Open-access Por entre cracolândias e a colina do crack: o problema de ecologia urbana no Brasil e na França

Through cracklands and the crack hill: the urban ecology problem in Brazil and France

Resumo

Este texto gira em torno de um problema de ecologia urbana oriundo da coexistência de consumidores de drogas e moradores dos bairros mais afetados pela venda e uso dessas substâncias, sobretudo de crack, no espaço público dos grandes centros urbanos brasileiros, com enfoque no Rio de Janeiro, em diálogo com São Paulo – as duas maiores metrópoles do país, representativas da América Latina –; e estrangeiros, com enfoque em Paris – capital francesa e uma das principais metrópoles da Europa. O objetivo da análise é compreender como esse problema é experimentado e enfrentado nos dois países, recorrendo a uma pesquisa anterior e a outras em andamento, desenvolvidas por meio de etnografia, entrevistas e análise documental. As conclusões apontam para a configuração de “cenas abertas” de uso em Paris, “situações de consumo” nas ruas do Rio e “cenas fechadas” em favelas cariocas, que engendram respostas públicas distintas em ambos os países.

Palavras-chave:
redução de danos; riscos; consumo; ecologia urbana; crack

Abstract

This text revolves around a problem of urban ecology arising from the coexistence of drug users and residents of the neighborhoods most affected by the sale and use of these substances, especially crack, in the public space of large Brazilian urban centers, focusing on Rio de Janeiro, in dialogue with São Paulo – the two largest metropolises in the country, representatives of Latin America –; and foreign ones, focusing on Paris – the French capital and one of Europe’s leading metropolises. The aim of the study is to understand how this problem is experienced and dealt with in the two countries, drawing on previous and ongoing research carried out through ethnography, interviews and documentary analysis. The conclusions point to the configuration of “open scenes” of use in Paris, “drug use situations” on the streets of Rio and “closed scenes” in Rio de Janeiro’s favelas, which engender different public responses in both countries.

Keywords:
harm reduction; risks; consumption; urban ecology; crack

1. Introdução

O presente trabalho se concentra nas políticas públicas direcionadas a usuários de drogas no Brasil e na França, a partir de uma pesquisa anterior sobre a política francesa de redução de riscos (RDR) e uma pesquisa atual sobre a política brasileira de redução de danos1 (RD). Como demonstro em outro trabalho (Porto, 2025a), o registro semântico da política que faço objeto varia conforme o local, carregando significados e implicações distintas (Brisson, 1997, Rodrigues, 2023). É bem verdade que falamos de um conjunto de estratégias de saúde pública muito similares, voltadas à redução de riscos e danos sanitários, psicológicos, sociais, econômicos – e, como demonstrarei, urbanos – associados ao uso de drogas, sem exigir a redução ou abstenção do consumo. Por outro lado, a sua execução cotidiana, ordenação institucional e repercussão política trazem variações significativas nos dois países para além da nomenclatura. Encarando como etapa seguinte de uma grande investigação sobre a redução de riscos/danos, debruço-me sobre os processos mais amplos e homogêneos que atravessam esse fenômeno, bem como os traços que caracterizam suas diversas manifestações locais.

Com base na pesquisa anterior (Porto, 2022), parto do pressuposto de que a abordagem francesa de redução de riscos, reconhecida como política pública em 2004, responde a três problemas públicos (Gusfield, 1963, 1981, Cefaï, 1996, 2017a, 2017b) que exigem soluções: 1) um problema epidemiológico entre usuários de drogas injetáveis, identificado durante a epidemia de HIV, na década de 1980 (Porto, 2021); 2) um problema de adicção entre usuários de psicoativos lícitos e ilícitos, identificado na década de 1990, com a ascensão da adictologia como nova competência médica, situada no campo da saúde pública, e, portanto, da intervenção estatal; e 3) um problema de ecologia urbana (Joseph, 2004) entre usuários de drogas e moradores/transeuntes dos bairros mais afetados pela venda e consumo dessas substâncias, identificado nos anos 1980, intensificado na década seguinte e agravado nos anos 2000, tornando-se um elemento cada vez mais presente nos debates e nas intervenções sobre o espaço público. Com base na pesquisa atual, a abordagem brasileira de redução de danos, regulamentada como política pública em 2005, parece responder igualmente a 1) um problema epidemiológico entre usuários de drogas injetáveis, identificado na década de 1980; 2) um problema de saúde mental identificado por profissionais e usuários desses serviços no final dos anos 1970 e consolidado como movimento social na década seguinte, mais especificamente, como luta antimanicomial; e 3) um problema de ecologia urbana identificado nos anos 1990 e agravado no século XXI, sobre o qual me debruço neste trabalho.

Falamos de um problema público que compreende diferentes problemáticas simultaneamente – o consumo de drogas, o espaço público, a ordem/tranquilidade pública, a situação de rua, a administração das cidades, as relações de vizinhança, e, em última instância, as noções de tolerância –, mobilizando recursos de diferentes políticas públicas: aquelas orientadas pelas abordagens de RD e RDR, que afastam os usuários das ruas por meio de dispositivos de cuidado, acolhimento, trabalho, moradia e, no caso francês, de consumo supervisionado; e aquelas orientadas pela lógica de “guerra às drogas” (Leite, 2000, Grillo, 2019, Zaluar, 2019), que afastam os usuários das ruas por meio de ações repressivas e de evacuação, como aquelas operadas da Zona Norte (De Magalhães, 2022) à Zona Sul (Coutinho, 2022) do Rio, em julho de 2022, e na então chamada Colline du Crack (Colina do Crack), situada no 18º arrondissement2 de Paris, em novembro de 2019 (Jangal et al., 2021). Trata-se, portanto, de uma dimensão que engloba não somente os riscos e danos previstos para os usuários em função do próprio consumo, mas também os riscos e danos que eles próprios apresentam ao restante da população em função de sua condição de vulnerabilidade e da constituição de cenas abertas3.

O objetivo deste trabalho é compreender como o problema de ecologia urbana é experimentado e enfrentado no Brasil e na França, mais especificamente, em uma metrópole latino-americana simbólica como o Rio de Janeiro – travando um diálogo incontornável com São Paulo, a maior territorialidade de crack no país – e em uma das principais metrópoles da Europa como Paris – também capital e mais populosa cidade francesa. Para tanto, serão analisados três conjuntos de dados. 1) Aqueles oriundos de uma pesquisa realizada entre 2018 e 2022, por meio de entrevistas compreensivas (Kaufmann, 2013), conversas informais, análise documental, participação em eventos acadêmicos, técnicos e em cursos de formação em RDR, além de uma etnografia no interior (e ao redor) de três estabelecimentos dessa natureza administrados pela associação Espoir Goutte d’Or (EGO-Aurore)4, situados no bairro da Goutte d’Or (Messamah Khelifa, 1989), 18º, no nordeste parisiense. São eles: um Centre d’Accueil et d’Accompagnement à la Réduction des Risques pour Usagers de Drogues (Caarud: Centro de Acolhimento e de Acompanhamento em Redução de Riscos para Usuários de Drogas), que oferece escuta atenta, alimentação, doação de roupas, itens de higiene, duchas, ateliês, passeios culturais, suporte administrativo, apoio jurídico, computadores, sala de cuidados etc.; um Centre de Soins, d’Accompagnement et de Prévention en Addictologie (Csapa: Centro de Cuidados, de Acompanhamento e de Prevenção em Adictologia), que oferece Tratamentos de Substituição aos Opiáceos (TSO)5, acompanhamentos médico, psicológico, social e de enfermagem, inserção em outros dispositivos, além de atividades coletivas, como rodas de conversa; e um Programa de Troca de Seringas (PTS) que oferece uma série de artefatos e materiais descartáveis para o consumo de drogas injetáveis e inaláveis, entre outros itens.

