Resumo
Este artigo analisa a questão do trabalho doméstico no Brasil a partir de uma perspectiva que contrapõe os avanços normativos alcançados recentemente, ao equipararem-se os direitos das trabalhadoras domésticas aos dos demais trabalhadores/as, à persistência de uma cultura de desreconhecimento e de negação de direitos. Para tanto, a análise recorre à teoria do reconhecimento conforme postulada por Axel Honneth e se apoia nos dados de uma pesquisa empírica que examinou depoimentos de trabalhadoras domésticas extraídos de uma página do Facebook, postados entre 2016 e 2022. O objetivo é demonstrar empiricamente a pertinência do conceito de desreconhecimento em suas diferentes formas, ao explorar a gramática moral do conflito social no caso concreto das vivências das trabalhadoras domésticas. A análise distingue três práticas negativas de reconhecimento – ou de desreconhecimento: a) a incapacidade de reconhecer aquilo que o sujeito considera digno de reconhecimento; b) o reconhecimento distorcido ou ideológico; c) a denegação do reconhecimento. Conclui-se que a conquista do direito normativo não é suficiente para derrubar o menosprezo moral. No cotidiano das trabalhadoras domésticas, as relações de reconhecimento institucionalizadas se desfazem, limitando o alcance do reconhecimento jurídico.
Palavras- chave trabalhadoras domésticas; progresso normativo; desreconhecimento; demarcação simbólica
Abstract
This article analyzes domestic labor in Brazil by contrasting recent legal advances that made labor rights of domestic workers equal those of the other workers with the persistent culture of derecognition and denial of rights. To this end, the analysis draws on the theory of recognition as postulated by Axel Honneth as well as on data from empirical research that examined narratives by domestic workers extracted from a Facebook page, which were posted between 2016 and 2022. The aim is to empirically demonstrate the relevance of the concept of derecognition in its different forms, by exploring the moral grammar of social conflict in the concrete case of domestic workers’ experiences. The analysis distinguishes three negative practices of recognition – or derecognition: a) the inability to recognize what the subject considers worthy of recognition; b) distorted or ideological recognition; c) the denial of recognition. It becomes clear that the achievement of normative rights does not suffice to overturn moral contempt. In the daily lives of domestic workers, institutionalized relations of recognition break down, limiting the scope of legal recognition.
Keywords domestic workers; normative progress; derecognition; symbolic demarcation
Resumen
Este artículo analiza el trabajo doméstico en Brasil contrastando los recientes avances legales, que equipararon los derechos laborales de las trabajadoras domésticas a los de los demás trabajadores, con la persistente cultura de desreconocimiento y negación de derechos. Para ello, el análisis se basa en la teoría del reconocimiento, como postulada por Axel Honneth, y en los datos de una investigación empírica que examinó las narrativas de las trabajadoras domésticas extraídas de una página de Facebook, que fueron publicadas entre 2016 y 2022. El objetivo es demostrar empíricamente la relevancia del concepto de desreconocimiento en sus diferentes formas, explorando la gramática moral del conflicto social en el caso concreto de las experiencias de las trabajadoras domésticas. El análisis distingue tres prácticas negativas de reconocimiento – o desreconocimiento: a) la incapacidad de reconocer lo que el sujeto considera digno de reconocimiento; b) el reconocimiento distorsionado o ideológico; c) la negación del reconocimiento. La conclusión es que la consecución de derechos normativos no basta para anular el desprecio moral. En la vida cotidiana de los trabajadores domésticos, las relaciones institucionalizadas de reconocimiento se deshacen, lo que limita el alcance del reconocimiento jurídico.
Palabras clave trabajadoras domésticas; progreso normativo; desreconocimiento; demarcación simbólica
Introdução
No Brasil, o trabalho doméstico tem raízes no próprio processo de colonização e escravidão, quando esse tipo de atividade era realizado predominantemente pelas negras escravas. Em grande medida, isso explica a histórica desvalorização desse tipo de atividade. Para além disso, tanto o trabalho doméstico remunerado quanto o não remunerado, em razão da divisão sexual do trabalho, foram consolidados como atividades femininas, permanecendo como realidade até os dias atuais. De acordo com o DIEESE, tendo por base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), em 2020 as mulheres representavam mais de 92% das pessoas ocupadas no trabalho doméstico, sendo que mais de 65% eram mulheres negras.
Esse grupo travou uma luta histórica para que o seu trabalho se tornasse protegido pela legislação trabalhista. Como relata Bernardino-Costa (2015, p. 155), ainda na década de 1930, Laudelina de Campos Melo funda, na cidade de Santos (SP), a Associação Profissional de Empregados Domésticos, que tinha por objetivo conquistar o status jurídico de sindicato, visando à obtenção do reconhecimento jurídico da categoria e a obtenção de direitos trabalhistas. A partir dos anos 1970, essa categoria começou a obter alguns direitos, tais como carteira de trabalho, férias, previdência social, vale transporte e direito à sindicalização. Contudo, foi somente em 2013, com a aprovação da “PEC das domésticas”,1 que esse grupo foi totalmente equiparado a outros trabalhadores, havendo o reconhecimento de sete novos direitos: adicional noturno, obrigatoriedade do recolhimento do FGTS por parte do empregador; seguro-desemprego; salário família; auxílio creche e pré-escola; seguro contra acidentes de trabalho e indenização em caso de demissão sem justa causa.2 A PEC das Trabalhadoras Domésticas significou um marco no avanço do reconhecimento formal do trabalho doméstico.
O reconhecimento jurídico obtido pelas trabalhadoras domésticas pode ser compreendido como um progresso normativo, tal como postula Honneth (2003, 2015). Nesse sentido, pode-se afirmar que ocorreu uma transformação valorativa que, em tese, deveria servir a institucionalizar novas formas de reconhecimento social. No entanto, o reconhecimento também pode guardar tantas outras dimensões negativas. Cunha de Souza (2018) argumenta que o reconhecimento é tanto um princípio normativo quanto um elemento revelador de uma subordinação a práticas arbitrárias. Assim, o autor chama a atenção para a possibilidade de ocorrer a integração de um princípio legítimo de organização da vida social na reprodução de hierarquias. Nosso objetivo é precisamente demonstrar de forma empírica a pertinência do conceito de desreconhecimento em suas diferentes formas, ao explorar a gramática moral do conflito social no caso concreto das vivências das trabalhadoras domésticas.
O paradoxo do reconhecimento/desreconhecimento é particularmente perceptível no trabalho doméstico, pois, como argumenta Brites (2007), nas relações entre patrões e empregadas domésticas acaba por se reproduzir um sistema altamente estratificado de gênero, classe e cor. De acordo com a autora, a manutenção desse sistema hierárquico na sociedade brasileira é reforçada por uma ambiguidade afetiva entre os empregadores e as trabalhadoras domésticas. Assim, se por um lado esse tipo de trabalho tem uma carga afetiva, por outro, tem igualmente uma clara demarcação entre aqueles que podem comprar os serviços domésticos e aqueles que ofertam esse tipo de trabalho. Desse modo, tem-se um processo amplo de reprodução da desigualdade (Brites, 2007, p. 94), o que coloca a questão acerca das suas possibilidades de reconhecimento.
Em julho de 2016, a rapper e professora de história, Preta Rara criou a página do Facebook “Eu empregada doméstica” (www.pretarara.com), atualmente com 163.255 seguidores, com o objetivo de desnaturalizar a condição das trabalhadoras domésticas no Brasil. A pesquisa toma por base principal os relatos de trabalhadoras domésticas postados nessa página e ainda disponíveis para visualização. Utilizou-se também como material empírico o livro publicado por Preta-Rara (2019), que reúne depoimentos que foram extraídos da página do Facebook. O objetivo visado era acessar diretamente os relatos de vivências das trabalhadoras. O material analisado nessa investigação recobre as postagens realizadas desde 2016 até 2022. Após a leitura dos relatos, procurou-se categorizá-los, a partir da discussão teórica sobre diferentes práticas de desreconhecimento.
O artigo é composto pela presente introdução, seguida por uma seção voltada à discussão do conceito de desreconhecimento em sua relação com o trabalho, enfatizando a questão do emprego doméstico. Segue-se a análise empírica voltada à demonstração das práticas cotidianas de demarcação simbólica que delimitam a relação entre trabalhadoras e empregadores e a defesa do argumento de que, apesar dos avanços na esfera jurídica, ainda se mantém o menosprezo moral no campo do trabalho doméstico, concluindo com as considerações finais.
