquelas pessoas que decidem por aderir ou não às demandas de visibilidade do mundo conectado.

Autores como John Thompson (2008) e dannah boyd (2014) avaliaram, respectivamente, os efeitos dessa visibilidade para a vida política, bem como os arranjos e negociações que adolescentes conduzem para manter laços sociais por meio dessas tecnologias. Para Thompson, o exercício da visibilidade em rede implode dimensões espaciais e de copresença, o que acarreta implicações no âmbito da esfera política, na medida em que transporta para ela a dimensão do escândalo e da vida íntima. Para o autor, as mudanças tecnológicas fizeram com que fosse cada vez mais difícil manter o anonimato sobre o comportamento e a vida privada de líderes políticos e de outras figuras públicas. Nesse sentido, “conquistar visibilidade pela mídia é conseguir um tipo de presença ou de reconhecimento no âmbito público que pode servir para chamar a atenção para a situação de uma pessoa ou para avançar a causa de alguém” (Thompson, 2008, p. 37).

Já para dannah boyd, no âmbito da vida cotidiana, aquilo que vai ou não ser mostrado está sobretudo na pauta das escolhas e decisões conduzidas por grupos de adolescentes conectados em rede. Ao compreender que os adolescentes se sentem mais confortáveis na rede social do que entre adultos, a autora rompe com estereótipos de uma suposta desatenção deles em relação à privacidade. Para ela, são vários os arranjos e manipulações que os jovens fazem para estarem visíveis, e o que interessa na relação com a tecnologia é exatamente a vida pública que ela permite e a vida compartilhada com outros jovens.

Este texto tem como intuito mais amplo estabelecer uma reflexão contextual e localizada sobre privacidade e sua relação com as mídias digitais no sentido de contribuir com esse debate. No entanto, é preciso dizer, de antemão, que não vou reforçar aqui o argumento do fim da privacidade. Deixo para a ficção e para as matérias de grandes jornais explorar as fantasias de um mundo totalmente visível e vivenciado na contramão do segredo e de uma suposta preservação do indivíduo e de sua intimidade.

Interessa aqui compreender como a relação público-privado é vivenciada por mulheres das classes populares brasileiras conectadas pela rede mundial de computadores. Fundamentalmente, a reflexão apontará como dimensões de honra, vergonha, reconhecimento, sentimentos vinculados a arranjos de gênero e sexualidade, bem como aspectos relacionados ao local de moradia são importantes para a forma como estes sujeitos negociam sua visibilidade e/ou protegem sua privacidade em rede.

Parto da ideia de que o ideal moderno de privacidade, cuja fundação permitia a diferenciação do indivíduo perante a sociedade, nunca se concretizou, de fato, entre sujeitos das classes populares em contextos como o nosso. A estrutura urbana, a organização do local de moradia, as dimensões afetivas e de vigilância da vida dos pobres fazem das fronteiras entre público e privado algo cheio de facetas e minucias. E, ao contrário do que se pode imaginar, é exatamente a partir desse espaço e das relações estabelecidas off-line que a rede ganha centralidade como espaço de maior agenciamento do sujeito, no qual mais escolhas podem ser feitas.

A possibilidade de decisão acerca do que mostrar e do que esconder, principalmente entre mulheres, evidencia que a rede pode ser um sítio de destensionamento e maior liberdade para o grupo observado.

2. O campo da pesquisa

Perseguirei o objetivo proposto com base em experiências de pesquisa anteriores, realizadas com o intuito de compreender os usos sociais das mídias digitais por mulheres das classes populares brasileiras. As pesquisas contaram com duas frentes de investigação – uma online e outra off-line1 – que se desenrolaram entre os anos de 2011 e 2017, momento de consolidação das redes sociais digitais como espaço de sociabilidade no Brasil e, mais do que isso, quando algumas políticas de governo2 foram construídas de forma a ampliar o acesso para a população pobre do país.

Em que pese as mudanças estruturais das próprias plataformas ao longo do tempo, recuperar este passado de pesquisa nos permite, dentre outras coisas, construir uma linha de compreensão dos usos das mídias digitais no Brasil, de forma que o passado ilumine nossas relações atuais com a tecnologia e nos possibilite refletir sobre nossa própria privacidade em um contexto de maior conexão e exposição.

A plataforma que orientou essa pesquisa, e que hoje já não existe como tal, constituiu-se como antecessora da popularização de ambientes de mais intensa exposição como o Instagram e o TikTok, para mencionar alguns exemplos de espaços utilizados atualmente.

No ambiente digital, o campo foi construído a partir de um site chamado Bolsa de Mulher, um portal de notícias sobre o “universo feminino”, que comportava também uma rede social à qual as usuárias e usuários poderiam se vincular por meio da criação de um perfil. As informações preenchidas eram compostas por aspectos gerais como idade, local de moradia, escolaridade, mas também por dimensões afetivas e mais íntimas, como espaços direcionados à composição de um diário público; sítios onde as pessoas podiam colocar informações sobre aspectos da vida dos quais se orgulhavam, se arrependiam ou, por fim, a possibilidade de tornar manifesto um pensamento, um sonho e algumas paixões.

Em outros termos, o site se apresentava como um espaço densamente afetivo e emocional, capaz de induzir usuárias e usuários ao relato de si e das próprias emoções. Essa característica é importante, na medida em que a própria plataforma solicita ao sujeito a exposição de sua intimidade e o movimento de retorno a si e aos aspectos da própria vida e subjetividade. Falar sobre sonhos, arrependimentos e estimular a mobilização de ferramentas de construção de um diário – que comportava até mesmo desabafos – era o estímulo do Bolsa a sua própria audiência.