Também serão analisados 2) os dados oriundos de uma pesquisa atual, desenvolvida desde 2023 por meio de análise documental, conversas informais, entrevistas semiestruturadas (Ferreira, 2014) e etnografia em um estabelecimento orientado pela lógica de RD, a saber, um Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e outras Drogas (CAPSad) situado no Rio de Janeiro, que oferece acolhimento, cuidado e assistência a pessoas em sofrimento psíquico e situação de abuso de drogas lícitas e ilícitas. Ali, acompanho atendimentos institucionais, reuniões de equipe, oficinas e dinâmicas de grupos com os usuários, observo suas relações internas e aquelas estabelecidas com técnicos e gestores, além das relações entre a própria instituição e outros serviços, como Clínicas da Família (CF), Consultórios na Rua (CnaR), Centros de Referência da Assistência Social (CRAS/CREAS), outros CAPS e CAPSad do município etc., em atividades como matriciamentos, ações territoriais e intersetoriais, discussões de casos compartilhados etc. Essa pesquisa também se desenvolve por meio de uma aproximação com o Projeto Seguir em Frente, direcionado à população em situação de rua, majoritariamente usuária de drogas, lançado pela prefeitura do Rio em dezembro de 2023, quando inaugurou três dispositivos igualmente visitados, quais sejam: o Ponto de Apoio na Rua (PAR Carioca), itinerante e atualmente localizado no Maracanã, Zona Norte do Rio; o CAPSad Dona Ivone Lara e os seus dez complexos integrados de Residência e Unidades de Acolhimento (RUA Sonho Meu), situados em Cascadura, também na Zona Norte.

Finalmente, serão analisados 3) os dados oriundos de uma pesquisa comparativa sobre as cenas abertas de crack no Rio de Janeiro e em Paris, e sua construção como problema público no Brasil e na França, desenvolvida desde 2024, por meio de análise documental e etnografia nas duas cidades (Jauffret-Roustide; Dambélé; Porto, 2023). Entre os recursos metodológicos citados, a análise documental de notícias de jornal encontra destaque em todas as pesquisas (e, também neste trabalho), por retratar e veicular algumas de minhas principais preocupações analíticas: as dinâmicas de publicização, intenções políticas declaradas e decisões municipais/governamentais no âmbito das cenas abertas de crack constituídas no Brasil e na França, bem como a percepção daqueles que são afetados por elas – cuja observação etnográfica aponta empiricamente para os mesmos resultados.

2. O problema de ecologia urbana

O problema sobre o qual me debruço pertence à ordem dos problemas públicos, isto é, problemas sociais que produzem consequências danosas para um conjunto de indivíduos ou grupos, em torno dos quais se estabelece uma dinâmica de publicização. A exigência de definição e resolução de um problema público provoca uma intensa atividade de associação, comunicação e cooperação entre atores, organizações e instituições, em torno de argumentações, denúncias e reivindicações, seja em canais midiáticos seja em assembleias públicas, recorrendo ao repertório de ações coletivas e constituindo coletivos que se mobilizam para interpelar não somente a opinião pública, mas também os poderes públicos (Gusfield, 2009). Designo esse problema público como de ecologia urbana, porque, como apresentam Robert Park e Roderick Mackenzie no primeiro curso da disciplina na Escola de Chicago, em 1924: o que diz respeito à ecologia urbana não é uma população no interior de seu próprio território, mas diferentes populações e as relações estabelecidas entre elas no mesmo território – onde o conceito de “competição pelo espaço” se revela crucial na compreensão dos problemas sociais de coabitação e de copresença (Joseph, 2004).

Como esclarece Joseph (2004), e como demonstrarei a seguir, a ecologia urbana é fundamentalmente uma ecologia da mobilidade. Ela não descreve somente os territórios aos quais uma população está ancorada, mas também as formas de “desterritorialização” no espaço público, conjugando, constantemente, organização e desorganização, patchwork e network, como afirma David Lapoujade (2017) sobre a obra de William James. Ela nasce do tipo de ecologia humana criado por Robert E. Park, Roderick McKenzie e Ernest W. Burgess, na Universidade de Chicago dos anos 1920, através de aproximações entre Park, William I. Thomas, George H. Mead, John Dewey e William James (Cefaï, 2021). Estabelecendo fortes conexões com a filosofia pragmatista, todos esses autores desenvolveram uma perspectiva ecológica sobre “instituições sociais” – que desloco para outros fenômenos –, como processos que dependem dos ambientes nos quais operam e se recompõem constantemente por meio dos esforços de seus membros para resolver problemas práticos (Cefaï, 2021). Com um século de distância, resgato essa perspectiva, como outros fizeram antes de mim, porque ela permite tomar meus objetos de estudo, comuns entre si, mas ainda assim plurais, em sua própria singularidade e trajetória histórico-cultural-política.

Em contínua “transação” com seus respectivos ambientes, as cenas de uso de crack e outras drogas são aqui tomadas como organismos vivos em uma dinâmica ecológica, e, portanto, processual, em constante transformação. Como esclarece Cefaï (2021), a ecologia humana não é inteiramente modelada pela ecologia animal ou vegetal – insuficientes para abarcar todos os elementos da esfera humana (McKenzie, 1924). O ser humano é dotado de uma capacidade única de moldar o seu próprio ambiente, de se mover e procurar novos habitats em busca de melhores condições de vida. Desse modo, os fenômenos sociais – como a emergência e consolidação de políticas públicas ou a formação e fixação de cenas de uso em certo território – não são resultado de uma mera luta pela vida e sobrevivência dos mais aptos em determinado ambiente. Antes, são campos experimentais e matrizes culturais que crescem em torno de tentativas de definição e resolução de problemas concretos (Cefaï, 2021). A ecologia humana da Escola de Chicago não é, portanto, uma ramificação e tampouco espelhamento do darwinismo social: Park e Thomas e, antes deles, Mead se opuseram fortemente, teórica e politicamente, a qualquer tipo de tese que relacionasse tendências biológicas, pobreza econômica e inferioridade racial (Cefaï, 2021).

Mobilizando a categoria de ecologia urbana, refiro-me, então, às relações estabelecidas entre diferentes populações em dado território, seus conflitos internos e processos de ajustamento, que levam a processos outros de fixação ou de mobilidade para outros territórios. Muito embora o problema de ecologia urbana na França date o período de expansão da heroína suscitada pela French Connection, que contou com uma de suas mais importantes refinarias na região de Marseille, cidade portuária ao sul do país; foi somente com a ascensão do crack que o problema encontrou ali contornos mais expressivos – uma vez que já vigoravam medidas de contenção para os problemas sanitários e urbanos provocados pelo uso de drogas injetáveis, a exemplo dos TSO. O crack chega em Paris em meados dos anos 1980, difundindo-se discretamente no bairro de Pigalle, norte da cidade, situado entre o 9º e 18º arrondissements – região boêmia muitas vezes associada ao meretrício, povoada por bares, sex shops e cabarés, como o afamado Moulin Rouge, logo abaixo da colina de Montmartre.

No final da década, chegava também ao Brasil, mais especificamente, na periferia leste da cidade de São Paulo, encontrando destaque e se territorializando no bairro de São Mateus (Uchôa, 1996, Rui, 2019). Nesse período, a substância alcançava e se ancorava em outros territórios na França, passando a ser vendida e consumida em redutos furtivos do 18º e 19º, caminhando para o nordeste parisiense, onde vigora até hoje. Em dezembro de 1989, ocorria uma conferência europeia e norte-americana sobre segurança nas cidades e prevenção contra a criminalidade, em Montréal, Canadá. O então prefeito da Filadélfia, Wilson Goode, alertava os colegas europeus na sessão de encerramento: “Por favor, não subestimem a ameaça representada pelos cartéis de cocaína, não subestimem o domínio da cocaína e do crack sobre os usuários!”. Diante disso, declara a antiga Mission Interministérielle de la Lutte Contre la Drogue et la Toxicomanie (MILDT: Missão Interministerial de Luta Contra a Droga e a Toxicomania), criada em 1982 para coordenar as políticas públicas em matéria de drogas:

Em relação ao crack, ressalta-se que as informações podem ter desempenhado um papel de incitação, mesmo que o problema não exista verdadeiramente. Seu consumo nos Estados Unidos parece estar claramente ligado ao empobrecimento das grandes cidades e periferias. Em todo caso, seria irrealista regulamentar o comércio de bicarbonato de sódio ou de amônia, que integram a composição dessa droga [em alusão ao decreto francês de 1972, que regulamentou o comércio de seringas e agulhas no país para controlar a expansão da heroína, contribuindo para a propagação do HIV via compartilhamento de seringas entre usuários de drogas injetáveis na década seguinte (Porto, 2021,2022)] (Marchant, 2013).

