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Em favor das associações: uma homenagem à sociologia de Bruno Latour (1947-2022)

In favor of associations: a tribute to Bruno Latour’s (1947-2022) sociology

Resumo

Bruno Latour é parte de uma geração de pesquisadoras e pesquisadores que se propuseram a transformar por completo a maneira como as Ciências Sociais investigam e analisam a produção de ciências e tecnologias. A hesitação diante de verdades monolíticas e a reverência ao trabalho de campo nos parecem marcas importantes da heterogênea obra latouriana e se fazem ver de forma explícita nos seus estudos em laboratórios científicos, quando o autor passa a se dedicar às ciências e às técnicas, temáticas então efervescentes. O empreendimento intelectual latouriano, a despeito de (ou, justamente, em função de) seu caráter heterogêneo e interdisciplinar, sublinha a importância da dúvida e da hesitação diante do que se apresenta como fato. Se esse tensionamento é colocado nos estudos de laboratório e na fabricação de verdades científicas, há que se registrar que as Ciências Sociais não passam incólumes a essa crítica: o gesto interpretativo de Bruno Latour estremece a sociologia dominante estabelecida. Ao fazermos, aqui, uma homenagem a esse importante autor, interessa-nos realizar um sobrevoo na sua vasta vida intelectual. Essa tarefa, contudo, exige cautela. Não pretendemos expor toda sua obra, mas compilá-la em movimentos que julgamos relevantes para animar novas perguntas às pesquisas sociológicas contemporâneas.

Palavras-chave
Bruno Latour; Estudos Sociais em Ciência e Tecnologia; giro ontológico; Teoria Ator-Rede; atores humanos e não humanos

Abstract

Bruno Latour is part of a generation of researchers who intended to completely change the way Social Sciences investigate and analyze the production of science and technology. The hesitation before monolithic truths and the reverence for fieldwork constitute key features of Latourian’s heterogeneous work, which are explicit in his studies within scientific laboratories, when the author starts to focus on science and techniques, then hot topics. The Latourian intellectual enterprise, despite (or precisely because of) its heterogeneous and interdisciplinary character, underlines the importance of doubt and hesitation before what is presented as a fact. If such tension is placed in laboratory studies and in the fabrication of scientific truths, Social Sciences do not pass this criticism unscathed: Bruno Latour’s interpretive move shakes the established dominant sociology. As we pay homage to this important author here, our interest is looking over his vast intellectual life. Such a task, however, requires caution. Without intending to expose all of his work, we aim to compile it through movements that we deem relevant to animate new questions for contemporary sociological research.

Keywords
Bruno Latour; Studies on Science, Technology and Society; ontological turn; Actor-Network Theory; human and non-human actors

O despertar do domingo, dia nove de outubro de 2022, foi intempestivo. Mensagens começaram a romper o silêncio da manhã, no horário oficial do Brasil. Como o impacto de toda má notícia leva um tempo a ser assimilado, com essa não foi diferente: falecia Bruno Latour, filósofo, antropólogo, sociólogo, epistemólogo, etnólogo e ecologista político, um verdadeiro “passador de fronteiras” acadêmicas e disciplinares.

Ao fazermos uma homenagem a esse importante autor, neste texto, interessa-nos realizar um sobrevoo na sua vasta vida intelectual. Essa tarefa, contudo, exige cautela. Não pretendemos expor toda sua obra, mas a compilamos em movimentos que julgamos relevantes para animar novas perguntas às pesquisas sociológicas contemporâneas. Nesse sentido, o texto é dividido em cinco partes, além dessa breve introdução. Na primeira, demonstramos a relevância da abordagem socioantropológica latouriana no contexto de formação dos Estudos Sociais em Ciência e Tecnologia (ESCT); na segunda, elucidamos a tese mais expressiva do autor, “jamais fomos modernos”, e seu posto no respectivo movimento do giro ontológico; na terceira parte estão seus diálogos com o antropoceno; na quarta, realizamos a exposição de como algumas pesquisas oriundas do grupo Temas/UFRGS têm mobilizado diálogos com o autor. O texto é finalizado indicando algumas inspirações latourianas à Sociologia brasileira.

A reinvenção dos estudos sobre ciência e tecnologia

Bruno Latour é parte de uma geração de pesquisadoras e pesquisadores que se propuseram a transformar por completo a maneira como as Ciências Sociais investigam e analisam a produção de ciências e tecnologias. É em Dijon – na província, portanto – que Latour realiza sua formação inicial em Filosofia, em um curso tradicional e com destacado apelo aos clássicos. Em 1973, a realização do serviço militar em Abidjan, na Costa do Marfim, o impele às Ciências Sociais: ao buscar, em uma pesquisa inicial, compreender as dinâmicas que envolviam empregados marfinenses e empresários franceses, o trabalho de investigação em campo produziu novos caminhos metodológicos e interpretativos. Esse primeiro trabalho de pesquisa permitiu a Latour ver as “relações assimétricas de poder” incrustadas nas gestões capitalistas supostamente neutras da França pós-colonial (Howles, 202224 HOWLES, Tim. Bruno Latour (1947-2022). Blog do LABEMUS, 9 out, 2022. Disponível em: https://blogdolabemus.com/2022/10/09/bruno-latour-1947-2022-por-tim-howles/
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). Em seu retorno à França, em 1975, Latour defende sua tese de doutorado, cujo tema versa sobre a exegese no Evangelho, questionando a noção de verdade religiosa (Dosse, 201817 DOSSE, François. O império do sentido: a humanização das ciências humanas. São Paulo: Editora Unesp, 2018.).

A hesitação diante de verdades monolíticas e a reverência ao trabalho de campo nos parecem marcas importantes da heterogênea obra latouriana e se fazem ver de forma explícita nos seus estudos subsequentes em laboratórios científicos, quando o autor passa a se dedicar às ciências e às técnicas, temáticas então efervescentes. Entre o final dos anos de 1970 e início da década de 1980 foram publicados os pioneiros “estudos de laboratório”, etnografias que, pela primeira vez, tornaram laboratórios locus de investigação sociológica (Latour; Woolgar, 199738 LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. A Vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.; Collins, 20096 COLLINS, Harry. Cambiar el orden: replicación e inducción en la práctica científica. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2009.; Knorr Cetina, 200527 KNORR CETINA, Karin. La fabricación del conocimiento: un ensayo sobre el carácter constructivista y contextual de la ciencia. Bernal: Ed. Universidad Nacional de Quilmes, 2005.; Lynch, 198541 LYNCH, Michael. Art and artifact in laboratory science: a study of shop work and shop talk in a research laboratory. London: Routledge and Kegan Paul, 1985.; Traweek, 198855 TRAWEEK, Sharon. Beamtimes and lifetimes: the world of high energy physicists. Cambridge: Harvard University Press, 1988.). Esses trabalhos compartilham, em especial, as críticas à possibilidade de um conhecimento desinteressado e absolutamente neutro e a proposta de abordar o laboratório como espaço privilegiado para a observação direta da produção de conhecimento. A partir de um olhar etnográfico, tal abordagem privilegia a análise da ciência enquanto ela é feita – a “ciência em ação”, expressão eternizada em título de livro em 1997 – como um conjunto de práticas material e culturalmente situadas (Haraway, 199229 HARAWAY, Donna. Situated knowledges: the science question in feminism and the privilege of partial perspective. In: HARAWAY, Donna. Simians, cyborgs, and women: the reinvention of nature. Nova York: Routledge, 1992.).