Embora as matérias direcionadas pelo site para o público feminino (como por exemplo, com temáticas sobre família, sexo, finanças, ambiente doméstico, casa e decoração, filhos, dentre outras) fossem abertas e acessíveis ao público em geral, a criação de um perfil no Bolsa era o que permitia às usuárias participarem de fóruns de discussão sobre temáticas elaboradas por elas mesmas. Havia muitos fóruns com temáticas sobre família, amizades e, principalmente, relacionamentos amorosos e sexualidade. Dentre estes últimos, eram muito frequentes embates relacionados ao questionamento de posturas machistas dos homens em relação às parceiras, e os fóruns acabavam por se transformar em espaço aberto onde, segundo as usuárias, os homens se sentiam confortáveis, cobertos por seus perfis fakes, em agredir as mulheres e construir falas e ataques que reforçavam relações desiguais de gênero.

Dessa forma, é importante ressaltar que o campo online não se restringiu ao Bolsa de Mulher, devido ao próprio fluxo das usuárias em migrarem para plataformas onde estariam mais seguras e protegidas dessas posturas. Logo, o Facebook e o WhatsApp foram escolhidos para a construção de ambientes cuja interlocução era realizada a partir de melhores ferramentas de privacidade.

Poder fechar os grupos, vinculá-los à agenda do celular ou criar mecanismos de seleção de quem entraria se tornaram ações fundamentais para definir aquilo que seria exposto e discutido, bem como serviram para a criação orgânica de uma rede chamada, por elas mesmas, de “amigas do Bolsa”. Em outros termos, a própria construção de uma relação de amizade estava vinculada à possibilidade de criação de uma rede restrita de mulheres e de maior garantia de privacidade, o que por si só já evidenciava a atenção das usuárias com a própria proteção em rede, rompendo com uma visão determinista de que sujeitos conectados não pensam sobre sua exposição.

O campo off-line, também fundamental para o que quero abordar neste texto, ou seja, as negociações em torno da privacidade por essas mulheres, foi construído na cidade do Rio de Janeiro, especificamente, em espaços como a Baixada Fluminense e as regiões mais periféricas da Zona Oeste da capital carioca.

Embora a sede do Bolsa tenha se originado em São Paulo, muito rapidamente migrou para a cidade do Rio de Janeiro, o que fazia com que muitas propagandas de divulgação do site fossem lançadas na TV local e no MSN Messenger3. Dessa forma, era corriqueiro encontrar no Bolsa cariocas e moradoras do Rio, muito embora também fosse possível ter contato com mulheres do país inteiro, e mesmo brasileiras que estavam no exterior.

No espaço off-line da pesquisa, onde fiz duas incursões etnográficas, uma em 2013 e outra em 2015, pude acessar, de forma mais intensa, o espaço de moradia dessas mulheres, compreender seus fluxos pela cidade e conhecer suas relações familiares e de amizade. Todas essas são dimensões relevantes para que se consiga visualizar suas demandas por privacidade e suas relações com o ambiente digital e, ressalto, a própria construção, por parte delas, da rede como ambiente de maior segurança e bem-estar, se comparada com as interações e relações estabelecidas no ambiente familiar, de origem e de moradia.

Quando menciono, acima, a realização de pesquisa etnográfica, refiro-me ao fato de que o acesso ao campo se deu por meio da estruturação de uma etnografia digital (Hine, 2008; Pink et al., 2016) que combinou estratégias de copresença, interações locais, entrevistas e observações dos espaços off-line e online de pesquisa. Da mesma forma, estive inserida no campo, seja online ou off-line, construindo uma relação direta com as dinâmicas entre mulheres e, por vezes, participando de discussões, encontros, situações cotidianas, casamentos e momentos de lazer, o que me permitiu acompanhá-las, de forma bastante próxima, por seis anos.

Para este texto, abordo as trajetórias de três mulheres cariocas: Martha, Paloma e Juliana4. No contexto da pesquisa, Martha tinha 33 anos, morava em Paciência, na Zona Oeste carioca, com a mãe, a irmã, seus dois filhos – um menino de 8 anos e uma adolescente de 15 – e o sobrinho de menos de um ano de idade. Sua trajetória de mãe solo é o que marca a experiência que vamos relatar aqui, de forma a abordar as razões que fazem da rede, para Martha, um lugar onde é possível preferir as relações com as amigas online em detrimento do circuito de relações de seu local de habitação. Dessa forma, a experiência de Martha evidencia as relações de gênero que conduzem sua presença na rede e suas decisões sobre o que expor para as “amigas do Bolsa”.

Paloma e Juliana são mulheres mais jovens – 20 e 22 anos – ambas habitantes da Baixada Fluminense, respectivamente, de Nova Iguaçu e Mesquita. Elas também compartilham experiências relacionadas às suas sexualidades e aos conflitos vivenciados com as famílias evangélicas: as jovens são bissexuais e, no momento de desenvolvimento da pesquisa, estavam descobrindo as facetas das relações amorosas construídas com mulheres, bem como buscando ambientes onde pudessem circular com segurança na cidade do Rio de Janeiro, principalmente os distanciados dos lugares julgadores representados pelo espaço de moradia. No caso de Paloma e Juliana, a sexualidade e a possibilidade de viver o amor e os afetos é aquilo que as afasta da família e concentra seus investimentos nas relações pela internet.

Com base na recuperação da trajetória dessas mulheres, bem como a partir do entendimento acerca dos arranjos estabelecidos entre seus trânsitos pela cidade, seus locais de moradia e lazer e o acesso às mídias digitais, pretendo elaborar uma reflexão sobre o aspecto contextual e de negociação que envolve as decisões em torno da partilha, do segredo, do que será exposto ou não na dinâmica de conexão.

Afirmar isso implica dizer que, como veremos adiante, a privacidade é algo complexo, que envolve as relações vivenciadas fora da rede, bem como angústias, vergonhas, mal-estares e também a própria aquisição de capital social online e de reconhecimento.