3. A experiência francesa: o caso parisiense

Apesar da relativa tranquilidade das autoridades francesas, o tráfico e o consumo de crack começavam a ocupar o espaço público de Paris no início dos anos 19906, sobretudo as estações de metrô e a praça de Stalingrad, no 19º – cujo bairro se tornou o epicentro da droga alguns anos mais tarde, por sua proximidade com a Gare du Nord, uma das principais estações de metrô e a maior estação ferroviária da Europa (Joseph, 1984); com o periférico parisiense, um anel rodoviário que contorna toda a cidade, concentrando enorme circulação interna; e com diversas linhas de metrô e RER7 constituindo um nó estratégico do tráfico de drogas (Gros, 2021). No início dos anos 2000, surgia às bordas do periférico a região que ficou conhecida como a Colina do Crack, em Porte de la Chapelle, 18º, onde se estabeleceu o principal local de venda, consumo e habitação para usuários de crack. Por quase duas décadas aquele complexo ecossistema se manteve vivo compreendendo cenas abertas de consumo e tráfico de drogas, mas também prostituição e uma grande variedade de serviços e permutas das quais centenas de pessoas, mais ou menos inseridas naquele universo, desfrutavam e, por vezes, dependiam (Alter Ego, 2018).

No dia 8 de novembro de 2019 se estabeleceu na Colina uma operação de evacuação, cuja notícia já havia sido anunciada pelo então prefeito da região Île-de-France, Michel Cadot, e veiculada pela mídia. Um colega com quem eu trabalhava no Programa de Troca de Seringas (PTS) da associação EGO-Aurore foi convocado para prestar assistência no local às 4h e me contou naquela manhã que a operação havia ocorrido de maneira pacífica, sem recurso à violência, concentrando-se na transferência de usuários para alojamentos sociais e no encaminhamento a dispositivos de RDR, não em fazer prisões. Segundo meu colega, o tipo de intervenção que se estabeleceu na Colina foi muito mais estratégico e midiático do que efetivo: “Todo ano eles fazem isso para mostrar que estão fazendo alguma coisa... e todo ano os usuários voltam”. Mas, ao contrário da expectativa, naquele dia a Colina encontrou um fim definitivo. Seus antigos frequentadores migraram em direção leste, reestabelecendo-se nos bairros vizinhos do 19º para consumir (e vender) crack, entre outras drogas.

Dez dias após o desmantelamento, os moradores desse território já haviam se organizado e se manifestado contra a presença de usuários na região, portando cartazes com os dizeres: “Estamos cansados de usuários de drogas”, “Estamos cansados do abandono de nossas ruas” (Beaulieu, 2019a), como em Porte d’Aubervilliers, situado na interseção dos bairros de La Chapelle e Pont-de-Flandre, entre o 18º e 19º arrondissements. Em abril de 2020, em plena pandemia de Covid-19, a praça de Stalingrad “nunca mereceu tanto o seu apelido de ‘Stalincrack8’” (L’Angevin, 2020). Apesar do confinamento imposto por autoridades sanitárias, os inúmeros grupos de vendedores e consumidores da substância ali reunidos se somavam aos de imigrantes e sem teto, para quem o isolamento não era uma opção. Tamanha era a concentração de usuários que em maio de 2021 o subprefeito9 do 19º, François Dagnaud (PS)10, chamava a praça de Stalingrad de “santuário europeu do crack” (Cosnard, 2021).

Assim, a substância retornava 30 anos depois ao local onde começou a aparecer mais regular, intensa e publicamente na França. O “teatro de confrontos” (Marteau, 2021) entre consumidores da droga e moradores chegou a um limite ainda em maio de 2021, quando residentes da Avenue de Flandre, situada a 800m da praça de Stalingrad, atiraram fogos de artifício nos usuários que circulavam na região. No dia 17 do mesmo mês, os poderes públicos decidiram transferir temporariamente aquele “mercado a céu aberto” (Cosnard, 2021) para o parque público chamado Jardins d’Eole, situado no 18º, cujas portas permaneceriam abertas dia e noite a partir de então. Segundo o vice-prefeito de Paris, Emmanuel Grégoire (PS), com esse movimento a prefeitura buscava incluir os usuários em um plano terapêutico médico-social e, também, “[...] isolá-los, porque ‘a situação se tornou insustentável para os moradores de Stalingrad’” (Cosnard, 2021). Mas ao mesmo tempo em que a medida buscava beneficiar essa população, ela acabava por inquietar outra: os vizinhos de Jardins d’Eole diziam “não ousar nem jogar o lixo fora” tampouco “levar os filhos na escola”, sentindo-se ameaçados pela presença massiva de usuários de crack (Masseron, 2021).

Também em maio de 2021, um coletivo composto por organizações internacionais e nacionais atuantes no campo das drogas, associações de RDR, de pais e de moradores do nordeste parisiense assinou uma carta publicada no jornal Le Monde condenando a “[...] longa série de deslocamentos de cenas abertas desde a emergência do consumo de crack em Île-de-France no início dos anos 1990, quando a praça de Stalingrad já era o principal ponto de encontro” (Le Monde, 2021). Com essas medidas, afirma o coletivo, os poderes públicos acabam por afastar os usuários de certos moradores (aproximando-os de outros), mas não interferem na existência mesma das cenas de consumo, tampouco em seu número de participantes (Le Monde, 2021). A solução proposta pelos atores é a ampliação de uma estrutura de RDR já existente em Paris, mas pouco utilizada como resposta pública ao problema do crack: a Salle de Consommation à Moindre Risque (SCMR: Sala de Consumo de Menor Risco). Longe de ser novidade, essa solução já era idealizada no jornal da associação EGO-Aurore por um de seus beneficiários antes mesmo do fim da Colina (Donet, 2018, p. 14) e em reuniões internas da equipe em 2019, como pude observar durante a pesquisa (Porto, 2022).

A SCMR parisiense foi inaugurada em outubro de 2016 pela associação Gaïa11, em anexo ao Hospital Lariboisière, no bairro da Gare du Nord situado no 10º arrondissement, abaixo do 18º e 19º –, em uma verdadeira encruzilhada de fluxos de pessoas, serviços, transportes e trocas de diversas ordens no nordeste parisiense. Visando a reduzir as cenas abertas de drogas injetáveis, presentes na região há décadas, o dispositivo foi instalado ali12 com a oferta de um espaço supervisionado de consumo, dispondo de 12 lugares para uso intravenoso e 4 para inalação oral – exclusivamente ocupados por policonsumidores de drogas injetáveis, o que, não raro, motivava comentários indignados como um que ouvi certa vez: “Então eu devo me picar para poder fumar meu crack tranquilo?”. Em um trabalho de campo mais recente na cidade, em setembro de 2024, profissionais me contaram que, desde a pandemia de Covid-19, a Sala não conta mais com espaço de inalação oral. A princípio, pelo risco de transmissão da doença, e, em seguida, para pressionar os poderes públicos a implantarem uma segunda SCMR em Paris e atenuarem a enorme demanda de consumidores – majoritariamente de sulfato de metadona –, que recai sobre aquela.

Mas assim como o deslocamento de usuários se apresenta simultaneamente como solução de um problema de ecologia urbana e origem de outro; a implantação dessa estrutura, e de outras similares, também parece produzir um efeito paradoxal, gerando ao mesmo tempo uma saída e um obstáculo apontado por moradores. Essa classe de problemas criados na tentativa de resolução dos problemas públicos que lhes deram origem é tomada por mim como problemas do problema público. Em um evento coorganizado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e pela École des Hautes Études en Sciences Politiques (EHESP), em 2019, na Université Paris-Descartes, intitulado “A redução de riscos: um exemplo de decisão em saúde”, alguns habitantes do nordeste parisiense apresentaram suas opiniões sobre a SCMR. Naquela ocasião, uma moradora da Gare du Nord criticava a inauguração do estabelecimento em seu bairro, com o argumento de que outrora os usuários se aglomeravam em áreas mais escondidas da região para consumir clandestinamente, e, portanto, não apresentavam uma ameaça na vida cotidiana dos moradores; após a abertura da Sala, ela dizia, eles estão por todos os cantos, indo e voltando do estabelecimento – inclusive no caminho que percorre para o seu trabalho e para a escola de sua filha. Assim, ela se queixava que a presença dessa população se tornou mais constante em seu dia a dia e inescapável aos olhos da criança.

A solução lógica (e ao mesmo tempo controversa) para esse problema, tal como sugere o coletivo de associações na carta, aponta para a inauguração de novas SCMR na cidade, inclusive para uso exclusivo de crack, descentralizando a presença de seus frequentadores. Em uma entrevista ao jornal francês Libération, em 2020, Anne Souyris (EELV)13, representante da saúde pública da prefeitura de Paris, já afirmava a pretensão de inaugurar Salas de Consumo de crack num futuro próximo, tendo em vista a enorme quantidade de consumidores da droga na cidade – montante que pude observar na prática, entregando quatro vezes mais Kits Base14 do que seringas para os frequentadores do PTS em que trabalhei entre 2019 e 2020. Notadamente contrária à abstinência compulsória, a representante dizia que este método “é uma piada” porque todos “os psiquiatras aos quais os usuários são encaminhados por um juiz dizem que eles não se desintoxicam”15. Assim, a abstinência só funciona, em sua percepção, “para quem está pronto”. Segundo Anne, ainda, “[as SCMR] não são um negócio de hippie, são a resolução de um problema do espaço público porque ou você tem [os usuários] na Sala, ou na rua” (Belaïch, 2020).