O trabalho doméstico entre reconhecimento e desreconhecimento
O conceito de reconhecimento de Axel Honneth (2003), em um primeiro momento, é mobilizado para pensar os conflitos sociais, sendo considerado uma condição para que os indivíduos desenvolvam suas relações práticas e se autorrealizem. Já em momento posterior (Honneth, 2015), o reconhecimento é apontado como um requisito para pensar a justiça social. O desreconhecimento está associado ao desrespeito, que ocorre quando não há confirmação social de certos aspectos da personalidade dos indivíduos, o que contraria suas expectativas. Esse descontentamento é o motor das lutas por reconhecimento. Por outro lado, o desreconhecimento também pode ser pensado em sua relação com os requisitos de uma ordem social justa. Nesse caso, quando há um descompasso entre os valores gerais compartilhados e a sua aplicabilidade prática, ter-se-ia o desreconhecimento, agora no âmbito institucional. Portanto, as experiências de desreconhecimento se vinculam, ao mesmo tempo, à busca de confirmação nas relações intersubjetivas da identidade dos indivíduos, o que remeteria a uma dimensão microssocial e às tentativas de tornar factíveis os valores socialmente aceitos em diferentes esferas de ação social, o que envolve uma dimensão macrossocial.
As possibilidades de desreconhecimento no mercado de trabalho remetem a essa dupla dimensão, micro e macrossocial. No livro Luta por Reconhecimento, Honneth não inclui uma discussão específica sobre a esfera do trabalho, tal qual em O Direito da Liberdade, mas se pode recorrer a uma discussão sobre o modo de participação dos indivíduos nessa esfera social para compreender os conflitos sociais daí decorrentes. Além disso, essa esfera possui um potencial de conflito latente, imanente a situações de desigualdade sinalizadas pela diferença de poder e necessidade de demarcação simbólica.
A esfera do trabalho doméstico condensa contradições em nível simultaneamente macro e microssocial. Macrossocial pela reprodução das desigualdades através da segmentação moral e material entre trabalhos dignos e valorizados e trabalhos subalternos sem reconhecimento. Microssocial porque, na dimensão fenomenológica da experiência do cotidiano do trabalho doméstico, se observa o embate permanente decorrente das relações de poder.
As próprias características estruturais da esfera do trabalho são propícias ao desreconhecimento. Retomando Castel (1998), pode-se afirmar que a lenta promoção do salariado burguês abriu caminho para a retração do papel histórico da classe operária e, a partir dos anos 1970, a sociedade passou a ser organizada em torno da concorrência entre diferentes polos de atividades salariais. Desse modo, ao invés de luta de classes, ganham ênfase as lutas pelas colocações e classificações. Nas palavras do autor (1998, p. 466), a condição de assalariado se torna modelo privilegiado de identificação. Surge uma nova constelação salarial que se vê atribuir a função de atrativo, tendo a tarefa de puxar a dinâmica social. Domina um perfil de homem eficaz e dinâmico, liberado de arcaísmos e, ao mesmo tempo, um grande consumidor de bens de prestígio, que desfruta de férias inteligentes e viagens ao exterior. Diferentes categorias de assalariados são portadoras dessa representação positiva, como quadros médios e superiores, profissionais da saúde, entre outros. Contudo, não há homogeneização no que diz respeito à condição de assalariado. O acesso a determinadas posições salariais está ligado a um desenvolvimento de setores profissionais que exigem títulos e diplomas. As lutas pelas colocações no mercado de trabalho abrem espaço para o desreconhecimento, sendo um importante locus de promoção da diferenciação e da distinção.
Esse espaço social é atravessado pelo conflito e pela preocupação da diferenciação. Um princípio de distinção opõe e reúne os grupos sociais. Opõe e reúne, porque a distinção funciona a partir de uma dialética sutil do mesmo e do outro, da proximidade e da distância, da fascinação e da rejeição. Supõe uma dimensão transversal para os diferentes agrupamentos, a qual reúne exatamente os que se opõem e lhes permite que se comparem e se classifiquem
(Castel, 1998, p. 471).
A hierarquia moral das nossas sociedades atribui nobreza a determinados trabalhos, que resultam em reconhecimento e boa remuneração, e ausência de reconhecimento àqueles considerados como tarefas “braçais”, mal remunerados e aos quais não se atribui valor social. No caso brasileiro – e das trabalhadoras domésticas, em especial –, estaríamos diante de um verdadeiro entroncamento de ausência ou distorção de reconhecimento, pelo fato de a ocupação articular o desfavorecimento em todas as suas dimensões: gênero-raça-classe.
Em suma, se pensarmos na esfera do trabalho como central para a reprodução da vida social e se a compreendermos precedida por uma interação ética que atribui valor diferencial às ocupações, produzindo assim uma “hierarquia moral do trabalho”, poderemos então entender como estamos produzindo normativamente e eticamente padrões de injustiça social através da negação objetiva do reconhecimento do valor intrínseco de inúmeras ocupações.
(Maciel et al., 2017, p. 277).
Há, portanto, uma lógica de distinção que é inerente à sociedade salarial e que se soma à própria divisão social do trabalho, o que reforça o potencial de conflito dessa esfera social ao hierarquizar diferentes atividades, atribuindo valores diferenciados para cada tarefa executada e para cada trabalhador. O trabalho doméstico é particularmente suscetível ao desreconhecimento. Primeiro, porque é uma atividade braçal, que não exige alta escolaridade e está na base da estrutura ocupacional. De acordo com Dubet (2014), nos “trabalhos sujos”, a falta de reconhecimento é a consequência imediata da cadeia da dignidade simbólica das diversas atividades. A grande questão é que os sujeitos são identificados com o seu trabalho e, assim, acabam sendo encerrados na sua infâmia. Como explica o autor, a falta de reconhecimento deriva da escala simbólica das desigualdades, sendo sua expressão imediatamente subjetiva. Deve-se destacar que, nesse tipo de tarefa, a falta de reconhecimento não diz respeito somente ao aspecto “desprezível” do trabalho, mas está igualmente relacionada ao fato de que este trabalho simplesmente não é visto. Um segundo aspecto a ser destacado é que esse trabalho é realizado majoritariamente por mulheres negras, fazendo transparecer a importância tanto da divisão sexual quanto da divisão racial do trabalho.
Ainda em nível macrossocial, outro elemento que se relaciona com o desreconhecimento no trabalho é apontado por Honneth (2015): a desconstrução de um horizonte normativo. Tendo em vista o desenvolvimento histórico da esfera do trabalho, há um questionamento se haveria espaço e chances suficientes para obtenção de autorrespeito individual no período atual. Honneth (2014, 2015) considera que, como uma consequência de processos de desregulamentação e desprofissionalização, o próprio trabalho acabou por perder seu caráter de fonte de renda contratualmente assegurada e confiável nas áreas subalternas e menos qualificadas. Nessa perspectiva, a década de 1970 marca o início de um movimento de retrocesso ou de involução, que leva o autor a falar em um desenvolvimento errado, pois, ao invés de ampliação, há uma redução da liberdade social. Essa retração está relacionada a uma maior segmentação do mercado de trabalho que passa a contar, de um lado, com um núcleo de trabalhadores de alta qualificação e bem protegidos – e, com o passar do tempo, cada vez mais reduzido – e, de outro, um conjunto de ocupações que, em sua maioria, carecem de proteções e de autonomia. Essa não é necessariamente a realidade de desenvolvimento do mercado de trabalho brasileiro – que nunca foi realmente estruturado –, mas é inegável que, a partir dos anos 1990, intensificou-se a desestruturação dessa esfera social em nosso país.
Segundo Honneth, o problema crucial é que, com essas transformações, o potencial normativo do mercado de trabalho, e mesmo de algumas esferas sociais contingentes a ele, começa a desaparecer. Ainda segundo o autor, em consequência do desbloqueio dos interesses empresariais de lucro, do entrelaçamento internacional de empresas e das estratégias de produção transnacional, o estatuto normativo dos assalariados começa a ruir de tal forma que existe uma perda real dos logros obtidos até o momento. Sustenta, pois, que se impõe culturalmente uma interpretação do mercado capitalista, segundo a qual esse constitui não uma esfera social, mas uma esfera de liberdade individual, no sentido de que cada um é responsável pelo seu destino.
Diante desse quadro, o reconhecimento jurídico obtido pelas trabalhadoras domésticas pode ser considerado a priori como um progresso normativo (Honneth, 2003, 2015), haja vista a obtenção de direitos institucionalizados cujo sentido esperado seria o de uma transformação valorativa capaz de estabelecer novas formas de reconhecimento social. No entanto, o processo de reconhecimento mostra-se bastante complexo, ao engendrar ou guardar, simultaneamente, formas de reconhecimento negativo. Cunha de Souza (2018) mobiliza o conceito de desreconhecimento, como veremos, para apontar que formas de subordinação e hierarquização coexistem com formas de reconhecimento.