Neste texto, não acredito na ideia de que sujeitos se expõem pelo fato de serem submissos aos desmandos das plataformas e ignorantes quanto aos desejos das grandes corporações. Da mesma forma, elaboro uma crítica à dimensão patologizante do consumo das mídias digitais, para a qual a exposição dependeria de traços de personalidade narcísica ou algum outro diagnóstico que impeliria os usuários a “se exibirem nas redes”. Vamos entender aqui que os usos sociais dessas mídias e a construção desses grupos online são regidos, em grande medida, por um desejo estratégico de gestão de suas redes sociais e de suas vidas em barganha com os protocolos construídos pelas próprias plataformas.

Esse texto está dividido em mais duas partes, além dessa introdução: um primeiro momento de apresentação de algumas principais teorias e conceitos acerca da discussão sobre privacidade, segredo, visibilidade mediada, bem como da sociabilidade entre mulheres que as tecnologias comunicacionais possibilitam quando incorporadas em dinâmicas de gênero; um segundo momento em que evidenciarei o campo empírico da pesquisa e o diagrama que enreda a privacidade em situações cujos sentimentos de honra, vergonha e de reconhecimento se constituem como elementos simbólicos chave que regulam o comportamento dos sujeitos aqui analisados e impulsionam as negociações em torno da privacidade em rede.

3. “Prefiro as amigas do Bolsa”: dinâmicas comunicativas e privacidade em rede

Preferir as amigas do Bolsa foi afirmação que surgiu em meio a uma entrevista que realizei com Martha antes de nosso encontro presencial. Essa fala, de partida, pareceu-me nebulosa, tendo em vista que, naquele contexto, a internet acabava de surgir como possibilidade de comunicação para as mulheres da pesquisa. Em outros termos, eu ainda não havia entendido como a rede poderia compor uma preferência frente às relações face-a-face, ou o que essa fala poderia dizer sobre os usos que a interlocutora fazia desses espaços.

O contexto em que a fala foi proferida dizia respeito à possibilidade de, na rede, Martha poder expor questões que envolviam seu ex-marido, pai de seus filhos, seus atuais companheiros e a esfera dos afetos. A complexidade do que Martha estava me apresentando ficou explícita ao longo do tempo, ao observar como ela interagia no Bolsa de Mulher e nas redes criadas pelas usuárias fora do site, em plataformas como o Facebook e o WhatsApp. Martha tinha o hábito de falar bastante de seus namorados, de suas frustrações amorosas, de como se sentia preterida em alguns relacionamentos que desenvolvia e, fundamentalmente, relatar situações de traição dos parceiros e da vinculação de alguns deles com drogas e bebidas.

Embora grande parte dessas questões não se constituísse enquanto segredo nos circuitos de afetos que Martha frequentava em seu bairro, entre pessoas da família e entre amigas próximas, seus sentimentos e desconfortos (trataremos deles na segunda parte do texto) apareciam nas dinâmicas do site como algo a respeito de que ela não falava fora dali. A rede parecia autorizá-la a contar detalhes e minúcias das relações, numa guinada para dentro de si, bem como a expor certa vulnerabilidade e fragilidade que a vida no bairro e em família não permitia ter, tendo em vista sua posição de arrimo familiar. Da mesma forma, o site permitia a prática do aconselhamento entre mulheres, que fazia com que muitas usuárias, assim como Martha, requisitassem a opinião da audiência a respeito da questão relatada.

A exposição da intimidade no site ou mesmo a decisão sobre o que será exposto nos impulsiona a refletir sobre seu oposto, o segredo, a ocultação. Aquele que nos lembra da importância do segredo para as relações sociais é Georg Simmel (1999) para quem a decisão por ocultação envolve uma dinâmica comunicativa feita de retóricas, transparência, opacidade, cooperação, confiança e, em certa medida, revelação. Para o autor, o segredo permite o alargamento da vida social, a manutenção de alguns laços e a possibilidade de criação de um segundo mundo baseado em estratégias de exposição, gerenciamento e manipulação de si.

Muito embora, no caso de Martha, a situação vivenciada nos afetos não seja segredo, os sentimentos, sensações e a dimensões dos detalhes que enredam as tramas de sua vida constituem ocultações que, se reveladas para a mãe, filhos ou amigas de fora da rede poderiam não somente causar mal-estares, mas desmontar tanto a figura de mulher forte, capaz de realizar suas escolhas e dar conta de si, quanto, como veremos adiante, contrariar expectativas de gênero.

Ao diagramar quando e como manter as coisas em segredo e quando e onde compartilhar, os sujeitos aprendem a conferir seu senso de identidade, independência, singularidade e também de autonomia, uma vez que oportunidades de escolha são abertas frente a contextos, por vezes, hostis. Como aponta Max Van Manen em pesquisa sobre privacidade e intimidade no Facebook, contextos em que a tônica é a ausência de vínculos podem, ao contrário do que convencionamos acreditar, acarretar em maior exposição da intimidade.

Mesmo a comunicação superficial online, ironicamente, pode proporcionar aos participantes a sensação de um certo tipo profundidade e certas qualidades de intimidade. A questão mais importante é, portanto, não apenas o que está perdido, mas também o que se ganha com a maneira como a tecnologia altera a experiência de intimidade, proximidade e distância social e proximidade pessoal (van Manen, 2010, p. 4).5

Nesse sentido, revelar aspectos da própria vida se refere menos a relatar alguma verdade do sujeito e mais a compor o cenário de um processo social mais amplo que envolve reconhecimento mútuo, a possibilidade de construção de uma narrativa sobre si e também a aquisição de certo status social. Na rede não seria diferente, uma vez que as ligações entre os comportamentos individuais e as comunidades conectadas podem lançar luz sobre os elementos que envolvem a vida pública e privada, bem como sobre a forma como eles podem ser combinados e negociados.

A esse processo através do qual os usuários das mídias digitais ajustam seus perfis e decidem que detalhes da vida pessoal devem compartilhar, em determinados espaços, podemos dar o nome de gestão do capital social online (Ellison; Steinfield; Lampe, 2007; Casilli, 2013). Online, a qualidade do capital social se relaciona com a qualidade das conexões com os demais atores e com os recursos pessoais que os sujeitos dispõem para investir na sociabilidade em rede.