Em junho de 2021, Anne Hidalgo (PS), prefeita da cidade, decidiu acabar com a situação provisória dos jardins d’Eole, proibindo o acesso de usuários ao local e incentivando a frequentação de residentes do bairro. Seu objetivo era privilegiar uma “solução perene” (Beaulieu, 2021), vislumbrando a multiplicação de estruturas de RDR destinadas exclusivamente aos consumidores de crack. Exemplos dessas estruturas são os chamados Espaces de Repos (Espaços de Repouso), implantados em Paris estrategicamente nos locais mais afetados pela substância: primeiro na região da Colina e, em seguida, ao redor dos jardins d’Eole. Com um projeto de instalação em andamento desde meados de 2019 – cujo processo acompanhei em campo, no contato com diversos profissionais recrutados –, o primeiro Espaço de Repouso parisiense foi inaugurado em janeiro de 2020, conjuntamente pelas associações EGO-Aurore e Gaïa, funcionando até hoje, ao contrário do segundo.

O estabelecimento oferece acolhimento, escuta atenta, cuidados primários, alimentos, oficinas (como de francês e educação física), inserção em outros dispositivos através de “permanências”16 externas, um espaço de repouso (como o nome anuncia) masculino e outro feminino, duchas, máquinas de lavar, armários para alocar pertences pessoais, alojamentos emergenciais limitados e um espaço de socialização exclusivo para usuários de crack. Com a pretensão de se tornar uma Sala de Consumo da substância antes mesmo de sua inauguração (Porto, 2022) – inviabilizada até hoje por oposições políticas, sobretudo do Ministério do Interior, então ocupado por Gérald Darmanin (LR17), como me narraram em campo –, o Espaço foi implantado para atender a um duplo objetivo de saúde e segurança pública, melhorando a qualidade de vida tanto de frequentadores quanto de vizinhos da Colina. Mas, ironicamente, suas portas foram abertas justamente quando a ocupação policial de novembro de 201918 bloqueava a entrada de usuários na região. Sobre isto, uma moradora comentou:

A área está muito mais tranquila nesse momento. Mas todo mundo sabe bem que isso é provisório. A polícia irá sair um dia e os cracudos irão voltar. Uma Sala de Repouso? Temo que isso provoque novamente o acúmulo de usuários no entorno e a reconstituição da Colina (Beaulieu, 2019b).

De volta aos problemas do problema público e às suas contradições inerentes, a mesma resposta pública vem sendo interpretada por uns como solução “[...] que permite a todos viverem bem juntos” (Gros, 2021, p. 12), e por outros como inconveniente que concentra os usuários nas portas de suas casas (Beaulieu, 2019a). Diante desse e de outros problemas, o Espaço de Repouso já encontra o terceiro endereço atualmente, no Boulevard Ney, em Porte de la Chapelle, 18º, onde uma moradora dizia ainda em 2019:

Entre os imigrantes que nós deixamos viver em condições abomináveis e os dependentes químicos, nossa vida se transformou em um inferno. As pessoas têm medo dos usuários de crack, que agridem, violam e ameaçam. As crianças não têm mais um lugar para brincar. No bairro Charles-Hermite, sobretudo à noite, nossas ruas não nos pertencem mais, e nenhuma solução perene é proposta (Beaulieu, 2019b).

Segundo os profissionais das associações EGO-Aurore e Gaïa, com quem conversei em setembro de 2024, e como atestam dezenas de notícias de jornal, após a reabertura dos jardins d’Eole aos moradores, os usuários de crack se fixaram em um acampamento em Porte de La Villette, 19º, mais especificamente na praça de Forceval, conhecida pela alcunha de Champ (Campo) de Forceval. Essa constituição encontrou um fim em 2022, em condições semelhantes ao desmantelamento da Colina, após sucessivas operações policiais em seu ano e meio de existência. A essa altura, o Espaço de Repouso já se encontrava no Boulevard Ney, região periférica situada no extremo norte da cidade, onde se encontram diversos dispositivos assistenciais, como alojamentos sociais e duchas municipais, e serviços direcionados ao seu público-alvo, majoritariamente imigrante, como uma unidade do Ofício Francês de Imigração e Integração (OFII). Como me disseram os profissionais do Espaço, após passarem pela Colina, pelos jardins d’Eole e por Forceval, foi a calçada do boulevard Ney o ponto de fixação dos usuários de crack. Isto porque, durante a evacuação de Forceval no final de 2022, os policiais recolhiam seus frequentadores/moradores e os deixavam na porta do Espaço de Repouso.

Ainda em processo de construção, a nova sede do Espaço não contava na época com alojamentos – atualmente restritos a cada usuário duas vezes por semana –, tampouco com pessoal para absorver tamanha clientela. Em campo, uma educadora19 que trabalha ali há alguns anos e passou por todas as mudanças de endereço me contou que, naquele contexto, o acompanhamento dos beneficiários era insustentável. Com uma média de 60 usuários para cada profissional, o que restava a eles era vigilância e mediação nos inúmeros episódios de violência, difíceis de conter quando a fronteira que separa “a rua” e o serviço é dessa tenuidade. Com o investimento público em alojamentos emergenciais e quartos de hotel – como o dispositivo Assore, também administrado pela associação Aurore, que oferece acompanhamento sanitário e social, além de 610 quartos para consumidores de crack que desejavam sair das ruas em 2024, permitindo o uso de drogas em seus aposentos –, os acampamentos de outrora começaram a desaparecer.

O Espaço de Repouso recebe diariamente mais ou menos uma centena de usuários da substância que vêm e vão diversas vezes ao dia, entre as 8h e as 18h, sem superlotar o amplo espaço convivial ocupado por mesas, cadeiras, pufes, poltronas, quadros, plantas, informes sobre o consumo de drogas lícitas e ilícitas/seus efeitos individuais e mesclados, cartazes sobre racismo/machismo/transfobia etc., em meio a inúmeras bandeiras nacionais. Em seu primeiro atendimento, os beneficiários são encorajados a falar sobre seus modos de consumo, tanto para garantir um uso de menor risco quanto a frequentação exclusiva do público-alvo. A esses atores foi concedido o direito de ingerir bebida alcóolica no interior do Espaço e fumar crack na porta de entrada. Entre eles, encontrei otimistas sentindo-se gratos pelo teto que pairava em suas cabeças em um dia chuvoso, e outros desanimados porque voltariam à rua no fim do dia – como um dos usuários com quem convivi em meu primeiro trabalho de campo na cidade e reencontrei, quatro anos depois, cabisbaixo por “ainda [estar] na mesma situação [de rua]”. Muito embora o poder público venha investindo em alojamento para essa população, a oferta ainda é inferior à demanda. Além disso, as opções existentes nem sempre se aplicam aos que se encontram em condição irregular no país – ou seja, boa parte deles –, como o dispositivo inspirado no modelo norte-americano do Housing First e chamado na França de Un Chez Soi d’Abord.

Acompanhada de dois profissionais da EGO-Aurore que trabalham no PTS e no mais novo Caarud da associação, igualmente situado no boulevard Ney, participei de uma maraude20 na chamada “Floresta linear”, em Pont-de-Flandre, 19º, área verde onde se constituía uma das principais cenas abertas da cidade em 2024, igualmente consolidadas (ainda) em Stalingrad. Ali, observei a abordagem dos profissionais aos frequentadores da Floresta, que estipulamos mais ou menos 150 pessoas naquele sábado cinzento, entre os quais cerca de 80 foram abordados. Carregando uma mochila com preservativos masculinos e femininos, lenços umedecidos com álcool, cremes cicatrizantes e filtros para cachimbo de crack, a maior aposta dessa intervenção, como me disseram os profissionais, é no vínculo. Muito embora a principal demanda de usuários que circulam pela Floresta seja o próprio cachimbo de crack, a equipe decidiu por não levar mais esse material, somente seus acessórios, como forma de incentivá-los a ir buscar nos PTS, ou em outros dispositivos fixos de RDR, permitindo-lhes se institucionalizar um pouco mais e passar menos tempo na cena aberta.