Se a PEC das Trabalhadoras Domésticas logrou oferecer a institucionalização da igualdade normativa das sociedades modernas preconizadas por Honneth, nosso objetivo aqui é investigar a luta por reconhecimento que permanece ativa nos conflitos entre agentes e posições sociais, mais especificamente entre trabalhadora doméstica e empregador. A partir da investigação empírica dessa relação, em termos analíticos será possível explorar as lutas em torno do valor e a contribuição social do trabalho doméstico remunerado. O trabalho nas sociedades modernas deve ser pensado simultaneamente como constituição das identidades e como elemento do laço social das sociedades humanas. Mesmo alçadas ao reconhecimento na esfera do Direito, nos níveis sociológico e fenomenológico, a luta por reconhecimento perdura e esta luta traduz diferenças de poder, desigualdade e demarcação simbólica de hierarquias. Nesse sentido, acompanhamos o propósito de Cunha de Souza (2018) que, a partir de Cillian McBride, enfatiza a dimensão fenomenológica do reconhecimento a fim de realizar a análise sociológica das disputas cotidianas por reconhecimento e das relações de poder que estruturam as sociedades modernas. Assim, indo “além” de Honneth, uma realidade de desrespeito é uma arena de conflitos e, mais que ignorar expectativas, constrói ativamente o não reconhecimento (Cunha de Souza, 2018).
No âmbito das relações intersubjetivas a que estão submetidas as trabalhadoras domésticas, as relações de reconhecimento aparecem no cerne das disputas do poder social – estabelecendo hierarquias – e naquilo que Cunha de Souza (2018) chama de desreconhecimento, indo no sentido oposto à institucionalização de pressupostos normativos evocados por Honneth. Ou seja, o conceito de reconhecimento pode servir não somente ao progresso moral preconizado por Honneth, mas também deve ser capaz de explicar situações concretas em que se dá o oposto: situações de desreconhecimento com potencial regressivo e não emancipatório. Se o acesso a direitos é nitidamente emancipatório, o mesmo não se pode dizer da vivência das trabalhadoras domésticas no exercício de seu trabalho. O reconhecimento na esfera do direito não pode significar o descompromisso com tudo o mais que implica a vida no trabalho, guardando um reconhecimento negativo nas demais esferas. Ao invés de se pensar em uma arena emancipatória, faz-se necessário pensar em uma arena de conflito e demarcação simbólica. A hierarquia e a desigualdade são preservadas. A vida social é constituída de uma comunidade de valores comuns, onde também se estabelecem hierarquias internas. O reconhecimento negativo rejeita ou desconhece o valor de cada pessoa e serve de alimento à desigualdade. Eis porque o emprego doméstico guarda em si o jogo entre as dimensões micro e macrossocial, ao revelar a vivência da desigualdade social.
É preciso sublinhar que o modelo honnethiano é pensado para uma sociedade europeia e de maior bem-estar social e, dado que as lutas por reconhecimento têm como base estruturas normativas historicamente desenvolvidas, é preciso levar em conta a variedade de estruturas normativas de diferentes países (Kontos, 2017). Não se deve esquecer que o Brasil manteve a escravidão até muito tarde e foi um dos últimos países a aboli-la. Até 1888, o trabalho era feito por escravos e estava fora de questão que pessoas de “qualidade” pudessem trabalhar com suas próprias mãos. Na nossa sociedade, portanto, ainda existe um ostracismo real em relação a qualquer atividade que possa ser reminiscente desse tipo de trabalho. A escravidão marcou profundamente o valor social do trabalho manual e o preconceito contra homens e mulheres negros sobreviveu.
Se, tal qual Honneth (2008), o trabalho é aqui entendido como meio por excelência de inserção social nesta sociedade, é preciso assinalar ainda sua dimensão moral. Opondo-se à perspectiva funcionalista do mercado capitalista do trabalho, na qual o trabalho é meio por excelência do incremento da eficiência econômica, o autor sustenta a perspectiva do trabalho como meio de integração social. Assim, fica claro que o funcionamento do mercado de trabalho depende do cumprimento de promessas morais, seguindo o conceito de moral explicitado por Maciel (2006, p. 319),
É fundamental que fique claro aqui o que estou chamando de moral. Trata-se de uma concepção desenvolvida na obra tayloriana enquanto um pano de fundo valorativo que estabelece os bens imateriais e as noções do que é bom e do que é mau, e consequentemente, do que é uma boa vida que deve ser valorizada por todos, o que pode gerar distinções e hierarquias quando percebemos que algumas pessoas se aproximam mais destes bens ou destas concepções do que outras, fazendo com que sutilmente pareçam superiores. A moralidade é, assim, um elemento estruturante e normativo fundamental para qualquer sociedade.
A perspectiva da integração social dos mercados de trabalho capitalistas contemporâneos (Honneth, 2008) se evidencia na constatação da experiência de sofrimento e de lutas que vivenciam os trabalhadores de maneira geral e, no nosso caso, as trabalhadoras domésticas. O que significa afirmar que as condições morais são imanentes ao trabalho, sendo o mercado de trabalho regido por princípios morais. Situações de desrespeito tais quais são vividas e relatadas pelas trabalhadoras domésticas, revelam a desumanização das trabalhadoras e a estrutura hierárquica e desigual da sociedade brasileira.
A partir da noção de desreconhecimento, nos afastamos da constituição normativa de uma teia de relações intersubjetivas de reconhecimento e reciprocidade, para explorar e demonstrar uma teia de luta por poder nas relações interpessoais, através da institucionalização de práticas de demarcação das hierarquias e das diferenças (MCBride apud Cunha de Souza, 2018), na contramão da institucionalização normativa de justiça social assumida por Honneth (2003). Assim, para fins analíticos e metodológicos, apoiando-nos em Cunha de Souza (2018), nos distanciamos da reconstrução normativa d’O Direito da Liberdade (Honneth, 2015) e aproximamo-nos de Luta por Reconhecimento (2003) ao analisar o conflito – em nível sociológico e fenomenológico – por “autoridade normativa para suas respectivas posições sociais” (Cunha de Souza, 2018, p.297) no campo do trabalho doméstico. É preciso sublinhar, no entanto, que a perspectiva da justiça social (Honneth, 2015), em nível macro, permanece como enquadramento analítico, haja vista a importância que a estrutura desigual da sociedade brasileira possui quando nos debruçamos sobre o trabalho doméstico.
A existência de uma segurança jurídica oferecida pela PEC das Trabalhadoras Domésticas teria criado expectativas de uma situação de justiça em uma relação de trabalho historicamente explorada e moralmente desvalorizada. Mas a arena de conflitos perdura, como veremos nos depoimentos recolhidos, revelando que não há somente uma frustração de expectativas em relação à formalização da ocupação, mas há também tanto o desrespeito à legislação, quanto uma constante recorrência ao não reconhecimento ao alentar a demarcação simbólica que sublinha e afirma diferenças de hierarquia. O campo de trabalho das trabalhadoras domésticas é uma arena de conflitos, na qual hierarquia e disputa de poder se revelam na dimensão concreta e cotidiana do trabalho.
Seguindo a proposta de Cunha de Souza (2018) trata-se, aqui, de articular a relação entre formas negativas de reconhecimento e práticas de demarcação simbólica. Ao demonstrar empiricamente as práticas e discursos mobilizados no ato de “desreconhecer” o valor do trabalho doméstico e a humanidade das trabalhadoras, nosso argumento seria de que, apesar da PEC que concedeu reconhecimento legal, a dimensão moral do reconhecimento não se verifica. Verdade é que o reconhecimento é exigente e impossível de se satisfazer plenamente, pois nenhuma organização do trabalho e nenhuma sociedade pode se curvar ao reconhecimento de todas as singularidades (Dubet, 2014). Segundo o autor, as questões de reconhecimento são, simultaneamente, essenciais para os sujeitos e derrisórias para os outros; não só isso, elas também possuem uma natureza simbólica, inesgotável por si só e que não pode jamais se realizar plenamente. No entanto, sempre permanecerão como busca e luta, muito embora não se trate só de sua ausência, mas do quanto as questões de reconhecimento criam e recriam hierarquias e desigualdades.