Gerir-se na plataforma envolve não somente a relação com o local de moradia e lazer, mas também a aquisição, via relações mediadas, de recursos materiais, informacionais e emocionais. De acordo com Raquel Recuero (2012), a criação e manutenção de perfis, as conexões associativas e o compartilhamento de recursos pessoais são atividades em rede que elevam o capital social online e que permitem reconhecimento e construção de confiança.

Quanto maior a capacidade da usuária ou usuário de equacionar o que e quando se expor, maior a dimensão de influência, que compõe o capital social online, bem como a capacidade de induzir práticas e comportamentos por meio do contato com outras pessoas.

O estudo da privacidade deve conseguir considerar também a vontade dos usuários de adaptar e refinar os traços do seu perfil em função do feedback (Tubaro; Casilli; Sarabi, 2014) de sua rede de amigos, conhecidos e familiares. Esse processo contínuo de afinação pode acompanhar e apoiar a exposição, em um esforço para manter um nível adequado de capital social. Dessa forma, revelamos o que pode atrair julgamentos positivos por meio de nossos contatos e escondemos informações que não fazem sentido para o grupo. No final, o perfil online de um usuário evolui de acordo com suas preferências, assim como as de seus contatos, em um jogo de visibilidade e ocultação.

No Bolsa de Mulher, bem como nas interações decorrentes do site, as negociações em torno da privacidade tornavam evidentes tanto a escassez de diálogos e espaços de exercício da subjetividade fora da rede quanto as relações de poder e disputa que se estabeleciam entre as próprias usuárias e usuários. Expor dimensões de intimidade e estabelecer para com estes contextos perspectivas críticas eram aspectos considerados relevantes na classificação de membros ativos, bem como daqueles membros que mereciam ser ouvidos, respondidos, considerados. Patrícia, por exemplo, era uma das usuárias mais ativas e com quem grande parte do grupo estabelecia interação, seja para elogiá-la ou criticá-la. O motivo que a levou para o Bolsa foi falar sobre a traição de um de seus namorados, e uma de suas pautas centrais nas interações no site era a reprodução do machismo nas relações amorosas.

Nesse contexto, questões relacionadas a gênero, especialmente aquelas que evidenciavam relações de desigualdade, eram alvo de críticas contundentes por parte das mulheres participantes do site. Contudo, algumas usuárias encaravam as discordâncias de forma negativa, como se observa no trecho a seguir, extraído de uma discussão em um dos fóruns:

Confesso que hoje estou um pouco triste em relação a algumas situações aqui do Bolsa. Eu acho que um site como este, é um lugar para trocarmos ideias, opiniões, dar conselhos e até debater opiniões de diferentes pessoas. Porém o que tem ocorrido muito em diversos fóruns, são ofensas, brigas, etc. Lógico que tem muitos FAKE's [sic] aí querendo curti [sic] com a cara de todo mundo! Podíamos levar em consideração o verdadeiro significado do site. Expor ideias, opiniões conselho.

A vinculação das mulheres com as tecnologias comunicacionais não se restringe às mídias digitais com acesso à internet. Menos ainda essas últimas são as únicas ferramentas por meio das quais as usuárias precisam avaliar o que expor e como, em detrimento daquilo que negociam em ambientes locais e off-line. O próprio uso do telefone como ferramenta de contato entre mulheres – e como meio pelo qual ocorria compartilhamento de informações a respeito da vida doméstica – deixa evidente como os usos das tecnologias comunicacionais são atravessados por gênero.

A pesquisa de Lana Rakow (1992), realizada ainda nos anos noventa, sobre uma comunidade rural dos EUA, mostrou que, por meio do telefone, as mulheres alcançavam um uso capaz de promover a manutenção de relacionamentos de apoio entre elas, bem como desenvolver importantes funções de cuidado, de trabalho doméstico e de conservação de vínculos entre as pessoas da comunidade. Para a autora, o telefone era considerado uma tecnologia de gênero, vinculada às mulheres e à esfera privada, em um contexto em que a participação pública não era uma realidade para esse grupo social.

Embora as mulheres desta pesquisa tenham um acesso à cidade relativamente mais facilitado do que aquele descrito por Rakow e contem com maiores possibilidades de ampliar seus horizontes futuros em comparação aos membros de suas famílias, demonstro, a seguir, como ainda prevalecem julgamentos sobre suas condutas de gênero e o exercício de suas sexualidades. Esses fatores acabam, muitas vezes, conduzindo-as a preferir a companhia das “amigas do Bolsa”, onde encontram maior compreensão e afinidade. Em outros termos, optar pelas amigas do site, nesse caso, quer dizer se sentir mais à vontade para expor a intimidade e, em grande medida, por meio dessa exposição e da sociabilidade gerada, encontrar espaço de reconhecimento.

Da mesma forma, eram constantes as dinâmicas de vigilância que se impunham sobre os vínculos entre mulheres construídos por meio do telefone, aspecto que se estende até os contextos mais recentes das usuárias do Bolsa que, muito frequentemente, apontavam que seus parceiros as indagavam com frequência sobre “o que tanto faziam ao celular” ou sobre “que amigas são essas que, apesar da distância têm tanto a falar”.

Historicamente, a relação entre mulheres se constituiu enquanto motivo de desconfiança, aspecto que é abordado por Silvia Federici (2019) ao tratar da história oculta da fofoca, termo que passou de representativo de uma amizade próxima entre mulheres para ser considerada uma conversa fútil e maledicente supostamente característica de circuitos de contato feminino. Para a autora, atribuir “um sentido negativo e depreciativo a uma palavra que indicava amizade entre as mulheres ajudou a destruir a sociabilidade feminina a partir da Idade Média, quando a maioria das atividades executadas pelas mulheres era de natureza coletiva” (Federici, 2019, p. 3).