A equipe conta também com o fato de que outras associações fazem o mesmo tipo de intervenção e distribuem todos os materiais necessários para aqueles que não desejam ou não conseguem sair da cena. Outra demanda muito presente entre os frequentadores é por curativos e outros tipos de cuidado clínico, o que explica a presença do enfermeiro na equipe junto a uma educadora. A relação previamente estabelecida, ou em construção, explícita nas interações familiares entre eles e os usuários, não deixa negar a efetividade da “clínica do vínculo”, como ouvi em campo no Brasil. O público-alvo dessas intervenções é composto por usuários extremamente vulneráveis e intoxicados, violentados em diversos níveis e por diversas pessoas, inclusive por si mesmos, muitas vezes violentos com os demais, convivendo com transtornos psicológicos, distância ou abandono familiar, exílio, feridas abertas, fraturas, inimigos jurados de morte, mas, em geral, não apresentam ameaça à equipe – que sequer se deixa intimidar por perguntas como a que ouvimos: “Vocês não têm medo de entrar aqui?”.

Os profissionais, por sua vez, adaptam-se às inúmeras mudanças territoriais e organizacionais dessas cenas, adaptando também a sua intervenção. Como me disseram em campo, as cenas abertas de Paris mudaram não somente de endereço, mas também de configuração interna: tornaram-se menos um local de moradia/permanência noturna e mais de passagem, menos organizada em torno de lideranças/posições hierárquicas bem demarcadas e mais em torno de papéis flutuantes. Este último aspecto, em especial, pode trazer consequências nocivas para seus integrantes, acarretando disputas, conflitos e episódios de violência desregrados, mais constantes e menos previsíveis; contudo, o que chama atenção é uma relativa melhora expressa pelo esvaziamento das cenas à noite – para o qual os alojamentos emergenciais desempenham um papel fundamental, assim como a tolerância ao uso – e um aparente desengajamento dos usuários nas cenas abertas, organizando-se menos no interior delas – e talvez mais no interior dos dispositivos recentemente criados para essa população. Não à toa, encontrei no Espaço de Repouso diversos usuários abordados poucos dias antes na Floresta, situada a uma caminhada de 20min dali. Segundo os profissionais, em breve será inaugurado pela associação, ainda, outro dispositivo inédito direcionado a usuários de crack, que “não será nem um Caarud, nem um Csapa, nem um Espaço de Repouso, mas algo entre cada um deles”, sugerindo tanto um aporte social quanto clínico, mas de baixíssima exigência – o que parece ser comum aos novos estabelecimentos de RDR em Paris.

4. A experiência brasileira: o caso carioca e o vizinho paulistano

O movimento era intenso nas imediações da Central do Brasil e na Zona Portuária pouco depois das 19h de segunda-feira passada. A multidão que, em passo apertado, voltava para casa, passava como se anestesiada pelo flagelo humano com o qual o carioca parece ter se acostumado nas ruas: homens e mulheres, quase sempre esquálidos, entregues à fissura do crack (Galdo, 2022).

O trecho acima estampa a edição de 8 de maio de 2022 do jornal O Globo, que noticia a ampliação das cracolândias no Rio de Janeiro, atentando para a presença de cenas de uso e venda de crack em 14 regiões da cidade, como nos bairros de Benfica, Bonsucesso, Mangueira, Maré, Madureira e Pilares, na Zona Norte; de Copacabana, na Zona Sul; e na Zona Portuária. Definindo o fenômeno como “[...] um problema multifacetado que exige ações da saúde pública à segurança”, o veículo constata “[...] soluções ainda distantes, cerca de duas décadas após a droga chegar ao Rio”. Como afirma Rui (2019), entre as grandes cidades brasileiras, esta é onde o crack mais demorou a entrar – ao que tudo indica, em função de representações e decisões morais do tráfico de drogas na época, principalmente do Comando Vermelho (CV), que dominava cerca de 90% das favelas cariocas em 1990 (Amorim, 1993). Não por acaso, a substância chega ao Rio no início dos anos 2000, justamente quando o CV se apresentava menos fortalecido (Misse, 2011).

Como o trabalho de campo me permite observar, ainda hoje, a venda e o consumo de crack são proibidos em certas favelas dominadas pelo CV, como Vidigal e Rocinha, situados na Zona Sul da cidade, além daquelas recém-saídas de um período de proibição, como Santa Marta, em Botafogo, também na Zona Sul. Desse modo, enquanto São Paulo já acomoda há mais de três décadas uma cracolândia relativamente centralizada, extremamente visível e midiatizada, com projeção nacional e internacional (Rui, 2019), o Rio tem uma experiência um tanto recente com a substância, que não inclui um processo de territorialização propriamente dito. Em vez disso, engendra cracolândias fluidas e plurais, historicamente constituídas por um número reduzido de usuários no interior ou ao redor de favelas – e, portanto, frequentemente invisibilizadas (Frúgoli Junior; Cavalcanti, 2013). Nesse território, a história do crack se relaciona não apenas com as dinâmicas das principais facções criminais do estado – CV, Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigos dos Amigos (ADA) –, mas também com operações policiais, sobretudo da então política-modelo de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP)21, implantada em 2008, e diversas intervenções urbanísticas motivadas por grandes eventos esportivos na segunda década dos anos 2000.

A partir de 2005, as cenas abertas de crack se tornam visíveis na capital carioca (Rosales; Barnes, 2011) e, a partir de 2012, experimentam um processo de publicização (Cefaï, 2017a, 2017b, 2019), quando centenas de usuários da substância foram vistos andando a esmo na Avenida Brasil, a mais importante via expressa da cidade, às vésperas do Rio se tornar cidade-sede da Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016) (Rui, 2019). Por sua vez, a análise documental (Galdo, 2022, De Magalhães, 2022, Coutinho, 2022, Alves, 2023, RJ TV, 2024a, 2024b) aponta que, nos últimos anos, e cada vez mais, as cenas de uso cariocas vêm experimentando uma nova fase, calcada em sua proliferação e constituição em outros territórios da cidade, para além de regiões periféricas, favelas e adjacências – o que lhes confere, portanto, uma nova onda de publicização.

Não por acaso, Rio de Janeiro e São Paulo vêm sediando desde 2012 projetos e decisões políticas conservadoras de internação compulsória ou involuntária dessa população (G1, 2012, 2013, São Paulo, 2013), atravessadas por ações e iniciativas outras de redução de danos, como o programa paulistano “De Braços Abertos” e a “Bike da prevenção” no Rio. Em 2019, a guinada conservadora avança ainda mais com a publicação da “nova” Política Nacional de Drogas. Sob o governo de Jair Bolsonaro, a peça legislativa promove a abstinência em vez da RD como uma de suas principais diretrizes, acarretando um aumento da repressão policial na cena paulistana e um enfraquecimento dos CAPSad (Costa; Rui, 2023). Somada a diversos projetos municipais de renovação, a cidade de São Paulo assistiu, assim como Paris, a um movimento de migração dos usuários e a formação de diversas microcracolândias (SP2, 2022). Mas uma diferença que não se pode ignorar entre os dois cenários – e informa bem sobre a resposta pública ao problema de ecologia urbana em ambos os países – é que, ao contrário da operação na Colina do Crack, aquelas travadas no território paulistano recorrem a prisões – sobretudo com a posse do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em 2023, que intensificou as intervenções e culminou na prisão de 1.322 suspeitos nos primeiros sete meses do ano (Saba, 2023).

O Rio de Janeiro vem seguindo passos semelhantes: em maio de 2022, o Governo do estado procedeu a uma operação policial contra o consumo de crack em Copacabana, na Zona Sul da cidade (Ventura, 2022); em julho do mesmo ano, a Secretaria de Ordem Pública realizou operações em resposta à denúncia de moradores de Botafogo, também na Zona Sul, sobre a formação de uma cracolândia no bairro (Coutinho, 2022); em julho de 2022, a polícia realizou uma operação contra a expansão das cracolândias na Zona Norte do Rio; em maio de 2023, mais esforços de policiamento ostensivo foram realizados em Botafogo, após nova denúncia de moradores sobre a formação de cracolândia no bairro, “[...] tendo como foco principal a prevenção de práticas delituosas” (Alves, 2023). Assim, os poderes públicos vêm situando a questão das cracolândias no Rio de Janeiro – e, portanto, o problema de ecologia urbana – em um quadro (Goffman, 2012) securitário, mobilizando medidas de segurança pública desconectadas das ações de saúde e redução de danos.