Tais estudos foram precedidos pelos trabalhos de Karl Mannheim (1972)42 MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972. e Ludwig Fleck (2010)20 FLECK, Ludwig. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010., reconhecidos como precursores do campo no início do século 20, assim como por contribuições posteriores de Thomas Kuhn (2010)28 KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 2010. e Robert Merton (2013)47 MERTON, Robert. Ensaios de sociologia da ciência. São Paulo: Editora 34, 2013., que redirecionaram o enfoque do conteúdo teórico e a coerência do conhecimento científico para os fatores sociais de sua produção. No início dos anos de 1970, o Programa Forte de David Bloor (2009)2 BLOOR, David. Conhecimento e imaginário social. São Paulo: Unesp, 2009. e suas críticas à Sociologia do Conhecimento foram fundamentais para a emergência dos primeiros estudos de laboratório, pois redefiniram as fronteiras desse campo ao propor que não somente o conhecimento considerado falso, mas também o verdadeiro – inclusive o científico – deveria ser explicado sociologicamente. Nessa perspectiva, forçoso seria considerar as condições sociais de produção do conhecimento e recorrer aos mesmos fatores explicativos – e.g. cultura, valores, contexto político – que, até então, eram utilizados para explicar apenas o conhecimento considerado falso ou errôneo.

Nesse contexto, a obra Vida de Laboratório: a produção dos fatos científicos, publicada em inglês, em 1979, por Bruno Latour e Steve Woolgar, resulta de uma etnografia realizada no laboratório de neuroendocrinologia do Instituto Salk, na Califórnia (EUA). Como uma primeira geração dos “estudos de laboratório”, ela compõe a literatura fundadora do campo que viria a ser conhecido como os Estudos Sociais em Ciência e Tecnologia (ESCT) ou Science and Technology Studies (STS), em inglês. Desde suas primeiras formulações, Latour e seus colaboradores contemporâneos foram fortemente criticados por cientistas de outros campos, notadamente das ciências “duras”, por afirmarem que, assim como as relações de trabalho, os mercados, obras artísticas, culturas e representações simbólicas, Ciência – a letra maiúscula importa aqui – são socialmente construídos. Tais críticas partiam do pressuposto de que afirmar que o conhecimento científico era socialmente construído implicaria um relativismo absoluto e, em última instância, questionaria a autoridade da ciência em afirmar o que é a verdade. Para Latour, a verdade é aquela coproduzida pelos atores (actantes em sua terminologia), em diferentes contextos sociais e naturais. Essa discussão ressurge mais recentemente sob acusação de que os ESCT contribuíram para a era da pós-verdade. No entanto, cabe registrar, como indica Sismondo (2017)51 SISMONDO, Sergio. Editorial: Post-Truth? Social Studies of Science, v. 47, n. 1, p. 3-6, 2017., que longe de desmerecer o trabalho de cientistas, as obras de Latour e de outros autores dos ESCT valorizam e destacam o complexo empreendimento – a infraestrutura, recursos, tempo, negociações, empenho – necessário para tornar uma mera alegação em fato ou para a elaboração de uma tecnologia com pleno funcionamento.

Essas formulações iniciais foram posteriormente desenvolvidas em colaboração com autores como Michel Callon, John Law, Madeleine Akrich, entre outros, e produziram, em um campo interdisciplinar, a literatura conhecida como Teoria Ator-Rede (TAR) ou, no inglês, Actor-Network Theory (ANT). Entre as obras que amadureceram as reflexões sobre como estudar a produção de conhecimento a partir da perspectiva da TAR, destacam-se o livro Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora (Latour, 200037 LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Unesp, 2000.), publicado originalmente em 1989 (no Brasil, em 1997), e A Esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos (Latour, 200136 LATOUR, Bruno. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Bauru: Edusc, 2001.), publicado originalmente em 1999. Um desdobramento importante foi o entendimento de que o laboratório é parte de um dispositivo mais amplo, de maneira que é necessário abranger os atores e práticas considerados parte da produção de conhecimento. Usuários de tecnologias, empresas, fontes de financiamento, agentes políticos, decisões judiciais, processos regulatórios e de definição de normas são exemplos de atores e processos, convencionalmente considerados externos à Ciência, que foram incorporados às descrições sobre como ocorre a produção de conhecimento.

Em contraponto a uma visão purificada de Ciência como algo que ocorre estritamente em laboratórios e centros de pesquisa, Latour e a abordagem da teoria ator-rede contribuíram para produzir uma visão mais complexa – e “impura” – da ciência. Em diálogo com essa abordagem, a agenda de pesquisas dos ESCT também foi direcionada para outros espaços e práticas (Jasanoff, 199031 JASANOFF, Sheila. The fifth branch: science advisers as policymakers. Cambridge: MIT Press, 1990.; 200430 JASANOFF, Sheila. States of knowledge. The co-production of science and social order. Londres: Routledge, 2004.; Epstein, 199618 EPSTEIN, Steven. Impure science: Aids, activism, and the politics of knowledge. Berkeley: University of California Press, 1996.; Bowker; Star, 20003 BOWKER, Geoffrey; STAR, Susan. Sorting things out: classification and its consequences. Cambridge: MIT Press, 2000.), evidenciando que questões técnicas são, simultaneamente, questões sociais. Tais reflexões abriram espaço para reivindicações por maior participação pública na tomada de decisão técnica (Wynne, 200159 WYNNE, Brian. Expert discourses of risk and ethics on GMOs: creating public alienation. Science as Culture, v. 10, p. 445-481, 2001. https://doi.org/10.1080/09505430120093586
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) e levantaram questionamentos sobre o lugar da expertise em regimes democráticos (Collins; Evans, 20027 COLLINS, Harry; EVANS, Robert. The third wave of science studies: studies of expertise and experience. Social Studies of Science, v. 32, n. 2, p. 235-296, 2002. https://doi.org/10.1177/0306312702032002003
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).

É na esteira dos ESCT que se dá um movimento de ruptura importante com o cânone sociológico quando da publicação, em 1991, em francês, de sua célebre e amplamente conhecida obra Jamais fomos modernos39 LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.1 1 Este é o trabalho mais conhecido de Latour nos países de língua inglesa, onde foi traduzido em 1993. No Brasil, também é uma obra muito referenciada, tendo sido traduzido em 1994 pela Editora 34. , na qual problematiza a ordenação ontológica da modernidade, notadamente a separação entre natureza(s) e sociedade(s). Nessa obra, a tese defendida é a de que a modernidade é caracterizada por dois processos interdependentes: o da tradução, no qual se misturam elementos heterogêneos, humanos e não humanos, e o da purificação, por meio do qual a heterogeneidade do mundo é separada em duas zonas ontológicas distintas e com fronteiras estáveis, natureza e sociedade. A partir da historiografia da ciência (Shapin; Schaffer, 198550 SHAPIN, Steven; SCHAFFER, Simon. Leviathan and the air pump: Hobbes, Boyle and the experimental life. Princeton: Princeton University Press, 1985.), Latour mostra que a ordenação ontológica instituída pela modernidade permitiu a construção de uma forma de vida comum na qual ciência e política devem estar dissociadas. Dessa maneira, estabelece-se uma divisão entre Ciência e questões epistemológicas – como espaço da produção de conhecimento desinteressado e de representações objetivas da natureza e seus mecanismos – e a Política – como espaço das disputas de poder, valores e interesses. Contudo, a crítica latouriana desestabiliza essa ordem primordial a partir dos aprendizados acumulados por suas pesquisas e pela literatura dos ESCT.

Em contrapartida, Latour aponta para a heterogeneidade de elementos necessários para a produção de conhecimento e composição de um mundo comum – ou seja, apesar do desejo moderno de separação, elementos e dinâmicas naturais e sociais se misturam a todo o momento –, para o caráter histórico e negociado das fronteiras que separam natureza e cultura e para a interdependência entre produção de conhecimento e formas de vida coletiva. Questões epistemológicas e políticas, portanto, são indissociáveis, pois escolhas sobre como conhecer o mundo e definir a sua composição são, simultaneamente, escolhas que produzem a realidade na qual vivemos. Interessa a Latour, com isso, problematizar as repercussões do projeto moderno, argumentando que este não é capaz de produzir respostas adequadas aos riscos e desafios contemporâneos que continuamente misturam natureza(s) e sociedade(s), ciência e política. Assim, é preciso pensar em outras formas de produzir conhecimento e compor um mundo em comum, reconhecendo a relação entre práticas científicas e formas de vida que elas criam e incluindo a participação de atores/actantes – humanos e não humanos – tradicionalmente excluídos das decisões políticas.