Nesse sentido, podemos refletir sobre como a privacidade e aquilo que é dito, ocultado, compartilhado, onde é dito e como é exposto não é uma prerrogativa individual, ao contrário, resulta de um arranjo relacional, que leva em conta elementos intersubjetivos, assim como contextuais. Não é um estado de isolamento optar por esconder algo, pelo contrário, é aspecto modelado de acordo com os impulsos vindos das pessoas com quem os indivíduos interagem. Cada encontro, cada situação e cada lugar conduzem a uma negociação e a uma redefinição do que é público e do que é privado.

Podemos compreender a privacidade, nesses termos, como negociação que permite descrever situações em que o ambiente social de cada indivíduo não é dado a priori, mas está, ao contrário, em processo de definição diante de seus olhos. A partir dessa compreensão surge a necessidade, sobretudo, de avaliar o contexto da interação, ou seja, seus participantes, seus limites, códigos e, fundamentalmente, no caso das mídias digitais, dos ambientes onde se inserem esses sujeitos e suas demandas de vínculo e relações. Confidencialidade e intimidade deixam de depender apenas de idiossincrasias individuais e passam a ser contextuais e passíveis de consulta coletiva.

4. Arranjos de Gênero e Sexualidade na exposição de si na rede

Quando encontrei Paloma às vésperas do casamento de Paula, ela estava com um pouco de pressa, pois tinha um encontro marcado com uma garota no shopping da Barra da Tijuca. O “date” havia sido combinado pela internet, em um aplicativo de relacionamentos, muito embora Paloma reforçava não gostar muito de usar esses “apps”. Ela me relatou que havia passado a noite na casa de um amigo, após ir para uma festa na Lapa. Em seus termos, ela estava “há alguns dias fora de casa”.

A casa, para Paloma, era lugar de conflito, pois era compartilhada com a mãe e o irmão mais velho, ambos evangélicos que, segundo a jovem, não aceitavam sua sexualidade e suas relações amorosas com mulheres. A tentativa da família de intervir em suas escolhas amorosas tornava o convívio bastante difícil e violento para ela.

Paloma atribui ao irmão a publicidade em torno de sua sexualidade. Foi ele quem “tirou” Paloma do armário para a família: “Na verdade, ele percebeu. Eu nunca contei...Ele descobriu e contou pra minha mãe. Nem era que eu não fosse contar, mas não estava pronta naquele momento. Foi bem complicado”. De acordo com Paloma, o irmão religioso acreditava que a homossexualidade é uma doença passível de ser curada por meio da devoção a Deus e à igreja. Dessa forma, para evitar os conflitos que poderiam piorar a saúde frágil da mãe, Paloma preferia não tocar no assunto no espaço de convivência da casa e, dessa forma, suas namoradas acabavam por não se relacionar com nenhuma das pessoas de sua família, aspecto que impulsionou Paloma a viver seus amores em outros territórios urbanos, como, por exemplo, no Centro do Rio, na Zona Sul carioca ou mesmo em outros espaços da Baixada.

Ser gay no lugar de moradia é complicado, eu fui à parada LGBT de lá de Nova Iguaçu uma vez e mesmo assim eu namorava um carinha, na época. Não me sinto à vontade. Os olhares de fofoca me incomodam um pouco, mas só nesses lugares. É difícil mesmo, é dar a cara à tapa todos os dias (Em conversa com Paloma via Facebook).

Quando perguntei a Paloma qual o significado de sua expressão “dar a cara a tapa”, ela apontou se referir a viver no local de moradia familiar e lidar, principalmente, com as violências e preconceitos das dinâmicas lá estabelecidas, no seio da própria vida doméstica e da vizinhança. Em seguida, quando questionada sobre quais pessoas acessavam suas vivências na esfera da sexualidade em sua região, ela afirmou: “eu só contei mesmo para os meus amigos, mas as pessoas desconfiam”.

Isso pode apontar que, mesmo sem o embate direto acerca da sua sexualidade, Paloma tinha medo de se expor em Nova Iguaçu, talvez por receio de enfrentar conflitos parecidos com os que enfrentava com seu irmão e sua mãe, por sentir-se vigiada sob os olhos daqueles que a conhecem e por experenciar os efeitos de integrar um espaço social de abjeção. Nos termos de Judith Butler, abjeção consiste naquelas “zonas ‘inóspitas’ e ‘inabitáveis’ da vida social, que são, não obstante, densamente povoadas por aqueles que não gozam do status de sujeito, mas cujo habitar sob o signo do ‘inabitável’ é necessário para que o domínio do sujeito seja circunscrito” (Butler, 2001, p. 111).

Quando questionada sobre ter vivenciado ou não situações de violência por conta de sua sexualidade, Paloma confirmou a violência psicológica e ameaça de violência física que sofreu no interior mesmo de sua família:

Meu irmão chegou a ameaçar de agredir minha namorada caso eu a levasse em casa e eu fui obrigada a aceitar as opiniões dele dentro de casa, porque minha mãe também concorda. Até hoje ele fala disso como se fosse uma coisa que não é minha, como se alguém tivesse colocado isso na minha cabeça. Que pessoa em sã consciência vai escolher ser gay e passar por coisas assim, não é mesmo? (Em conversa com Paloma via Facebook).

A hostilidade do irmão, da família e mesmo dos circuitos de vivências no próprio bairro fez com que Paloma necessitasse circular pelo território do Rio de Janeiro, tanto para construir vínculos de amizade que não a expunham em seu espaço de moradia quanto para se proteger dos olhares curiosos acerca de sua sexualidade e, assim, vivê-la de forma mais livre. Nesse sentido, a rede se tornou para ela ambiente onde era possível expor seus afetos, encontrar-se online com grupos de amigas e amigos, cujos objetivos caminhavam no sentido de promover encontros presenciais, fundamentalmente, nas praias da Zona Sul.