Como venho observando em trabalho de campo, estas são operadas normalmente por Agentes Territoriais (AT) dos CAPSad, Agentes Comunitários de Saúde (ACS) vinculados à Estratégia de Saúde da Família (eSF) e profissionais da estratégia Consultórios na Rua (CnaR) de Clínicas da Família (CF) – ou seja, serviços da Saúde Mental e da Atenção Primária à Saúde (APS). Diferentemente de Paris, onde se estabelece um arranjo mais ou menos eficaz de colaboração entre as equipes de RDR e as forças policiais, a despeito da tensão subjacente entre elas22 (Porto, 2022), no Rio, o diálogo entre as instituições equivalentes se revela mais fragmentado. Um exemplo ilustrativo remete ao convite de uma diretora de CAPSad ao supervisor do Segurança Presente23 de seu território para conversar na unidade, rendendo-lhe a presença de dois oficiais que sequer aguardaram a sua chegada, com a justificativa de que estavam “só checando se estava tudo em ordem”. Quando era justamente essa “checagem” no território, muitas vezes em frente ao CAPSad – e sobretudo nos períodos de eleição municipal e de recepção da Cúpula do G-20, em outubro e novembro de 2024 –, que a diretora buscava compreender.

A contrapartida francesa fica evidente na própria evacuação da Colina, quando profissionais de associações como EGO-Aurore foram convocados para acompanhar a intervenção e direcionar os usuários. No Rio, as equipes que acompanham ações policiais em cracolândias, quando acionadas, são da Assistência Social (De Magalhães, 2022), e não dos CAPSad – o que sugere um tratamento público mais focalizado na situação de rua do que no cuidado clínico de pessoas em sofrimento psíquico e/ou abuso de drogas. Como pude observar em campo, os CAPSad do município do Rio se organizam em torno de um coletivo comprometido com a abordagem de redução de danos, garantindo, por exemplo, a distribuição de insumos alimentícios, de autocuidado e de prevenção aos usuários que se encontram em situação de rua e/ou em cenas abertas, nas ações territoriais – uma iniciativa “privada” desses estabelecimentos, que solicitam os materiais diretamente à Viva Rio, empresa gestora dessas e de muitas outras unidades de saúde no Rio de Janeiro, não refletindo, portanto, uma medida de abrangência nacional e/ou padronizada, como a distribuição de insumos de prevenção na França.

Entre essas ações, observei a entrega de copos d’água e barras de cereal em cenas abertas no asfalto da Zona Sul povoadas, sobretudo, por etilistas – mais especificamente, em regiões que fogem ao domínio do tráfico, onde normalmente não é permitida a distribuição desses materiais24; conversei com profissionais que atuaram em uma cena itinerante de cocaína, numa favela onde a venda e o uso de crack são proibidos, realizando testes rápidos para Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e distribuindo insumos como barras de cereal, mel, manteiga de cacau, protetor solar, preservativos e post-it para inalação nasal única; acompanhei uma ação no asfalto ainda sem a entrega de insumos, mas recolhendo nomes, demandas e estabelecendo vínculo com os usuários abordados – característica comum a todas as intervenções; acompanhei outra em território de favela, viabilizada pela facção dominante – que reconheceu a necessidade de testar e cuidar da população local de usuários, sobretudo de crack, em vista do aumento do número de casos de tuberculose entre eles25 –, contando com a entrega de insumos alimentícios, de autocuidado e prevenção (somando-se aos post-it, uma boa quantia de recortes de papel alumínio para inalação oral única26) em uma cena “fechada” de crack totalmente organizada e controlada pelo tráfico, que inclusive vende artefatos de uso no local, e em outra menos “institucionalizada”, mas igualmente consentida por homens armados; acompanhei mais uma ação em outro território de favela controlado pelo “poder paralelo”, como chamam os profissionais, com a distribuição dos insumos previamente citados em uma cena com certo caráter de fechamento – já que se encontra no interior de um prédio abandonado, cedido a mando do tráfico para concentrar os usuários de crack –, mas não totalmente, por ser de livre acesso e visível do lado de fora em função de sua estrutura inacabada; entre outras ações.

Em julho de 2024, um jornal local identificava cerca de 50 pontos de uso de crack na cidade do Rio, com destaque para as cenas do Maracanã, na Zona Norte, e de Botafogo, na Zona Sul:

Onde a situação é ainda pior, os moradores reclamam do perigo constante de serem atacados por pessoas fora de controle pelo uso de drogas. O local virou ponto de uso de crack, até mesmo em plena luz do dia. Dependentes químicos ficam na calçada sem se preocupar com quem passa por ali. Registramos pacotes sendo passados de mão em mão. Pelo chão, encontramos vestígios de que o local se tornou um ponto usual de drogas (RJ TV, 2024a).

Não à toa, a região do Maracanã acomoda no mesmo ano o Ponto de Apoio na Rua (PAR Carioca) no âmbito do Programa Seguir em Frente, onde pessoas em situação de rua podem acessar cuidados primários, acompanhamentos técnicos, armários para guardar seus pertences, máquinas de lavar, acomodação em pequenos bancos de madeira etc. Também não por acaso, nos períodos de eleição municipal e de recepção da Cúpula do G-20 em outubro e novembro de 2024, as equipes dos CnaR da Zona Sul foram instruídas a direcionar as pessoas em situação de rua às Unidades de Acolhimento Adulto (UAA) do município, como pude observar em campo – sobretudo àquelas recentemente implantadas em dezembro de 2023, em anexo ao CAPSad Dona Ivone Lara, com capacidade para 50 pessoas em cada uma das dez unidades do complexo integrado de Residência e Unidades de Acolhimento (RUA Sonho Meu), no âmbito do supracitado Programa, em Cascadura, Zona Norte do Rio, que oferece acompanhamentos técnicos, auxílio financeiro, empregabilidade e moradia temporárias27.

Destinados a pessoas em sofrimento psíquico, majoritariamente usuárias de drogas, esses dispositivos geridos pela Saúde Mental podem ser comparados ao Espaço de Repouso parisiense, sobretudo no que se refere à amplitude e capacidade interna, baixa exigência, cautela de outros serviços28, resolução de problemas de saúde/tranquilidade pública, e configuração de problemas do problema público. Assim como descrevi em relação ao Espaço de Repouso e à SCMR de Paris, o PAR Carioca, inicialmente localizado na Praça da Cruz Vermelha, no Centro da cidade – considerando os circuitos percorridos por seu público-alvo, que busca diariamente distribuições de comida e outros serviços básicos/assistenciais ali disponíveis –, encontrou resistência entre moradores da região, que pressionaram pela mudança de endereço já vislumbrada no Projeto, pretensamente itinerante, mas também compelido por suas reivindicações. Ou seja, o dispositivo estrategicamente pensado para atender uma população vulnerável que ocupava o espaço público, buscando melhorar sua qualidade de vida e a dos demais habitantes, encontrou o mesmo destino de contestação e recusa de moradores por concentrá-la ainda mais na região.

Outra questão levantada por profissionais desse e de outros serviços, igualmente inerente à categoria de problemas do problema público, recai sobre os efeitos práticos de certos benefícios. Durante a pesquisa, me contaram sobre um usuário etilista que vivia em condições insalubres em um porão improvisado no interior de uma favela da Zona Sul e se mantinha abstinente pela falta de recursos financeiros, mas voltou a beber após ser incluído no Programa Bolsa Família, que prevê o valor mensal de R$ 600,00, agravando seus problemas de saúde. Ouvi relatos e anseios similares por parte da equipe vinculada ao Seguir em Frente sobre usuários que intensificaram o consumo após receberem o auxílio previsto. Outro problema identificado remete àqueles que, ao contrário, conseguem administrar, reduzir ou mesmo cessar o uso problemático de substâncias durante a vigência de um contrato de trabalho com recursos financeiros, apresentando crises quando o mesmo se encerra após o tempo máximo de acompanhamento. A esses problemas que nascem nas tentativas de resolução de um problema público originário, dedico uma reflexão por observá-los em campo como entraves à execução e ao desenvolvimento das políticas públicas competentes.

Mas, apesar das semelhanças, uma contrapartida importante do Seguir em Frente é a proibição mais recente – e posterior a uma primeira tentativa de acolhimento sem barreiras de acesso – do consumo de substâncias alcóolicas em suas Unidades de Acolhimento Adulto. Entre as opções de alojamento emergencial para essa população na cidade – os abrigos da Assistência Social; o programa Hotel Acolhedor do Governo do Rio; os leitos de Acolhimento Noturno (AN) dos CAPS III, de atenção contínua e funcionamento 24h, onde usuários em crise podem passar alguns dias; entre outros –, as UAA são as mais flexíveis em relação ao consumo de drogas e tolerância com seus efeitos, segundo os meus interlocutores – inclusive um redutor de danos me revelou, ciente das contradições e problemáticas que despontam de sua decisão, permitir excepcionalmente o consumo de crack no interior da UAA onde trabalha quando os usuários se sentem ameaçados no território. Contudo, essas unidades, assim como os CAPSad que determinam os seus hóspedes, trazem uma proposta de cuidado e acompanhamento terapêutico que viabiliza, em boa parte dos casos, o estabelecimento de vínculos fortes entre técnicos e usuários, seu comprometimento para sustentar combinados, seu engajamento nas atividades previstas pelo Projeto Terapêutico Singular (PTS) e o desenvolvimento de um senso temporal e organizacional inescapável para comparecer à sua unidade de referência nos dias designados.