As reflexões oriundas daqueles primeiros estudos de laboratório sistematicamente conduzem Bruno Latour a um projeto intelectual crítico da ciência e da própria modernidade. Em suma, a obra latouriana propõe novos direcionamentos tanto sobre o que é a sociedade, quanto sobre a ciência que dela se ocupa. Esse tensionamento de supostas verdades universais, presentes nas ciências sociais de então, leva-nos a considerar primordialmente a relação que temos com as coisas que nos circundam, contribuição teórica e metodológica que ressoa ao longo das produções do autor.

Latour e a imaginação sociológica contemporânea

O empreendimento intelectual latouriano, a despeito de (ou, justamente, em função de) seu caráter heterogêneo e interdisciplinar, sublinha a importância da dúvida e da hesitação diante do que se apresenta como fato. Se, como identifica a seção anterior, esse tensionamento é colocado nos estudos de laboratório e na fabricação de verdades científicas, há que se registrar que as Ciências Sociais não passam incólumes a essa crítica: o gesto interpretativo de Bruno Latour estremece a sociologia dominante estabelecida.

A partir do debate nos estudos sobre ciência, Latour (2012)35 LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-Rede. Salvador: Edufba/Edusc, 2012. propõe reformulações importantes à teoria sociológica, mostrando quão problemáticas são as concepções de “construção” e de “social” habitualmente utilizadas. Com isso, a perspectiva construtivista elaborada por ele e seus colaboradores passa a incluir a participação ativa de elementos não humanos, como máquinas, materiais de laboratório, produtos químicos, planos e projetos, sistemas de vigilância e outros seres vivos que tradicionalmente não estavam inclusos em perspectivas construtivistas da Sociologia. Assim, passou-se a argumentar que era preciso reformular a concepção sociológica de construção social, de quem participa da ação e, consequentemente, o que constitui a ordem social (Latour, 201235 LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-Rede. Salvador: Edufba/Edusc, 2012.).

Se, em David Bloor, a simetria ocorre na dimensão metodológica, para Latour, já em Vida de laboratório, a simetria passa a ser um princípio epistemológico. No limite, a simetria generalizada funda-se na crítica às análises socioantropológicas de matriz antropocêntrica, que tendem a invisibilizar elementos outros que não os humanos quando da produção de saberes. Para Latour, não se trata de postular que artefatos ou a natureza sejam entes volitivos por si, mas sim de acreditar na capacidade dos actantes (nos termos de Latour), quando associados, de produzirem diferenças no mundo.

É em Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede, publicado originalmente em inglês, em 2005, e, em português, em 2012, que Latour generosamente nos conduz à proposição por ele empreendida ao longo das décadas anteriores. Mais que um tratado teórico-metodológico com vistas a encerrar a teoria em “caixas-pretas”, nessa obra Latour explora justamente os desvios e as críticas sofridas pela TAR, em uma demonstração madura de que as controvérsias não lhe são apenas uma categoria analítica. Ao sistematizar seu projeto, argumentando que a Sociologia enquanto campo do conhecimento se debruça apenas sobre o que é do domínio do social, observando-o em tudo – e, ao fazê-lo, acaba por esvaziar o próprio social –, Latour reivindica uma Sociologia que se detenha sobre as associações de atores heterogêneos (actantes), isto é, humanos, natureza(s), artefatos. Dessa maneira, a Sociologia daria conta de reagregar o social diluído e reassociá-lo a elementos outros cujas capacidades de coproduzir a “realidade” até então foram ignoradas.

É, pois, a uma associologia que nos convoca Latour: um fazer pautado pela busca de entrelaçamentos, sempre provisórios, a serem descritos e interpretados. Aqui se torna explícito o caráter indissociável de teoria, metodologia e ética no projeto latouriano: ao defender essa sociologia das associações, sopesar o que pode ou não ser descrito, bem como os modos pelos quais as relações são instauradas, ele impõe aos pesquisadores e pesquisadoras uma postura ciente de si e da provisoriedade de seu fazer. Em última instância, o que está em jogo no programa epistemológico latouriano é um tensionamento do mundo comum até então pressuposto pela sociologia – e, de forma geral, pelo projeto moderno. Essa crítica às partições fundantes da modernidade ocidental – sujeito x objeto, natureza x sociedade, ciência x política – que é justamente o cerne do célebre Jamais fomos modernos, é radicalizada por Latour quando nos instiga a hesitar diante da habitabilidade do mundo.

“Como existimos?” e, especialmente, “podemos viver juntos?” são questões a serem encaradas. O debate sobre as possibilidades de composição do mundo a partir da grande divisão moderna é uma das maiores contribuições de Bruno Latour às Ciências Sociais: o giro ontológico por ele composto acrescenta novos e inescapáveis ingredientes à imaginação e ao fazer sociológico. Tal virada, que emerge como contraponto ao giro linguístico que enfatiza as representações, exige novas formas de apreensão e descrição dos vínculos, transbordando, assim, a depuração incitada pelo projeto moderno. Soma-se a Latour, nessa empreitada voltada a estremecer o já-lá, um conjunto de autores e abordagens: há os que repensam a noção de agência e colocam em xeque o “mundo comum”, como Philippe Descola (201714 DESCOLA, Philippe. La composition des mondes. Entretiens avec Pierre Charbonnier. Paris: Flammarion, 2017., 2005)15 DESCOLA, Philippe. Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard, 2005. e Isabelle Stengers (201854 STENGERS, Isabelle. The challenge of ontological politics. In: DE LA CADENA, Marisol; BLASER, Mario (eds.). A world of many worlds. Durham and London: Duke University Press, 2018. p. 83-111., 2005)53 STENGERS, Isabelle. The cosmopolitical proposal. In: LATOUR, Bruno; WEIBEL, Peter (eds.). Making things public: atmospheres of democracy. Cambridge: MIT Press, 2005. p. 994-1003., os que enfatizam os aspectos políticos e as disputas que a pluralidade ontológica traz consigo, como Marisol de la Cadena e Mario Blaser (2018)10 DE LA CADENA, Marisol; BLASER, Mario (orgs.). A world of many worlds. Durham: Duke University Press, 2018. e Arturo Escobar (2008)19 ESCOBAR, Arturo. Territories of difference: place, movements, life, redes. Durham: Duke University Press, 2008., e os que argumentam a partir do multinaturalismo e do perspectivismo, como Eduardo Viveiros de Castro (2004)58 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectival anthropology and the method of controlled equivocation. Tipití: Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America, v. 2, n. 1, p. 3-21, 2004.. Para além da dimensão conflitiva, o giro ontológico convida a uma postura ética e política de reconhecimento e valorização do direito dos diferentes povos à autodeterminação, algo enfatizado sobremaneira por meio das contribuições oriundas do Sul global.