Além disso, a internet passou a representar, para Paloma e também para seus amigos, ambiente de acesso a informações, de construção de vínculos afetivos e também de apresentação de si, de sua narrativa em torno da própria sexualidade. Com acesso ao Bolsa de Mulher, Paloma me relatou que se sentia à vontade tanto para relatar as experiências afetivas que havia vivenciado, seja com homens ou mulheres, mas também opinar e construir pontos de identificação com outras usuárias, o que inclusive permitia que ela transitasse por outros grupos de amigas, as “amigas do Bolsa”.

As interações no site e nos grupos de Facebook e Whatsapp possibilitaram a Paloma o exercício de ser reconhecida. O Bolsa rompia com as fronteiras geográficas, projetando-a de um espaço onde não podia exercitar seu desejo para outro no qual era permitido não somente falar de si, mas também aconselhar outras mulheres sobre a vida afetiva e a intimidade, fossem elas hetero e homossexuais.

As ferramentas de redes sociais online podem ter utilidade particular para indivíduos que, de outra forma, têm dificuldades em formar e manter laços fortes e fracos. Algumas pesquisas mostraram, por exemplo, que a internet pode ajudar indivíduos com baixo bem-estar psicológico fruto de poucos laços com amigos e vizinhos (Bargh; McKenna, 2004).

Algumas formas de comunicação mediada podem reduzir as barreiras à interação e encorajar mais fortemente a autorrevelação (Bargh; McKenna, 2004; Tidwell; Walther, 2002) ou, no caso dessa pesquisa, gerar maior certeza de que em alguns espaços é possível sentir maior segurança na exposição de si, sem retaliações e violências.

Portanto, essas ferramentas podem facilitar conexões e interações que não ocorreriam de outra forma ou que, quando situadas em contextos locais, estariam atravessadas por sentimentos de desajustamento e de vergonha, fruto de julgamentos e pressões locais.

Uma vivência similar aconteceu com Juliana, a interlocutora mais jovem da pesquisa, com 19 anos, moradora de Mesquita na Baixada Fluminense. Estudante de Pedagogia, de família também evangélica. Ao contrário de Paloma, para Juliana, as relações em rede eram fundamentais para a manutenção do segredo em torno de sua sexualidade perante a família, pois somente as amigas mais próximas, que cultivava pela internet, sabiam de seu desejo por namorar mulheres. Filha única, o pai e a mãe ainda não desconfiavam ou acessavam qualquer tipo de informação sobre sua intimidade.

Apesar disso, Paloma e Juliana compartilhavam a prática de construir relações em rede como uma forma de vivenciar e expressar suas sexualidades, apresentar e compartilhar suas experiências de maneira positiva e escapar, através de novas sociabilidades, dos desconfortos, sentimentos de vergonha, inadequação e das violências sofridas por não se adequarem aos roteiros de vida tradicionais impostos pela família e pela igreja.

Juliana me contou que não falou sobre sua sexualidade à família, pois os pais esperavam dela uma vida direcionada ao casamento heterossexual: “para os meus pais eu devo ser hétero, crentona, ter filhos e viver para o meu marido...risos”. De família evangélica, Juliana acabou deixando a Igreja por se relacionar com mulheres e sofrer preconceito, apesar de frequentar o espaço de vez em quando, por conta das demandas da mãe, e para não ser constantemente indagada sobre suas ausências.

A rede, para Juliana, também se constrói como espaço de paquera, mesmo aquelas plataformas não direcionadas diretamente a isso, como, por exemplo, o Facebook e, mais recentemente, o Instagram.

Quando comecei a andar sem minha mãe, minhas visões de mundo mudaram bastante, aí eu fiz coisas que na Igreja é proibido, é pecado [...]. Sempre tive curiosidade sobre ficar com mulheres. Isso era em 2011. Conheci uma menina por quem tive uma paixão platônica por conta de uma foto no Facebook. Acabei a adicionando e viramos amigas. Nunca fiquei com ela pois a mesma tinha namorada, mas ela me levou pra uma social num dia e acabei ficando com uma menina. Achei aquilo tão normal... Não sei, foi só fechar os olhos e nada mais era diferente. Daí, fui me descobrindo. E me apaixonei por uma menina depois de um tempo. Então percebi que realmente gostava dos dois gêneros. Hoje é o motivo pra eu não voltar pra Igreja (Conversa com Juliana via Facebook).

Em pesquisa de Felipe Padilha (2015) cujo objeto são os usos de aplicativos por homens gays que buscam parceiros para relações afetivas ou exclusivamente sexuais em aplicativos voltados para o público gay, também é apontada a relevância das dinâmicas online para manutenção do segredo da sexualidade e para a busca por formas de socialidade gay. Do ponto de vista do autor, os aplicativos permitem agenciar o segredo e a manutenção dos privilégios da heterossexualidade, para sujeitos que não encontram condições culturais e políticas de reconhecimento que tornem possível sua exposição. Ao mesmo tempo, abrem espaço para a experimentação da sexualidade e construção de sociabilidades e círculos de apoio entre gays. Diz o autor:

O segredo é a alma do negócio em um contexto que não oferece condições culturais e políticas de reconhecimento recíproco para as pessoas que se afirmam publicamente como “homossexuais”. Nesse cenário sociotécnico, as mídias digitais e os aplicativos emergem como soluções provisórias para criar redes de contatos e circulação de pessoas em busca de encontros ao abrigo do olhar público [...]. A internet não é a salvação, mas uma possibilidade provisória que acentua o aspecto “estratégico” do segredo. Ao mesmo tempo em que a rede permitiu reformulações nas antigas estratégias de invisibilidade, a circulação de códigos outros para a homossexualidade permitiu um deslocamento sobre o antigo sentido de marginalidade (Padilha, 2015, p. 118).

A pesquisa de Padilha, assim como esta que apresento aqui, auxilia-nos a refletir sobre como são as negociações em torno do que será exposto ou não na rede. A própria decisão de utilização das ferramentas tecnológicas para encontrar pessoas, trocar experiências e colher informações sobre espaços onde é possível amar, transar, socializar sem o julgo da família e da igreja depende, em grande medida, de conflitos que são vivenciados localmente e que colocam em xeque as possibilidades de reconhecimento. De acordo também com dimensões de gênero e sexualidade, o desajustamento e a experiência de abjeção reverberam na conexão e nas negociações em torno do segredo.