O desreconhecimento não é apenas falta de reconhecimento ou distorção, mas desempenha também um papel ativo na construção de hierarquias e na sua permanência. À trabalhadora e ao emprego doméstico é outorgado o não lugar social e a invisibilidade. Ora, a configuração valorativa do trabalho produz hierarquias, pois em cada configuração social as atividades são classificadas segundo uma hierarquia de valores que lhe é própria. O que significa que o reconhecimento pessoal, a dignidade e a autoestima dependem da contribuição e da utilidade do trabalho de cada um. Trabalhadoras domésticas mostram seu valor na esfera privada de seus empregadores, sendo seu reconhecimento social remetido ao complexo jogo público-privado, oscilando entre a contribuição de seu trabalho e a metáfora do “membro da família” – embaralhando trabalho e relações afetivas no seio da família empregadora. As trabalhadoras domésticas, assim, se veem diante da necessidade de levar, das esferas intersubjetivas vivenciadas no espaço doméstico e privado do trabalho, a demanda por reconhecimento de seus pares nas esferas institucionais da ação coletiva.
O trabalho doméstico remunerado, pois, traz consigo o paradoxo público-privado, ao ser exercido na articulação entre uma normatividade universal e uma normatividade particular. Sua inserção legal encontra-se no público, mas a realização do trabalho mesmo dá-se na esfera privada do empregador. A desigualdade se realiza simultaneamente na esfera pública e na privada. Em nível intersubjetivo, outras dimensões das relações hierárquicas se revelam: é preciso moralmente marcar a diferença de a quem pertence o privado. As demarcações simbólicas exercem importante papel no desreconhecimento moral do trabalho doméstico. Como bem argumenta Schneider (2016), para acolher as reivindicações por dignidade, elaboradas pelas trabalhadoras domésticas no decorrer de mais de 80 anos de luta no país, e afirmada na própria Constituição Federal, seria preciso ir além do campo dos direitos “plenos”, e, sim, explorar o que toca à moral, à estrutura valorativa do trabalho doméstico, bem como à possibilidade de participação das trabalhadoras em igual valor político que outras categorias trabalhistas. Assim sendo, a dignidade, tão reivindicada pela categoria, parece-nos demandar não somente a via jurídica, mas sim uma mudança na estrutura de valores morais e políticos da divisão social do trabalho.
O reconhecimento formal aparece socialmente como dom, sem de fato se constituir como direito a ter direito. A segurança legal opera como uma concessão, o que acaba por reforçar hierarquias já estabelecidas. O desreconhecimento é resultado da naturalização das desigualdades.
Na medida em que as hostilidades são substituídas pelo favor, a reciprocidade é substituída por uma forma de prestação de contas que preserva as hierarquias e as estratificações, de modo que as relações de reconhecimento funcionam antes como uma forma de legitimação destas hierarquias
(Cunha de Souza, 2018, p. 312).
O conceito de desreconhecimento é compreendido como um modelo de ação, tal qual na animosidade dirigida a grupos e não como legitimação normativa. Cunha de Souza alerta que, nesse modelo de agência social (segundo McBride), as representações e disputas cotidianas têm tanta importância quanto as “normas implícitas de legitimação das esferas de sociabilidade”, articulando, assim, formas negativas de reconhecimento e práticas de demarcação simbólica que se expressam através do exercício de privilégios e posições de poder, conforme pretendemos demonstrar aqui.
Na seção seguinte, serão analisadas e classificadas as diferentes formas de reconhecimento negativo ou desreconhecimento vivenciadas pelas empregadas domésticas.
As práticas cotidianas de desreconhecimento no trabalho doméstico
As práticas de desreconhecimento encontram-se imbricadas no cotidiano das trabalhadoras domésticas e podem assumir diferentes formas. Elas revelam processos de demarcação simbólica que se tornam possíveis em razão dos diferenciais de poder existentes entre essas trabalhadoras e os seus empregadores. Como já apontado pela literatura, trata-se de uma atividade que reflete as estratificações de gênero, classe e raça existentes na sociedade, pois é uma atividade realizada majoritariamente por mulheres negras oriundas de classes de baixa renda (Brites, 2007; Angelin; Truzzi, 2015, Gorbán, 2013). O desreconhecimento que se apresenta no trabalho doméstico demonstra, precisamente, o lado negativo da luta cotidiana que essas mulheres travam para serem consideradas parceiras iguais de interação nas relações de reconhecimento recíproco. A aprovação da PEC, em 2013, é um importante avanço, mas é preciso salientar que a luta das trabalhadoras domésticas não se resume apenas a reivindicações trabalhistas, envolvendo também demandas por dignidade e respeito. Desse modo, modificações nas relações de trabalho desse grupo dependem de profundas mudanças valorativas, que possibilitem institucionalizar novas formas de reconhecimento social. O reconhecimento pela lei cria um espaço de normas de legitimação de uma esfera de sociabilidade, mas vivências e disputas cotidianas – a natureza do trabalho doméstico, contratação do trabalho doméstico, vivência do dia a dia do trabalho doméstico – podem marcar relações de desreconhecimento e marcação simbólica que revelam a desvalorização desse tipo de atividade e das pessoas que a executam. O desreconhecimento como princípio organiza normativamente práticas concretas.
Nesta etapa do artigo, procuramos demonstrar empiricamente como se dão as práticas de desreconhecimento no trabalho doméstico. Do ponto de vista analítico, e seguindo Cunha de Souza (2018), procuramos distinguir três práticas negativas de reconhecimento – ou de desreconhecimento – a saber: a) a incapacidade de reconhecer aquilo que o sujeito considera digno de reconhecimento; b) o reconhecimento distorcido ou ideológico; c) a denegação do reconhecimento. Esta separação cumpre o papel de definir sociologicamente se as intenções da prática são emancipatórias ou regressivas. Assim, seria possível identificar em que medida as práticas de reconhecimento negativo são expressão da negação do reconhecimento e da demarcação simbólica de poder, privilégios e hierarquização. Nossa hipótese é que, no caso brasileiro, o emprego e as trabalhadoras domésticas condensam as três dimensões do (des)reconhecimento: o desrespeito relativo aos direitos conquistados; o desrespeito nas relações primárias, isto é, nas relações que estabelecem com a família empregadora; e, o desrespeito à contribuição e ao valor do trabalho, além daquele que se direciona à própria figura da trabalhadora doméstica.
A primeira categoria refere-se à incapacidade de reconhecer aquilo que o sujeito considera digno de reconhecimento, o que em nossa pesquisa nos permite pensar de modo mais direto nas expectativas que foram criadas a partir da aprovação da PEC. Essa medida, além de poder ser vista como uma forma de reparação histórica, criou um horizonte normativo que abriu possibilidades concretas de mudanças no que se refere, sobretudo, às relações trabalhistas. Diante disso, analisamos a persistência do desrespeito à legislação trabalhista como um indicador de desreconhecimento. É preciso mencionar que mesmo antes da PEC, a observância aos direitos trabalhistas existentes já apresentava ambiguidades. Fraga e Monticelli (2021) argumentam que nos anos 1990 e 2000 ocorreram dois processos simultâneos: a formalização e a “diarização”. As mensalistas com carteira assinada passaram de 15% em 1992, para 22% em 2008; no mesmo período, houve um aumento de 10 pontos percentuais entre as diaristas. Essa mesma tendência se manteve entre os anos de 2011 e 2015. Já na passagem de 2016 para 2017, houve uma diminuição na proporção de trabalhadoras domésticas mensalistas de 75,5% para 71,4%, o que indica que apenas uma pequena parcela dos empregadores, após conhecer o teor da PEC, decidiu migrar para os serviços de diaristas. Esses dados indicam que, apesar de haver uma tendência de formalização, ela ocorre de modo simultâneo com o processo de diarização que tende a ser mais intenso. Também é importante pontuar que a migração para os serviços de diaristas, ainda que pequena, é um modo de os empregadores se esquivarem dos direitos trabalhistas, lembrando que eles próprios sofrem um processo de desformalização que atinge, há décadas, o mercado de trabalho da classe média, sendo ela a potencial empregadora das trabalhadoras domésticas.
Fraga e Monticelli destacam que a PEC favoreceu a formalização; no entanto, a ocupação continua sendo realizada majoritariamente sem vínculos formais, seja através da contratação da trabalhadora doméstica sem carteira assinada ou por meio da contratação de diaristas.3 Por outro lado, o processo de diarização vem se desenvolvendo há longa data, existindo um argumento de que ele está relacionado a uma suposta modernidade dos empregadores, que estariam rompendo com características ditas escravocratas e, ao mesmo tempo, procurando tornar mais impessoal a relação entre contratante e contratada. Para os autores, o trabalho das diaristas permanece em um espaço liminar, onde o entrelaçamento de exploração, profissionalização, barganhas e informalidades acaba por construir uma realidade que avança na redução das práticas e bases culturais servis, mas nem por isso garante uma emancipação em termos de direitos. Essa modalidade de trabalho na maioria das vezes escapa ao alcance da PEC, pois só é considerado trabalho doméstico aquele realizado mais de dois dias por semana no mesmo domicílio.