5. Conclusões

Em uma perspectiva comparada, as incursões etnográficas e documentais no Rio de Janeiro e em Paris permitem conceber dois tipos de “habitats experienciais” (Mead, 2006, p. 90), isto é, dois conjuntos de experiências coletivas e ecologias produzidas nas transações entre certas formas de vida e seus respectivos ambientes (Cefaï, 2017a, 2017b), produzindo diferentes paisagens de consumo. São elas: uma mais generalizada, composta por agrupamentos numerosos de pessoas, relativamente fixos e homogêneos, uma vez que se estabelecem majoritariamente em torno das mesmas substâncias (álcool e crack) e se situam em certas praças, calçadas, áreas verdes e outros tipos de espaço público a céu aberto da região nordeste de Paris, onde o uso e a venda de drogas são bastante presentes (Gros, 2021) de maneira mais ou menos integral, produzindo, efetivamente, cenas abertas de consumo; e uma mais localizada, composta por pequenos agrupamentos de pessoas, fixos e voláteis, bastante heterogêneos entre si, uma vez que se estabelecem em torno de diferentes substâncias (álcool, cocaína, crack, thinner etc.) e se situam nos mais variados espaços, abertos e encobertos, de cavernas constituídas por entre pedras nas praias àquelas formadas por construções urbanas, da favela ao asfalto, da regulação de facções criminosas à intervenção policial/municipal, da Zona Sul à Zona Norte da cidade, produzindo diferentes e tão somente situações de consumo no asfalto, quando não constituem cenas fechadas nas favelas.

Nessas cenas, os usuários se inserem em campos variados de experiência (Mead, 2006, Cefaï, 2021), produzidos na relação entre esses organismos e seus respectivos ambientes, de maneira processual – corroborando a ideia bastante difundida por meus interlocutores no Brasil de que os territórios onde se fixam ou por onde circulam os usuários são “vivos”. Mas, de modo semelhante, no Brasil e na França, indivíduos, grupos e organizações são confrontados com essa situação problemática e fazem experimentos e investigações com vistas à sua resolução, estabelecendo uma inteligência coletiva (Dewey, 1927) organizada e distribuída em várias instituições: organizações não governamentais, universidades de ensino superior, sindicatos, movimentos sociais, agências cívicas, meios de comunicação de massa etc. Como afirma Cefaï (2021), essa contínua razão pública é diferente de um mero processo de acomodação ou dominação: ela está embutida na dinâmica ecológica da investigação pública, da experimentação e discussão, gerando novos ambientes de vida e rearticulações políticas, como vimos anteriormente. Assim, os públicos (e os seus problemas práticos) renovam o Estado, então tomado como um processo em andamento, e não “[...] uma abstração filosófica definida em termos legais e normativos” (Park, 1929, p. 1193).

Não pretendo trazer aqui uma questão já discutida em outro trabalho (Porto, 2025a) sobre os diferentes modelos de redução de riscos e danos institucionalizados no Brasil e na França para enfrentar os problemas associados ao uso de drogas. Mas interessa à presente análise discutir os efeitos de uma abordagem francesa instituída em torno da competência médica chamada adictologia (Fortané, 2010) e de outra brasileira constituída junto à saúde mental sobre os programas locais e dispositivos estatais. Não por coincidência, a França institui uma ampla distribuição de insumos descartáveis e padronizados de consumo, frequentemente tomado como “irreprimível” no âmbito da adicção (Porto, 2022, 2025a, 2025b), tanto em estabelecimentos médico-sociais quanto em ações territoriais; uma enorme oferta de Tratamentos de Substituição aos Opiáceos em todos os Csapa do país; a implantação de Salas de Consumo supervisionado em Paris e Estrasburgo, leste do país; e a criação de Salas de Repouso que funcionam como “[...] uma substituição à não [existência de tratamentos de] substituição [para o consumo de crack]” (Belaïch, 2020).

O Brasil, por outro lado, institui Centros de Atenção Psicossocial destinados a aplacar o sofrimento psíquico que deriva ou antecede o uso de drogas, com um projeto terapêutico mesclado entre a medicalização e o desenvolvimento de atividades em grupo, atendimentos individuais, manejos de crise, transferência entre os pacientes e as suas referências, o que significa, entre outras coisas, a necessidade de informar nomes e dados pessoais verdadeiros, visando a uma aproximação efetiva com os profissionais, ao contrário do anonimato permitido por dispositivos franceses, e muito menos enfoque – por vezes, nenhum, como mostra Santos (2023) sobre o norte fluminense – em insumos descartáveis de consumo. Essa característica reúne benefícios, como um acompanhamento técnico mais rigoroso e potencialmente produtivo ao usuário, mas também prejuízos, como o afastamento daqueles que não desejam ou não conseguem ou não desejam cumprir determinadas regras e/ou atividades propostas. Assim, enquanto um cenário parece caminhar para a mais baixa exigência buscando, talvez, maior adesão, o outro parece valorizar um itinerário de cuidado em busca de uma intervenção mais plena. Por entre problemas de ecologia urbana e outros associados, somente uma análise prolongada dos campos poderá identificar se reduzir as barreiras de acesso ou ampliar o aporte terapêutico é o mais indicado para lhes contornar.