Ainda que longe de qualquer síntese, visto que não constituem um corpus único e homogêneo (dos Santos; Tola, 201616 DOS SANTOS, Antonela; TOLA, Florencia. ¿Ontologías como modelo, método o política? Debates contemporáneos en antropología. Avá. Revista de Antropología, n. 29, p.71-98, 2016.), destacamos que as grandes contribuições do giro ontológico para as ciências sociais são a necessária ampliação da potência de agir e a defesa radical de que o “ser” está sempre em devir. Se Latour inaugura o debate desde as ciências e as técnicas, é evidente que os desafios contemporâneos o transbordam: cabe observar que as proposições dedicadas à virada ontológica postulam reações frente ao Antropoceno e aos vínculos do fim do mundo. Para Howles (2022)24 HOWLES, Tim. Bruno Latour (1947-2022). Blog do LABEMUS, 9 out, 2022. Disponível em: https://blogdolabemus.com/2022/10/09/bruno-latour-1947-2022-por-tim-howles/
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, com o conceito de Gaia, Latour nos traz “um novo frescor ao pensamento sobre as interações humanos-natureza [...], uma forma de descrever as complexas, delicadas e interconectadas relações que existem entre as entidades vivas e os ambientes físicos em que elas habitam”. Sem ceder à urgência e ao universalismo que costumam pautar a discussão ecológica, Bruno Latour assume as contradições do presente, dando fim à natureza e, por conseguinte, à modernidade. Ao reconhecer Gaia coletiva, compósita e em fluxos, sua obra dá novos contornos aos que se dedicam a interpretar o desafio ambiental.

Diante de Gaia, o Antropoceno: quando Latour nos convoca a “fazer fazer”

Se, ao menos desde Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia (publicado originalmente em inglês, em 2004), a obra de Latour já incidia sobre a relação entre ecologia e política, demonstrando o lugar central de tais questões para se compreender a contemporaneidade – de forma coerente com seu projeto epistemológico/ontológico de tratar o ordenamento social e natural como imiscuídos –, esses temas tornam-se mais proeminentes a partir da primeira década dos anos 2000, quando ele passa a se dedicar ao debate sobre o Antropoceno.

Segundo Bruno Latour, o Antropoceno é o conceito filosófico, religioso, antropológico e político mais decisivo já produzido como uma alternativa ao ideal de modernidade. Apresentado em 2000 pelo químico da atmosfera e Prêmio Nobel, Paul Crutzen, em uma conferência do International Geosphere Biosphere Programme, esse conceito foi criado para designar uma nova época geológica, a presente, colocando fim ao Holoceno, iniciado há 11.500 anos. Em artigo de 2002, na revista Nature, Crutzen afirmou ser apropriado denominar o presente como Antropoceno para demarcar a época geológica atual, de muitas maneiras dominada pela humanidade. Latour identificou no conceito a potente reagregação de conhecimentos, campos disciplinares, sensibilidades políticas e actantes, capaz de “fazer fazer”, isto é, a grande potencialidade em conduzir diversos atores a fazerem algo.

Em diálogo crítico com a hipótese Gaia, proposta por James Lovelock na década de 1970, e examinando-a à luz dos Science Studies, em especial na interlocução com a filósofa das ciências Isabelle Stengers, em seus livros mais recentes Latour reconceitualiza Gaia como conceito chave para superar a instabilidade do “conceito” de natureza, assim ressignificando, também, cultura, agência, humanos e não humanos. A convocação filosófica, política e epistemológica que Latour realiza em suas obras mais recentes (Diante de Gaia: oito conferências sobre o novo regime climático, publicado originalmente em 2015; Onde aterrar: como se orientar politicamente no Antropoceno, em 2017; e Onde estou: lições do confinamento para uso dos terrestres, em 2021) é a de (re)definirmos nossa relação com o mundo, diante das mudanças climáticas que já se apresentam. Trata-se, para Latour, de uma mutação de fato, um ponto de torção e não retorno, muito mais decisivo do que a ideia de crise (que traz em si o pressuposto de sua efemeridade) poderia manifestar. Quando se soma ao debate climático a existência da pandemia do novo coronavírus, o autor amplifica ainda mais sua convocação.

É o que aparece, por exemplo, no prefácio à edição brasileira da obra Diante de Gaia, assinada por Latour em 25 de maio de 2020, em que afirma o quão aterrorizante foi publicar o livro “em meio a uma crise moral, política, sanitária, ecológica e religiosa de tamanha proporção” (Latour, 2020a32 LATOUR, Bruno. Diante de Gaia. São Paulo: Ubu Editora, 2020a., p. 5). Ele ainda salienta que sua obra chega ao Brasil no momento da “tempestade perfeita”, ou seja, quando se tem todas as crises sobrepostas, ocorrendo ao mesmo tempo. Latour vai mais fundo ao afirmar que o Brasil de hoje se encontra inteiramente conduzido para negar a crise ecológica e sanitária, evitando, portanto, seu enfrentamento, sobretudo pelo contexto político no qual estamos inseridos. Ainda na linha desse argumento, contudo não destacando o Brasil em especial, mas o mundo como um todo, e evidenciando a centralidade da relação humanos-não humanos, Latour (2020b)33 LATOUR, Bruno. A crise sanitária incita a nos preparar para as mudanças climáticas. Revista IHU online, 27 mar. 2020b. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/597499-a-crise-sanitaria-incita-a-nos-preparar-para-as-mudancas-climaticas-artigo-de-bruno-latour
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afirma que:

[...] desta vez, o agente patogênico, cuja terrível virulência modificou as condições de existência de todos os habitantes do planeta, não é o vírus, mas são os humanos! E não todos os humanos, mas alguns, que fazem a guerra sem declará-la. Para essa guerra, o Estado nacional está tão mal preparado, tão mal calibrado, tão mal projetado quanto possível, porque as frentes são múltiplas e atravessam cada um de nós. É nesse sentido que a ‘mobilização geral’ contra o vírus não prova, em hipótese alguma, que estaremos prontos para a próxima. Não são apenas os militares que estão sempre atrasados para uma guerra.

Nesse sentido, é importante destacar o papel das mudanças climáticas nesse complexo cenário apontado por Latour. O 6º Relatório do Painel Intergovernamental de Avaliação sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 202125 IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Mudança no clima 2021: sumário para formuladores de políticas públicas. Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/relatorios-do-ipcc/arquivos/pdf/IPCC_mudanca2.pdf
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) é enfático ao afirmar que a ação humana tem impactado, cada vez mais, o sistema climático, sendo inequívoca a influência humana no aquecimento da atmosfera, dos oceanos e da superfície terrestre, especialmente a partir da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento. Conforme explica Latour (2014, p. 12)34 LATOUR, Bruno. Para distinguir amigos e inimigos no tempo do Antropoceno. Revista de Antropologia, v. 57, n. 1, p. 11-31, 2014. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2014.87702
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, “somos forçados a trazer nosso olhar de volta à Gaia sublunar, tão ativamente modificada pela ação humana que ingressou em um novo período, que os geólogos-feitos-filósofos propõem chamar de Antropoceno”. Dessa forma,

Latour afirma que o Antropoceno não significa uma extensão imoderada do antropocentrismo. Os humanos não se tornaram super atores da arena geológica, mas são copartícipes de uma rede formada por muitos outros agentes, dotados de interesses contraditórios, em luta para chegar a uma redistribuição dos actantes da geo-história

(Junges, 202126 JUNGES, José R. O novo regime climático do Antropoceno e de Gaia. Revista Bioética, v. 29, n. 4, p. 734-742, 2021. , p. 736).

Diante do Novo Regime Climático, Latour (2020a)32 LATOUR, Bruno. Diante de Gaia. São Paulo: Ubu Editora, 2020a. afirma que todas as nações estariam expostas a uma escolha existencial, a saber: conservar a modernização apesar de suas inúmeras consequências; tomar o rumo em direção à mudança ecológica, por mais dolorosa que seja; ou renegar a situação, fugindo num escapismo descabido. Ainda segundo Latour (2020a)32 LATOUR, Bruno. Diante de Gaia. São Paulo: Ubu Editora, 2020a., essa fuga em relação ao contexto de crise ecológica inicia-se mediante o ceticismo climático a partir da década de 1990. Tal negação das condições futuras se difundiu rapidamente, espalhando-se e transformando-se em uma “negação de todo o conhecimento empírico e, depois, de absurdo em absurdo, em um abandono progressivo de qualquer regra de bom governo” (Latour, 2020a32 LATOUR, Bruno. Diante de Gaia. São Paulo: Ubu Editora, 2020a., p. 6).