Em termos legais, pode-se falar em efeitos positivos e negativos. Fraga e Monticelli (2021) ressaltam que, a Lei Complementar 150/2015 que regulamentou a PEC, acabou por proteger uma parte da classe média que já vinha optando pelos serviços domésticos parciais. Isso prejudica, principalmente, as diaristas, pois essas permanecem na informalidade. Quanto aos efeitos positivos, além da evidente ampliação e consciência dos direitos, os autores apontam a diminuição da carga horária de trabalho das trabalhadoras domésticas mensalistas, mesmo aquelas que não possuem a carteira de trabalho assinada. Também houve aumento de trabalhadoras domésticas remuneradas que contribuem para a previdência, incluindo as diaristas. Já Lima e Prates (2019) destacam que a PEC procura romper com a lógica naturalizada do abuso, o qual não costuma provocar qualquer tipo de constrangimento aos empregadores. Os autores pontuam que a PEC afetou dois aspectos cruciais da subordinação imposta às trabalhadoras domésticas: a regulação da hora extra e do trabalho noturno.
A grande questão é que, apesar da PEC, as relações abusivas ainda permanecem e o desrespeito à legislação se mantém. Vejamos um exemplo:
Minha tia trabalha de doméstica numa casa há mais de 30 anos. Ela sempre morou lá e voltava para passar os fins de semana em casa. Minha tia ajudou a criar os filhos e o neto. O patrão morreu há alguns anos. Há pelo menos uns 5 anos, minha tia não recebe salário... Nada! Nenhum salário! Nenhuma ajuda de custo! [...] Minha tia já é uma senhora de quase 70 anos. Ama seus patrões como sua família e eles se aproveitam disso. Conseguimos convencer ela de sair do trabalho. Ela saiu, passou o dia inteiro chorando e no dia seguinte, voltou para a casa da patroa
(Relato de 26 de junho de 2017, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).4
Esse relato revela que a PEC pode não ter necessariamente impacto sobre relações já há tempos estabelecidas. O vínculo afetivo que se estabeleceu entre a funcionária e a família acaba servindo como uma forma de viabilizar a exploração. O consentimento dessa trabalhadora traz à tona algo já apontado por Brites (2007), que é a convivência entre afeto, controle e poder no trabalho doméstico.
O relato a seguir foi postado por uma pessoa que visitou a casa de uma senhora acamada que mora com a filha. Ele demonstra que na visão de alguns empregadores, contratar uma trabalhadora doméstica é um modo de fazer caridade, o que os isenta de cumprir com direitos trabalhistas:
Vi e ouvi uma situação muito triste. Uma moça em condição de extrema pobreza sendo descaradamente humilhada, ameaçada e escravizada. Trabalha o dia todo: é faxineira, manicure, massagista, cuidadora de idosos, cozinheira, enfermeira, lavadeira, fisioterapeuta, jardineira e é obrigada a fazer todas as vontades da patroa. Não recebe salário porque o salário é casa e comida (restos e uma cama)
(Preta-Rara, 2019, p. 41).
O desrespeito à legislação trabalhista também ocorre quando a trabalhadora doméstica precisa se ausentar. Há vários relatos na página em que as pessoas se queixam de terem sido demitidas após terem ficado doentes ou terem tido necessidade de acompanhar familiares doentes, principalmente filhos. O relato a seguir demonstra que a apresentação do atestado médico não foi suficiente para impedir a demissão de uma trabalhadora doméstica que ficou hospitalizada por três dias.
Hoje minha patroa me informou que não vai pagar esses dias e quem tem que pagar é o INSS, lembrando que são quatro dias. Ela me mandou embora hoje. Eles estão dentro da lei?
(Relato de 5 de abril de 2018, https://www.facebook.com/euempregadadomestica)
O fato de as relações entre patrões e trabalhadoras se desenvolverem no ambiente doméstico facilita que os primeiros exerçam seu poder de forma arbitrária. A trabalhadora conhece os seus direitos, mas parece impotente para reivindicá-los. Deve-se ressaltar que demandas de observância da legislação também podem ser motivos de demissão. O trecho de um relato a seguir traz essa denúncia:
Comecei a cursar pedagogia e minhas atividades começaram a “atrapalhar” minha profissão. Sempre fiquei até mais tarde, mas por causa das aulas comecei a sair no horário de início combinado (17:30) e pedi para não trabalhar mais aos sábados, já que minha jornada na sexta feira já completava 45hrs. A patroa relutou, mas sem alternativa aceitou e um mês depois fui demitida... Eu não servia mais
(Relato de 1 de setembro de 2017, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
Também nessa categoria, pode-se incluir os casos em que há um excesso de demandas às trabalhadoras domésticas e, sobretudo, às diaristas. Um dos problemas no trabalho doméstico é que trabalhadoras e empregadores “combinam” as tarefas que devem ser executadas, geralmente, sem qualquer fiscalização legal. Isso não apenas escapa à legislação, mas também facilita as relações abusivas. Um dos relatos que encontramos na página do Facebook é de uma diarista que reclama da sobrecarga do trabalho e do tratamento humilhante que recebe:
Neste ano conheci “minhas clientes” como costumo chamar, vou em 4 casas durante a semana. Todas me tratam super bem, só que há alguns meses uma cliente vem tendo comportamento estranho comigo. Lá eu vou 2 vezes por semana: lavo, passo e arrumo. Só que ela sempre me pedia pra fazer o almoço, eu fazia não achava nada demais, só que como a casa é muito grande acabava por prejudicar os outros serviços. Há alguns dias atrás, ela chegou nervosa foi pra cozinha, eu tinha feito a comida como de costume, e simplesmente começou a gritar que ia jogar a comida no lixo e que queria almoçar fora. Fiquei em choque, corri pro fundo e fui chorar pois me senti humilhada e não ganhava nada a mais pra fazer o almoço. Daí em diante as coisas começaram a piorar. O filhinho dela de 19 anos passou a gritar comigo, deixa todo papel higiênico usado no chão e faz uma bagunça inimaginável no quarto dele.
(Relato de 26 de maio de 2017, https://www.facebook.com/euempregadadomestica)
O relato a seguir também diz respeito à sobrecarga de trabalho:
Meu nome é J. tenho 26 anos e sou empregada doméstica. Estou atualmente trabalhando há quase um ano. Meu trabalho é um pouco sufocante, são exigências demais e a maioria das empregadas não param lá [...]. Minha patroa às vezes me leva para limpar casa de parentes. Ela tem uma loja, me leva também; e tem uma roça e me leva também para limpar lá e até dormir [...], sem me dar nada a mais no meu salário
(Relato de 8 de maio de 2018, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
A superexploração no trabalho doméstico é um problema central para as mulheres que desempenham essa atividade. Isso as torna bastante suscetíveis a situações de estresse e cansaço excessivo.
Há também os anúncios abusivos que são veiculados na página,5 podendo-se citar, por exemplo, aqueles que combinam baixos salários com excesso de tarefas:
Procuro alguém que queira trabalhar que cozinhe bem. Pago R$400 reais mais R$20,00 de bônus para lavar algumas roupas delicadas nas mãos outras na máquina, passar todas as roupas, limpar a casa, deixar sem nenhuma poeira, fazer comida almoço, deixar a janta pronta. Fazer faxina bem feita, cuidar de dois cães, dar banho neles três vezes por semana, limpar sujeira deles. Limpar vidraças com álcool, não deixar nenhuma mancha, lavar os três banheiros três vezes por semana, limpar com produto os guarda-roupas todos os dias e arrastar. Cuidar de duas crianças, levar à escola e buscar
(Postagem de 15 de janeiro de 2019, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
O comentário presente no Facebook é outro exemplo que pode ser trazido:
[...] a pessoa estava procurando uma babá para trabalhar de segunda a sexta, 7 horas por dia, 2 crianças, sendo 1 bebê, oferecia a fortuna de R$500,00/mês, sem registro e sem VT
(Postagem de 24 de outubro de 2020, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
A proximidade entre a doméstica e a escrava é algo que pode ser evocado para explicar os anúncios abusivos. Afinal de contas, como já apontado por Gonzalez (1984), há uma relação de continuidade entre a mucama e a doméstica, sendo essa última a mucama permitida, a prestadora de bens e serviços, ou seja, a burra de carga que carrega sua família e a dos outros nas costas. De modo semelhante, Nascimento (2006) considera que uma das formas de perceber a herança escravocrata está na ocupação das mulheres negras no pós-abolição. Em nossa pesquisa, destaca-se inclusive que um dos anúncios abusivos postados na página faz renascer a figura da “ama de leite”:
Procuro babá que tenha sido mãe recentemente. [...]