Em linhas gerais, as experiências dessas jovens lésbicas evidenciam como a internet adiciona mais um espaço de gerenciamento da dinâmica do armário em suas vidas, nos termos de Eve Sedgwick (1990), o regime de visibilidade que rege o binário hetero-homossexualidade. De acordo com a autora, a dinâmica do armário trata de um regime sexual do qual não se pode simplesmente sair em definitivo, como na expressão “sair do armário”, uma vez que a cada nova situação o sujeito necessita ocultar ou expor sua sexualidade novamente. Nesse sentido, a conexão aumenta a possibilidade de negociação da visibilidade, da própria circulação pela cidade e da fruição do prazer para as jovens da pesquisa. Nessa rede, as fronteiras do armário parecem mais porosas.

Podemos pensar também, a partir da contribuição de Cláudia Fonseca (2000), como as classes populares mobilizam dimensões de honra e vergonha como elementos simbólicos que regulam comportamentos. Segundo a autora, a relação com esses imaginários de status não é composta somente por posições de classe social e por aspectos da vida econômica, o que fica explícito também em nossa pesquisa. São dinâmicas que envolvem relações de gênero e sexualidade e que fazem com que homens e mulheres disponham de diferentes simbologias por meio das quais expressam prestígio.

Não existe noção particular de honra ligada à moça solteira. Enquanto a imagem pública do homem tem vários pontos de apoio, a da mulher gira quase exclusivamente em torno de suas tarefas domésticas na divisão do trabalho: ela deve ser uma mãe devotada e uma dona-de-casa eficiente [...]. Ao casar, a mulher tem esperança de alcançar não somente uma certa satisfação afetiva, mas também um status respeitável. Imagina-se sempre que se uma mulher está só é porque não consegue arranjar um homem. Ademais, a mulher sem marido perturba a paz da comunidade; ela desafia a virilidade dos homens e atiça o ciúme das mulheres. A presença de um marido como tutor da sexualidade feminina resolve o problema (Fonseca, 2000, p. 18).

A impossibilidade de ter um marido surge como preocupação por parte das famílias de Paloma e Juliana, e suas recusas por roteiros tradicionais de gênero e sexualidade desestabilizam suas imagens e suas reputações entre os grupos do contexto de moradia, fundamentalmente, entre aqueles abarcados pela Igreja e pela família.

O desajustamento também é motivo de condução à rede de Martha, mãe solo, que cuidava dos próprios filhos, da mãe e era arrimo de uma família que comportava também sua irmã e seu sobrinho. Martha entrou no Bolsa e decidiu ali ficar quando encontrou espaço para expor aspectos da relação vivenciada com o ex-companheiro usuários de drogas, pai de seus filhos. Para além dele, todas as relações amorosas de Martha eram discutidas no site e nos grupos de “amigas do Bolsa” no Whatsapp. Seus relatos sobre um namorado que a traiu e sobre uma relação mais atual de sucesso também iam parar no site, uma vez que, segundo ela, preferia falar sobre esses assuntos “entre as amigas do Bolsa”, evitando assim alguns “julgamentos da vizinhança” e possíveis sentimentos de vergonha frente ao coletivo de moradia.

“Me sinto à vontade para falar” e “gosto de aconselhar outras mulheres”, são dois elementos comuns às falas das amigas do Bolsa e que justificam, da parte delas, o interesse pela sociabilidade do site. Seja na plataforma ou em grupos do Whatsapp, os conselhos eram compartilhados o tempo todo e constituíam a tônica dos diálogos após alguém apresentar uma situação.

A possibilidade de aconselhar caminhava junto à de se expor e fazia parte das regras implícitas do grupo, em algum momento, apresentar alguma situação sobre a própria vida, principalmente, afetiva e, em outro, disponibilizar algum conselho para quem contava uma experiência ou vivência amorosa. O fato de não se expor costumava ser entendido, inclusive como um problema gerador de uma desconfiança e inibidor do vínculo afetivo entre as amigas.

Mais do que comportar, nos termos de Paula Sibília (2008, p. 27), “um verdadeiro festival de ‘vidas privadas’, que se oferecem despudoramente aos olhares do mundo inteiro”, aspecto que por si compõe a dinâmica conectada, a exposição, no caso das dinâmicas do Bolsa garantia a formação de laços. Em outros termos, se somos capazes de falar sobre nossos problemas conjuntamente, podemos ser amigas.

Eu mesma, apesar de minha posição explícita no grupo como pesquisadora, fui requisitada a disponibilizar algum relato íntimo de minha vida, de forma a criar maiores vínculos de confiança com as mulheres. Em diversos momentos apresentei ao grupo depoimentos a respeito de minha rotina, acerca de meus momentos de cansaço, tristeza e alegrias e, principalmente, sobre minha vida amorosa. Da mesma forma, quando não falava de mim diretamente, era convidada a opinar sobre o que estava sendo discutido.

5. Considerações finais – enredando visibilidades entre o passado e o presente

Para apontar algumas possibilidades de reflexão que a apresentação acima pode nos estimular a fazer, é importante reconhecer, de antemão, a dificuldade em conceituar privacidade, visto que seu entendimento difere entre diferentes contextos, regiões, classes sociais, países, épocas e, como mostra esse texto, a partir de relações atravessadas por questões de gênero, sexualidade, ambientes de moradia e origem. Mais do que isso, a compreensão jurídica e conceitual da privacidade pode diferir, em grande medida, das negociações em torno dela, realizadas pelos sujeitos, principalmente, quando da relação destes com as mídias digitais e redes sociais.