De posse dos argumentos elencados até aqui, é indubitável que a obra latouriana transcende a lógica de produção do conhecimento baseado na lógica cartesiana monodisciplinar, até porque seria incoerente com seus pressupostos se o autor se mantivesse restrito a um campo específico do saber. Muito ao contrário. Seus objetos de análise durante sua frutífera vida pública demonstram o caráter complexo e interdisciplinar de sua teoria, com importantes contribuições às ciências humanas e sociais, em especial aos Estudos Sociais em Ciência e Tecnologia e à sociologia da questão ambiental. Escritos sobre religião, etnografias de laboratórios científicos, além de sua grande contribuição epistemológica com a “virada ontológica” e, recentemente, suas provocações sobre as consequências do que ele denomina de “Novo Regime Climático” a partir do conceito de “Antropoceno” e a “Hipótese Gaia”, no âmbito de uma “ecologia política”, sublinham sua complexidade e singularidade teórica no que diz respeito aos seus esforços de compreensão e interpretação do tecido social contemporâneo.

Diálogos com Latour nas pesquisas do grupo Temas/UFRGS2 2 O Temas/Ufrgs é um dos inúmeros grupos de pesquisa no Brasil que se dedicam a pesquisas na abordagem latouriana. Nesta seção, o que é relatado se refere a parte ilustrativa de pesquisas desenvolvidas no grupo com esta abordagem (outras também são adotadas no grupo).

O conjunto da importante obra de Bruno Latour, como já destacado, provoca a pensar que existe um duplo movimento operado pela modernidade e com determinantes influências na ciência moderna: que suas purificações produzem seres híbridos de natureza e cultura e que existe uma tendência a negar essa hibridização, reforçando as purificações modernas. O projeto pragmático latouriano desacomoda-nos ao demonstrar como a ambivalência opera dentro da ciência que fazemos, convocando-nos a pensar como lidar com essas novas formas de existir. A resposta para essa questão implica pensar como dar conta desses “novos” coletivos, ou seja, direciona-nos a pensar sobre as possibilidades democráticas que urge ampliar em cada contexto estudado. A questão também pode ser colocada de outra forma: como é possível, em um país ainda submetido a formas colonizadas de desenvolvimento, pensar novos direcionamentos a partir de suas próprias experiências? Como as ciências sociais podem se posicionar em favor dessa tarefa?

Algumas pistas para responder a essas questões provocativas podem ser encontradas em trabalhos desenvolvidos sob a égide do grupo de pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade (Temas/UFRGS).3 3 O grupo opera com cinco eixos temáticos que acolhem suas pesquisas: 1) diversidade e dinâmicas das relações sociedade-natureza em contextos sociais específicos; 2) conflitos ambientais em torno de megaprojetos e empreendimentos civis; 3) controvérsias a respeito de inovações tecnológicas; 4) mudanças climáticas e os estudos sociais em ciência e tecnologia; e 5) práticas alimentares e tecnociência. Ao longo de seus mais de 25 anos de existência, o grupo tem aglutinado uma série de pesquisas acadêmicas, em níveis de mestrado, doutorado, pós-doutorado e de professores visitantes nacionais e estrangeiros, que dialogam sob diferentes perspectivas teóricas – estruturalistas, pós-estruturalistas e da teoria da crítica – tendo a “questão ambiental” como foco. Contudo, ao longo da década passada, a socioantropologia latouriana ganhou destaque como inspiração e reflexão em parte significativa dos trabalhos realizados no grupo (Fleury, 201422 FLEURY, Lorena C.; ALMEIDA, Jalcione; PREMEBIDA, Adriano. O ambiente como questão sociológica: conflitos ambientais em perspectiva. Sociologias, v. 16, n. 35, p. 34-82, 2014. https://doi.org/10.1590/S1517-45222014000100003
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; Prates, 201648 PRATES, Camila. Desestabilizando caixas-pretas: o licenciamento da Usina Hidrelétrica Belo Monte em disputa. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.; David, 201611 DAVID, Marília L. Certificação de alimentos e práticas científicas: o caso da Sociedade Brasileira de Cardiologia. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia Política) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.; Vargas, 201756 VARGAS, Felipe; ALMEIDA, Jalcione. Controvérsias em biotecnologias transgênicas: o laboratório em rede. Norus - Novos Rumos Sociológicos, v. 5, n. 8, p. 1-30, 2017. https://doi.org/10.15210/norus.v5i8.12275
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; Camana, 20205 CAMANA, Ângela. “Moçambique é um Mato Grosso no meio da África”: o desenvolvimento e suas fricções em torno ao acontecimento ProSavana. 2020. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.; Leeuven, 202140 LEEUVEN, Leonardo Van. “Redesenhando margens para que a água limpa comece a chegar”: imaginários sociotécnicos e o processo de reparação ambiental da bacia do rio Doce. 2021. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021.; Coutinho, 20228 COUTINHO, Elenice. A produção de desastres da mineração em Minas Gerais: a barragem de fundão e a contaminação de paisagens. 2022. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022.; Blanco, 20221 BLANCO, Gabriela D. Da tradução de uma controvérsia tecnocientífica a uma disputa judicial: o caso da contaminação das águas do Barreiro, Araxá (MG). In: LEMES de SOUZA, A. P. et al. (orgs.). Direito e ciência. Belo Horizonte: Editora Expert, 2022. p. 42-75., entre outros).

Ao olhar em retrospectiva, como sugere a própria metodologia latouriana, é possível perceber que essas pesquisas podem ser separadas em duas categorias interligadas: i) estudos de inspiração metodológica que buscam “seguir a construção de redes” a fim de mapear as diferentes conexões híbridas que dão vida ao social, considerando as múltiplas existências em diferentes contextos de pesquisa; e ii) investigações geradas em torno de categorias teórico-metodológicas que dialogam com a TAR como conflito ambiental e controvérsias tecnocientíficas.

No primeiro grupo, das pesquisas com inspiração metodológica, merecem destaque as investigações realizadas em torno do “desastre da Samarco”, ou seja, sobre os efeitos do rompimento da barragem do Fundão, localizada no município de Mariana, Minas Gerais, em 2015 (Leeuven, 202140 LEEUVEN, Leonardo Van. “Redesenhando margens para que a água limpa comece a chegar”: imaginários sociotécnicos e o processo de reparação ambiental da bacia do rio Doce. 2021. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021.; Coutinho, 20228 COUTINHO, Elenice. A produção de desastres da mineração em Minas Gerais: a barragem de fundão e a contaminação de paisagens. 2022. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022.). De um lado, as transformações da paisagem, produzidas pelo modelo de exploração mineral, captadas pelas associações de diversos atores humanos e não humanos afetados pela lama tóxica. Por meio dos relatos de histórias de afetações é possível demonstrar os movimentos de perturbação e disrupção da paisagem e de contaminação das conexões da vida (Coutinho, 20228 COUTINHO, Elenice. A produção de desastres da mineração em Minas Gerais: a barragem de fundão e a contaminação de paisagens. 2022. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022.). Por outro lado, a Fundação Renova, por meio de cientistas, técnicos e analistas, opera na reparação dos danos gerados pelo desastre da Samarco, e Leeuven (2021)40 LEEUVEN, Leonardo Van. “Redesenhando margens para que a água limpa comece a chegar”: imaginários sociotécnicos e o processo de reparação ambiental da bacia do rio Doce. 2021. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021. discute o alcance dos paradigmas que envolvem essa reparação, problematizando as necessidades, materiais e simbólicas, inerentes aos modos de existência de comunidades ribeirinhas, pequenos agricultores, comunidades tradicionais e indígenas atingidas pelo rompimento da barragem, que não são sanadas pelo conhecimento científico que opera na reparação. Realiza, ainda, um alerta importante ao identificar a existência entre parte dos técnicos (e, institucionalmente, por parte da Fundação Renova) de um imaginário equivocado de que a Ciência – com “C” maiúsculo (Latour, 2017) – pode refazer modos de vida que existiam anteriormente ao rompimento da barragem (Leeuven, 202140 LEEUVEN, Leonardo Van. “Redesenhando margens para que a água limpa comece a chegar”: imaginários sociotécnicos e o processo de reparação ambiental da bacia do rio Doce. 2021. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021.).