Cuidar de um recém-nascido, todos os afazeres referentes ao bebê e não se incomodar em amamentá-lo também (com seu próprio leite).
Remuneração: R$1.200,00
(Anúncio postado em 12 de julho de 2022, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
Os relatos apresentados nessa categoria demonstram que a luta por direitos é algo constante. A afirmação de determinados direitos é apenas uma etapa, pois como explica Paiva (2018), na perspectiva de Honneth, a cada nova fase de afirmação jurídica do Direito, emergem novas lutas para ser membro da comunidade de valores e, além disso, há várias formas de desrespeito quando o status de uma pessoa de direito se restringe ao plano formal. Outro ponto importante é que, tal como assinala Cardoso de Oliveira (2002), seguindo a discussão de Roberto DaMatta, os brasileiros valorizam muito mais as expressões de consideração à pessoa de seus interlocutores, do que o respeito aos direitos do cidadão genérico. Além das dificuldades que isso provoca para a efetivação do respeito aos direitos do indivíduo, isso acaba funcionando muitas vezes como um filtro para negar direitos básicos às pessoas que, à primeira vista, não parecem merecê-los. O autor destaca que qualquer um pode exigir um tratamento com consideração, mas o êxito na obtenção do tratamento desejado vai depender tanto da habilidade quanto da oportunidade para transmitir o que ele chama de referência substantiva à sua característica de pessoa moral, ou uma identidade valorizável, que funcionaria como um índice de dignidade. Quando o ator não obtém sucesso, fica sujeito não apenas ao tratamento com desconsideração, mas, sobretudo, ao desrespeito de seus direitos básicos de cidadania.
Se a primeira categoria, a saber, incapacidade de reconhecer aquilo que os sujeitos consideram digno de reconhecimento, revela as dificuldades para a implementação dos novos direitos adquiridos, as duas categorias seguintes, que serão apresentadas, mostram situações de desreconhecimento que estão fora do alcance da PEC, pois não há necessariamente previsão legal para evitá-las. A nosso ver, tais práticas de desreconhecimento revelam que apesar da aprovação da PEC, o progresso moral no trabalho doméstico é bastante limitado. A segunda categoria analítica envolve a atribuição de reconhecimento distorcido ou ideológico. Em termos práticos, essa forma de desreconhecimento se manifesta quando fica flagrante que a ideia da doméstica como membro da família é facilmente desmentida por momentos de demarcação de diferenças e estabelecimento de distinções. Esse processo está diretamente relacionado a questões de classe social. Angelin e Truzzi (2015), que analisaram a relação entre trabalhadoras domésticas adolescentes e suas patroas, constataram que quando patroas e trabalhadoras estão em situação de classe semelhante, as relações entre ambas tendem a ser mais harmoniosas e calcadas em vínculos mais afetivos; já quando as adolescentes trabalham para patroas das classes médias e altas, os relacionamentos tendem a ser mais conflituosos, sendo calcados em vínculos formais. Assim, no primeiro caso, em que as adolescentes eram vizinhas das patroas e possuíam vínculos de amizade e afeto, havia confiança mútua e o trabalho não ficava estressante. Além disso, as meninas ficavam sozinhas na casa, não recebiam reclamações duras e não relatavam situações de acusação ou de humilhação. Por outro lado, as regras legais de trabalho tendiam a ser menos observadas, havendo remuneração inferior ao salário-mínimo e carga horária acima do estabelecido em lei. Nos lares das classes médias e altas, o relacionamento se desenvolvia de modo bastante formal, sendo bem definidos os limites e os papéis de cada lado da relação, sendo relações marcadas por tensões, conflitos e humilhações.
A ideia de distinção pode ser bem apreendida pelo relato de uma pessoa que trabalhou por dez anos como empregada doméstica e demonstra que há uma “regra de etiqueta” que precisa ser seguida na casa dos patrões.
Nunca ninguém me “ensinou” como se comportar na casa dos patrões, mas eu já sabia...nasci sabendo. Sabia o que podia ou não comer, sabia onde podia ou não me sentar, sabia bem qual era o meu lugar. [...] Vivi uma espécie de “apartheid”, tinha o pão dos patrões e o pão da empregada, o papel higiênico do patrão e o papel higiênico da empregada e por aí vai [...]. Mas eu sabia o meu lugar, sempre soube. Sabia exatamente o que comer, onde sentar, pra onde olhar
(Relato de 1 de setembro de 2017, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
O relato acima toca em um elemento central no processo de distinção: a separação da comida. Tanto na página do Facebook quanto no livro da Preta Rara, há uma enormidade de reclamações sobre a separação de comida e a oferta insuficiente de alimentos que os patrões fazem às trabalhadoras domésticas, sem contar as queixas sobre receber restos de comida ou comida estragada. Vejamos alguns exemplos.
O relato a seguir é do filho de uma empregada doméstica:
[...] uma vez ela comeu um chocolate e no dia seguinte ele [o patrão] deixou um bilhetinho, pedindo que ela não comesse nada de lá, que levasse sua própria comida
(Preta-Rara, 2019, p. 76).
Podemos citar outros dois exemplos de separação de comida:
[...] Um dia, na hora do jantar, usei um pouco de pimenta do reino dela para colocar no meu prato. A mulher fez um escândalo, disse que aquilo era muito caro, que aquelas comidas eram dela e da família dela. Não era para eu usar na comida da empregada – onde já se viu? [...]
(Preta-Rara, 2019, p. 75).
Você vai comer a mesma comida que a gente, só não coma doces porque o fulano (marido) é uma formiga. Também não tome leite e refrigerantes porque é light e é muito caro. Também balsâmico, castanhas, saladas, frutas, coisas desse gênero porque esses itens eu já compro na quantidade certa para mim e o marido mensalmente
(Preta-Rara, 2019, p. 130).
Já o relato seguinte é sobre o oferecimento de sobras de comida. Ele foi postado pela filha de uma diarista:
Minha mãe limpava a área da piscina enquanto ouvia o filho mais velho da patroa pedindo que a mãe não fizesse algo, quando minha mãe olhou em direção à cozinha, a patroa estava juntando os restos de comida de toda a família em um prato e o filho implorava para que ela não fizesse aquilo. A patroa chamou minha mãe para almoçar e serviu aquele prato de restos a ela
(Preta-Rara, 2019, p. 103).
Esse mesmo relato termina com a informação de que a trabalhadora disse à patroa que não era cachorro para comer restos de comida.
Pode-se mencionar ainda os casos que envolvem comida estragada ou vencida:
Não gostaria de me identificar, mas lembrei de um caso quando estava na casa da minha sogra. Meu filho foi pegar um iogurte para comer, quando abriu estava mofado e joguei fora, já tinha passado da validade há uns 4 meses. Quando eu falei pra jogar os outros fora, ela disse que não, que a moça que limpa lá não liga pra isso, e estava guardando para ela. Achei tão desumano
(Relato de 22 julho de 2016, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
As trabalhadoras também relatam situações em que passaram fome. O exemplo a seguir refere-se a um dia de trabalho prestado para um homem solteiro:
Nesse dia fiquei lá umas 12h sem comer nada, essas foram as ordens, mesmo com algumas coisas na geladeira há tempo, pois ele nunca ia lá.
(Preta-Rara, 2019, p. 93).
Gorbán (2013) argumenta que os processos de distinção entre as classes sociais não se dão exclusivamente no trabalho doméstico, mas nesse setor eles tomam características mais marcadas devido à proximidade entre classes sociais polares. A autora entrevistou empregadores e trabalhadoras domésticas para compreender os processos de hierarquização e categorização que se produzem na interação entre ambos. O objeto de estudo foi precisamente a comida. Os empregadores trataram de negar que estabelecessem algum tipo de controle sobre a comida em suas residências, afirmando que suas empregadas tinham acesso à toda alimentação disponível na casa. Por outro lado, eles revelavam que tinham um gosto sofisticado, em contraposição às trabalhadoras domésticas. A partir daí surge o entendimento de que a comida serve como um marcador de diferença, isto é, como uma forma de classificar o outro, que conduz a uma naturalização da ignorância como algo próprio de determinados setores sociais. Esses setores não apenas seriam ignorantes por natureza, mas também portadores de um conjunto de atributos físicos – destacando-se os traços raciais e étnicos – e sociais que assinalam o seu grau de respeitabilidade social. Os relatos das trabalhadoras entrevistadas por Gorbán assemelham-se ao que encontramos em nossa pesquisa, o que nos leva a concordar com a afirmação da autora quando esta argumenta que proibindo as trabalhadoras de comer a comida que comem todos, oferecendo uma comida distinta ou sobras de comida, comida de menor custo e menor qualidade, reforça-se o lugar de inferioridade da trabalhadora em relação à superioridade do empregador. Afinal de contas, sublinha Gorbán, permitir que a trabalhadora doméstica participe das refeições familiares representa de algum modo uma forma de inclusão simbólica e a diminuição das distâncias.