  • 1
    A presente pesquisa é financiada pela FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, Processo SEI 260003/019659/2022.
  • 2
    Os arrondissements de Paris são fruto de uma divisão administrativa que decompõe a cidade em 20 regiões distribuídas em espiral (cada arrondissement pressupõe um passo no movimento de “rodear” – arrondir – a cidade), a partir do centro do mapa.
  • 3
    Termo mobilizado por meus interlocutores para se referir à concentração de pessoas em torno da venda e do uso de drogas em praças, ruas, estações de metrô e demais espaços públicos urbanos.
  • 4
    A associação cujo nome podemos traduzir como “Esperança Goutte d’Or” é oriunda de um movimento entre militantes e profissionais de saúde, moradores da Goutte d’Or, usuários e ex-usuários de drogas injetáveis, que começaram a se organizar em meados da década de 1980 para minorar os efeitos da epidemia de HIV, engajando-se em torno do já citado problema epidemiológico, entre outros, como os primeiros problemas de ecologia urbana experimentados em Paris, alcançando o status de associação em 1987. Muito embora a EGO tenha sido incorporada em 2012 à associação Aurore, que atua desde 1871 fornecendo alojamento, cuidado e acompanhamento a pessoas em situação de precariedade e exclusão, o que lhe rendeu a alcunha de “serviço”, ela continua sendo reconhecida e chamada diariamente entre funcionários e beneficiários pelo nome de “associação”, e, por isso, refiro-me a ela do mesmo modo.
  • 5
    Com o objetivo de auxiliar os pacientes que desejam reduzir ou largar o consumo de opiáceos – substâncias derivadas do ópio, um líquido leitoso presente na planta chamada Papaver Somniferum, popularmente conhecida como papoula do oriente – naturais (como a morfina) e semissintéticos (como a heroína), os TSO compreendem a prescrição médica de opiáceos totalmente sintéticos. Trata-se de opioides administrados oralmente, cujos efeitos se assemelham aos primeiros e permitem ao usuário substituir o consumo desassistido de substâncias ilegais, e muitas vezes adulteradas, por fármacos autorizados como metadona e buprenorfina, com composição e dosagens reguladas, sem sentir os efeitos da abstinência – apesar de ter ouvido o oposto diversas vezes em trabalho de campo.
  • 6
    A primeira crack house de Paris surgiu na rue de Tanger, no bairro de La Villette, 19º, em 1989. Contudo, as cenas abertas de venda e consumo expressivos de crack só foram oficialmente identificadas em 1993, pelas pesquisas etnográficas realizadas por Rodolphe Ingold e Mohamed Toussirt, articulados ao Instituto de pesquisas em epidemiologia da farmacodependência (IREP).
  • 7
    O Réseau Express Regional (Rede Regional Expressa) é uma rede de trens regionais que servem a região parisiense.
  • 8
    A temporalidade dessa cena pode ser vislumbrada no filme chamado Stalingrad Lovers, dirigido por Fleur Albert e lançado na França em dezembro de 2013. Fruto de cinco anos de trabalho nas ruas, entre o bairro da Goutte d’Or e de Stalingrad, notadamente nas praças onde se configuram as cenas abertas e nos arredores das estruturas de RDR, o filme retrata a comunidade de usuários de crack que circulavam nessas regiões dentre os quais Patrick, um dos frequentadores da EGO-Aurore que se tornou figura respeitada e de destaque nos estabelecimentos da associação, cuja experiência nas ruas levou a diretora a convidá-lo para atuar no filme, utilizando seus escritos pessoais na elaboração dos diálogos, como o mesmo me narrou em campo.
  • 9
    A prefeitura da cidade (chamada Ville de Paris) é distribuída em uma Mairie centrale (administração central) e vinte Mairies d’arrondissement (subprefeituras locais dispostas em cada uma das vinte regiões administrativas de Paris).
  • 10
    Parti Socialiste, isto é, Partido Socialista.
  • 11
    Criada em 2005 pela organização Médecins du Monde (Médicos do Mundo) com o objetivo de acolher e auxiliar usuários de drogas nos âmbitos social, médico e psicológico, passando a administrar, tal como a EGO-Aurore, um Csapa e um Caarud, além da SCMR e outros estabelecimentos de RDR.
  • 12
    Essa decisão, bastante controversa, concerne especificamente à cena parisiense. A SCMR de Estrasburgo, região leste da França, por exemplo, inaugurada poucos meses após a abertura da unidade de Paris, foi instalada em uma área afastada da cidade, justamente com o objetivo de não perturbar os moradores de áreas residenciais, o que rendeu um impacto positivo em termos de tranquilidade pública, como me narrou um dos pesquisadores responsáveis pelo relatório oficial encomendado pelos poderes públicos.
  • 13
    Europe Ecologie – Les Verts, isto é, Europa Ecologia – Os Verdes, é um partido ambientalista de esquerda.
  • 14
    O famoso Kit Base é um artefato de RDR destinado ao consumo de crack distribuído por muitos anos no PTS da associação. Sua composição foi sendo aperfeiçoada desde os anos 2000 e a versão mais recente compreende um cachimbo em vidro borossilicato; dois pequenos filtros em plástico para encaixar no cachimbo e o alongar, evitando ferimentos nos lábios – embora seja necessário somente um para cada inalação, os kits compreendem dois para que os consumidores não precisem reutilizá-los ou compartilhá-los com colegas; duas pequenas telas, que evitam a inalação de resíduos; e um creme cicatrizante para as mãos e os lábios, para tratar as queimaduras oriundas do fumo.
  • 15
    Ideia amplamente difundida também entre profissionais de RDR, como me afirmaram diversas vezes em campo, da qual se valem para justificar o seu trabalho diante de críticas ou acusações de que estão facilitando o consumo. “Quem quer usar drogas, vai fazê-lo de qualquer maneira”, eles diziam.
  • 16
    Quando profissionais de serviços distintos de RDR, como, por exemplo do Csapa EGO-Aurore, permanecem naquele local durante uma jornada de trabalho, assistindo aos usuários que desejam esse tipo de acompanhamento, mas não chegam às suas unidades.
  • 17
    Les Républicains, ou, Os Republicanos, é um partido político de direita.
  • 18
    Após superar uma série de problemas técnicos que inviabilizaram sua inauguração, a equipe técnica precisou fazer o seguinte combinado com a polícia: os profissionais deveriam ir buscar os frequentadores individualmente no entorno da Colina, onde era permitida a sua presença, e acompanhá-los até o interior do Espaço. Com esse movimento, perdia-se um tempo considerável de deslocamento e atendia-se a um número de usuários muito inferior à capacidade local.
  • 19
    Essa formação, muito comum entre profissionais de RDR, compreende uma especialização de três anos após o bacharelado em qualquer área, sendo dois anos de aulas teóricas e um ano de estágio em instituições escolhidas conforme o interesse de inserção profissional dos alunos. A especialização forma profissionais que desejam trabalhar no âmbito social, em favor de grupos marginalizados que se encontram em situação de vulnerabilidade física, psicológica e/ou social. Em 2019, observei o treinamento de algumas estagiárias que chegaram ao Caarud EGO-Aurore.
  • 20
    As maraudes são operadas por profissionais do Samusocial – um dispositivo urbano de urgência social e luta contra a exclusão – por meio de uma intervenção no espaço público que oferece cuidados médicos e de higiene, acompanhamento psicossocial, alimentos, alojamentos sociais etc. a pessoas em situação de rua (Cefaï; Gardella, 2011). As maraudes de RDR oferecem o mesmo serviço a usuários de drogas, junto à distribuição de materiais de consumo descartáveis e ao encaminhamento a estabelecimentos de RDR.
  • 21
    Uma nova forma de policiamento operada nas favelas cariocas, que alterou não somente a rotina e a sociabilidade de seus moradores (Menezes, 2015), como também o destino das cenas de consumo de crack na cidade do Rio (Rui, 2019).
  • 22
    Como afirma Anne Souirys em uma entrevista ao jornal Libération, em 2020, quando estabelecimentos de RDR são inaugurados, a polícia deve estar de acordo e se adaptar ao cenário: “Se eles prenderem todo mundo, não funciona”, disse a representante (Belaïch, 2020).
  • 23
    Estratégia de segurança pública que opera no estado do Rio de Janeiro desde 2015, introduzindo patrulhamentos por policiais e agentes civis em territórios específicos.
  • 24
    Como me disseram em campo, o tráfico não permite a distribuição de água em copinhos em suas áreas de domínio por vender esse material, inclusive como artefato de consumo de crack. Observei um pequeno estande com esse item, entre outros, em uma ação territorial em cracolândia situada em uma favela da Zona Sul. Como me contaram, ainda, usuários de outras drogas podem recusar os copos d’água ofertados justamente pelo receio de serem confundidos com consumidores de crack.
  • 25
    Como aponta a literatura médica (Oliveira; Bosch, 2023), o crack facilita o desenvolvimento da doença não apenas pelo comprometimento do sistema imunológico, mas também por agregar ao usuário uma série de comportamentos que coincidentemente são os mesmos fatores de risco para a tuberculose. Como me disseram alguns profissionais em campo, um deles é o uso de bombril em cachimbos improvisados de crack.
  • 26
    Com o objetivo de reduzir os danos do uso de crack, os profissionais passaram a distribuir a partir de 2024 recortes de papel alumínio para cobrir os copos de plástico empregados como cachimbos, impedindo a ingestão de toxinas presentes nesse material.
  • 27
    Os beneficiários são acompanhados durante vários meses com vistas adquirir as condições necessárias para “seguir em frente”, acessando uma bolsa mensal; oportunidades de emprego normalmente em zeladoria, manutenção e limpeza na própria unidade, em Clínicas da Família ou em outros estabelecimentos municipais de saúde; alojamento nas Unidades de Acolhimento Adulto (UAA) do Programa; oportunidades de moradia continuada inspiradas no modelo de Housing First (ou Un Chez Soi d’Abord); além da promessa de empregabilidade posterior por empresas parceiras que estariam dispostas a absorver essa população na equipe.
  • 28
    Assim como os representantes do Seguir em Frente se queixam de certa desconfiança por parte de outros serviços, muitas vezes em função da ideia de que a convivência em seus dispositivos elencaria uma série de problemas e questões de várias ordens; os profissionais que acompanhei na maraude em Paris me disseram ser cuidadosos no encaminhamento de usuários ao Espaço de Repouso por saberem que “lá não é para qualquer um”. Segundo eles, a grande quantidade de assistidos vivendo em condições extremamente vulneráveis e mantendo um uso muitíssimo intenso de crack e álcool acaba produzir uma sociabilidade, muitas vezes, problemática.
  • Fonte de financiamento:
    Esta pesquisa é financiada pela FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, Processo SEI 260003/019659/2022.
  • Aprovação do Comitê de Ética:
    Esta pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética da UFRJ (CAAE: 73744423.5.0000.5582) e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (CAAE: 73744423.5.3001.5279).
  • Disponibilidade de Dados:
    Os dados de pesquisa estão disponíveis no corpo do artigo.

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Editado por

  • Editor:
    Everton Garcia da Costa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2024
  • Aceito
    23 Jan 2025
Creative Common - by 4.0
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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