Inspirada na metodologia latouriana, Camana (2020)5 CAMANA, Ângela. “Moçambique é um Mato Grosso no meio da África”: o desenvolvimento e suas fricções em torno ao acontecimento ProSavana. 2020. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. se debruça sobre as composições e fricções entre as mudanças ambientais geradas em nome do desenvolvimento, realizando uma cartografia do conflito instaurado pela tentativa de implementação do Programa de Cooperação Tripartida para o Desenvolvimento Agrícola da Savana Tropical em Moçambique (ProSavana), entre Brasil, Japão e Moçambique. O lugar escolhido para receber o projeto é o corredor de Nacala, no norte moçambicano, tradicionalmente ocupado por grupos etnolinguísticos matrilineares emakhuwa, cujos saberes e práticas agrícolas escapam àqueles fomentados no âmbito da cooperação Sul-Sul. A partir da metodologia da TAR, por meio da descrição do acontecimento ProSavana, conclui que o desenvolvimento produz fricções entre distintos modos de identificação, dos quais decorrem diferentes mundos; também considera que a experiência moçambicana matiza as proposições teóricas acerca dos conflitos ambientais ao informar que sujeitos, terra e tempo se constituem mutuamente (Camana, 20205 CAMANA, Ângela. “Moçambique é um Mato Grosso no meio da África”: o desenvolvimento e suas fricções em torno ao acontecimento ProSavana. 2020. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.).

No segundo grupo de pesquisas estão aquelas que são construídas em torno de categorias teórico-metodológicas baseadas na TAR. Essas realizam uma tentativa de construção e mobilização de categorias de análise social, como as de conflitos ambientais e controvérsias tecnocientíficas, voltadas a interpretar diferentes aspectos no interior da “questão ambiental” no país. As linhas que seguem delineiam algumas contribuições de Latour tanto para a construção de diálogos por meio de uma plataforma epistêmica para pensar o papel das ciências quanto para pensar a abertura para o direito de diferentes coletivos nos contextos empíricos brevemente descritos a seguir.

No Brasil, a categoria de conflitos ambientais recebe um importante direcionamento ontológico e epistemológico, por meio do diálogo com a socioantropologia latouriana, no trabalho de pesquisa (tese de doutoramento) de Lorena Fleury (2013)21 FLEURY, Lorena C. Conflito ambiental e cosmopolíticas na Amazônia brasileira: a construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte em perspectiva. 2013. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013., com reflexões sobre o conflito ambiental, para além de suas perspectivas simbólicas, no âmbito do projeto de construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte. Nessa perspectiva, um questionamento essencial é feito para pensar a categoria de conflito ambiental: “[...] e se os grupos em conflito não estiverem de acordo sobre as medidas que definem as unidades territoriais, isto é, que separam o que é material e o que é simbólico, o que é natureza do que é sociedade?” (Fleury et al., 201422 FLEURY, Lorena C.; ALMEIDA, Jalcione; PREMEBIDA, Adriano. O ambiente como questão sociológica: conflitos ambientais em perspectiva. Sociologias, v. 16, n. 35, p. 34-82, 2014. https://doi.org/10.1590/S1517-45222014000100003
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, p. 74; Fleury, 201321 FLEURY, Lorena C. Conflito ambiental e cosmopolíticas na Amazônia brasileira: a construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte em perspectiva. 2013. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.). A alternativa foi pensar o conflito ambiental como uma categoria híbrida de sociedade e natureza, cujos arranjos coletivos possuem uma carga cosmopolítica (Stengers, 200352 STENGERS, Isabelle. Cosmopolitiques I. Paris: Éditions la Découverte, 2003 (1997).). Logo, trata-se de um conceito formulado nos momentos de interação entre humanos e não humanos, articulados durante o conflito, captando os movimentos de coprodução enquanto estes ocorrem. Como efeito, o conflito ambiental é compreendido nos termos de um conflito ontológico e cosmopolítico, sendo um espaço em que é possível mapear o “equívoco controlado” (Viveiros de Castro, 200957 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Métaphysiques cannibales. Paris: PUF, 2009.; De la Cadena, 20109 DE LA CADENA, Marisol. Indigenous cosmopolitics in the Andes: conceptual reflections beyond “politics”. Cultural Anthropology, v. 25, n. 2, p. 334-370, 2010.) sobre as perspectivas em disputa, “sabendo-se que as traduções/traições não apenas são inerentes à comunicação, mas está nelas a possibilidade de coexistência sem síntese, sem que um mundo anule o outro” (Fleury et al., 201422 FLEURY, Lorena C.; ALMEIDA, Jalcione; PREMEBIDA, Adriano. O ambiente como questão sociológica: conflitos ambientais em perspectiva. Sociologias, v. 16, n. 35, p. 34-82, 2014. https://doi.org/10.1590/S1517-45222014000100003
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, p. 75).

Na prática, isso implica mapear os grupos em conflito, suas argumentações vinculadas às suas vivências no ambiente disputado. Para a Sociologia, o efeito é mais amplo, porque se espera que ela esteja apta ao diálogo com outros saberes, incluindo disciplinas das “ciências naturais”, colocando-a em um lugar de reflexão e reelaboração dos termos mais adequados para dar conta da complexidade das questões em disputa.

Um importante desdobramento do conceito de conflito ambiental foi trabalhado por Meira e Almeida (2016)46 MEIRA, Ana Claudia H.; ALMEIDA, Jalcione. Mar de quem? Crítica, sentimentos de (in)justiça e justificações em um conflito ambiental: empreendimentos portuários versus pesca artesanal no litoral sul do Espírito Santo, Brasil. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 39, p. 59-76, 2016. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v39i0.46570
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, vinculando-o aos termos relacionados à categoria de (in)justiça ambiental, os diferentes sentimentos de justiça/injustiça que estão na base da crítica em relação à construção de um complexo industrial portuário no litoral do estado do Espírito Santo. Esses sentimentos emergem no contraponto entre diferentes cosmovisões, considerando-se a crítica como formas (contestadoras) enraizadas no contexto social, no qual os agentes são capazes de organizar seus interesses. Além disso, os sentimentos de justiça/injustiça que mobilizam os diferentes agentes sociais em situações de conflitos ambientais são construídos a partir da (e na) relação sociedade-natureza. Logo, o conflito ambiental emerge a partir das críticas aos grandes projetos de desenvolvimento e é analisado sob a perspectiva de sua carga cosmopolítica. Por isso, verifica-se a irredutibilidade ao “bem comum” ou a uma única ordem social como forma de atingir a justiça nesses casos (Meira; Almeida, 201646 MEIRA, Ana Claudia H.; ALMEIDA, Jalcione. Mar de quem? Crítica, sentimentos de (in)justiça e justificações em um conflito ambiental: empreendimentos portuários versus pesca artesanal no litoral sul do Espírito Santo, Brasil. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 39, p. 59-76, 2016. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v39i0.46570
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; Meira, 201645 MEIRA, Ana Claudia H. “Ó!! você vai construir por cima de mim!!”: desenvolvimento, conflito ambiental e disputas por justiça no litoral sul do Espírito Santo, Brasil. 2017. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.).