Ainda que a comida seja um dos elementos mais importantes para marcar a distinção, há também relatos mais explícitos de discriminação por classe:
Sou doméstica em uma casa há três anos e quando fiquei grávida, minha patroa disse que era burrice, pois pobre não tinha que ter filhos
(Preta-Rara, 2019, p. 111).
Outro exemplo é de uma trabalhadora doméstica que atuava na casa de um médico e de uma advogada:
Uma vez estava limpando a estante repleta de livros e comecei a admirar a coleção de livros médicos que estavam ali. Ele se aproximou e perguntou se eu gostava, falei que sim, que meu sonho era ser médica como ele um dia. Ele riu e me falou que eu teria que largar a faxina e fazer muito programa pra conseguir ser pelo menos técnica em enfermagem
(Relato de 23 abril de 2019. https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
Angelin e Truzzi (2015) falam ainda do medo e da desconfiança que a patroa muitas vezes manifesta em relação à trabalhadora doméstica. Em grande medida, esse indicador de desreconhecimento tem a ver com a imagem construída do pobre como elemento perigoso e desonesto e com o não reconhecimento da trabalhadora doméstica como alguém digno de confiança. Esse elemento já é uma marca nesse ramo de atividade, pois, na maior parte das vezes, as trabalhadoras conseguem se inserir a partir de indicações ou cartas de recomendação. Mesmo com esse requisito comum, isso não evita que elas sejam colocadas à prova ou sofram com acusações de roubo, como fica demonstrado nos relatos a seguir. O primeiro é de uma diarista que foi fazer uma faxina:
Essa foi a quarta vez e ela [a patroa] insistiu para que tirasse o tapete para limpar debaixo. Ao tirar o tapete encontrei muito dinheiro. Fiz a faxina normal e coloquei o dinheiro de volta, exatamente no lugar onde estava. Quando terminei a faxina disse que não iria mais. E ela perguntou por quê? E eu respondi: que não iria, pois sabia que o dinheiro estava lá para me testar
(Preta-Rara, 2019, p. 31).
O relato seguinte também traz à tona a desconfiança em relação à trabalhadora:
Lembro também de uma faxina que fui fazer lá para uma família de mexicanos ricos com muitas crianças e alguns bebês... e eles estavam na casa enquanto eu limpava... e eu ria sozinha... porque enquanto eu entrava em um cômodo para limpar, eles entravam juntos e escondiam todos os pertences e eletrônicos
(Preta-Rara, 2019, p. 62).
Mais um exemplo de desconfiança e mesmo de insinuação de roubo encontra-se no relato de uma filha de empregada doméstica:
[...] uma vez eu lembro, que roubaram uma bicicleta na casa de uma Patroa e ela “delicadamente” pediu pra minha mãe perguntar pros filhos dela, se não tinha sido algum “amiguinho” nosso?! Oi?
(Preta-Rara, 2019, p. 126).
Essas provas e testes, que podem ser compreendidos como rituais cotidianos de humilhação, também foram identificados por Angelin e Truzzi em sua pesquisa. É importante mencionar que as acusações de roubo também servem como uma forma de burlar a legislação trabalhista. Uma diarista, em conversa com sua empregadora, fez a seguinte denúncia sobre esse tema:
É a chamada estratégia do “Roubo no final do mês”, em que as patroas começam a procurar algo no dia 28 ou 29, desesperadamente (tudo é claro, não passa de encenação). Daí poucos dias antes do pagamento do mês, acusam a empregada de ter roubado o objeto fictício e a mandam embora, com uma mão na frente e outra atrás
(Preta-Rara, 2019, p. 105).
Os relatos dessa categoria tornam explícita a relação entre desreconhecimento e subcidadania. Como afirma Paiva (2018, p.277), a construção social da cidadania no Brasil sempre foi excludente, necessitando de adjetivos para sua definição – “regulada”, “subcidadania”, “passiva”, “da dádiva” – como analisado por vários autores – em um processo em que poucos grupos têm reconhecimento do igual valor. Ainda segundo a autora, no nosso país, não foram dadas as condições para o alcance da paridade mínima necessária para o reconhecimento intersubjetivo de diferentes grupos na esfera pública. Essa desigualdade naturalizada conduz a um reconhecimento errôneo de determinados grupos. É precisamente isso que ocorre com as trabalhadoras domésticas que, pelo tratamento que recebem, podem ser vistas como exemplo paradigmático de subcidadãs.
Por fim, a terceira categoria analisada refere-se à denegação do reconhecimento, que na prática se concretiza quando a humanidade da empregada é atacada de modo ainda mais explícito do que foi relatado até aqui. Como veremos a seguir, trata-se de casos em que a trabalhadora é tratada como menos humana. De modo prático, relacionamos essa categoria aos casos de racismo e às manifestações de “nojo” direcionadas às trabalhadoras domésticas. Quanto ao racismo, cabe enfatizar que a raça não é apenas um atributo socialmente elaborado, que tem papel determinante nas relações sociais e concede privilégios aos indivíduos brancos, tal como destacou Hasenbalg (1979). É preciso ir além e perceber que raça está intimamente vinculada a processos de desumanização. Como afirma Mbembe (2014, p. 39), o conceito de raça, que foi útil para nomear as humanidades não europeias, permite que estas sejam representadas como um ser menor, “o reflexo pobre do homem ideal de quem estavam separadas por um intervalo de tempo intransponível, uma diferença praticamente insuperável”. Ainda segundo o autor, o nome negro, que é sinônimo de raça na sociedade moderna, foi inventado para significar exclusão, embrutecimento e degradação, isto é, um limite sempre conjurado e abominado.
Não é demais lembrar que terá sobrado qualquer coisa, das fendas e até das lesões da crueldade colonial, para dividir, classificar, hierarquizar e diferenciar. Pior ainda, a clivagem criada permanece. Será mesmo verdade que hoje em dia estabelecemos com o Negro relações diferentes das que ligam o senhor ao seu criado?
(Mbembe, 2014, p. 21).
Para Ajari (2019), há um equívoco na teoria de Honneth, pois esse autor coloca como premissa que todos os indivíduos estão de modo idêntico no mundo social, isto é, que eles existem da mesma maneira. O autor pontua que isso não é verdade para negros e brancos. Os obstáculos existentes se apresentam de modo muito diferente para cada um deles.6 Um é saudado respeitosamente, enquanto o outro é acolhido com desrespeito e negligência. É a combinação desses dois elementos – desrespeito e negligência – que surge nos relatos das trabalhadoras. O relato a seguir é de uma trabalhadora que em certa ocasião estava ocupada como babá:
[...] um dos filhos dela [da patroa] uma criança de 6 anos, me insultou por eu ser negra. Foi racista. Eu confesso que doeu muito. Eu sofri por isso na infância, já quis tomar banho de cândida [água sanitária] pra clarear a pele porque não aguentava tanto preconceito. Ali, na hora segurei o choro. Quando ela chegou falei pra ela, ela nem ligou, só disse que eu teria que aprender a ignorar ou não daria pra ficar lá
(Relato de 10 de junho de 2017, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
Bernardino-Costa (2015) também encontrou em sua pesquisa com trabalhadoras domésticas em Brasília casos de discriminação de classe, raça e gênero. O autor indica que essas práticas desumanizadoras não eram levadas ao conhecimento público, o que para ele pode estar vinculado a uma sabedoria construída na prática cotidiana no interior da casa dos outros, que informa às trabalhadoras que a palavra delas não valerá mais que aquela do empregador e da empregadora. Outro elemento apontado por Bernardino-Costa, que influencia a não realização de denúncias de discriminação, é o desconhecimento das trabalhadoras em relação ao sistema jurídico.
Podemos citar ainda exemplos de racismo que deixam explícita a aversão às pessoas negras:
Trabalhei em uma casa em que dormia no serviço e a patroa abusiva, gritando e me humilhando e as crianças nem encostavam em mim com nojo por eu ser negra e os pais riam
(Preta-Rara, 2019, p. 32).