Se por privacidade compreendemos, nos termos do senso comum, o segredo e certa dimensão de preservação do indivíduo da interferência do coletivo, posso afirmar com convicção que ela nunca sequer flertou com o ambiente de vivências das mulheres dessa pesquisa, mesmo antes do advento da internet em suas vidas. Habitar bairros populares, com moradias compartilhadas – e cujas relações de dependência econômica pressupõem a interferência do grupo na esfera íntima, dos afetos, das relações amorosas, do sexo – evidencia que os pobres brasileiros talvez nunca tenham vivenciado o exercício da posse completa da vida íntima. E, nesse sentido, a internet acaba sendo ambiente considerado de maior privacidade que a vida off-line e desconectada para essas mulheres.

A proteção no âmbito jurídico do espaço privado é relativamente recente na história da humanidade, e pode-se dizer que surgiu somente após a consolidação dos ideais de liberdade defendidos nas revoluções burguesas. O direito à privacidade foi associado ao pressuposto do exercício das liberdades individuais, ganhando contornos, primeiramente, a partir da defesa da propriedade e, com o avanço das tecnologias digitais, passou a ser compreendida como um direito à personalidade e a intimidade.

Nesse sentido, a proteção de dados online não é meramente um direito básico entre outros, mas sim “o ponto final de um longo processo evolutivo experimentado pelo conceito de privacidade e sua definição original como o direito de ser deixado em paz, até o direito de manter o controle sobre as informações e determinar como a esfera privada deve ser construída” (Rodotá, 2008, p. 80).

Assim, as mulheres desta pesquisa participam ativamente das negociações sobre o controle das informações pessoais, considerando que, para elas, expor a própria intimidade na rede pode ser menos prejudicial do que no ambiente off-line. Na esfera online, ao contrário, elas encontram uma oportunidade para construir vínculos e obter algum nível de reconhecimento do grupo.

Assim, um debate contemporâneo sobre privacidade deve considerar não somente o fato de vivermos uma esfera pública tecno-midiatizada (Miskolci, 2021), em que as fronteiras entre público e privado estão colapsadas, mas se esforçar em entender as benesses da visibilidade mediada, a gestão da própria vida que as redes comportam e, fundamentalmente, os agenciamentos que os usos das tecnologias trazem para sujeitos historicamente subalternizados.

Tal aspecto não ignora o potencial efetivo das plataformas no recolhimento dos dados, nem mesmo a performatividade dos algoritmos (Silveira, 2019) no sentido de elicitar os sujeitos a autoexposição. Plataformas como o Bolsa, cuja caraterística, como foi dito, comporta o estímulo à exposição dos afetos, deram lugar a redes sociais mais elaboradas e individualizadas como o Instagram ou o TikTok, cuja tônica é auto exposição constante do próprio cotidiano e da vida privada, de forma a facilitar a “associação com outros atores que não conhecemos ou que conhecemos muito pouco e com os quais dificilmente teríamos a oportunidade de aprofundar laços sociais” (Recuero, 2014, p. 117).

Dessa forma, com o exposto, podemos compreender que a discussão sobre privacidade em rede pressupõe não somente a captura de dados em um contexto de capitalismo de vigilância (Zuboff, 2015) ou de plataforma (Srnicek, 2017). Da mesma maneira, não implica um determinismo tecnológico que sustenta a ideia de mão única, de sujeitos controlados pelas ferramentas tecnológicas. Trata-se de uma investigação que, ao não ignorar este debate, pode também se debruçar sobre os usos, as negociações e os agenciamentos dos sujeitos em rede.

  • 1
    É importante ressaltar que essa separação entre online e off-line surge, neste texto, como forma didática de apresentar o campo empírico da pesquisa, pois consideramos que as relações são engendradas pela tecnologia, de forma que não há um dentro ou fora, online ou off-line. Trata-se de uma tentativa de marcar o campo circunscrito geograficamente, bem como aquele que se constitui no espaço digital.
  • 2
    O Programa Nacional de Banda Larga, criado em 2010 pelo então governo federal, tinha como promessa atingir 40 milhões de domicílios conectados à rede mundial de computadores até o ano de 2014, com vistas a ampliação do acesso aos mais pobres do país. O projeto foi gerenciado pela Secretaria de Telecomunicações do Ministério das Comunicações à época e tinha como objetivo desonerar redes, terminais de acesso, assim como smartphones. Também fazia parte das intenções da proposta expandir a rede pública de fibra óptica administrada pela Telebrás e implementar a chamada banda larga popular, disponibilizando internet na velocidade de 1 Mbps ao valor de R$ 35 mensais. Os objetivos da proposta inicial não foram alcançados em sua totalidade, e em 2014 havia um abismo de mais 10 milhões de pessoas em relação à meta prevista. Na prática, a expansão da banda larga no Brasil ocorre, historicamente, de forma privada por meio dos oligopólios das operadoras de telefonia. Esse modelo de negócios das empresas se deu através do acesso à internet pelo telefone celular em pacotes de serviço.
  • 3
    O chamado MSN consistia em programa de troca de mensagens instantâneas que foi substituído, posteriormente, pelo Skype e pelas ferramentas mais atuais, vinculadas à agenda do telefone celular, como, por exemplo, o Whatsapp.
  • 4
    Todos os nomes foram trocados com vistas a manter o anonimato das interlocutoras de pesquisa.
  • 5
    Tradução minha: “Even shallow communication online, ironically, may provide the participants the feeling of a certain kind of depth and certain qualities of intimacy. The more important question is, therefore, not just what is lost but also what is gained in the way that technology alters the experience of intimacy, social nearness and distance, and personal proximity”.
  • Fonte de financiamento:
    A pesquisa foi financiada com bolsa de doutorado, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
  • Aprovação do Comitê de Ética:
    Nada a declarar.
  • Disponibilidade de Dados:
    Os dados de pesquisa estão disponíveis no corpo do artigo.

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Editado por

  • Editor:
    Alex Niche Teixeira (UFRGS, Brasil).

Disponibilidade de dados

Os dados de pesquisa estão disponíveis no corpo do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2023
  • Aceito
    23 Maio 2025
Creative Common - by 4.0
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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