Já as pesquisas relacionadas à categoria de controvérsia tecnocientífica convergem no entendimento de que a ciência é mobilizada em contextos em que há disputas pela construção de diagnósticos que direcionem realidades, dividindo-se em dois subgrupos. O primeiro, para questionar os projetos “desenvolvimentistas” em relação aos efeitos ambientais que geram, dialogando com as ferramentas estatais que têm legitimado o subdimensionamento desses “impactos”. Assim, a crítica se dá em torno de como a ciência é mobilizada para realizar diagnósticos socioeconômicos e biofísicos que atestam a viabilidade de projetos transformadores do ambiente.

Os estudos do grupo Temas envolvendo a temática das controvérsias se debruçam sobre os dissensos que ocorrem no contexto de disputas sobre a viabilidade de projetos de geração de energia, como a Usina Hidrelétrica Belo Monte (Prates, 201648 PRATES, Camila. Desestabilizando caixas-pretas: o licenciamento da Usina Hidrelétrica Belo Monte em disputa. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.; Prates; Almeida, 202249 PRATES, Camila; ALMEIDA, Jalcione. Como Belo Monte se tornou sustentável? Ponderações baseadas no estudo da controvérsia da pesca na região de Altamira/PA. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 57, p. 383-403, 2021. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v58i0.74746
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), ou as que envolvem a mineração de nióbio (Blanco, 20221 BLANCO, Gabriela D. Da tradução de uma controvérsia tecnocientífica a uma disputa judicial: o caso da contaminação das águas do Barreiro, Araxá (MG). In: LEMES de SOUZA, A. P. et al. (orgs.). Direito e ciência. Belo Horizonte: Editora Expert, 2022. p. 42-75.). No primeiro caso, as controvérsias foram analisadas no sentido de expor como a viabilidade ambiental da usina foi estabilizada, a despeito da existência de inúmeras controvérsias que revelam a falta de peixes no rio Xingu, efeitos da redução do volume de água para a Volta Grande do Xingu, e, por fim, que a usina não gera energia limpa. Essas controvérsias são sustentadas por arranjos coletivos que estão à margem dos procedimentos burocráticos do licenciamento ambiental, demonstrando as engrenagens e os recursos necessários para estabilizar a (in)viabilidade da obra (Prates, 201648 PRATES, Camila. Desestabilizando caixas-pretas: o licenciamento da Usina Hidrelétrica Belo Monte em disputa. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.; Prates; Almeida, 2022).

Blanco (2022)1 BLANCO, Gabriela D. Da tradução de uma controvérsia tecnocientífica a uma disputa judicial: o caso da contaminação das águas do Barreiro, Araxá (MG). In: LEMES de SOUZA, A. P. et al. (orgs.). Direito e ciência. Belo Horizonte: Editora Expert, 2022. p. 42-75. se debruça sobre a descrição e análise da controvérsia tecnocientífica envolvendo a presença de bário nas águas da Estância Hidromineral do Barreiro, em Araxá (MG). Essa controvérsia se refere aos efeitos das atividades de mineração de nióbio e fosfato na região. Interessante notar que a controvérsia sobre o bário encontrado nas águas ocorre no âmbito das distinções entre natureza – sendo defendido que o “bário é natural” daquele ambiente – e sociedade, direcionando o “bário antrópico” produzido como um efeito nocivo da mineração. A análise da controvérsia faz emergir um conjunto amplo e complexo de vinculações entre humanos e não humanos ameaçados pela mineração. Por meio do mapeamento da disputa judicial, o estudo apurou que o sistema judiciário considerou improcedentes as reivindicações dos moradores, promovendo uma redução ontológica dos elementos que se encontravam em disputa (Blanco, 20211 BLANCO, Gabriela D. Da tradução de uma controvérsia tecnocientífica a uma disputa judicial: o caso da contaminação das águas do Barreiro, Araxá (MG). In: LEMES de SOUZA, A. P. et al. (orgs.). Direito e ciência. Belo Horizonte: Editora Expert, 2022. p. 42-75.).

Em comum, esses trabalhos discutem a aproximação e o afastamento das experiências localizadas que se relacionam diretamente com os respectivos eventos transformadores (Prates, 201648 PRATES, Camila. Desestabilizando caixas-pretas: o licenciamento da Usina Hidrelétrica Belo Monte em disputa. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.; Prates; Almeida, 202249 PRATES, Camila; ALMEIDA, Jalcione. Como Belo Monte se tornou sustentável? Ponderações baseadas no estudo da controvérsia da pesca na região de Altamira/PA. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 57, p. 383-403, 2021. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v58i0.74746
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; Blanco, 20221 BLANCO, Gabriela D. Da tradução de uma controvérsia tecnocientífica a uma disputa judicial: o caso da contaminação das águas do Barreiro, Araxá (MG). In: LEMES de SOUZA, A. P. et al. (orgs.). Direito e ciência. Belo Horizonte: Editora Expert, 2022. p. 42-75.) na construção dos diagnósticos científicos. Nesse sentido, quanto mais as ciências se empenham em analisar os efeitos dos eventos fora das distinções pré-moldadas entre sociedade e natureza, mais seus estudos conseguem dar conta das complexidades experienciadas, que geralmente são veladas. Como efeito sociopolítico, demonstra-se o estrangulamento dos espaços em que o diálogo e a abertura de controvérsias poderiam acontecer, como nas audiências públicas, por exemplo. Logo, tensiona-se o próprio modelo de participação existente, que se torna insuficiente para abranger os arranjos ontológicos em disputa, além de desconsiderar demandas e reivindicações coletivas, promovendo um engessamento ontológico moderno (Prates, 201648 PRATES, Camila. Desestabilizando caixas-pretas: o licenciamento da Usina Hidrelétrica Belo Monte em disputa. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.; Prates; Almeida, 202249 PRATES, Camila; ALMEIDA, Jalcione. Como Belo Monte se tornou sustentável? Ponderações baseadas no estudo da controvérsia da pesca na região de Altamira/PA. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 57, p. 383-403, 2021. http://dx.doi.org/10.5380/dma.v58i0.74746
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; Blanco, 20221 BLANCO, Gabriela D. Da tradução de uma controvérsia tecnocientífica a uma disputa judicial: o caso da contaminação das águas do Barreiro, Araxá (MG). In: LEMES de SOUZA, A. P. et al. (orgs.). Direito e ciência. Belo Horizonte: Editora Expert, 2022. p. 42-75.).

Esse segundo subgrupo de pesquisas sob a categoria de controvérsias dialoga com as construções criadas em espaços de produção como os laboratórios que operam na construção de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), como a soja (Vargas, 201756 VARGAS, Felipe; ALMEIDA, Jalcione. Controvérsias em biotecnologias transgênicas: o laboratório em rede. Norus - Novos Rumos Sociológicos, v. 5, n. 8, p. 1-30, 2017. https://doi.org/10.15210/norus.v5i8.12275
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), e também em certificações capazes de atestar a qualidade dos alimentos que comemos (David, 201611 DAVID, Marília L. Certificação de alimentos e práticas científicas: o caso da Sociedade Brasileira de Cardiologia. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia Política) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.). Por meio de uma etnografia realizada em dois laboratórios de biotecnologia, Vargas (2017)56 VARGAS, Felipe; ALMEIDA, Jalcione. Controvérsias em biotecnologias transgênicas: o laboratório em rede. Norus - Novos Rumos Sociológicos, v. 5, n. 8, p. 1-30, 2017. https://doi.org/10.15210/norus.v5i8.12275
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entende o laboratório como local onde se constitui a cena experimental que engendra as possibilidades de produção do “social” mediante seu próprio olhar cientificamente orientado. O estudo problematiza como o OGM (a soja transgênica) deixa a cena experimental que lhe dá origem e direciona a maneira como se faz agricultura, em quem se confia e quais leis de proteção ambiental são necessárias, isto é, como se faz política e como se faz sociedade. Logo, trata-se de perceber que junto ao OGM está a invenção de novas práticas de apropriação daquilo que pode vir a ser a agricultura, daquilo que pode vir a ser a proteção do ambiente (Vargas, 201756 VARGAS, Felipe; ALMEIDA, Jalcione. Controvérsias em biotecnologias transgênicas: o laboratório em rede. Norus - Novos Rumos Sociológicos, v. 5, n. 8, p. 1-30, 2017. https://doi.org/10.15210/norus.v5i8.12275
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).