Ana, você faz as coisas da casa só não faz a comida. Eu ok. Quando os filhos foram chegando aquele clima estranho, eles me olhando torto, perguntando entre dentes quem havia feito o almoço, a mãe então acalma todos e algum tempo depois ela mesma me fala. É que o fulano (filho mais velho) tomou trauma. Uma vez quando adolescente o castiguei contratando uma PRETA para cozinhar e colocava ele lá olhando ela. A comida era boa, mas o coitadinho morria de nojo
(Preta-Rara, 2019, p. 96).
Como explicam Mendonça e Jordão (2014), retomando Willian Miller, a sensação de nojo surgiu relacionada ao paladar, mas não se restringe somente a esse sentido. O nojo também se vincula à presença do outro, incluindo a questão do contato e da proximidade física. As autoras mencionam que o sentimento de aversão pode ser atribuído à percepção de perigo de contaminação. Além disso, o nojo envolve um julgamento moral e social que torna possível realizar operações de classificação, organização e hierarquização de coisas e pessoas. As manifestações de nojo em relação à trabalhadora doméstica revelam que essas pessoas, usualmente, não são vistas como seres humanos iguais. Um exemplo de nojo está no relato de uma empregada doméstica que ouviu seu patrão falar para os amigos que ela era gostosinha demais, mas ele tinha nojo dela (Preta-Rara, 2019, p. 121). Pode-se citar também casos em que o nojo explicita o medo e a repulsa em relação à trabalhadora, como se essa fosse um animal contagioso.
Ouvi de uma prima que a melhor coisa que ela poderia ter feito foi construir um banheiro na área externa da casa, pois era nojento a empregada doméstica, usando os banheiros da casa
(Preta-Rara, 2019, p. 167).
O diálogo através do WhatsApp entre uma faxineira e sua contratante é um exemplo ainda mais eloquente:
— Oi, tudo bem querida?
— Oi, dona Juliana. Boa noite, tudo bem sim.
— Que bom. Estou mandando mensagem sobre a faxina.
— Ah sim, amanhã estarei aí no horário marcado.
— Ok. Na verdade, não quero que venha mais. Não me leve a mal, mas da última vez que você veio não gostei de algumas coisas que você fez.
— Nossa me desculpe, mas o que eu fiz? A faxina não ficou boa?
— Sim estava ótima... o problema não é esse. Aqui em casa só temos um banheiro e você utilizou porque eu ouvi a descarga. Sabe isso é anti-higiênico como você utiliza o banheiro da casa dos outros? Você faz isso na casa das pessoas que você trabalha?
— Dona Juliana, eu deixei tudo limpinho.
— Não me interessa querida, não quero esse tipo de pessoa em casa e além do mais joguei os talheres e prato que você comeu fora! Lembra que eu disse pra você pegar o descartável? Nem isso você fez. (Postagem de 22 de novembro de 2017, https://www.facebook.com/euempregadadomestica).
Em síntese, a análise dos relatos das trabalhadoras domésticas nos permite afirmar que o respeito à legislação é condição necessária, mas não suficiente para que esse grupo obtenha reconhecimento social. As práticas de desreconhecimento que demonstramos no decorrer desse artigo são provas incontestes da existência de dilemas de natureza moral, que ainda predominam na sociedade brasileira e, sobretudo, nesse tipo de ocupação.
Considerações finais
O desreconhecimento é algo inerente à esfera do trabalho, mas no caso específico do trabalho doméstico tem-se uma conjugação do desreconhecimento relacionado ao tipo de trabalho – braçal, não exige diploma e é realizado na esfera privada – e ao perfil das pessoas que o executam – majoritariamente, mulheres, negras e pobres. A aprovação da PEC das Trabalhadoras Domésticas pode ser vista como um progresso normativo. Contudo, uma vez que o desreconhecimento se vincula tanto a uma dimensão microssocial quanto a uma dimensão macrossocial, o que se observa é um aparente descompasso entre ambas. Assim, se por um lado, a conquista de novos direitos parece apontar para a institucionalização de novos valores; por outro, os relatos analisados nesta pesquisa demonstram a persistência de situações de desreconhecimento que se traduzem em práticas cotidianas de desconsideração, humilhação e desumanização.
As práticas de desreconhecimento são o resultado dos conflitos sociais existentes no trabalho doméstico. Esses, por sua vez, resultam das fortes hierarquias existentes nessa área. O que se observa no relato das trabalhadoras domésticas é uma teia moral de luta por poder nas relações interpessoais, que se dá através da institucionalização de práticas de demarcação das hierarquias e das diferenças. Em termos objetivos, essas trabalhadoras enfrentam: a) o desrespeito relativo aos direitos conquistados – formalmente, essa categoria possui direitos, mas muitas vezes estes não são respeitados e, mesmo quando o são, apresentam-se como uma dimensão isolada, pois não favorecem o reconhecimento em outras dimensões; b) o desrespeito nas relações primárias – o que coloca em xeque a ideia da “doméstica como membro da família”, evidenciando a falta de acolhimento afetivo verdadeiro; c) o desrespeito tanto ao valor do trabalho doméstico quanto à figura da trabalhadora, que ora é vista como subcidadã, ora é vista como menos humana.
Pode-se afirmar que a luta por reconhecimento do emprego doméstico significa a luta por autoridade normativa de posições sociais e hierarquias, revelando uma luta de poder e demarcação simbólica. O direito foi concedido, mas o menosprezo moral não foi corrigido. O menosprezo moral se mantém, pois está relacionado tanto à atividade em si quanto à figura da trabalhadora doméstica que, como já mencionamos, é majoritariamente constituída de mulheres, pobres e, em sua maioria, negras. No cotidiano das trabalhadoras domésticas, as relações de reconhecimento institucionalizadas se desfazem, limitando o alcance do reconhecimento jurídico.
Cumpre salientar que, tal como afirma Gorbán (2013), o trabalho doméstico em si não é uma atividade degradante, mas ele assume esta característica em razão das relações que se estabelecem entre trabalhadoras e empregadores. Pode-se considerar que a aprovação da PEC possui potencial normativo para modificar essas relações e, paulatinamente, institucionalizar novos valores.
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1
Assim permanece sendo chamada, Proposta de Emenda Constitucional (PEC), embora com sua aprovação tenha se transformado na Emenda Constitucional n. 72 de 2013 e regulamentada com a Lei Complementar nº 150/2015.
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A Lei 5.859 de 1972, regulamentada pelo Decreto nº 71.885/73, trouxe alguns direitos citados: descanso semanal remunerado, férias anuais, carteira de trabalho, benefícios e serviços da previdência social. O vale-transporte foi concedido através da Lei nº 7.418 de 1985, regulamentada pelo Decreto nº 95.247, de 1987. Sem esquecer os direitos já concedidos pela Constituição Federal de 1988: direito ao salário-mínimo e sua irredutibilidade, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias anuais, licença à gestante, licença-paternidade, aviso-prévio e aposentadoria.
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De acordo com dados da PNAD Contínua de 2017, 44,5% das trabalhadoras domésticas eram mensalistas sem carteira, 28,6% eram diaristas e 26,9% eram mensalistas com carteira (Fraga e Monticelli, 2021, p. 9).
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4
Os extratos de depoimentos das trabalhadoras domésticas são literais, tais quais publicados, não tendo sofrido nenhuma modificação.
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5
Teixeira e Rodrigues (2022, p. 176) assinalam que a pandemia do novo coronavírus fez com que o exercício da profissão fosse acompanhado de jornadas exaustivas e abusos morais e sexuais, que foram agravados pela companhia em tempo integral de moradores em quarentena. As trabalhadoras foram “convidadas” a morar no local do trabalho sob o pretexto de diminuir os riscos de contágio e diminuir os custos do empregador com vale-transporte. Para as autoras, situações como essa explicitam a vulnerabilidade dessa categoria, pois, temendo perder seus empregos, as trabalhadoras aceitam acordos que colocam os direitos recém adquiridos em suspensão.
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Essa afirmação é verdadeira inclusive no trabalho doméstico. Damasceno (2000) constatou em sua pesquisa que trabalhos domésticos como jardineiros, chauffeurs particulares e governantas, que são considerados mais qualificados e oferecem melhor remuneração, costumam empregar mais pessoas brancas, já que se trata de “famílias de alto ou fino trato”. Retomando o trabalho de Oracy Nogueira, a autora encontra uma explicação para a preferência por pessoas brancas: “Outro anunciante não podia aceitar um chauffeur preto, porque “ele teria de estar em casa, convivendo com a família [...] Copeira e cozinheira – não importa que seja de cor. Porque, para servir mesa, branca sempre dá um aspecto melhor” (Nogueira apud Damasceno, 2000, p. 180).
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
17 Maio 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
31 Jan 2023 -
Aceito
07 Jun 2023