A interface entre ciência e mercado é explorada por David (2016)11 DAVID, Marília L. Certificação de alimentos e práticas científicas: o caso da Sociedade Brasileira de Cardiologia. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia Política) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. a partir do diálogo com a TAR, estudando as práticas de certificação de alimentos pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) como uma prática científica que configura e constitui a qualidade do saudável como real. Logo, argumenta e defende que investigar práticas de certificação permite fugir da dicotomia entre uma qualidade a-histórica, que está dada previamente na natureza dos alimentos, e uma qualidade como construção humana (David, 201611 DAVID, Marília L. Certificação de alimentos e práticas científicas: o caso da Sociedade Brasileira de Cardiologia. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia Política) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.). O diagnóstico implica perceber como as políticas de avaliação estão envoltas em valores privilegiados no mercado e direciona, por meio das certificações de produtos “saudáveis”, ordenamentos sociais.

Vem de Marília David a formação de uma nova frente de pesquisas sobre práticas alimentares no grupo a partir de perspectivas tributárias a Latour e à virada ontológica. Nessa frente, são realizados estudos sobre controvérsias relacionadas à saúde e alimentação, processos de avaliação e certificação de alimentos, definição de normas e métricas públicas e privadas para produtos e sobre a governança agroambiental em cadeias de commodities, como a soja e a carne (David, 201611 DAVID, Marília L. Certificação de alimentos e práticas científicas: o caso da Sociedade Brasileira de Cardiologia. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia Política) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.; David; Guivant, 201813 DAVID, Marília L.; GUIVANT, Julia S. Uma abordagem sociológica das certificações: o caso do selo de aprovação SBC. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 33, n. 98, p. 1-21, 2018. https://doi.org/10.1590/339812/2018
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; 202012 DAVID, Marília L.; GUIVANT, Julia S. Os padrões de identidade e qualidade dos alimentos: uma análise de suas transformações no Brasil. Mediações, v. 25, n. 1, p. 247-264, 2020. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2020v25n1p247
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). Dialoga-se, assim, com a literatura sobre práticas alimentares, cujos modos de teorização do social incluem a participação de não humanos, privilegiam as negociações e disputas entre atores heterogêneos e o peso ontológico de modos de avaliação, normas e métricas instituídas (Busch, 20114 BUSCH, Lawrence. Standards: recipes for reality. Cambridge: MIT Press, 2011.; Forney et al., 201823 FORNEY, Jérémie; ROSIN, Chris; CAMPBELL, Hugh (ed.). Agri-Environmental governance as an assemblage: multiplicity, power, and transformation. Londres: Routledge, 2018.; Mansfield, 200343 MANSFIELD, Becky. Fish, factory trawlers, and imitation crab: the nature of quality in the seafood industry. Journal of Rural Studies, v. 19, n. 1, p. 9-21, 2003.). Dessa maneira, investiga-se as disputas e alianças entre os distintos atores a compor cadeias agroalimentares. Problematiza-se, ainda, os arranjos responsáveis por governar formas contemporâneas de produção e consumo alimentar, sobretudo processos de qualificação e avaliação de produtos, suas normas e métricas. Com isso, observa-se que concepções de qualidade (e.g. alimento “saudável”; soja/carne “sustentável”) resultam de políticas ontológicas instituídas por esses dispositivos.

Esses breves apontamentos sobre os estudos desenvolvidos no grupo Temas/Ufrgs sob a influência do que poderíamos considerar como “abordagens latourianas” objetivam buscar saídas para as “armadilhas modernas” encontradas no matrimônio entre economia e Estado por meio da transformação social e natural na construção de projetos de engenharia, como barragens, portos e projetos de mineração e por meio da coconstrução do mundo a partir da ciência. Também reforçam o coro da crítica latouriana de que o projeto moderno prende as experiências nas garras da legitimidade da Ciência e constrói civilizações a partir daí. Ainda, mostram que, longe de gerar uma liberdade irrestrita às experiências e tampouco de construir um “vale tudo” social (Marras, 202044 MARRAS, Stélio. O vozerio da pós-verdade e suas ameaças civilizacionais. In: OLIVEIRA, Joana C. et al. (orgs.). Vozes vegetais: diversidade, resistências e histórias da floresta. São Paulo: Ubu Editora, 2020. p. 37-56.), a contribuição de Bruno Latour proporciona construir e mobilizar críticas ao projeto civilizador da modernidade, ao mesmo tempo em que fornece reconciliações entre as ciências e as experiências sociais para pensar outros futuros possíveis.

Finalizando...

Quais inspirações as Ciências Sociais – e particularmente a Sociologia – brasileiras podem encontrar nas importantes obras latourianas? Acreditamos que a reflexão de Bruno Latour contribuiu decisivamente para as Ciências Sociais das últimas décadas, avançando em relação às formas de abordar (e, quiçá, superar) as dicotomias perenes dessas disciplinas acadêmicas, como as que ocorrem entre sociedade(s) e natureza(s), construtivismo e realismo, ação e estrutura. Latour desenvolveu reflexões importantes sobre como investigar as disputas a respeito de como viver no mundo e os laços que nos unem enquanto coletivos a partir de uma descrição mais rica da sua composição. Produzir relatos sociológicos, na sua perspectiva, é uma tarefa inevitavelmente política, por meio da qual podemos rastrear as nossas conexões (os actantes, os processos de tradução e inscrição) e reconhecer o que nos une. Assim, é impossível assumir uma postura desinteressada, pois o fazer sociológico é parte das práticas que compõem e estabilizam a realidade na qual vivemos.

No âmbito sociopolítico mais geral, a obra de Latour, em seu conjunto – e principalmente sua reflexão mais recente no campo da ecologia política –, incita-nos a renovar a atenção às delicadas e contingentes interconexões que unem os seres humanos e a natureza. É urgente e fundamental tentar produzir respostas sobre como construir modos de vida em comum que incluam o respeito a outras entidades para além dos humanos e as múltiplas formas de estar no mundo, que tipicamente não são reconhecidas por ontologias e instituições modernas.

Foi-se o autor, permanece sua frutífera e alentadora obra no contexto das Ciências Sociais e sua contribuição para pensarmos um mundo melhor.

  • 1
    Este é o trabalho mais conhecido de Latour nos países de língua inglesa, onde foi traduzido em 1993. No Brasil, também é uma obra muito referenciada, tendo sido traduzido em 1994 pela Editora 34.
  • 2
    O Temas/Ufrgs é um dos inúmeros grupos de pesquisa no Brasil que se dedicam a pesquisas na abordagem latouriana. Nesta seção, o que é relatado se refere a parte ilustrativa de pesquisas desenvolvidas no grupo com esta abordagem (outras também são adotadas no grupo).
  • 3
    O grupo opera com cinco eixos temáticos que acolhem suas pesquisas: 1) diversidade e dinâmicas das relações sociedade-natureza em contextos sociais específicos; 2) conflitos ambientais em torno de megaprojetos e empreendimentos civis; 3) controvérsias a respeito de inovações tecnológicas; 4) mudanças climáticas e os estudos sociais em ciência e tecnologia; e 5) práticas alimentares e tecnociência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2022
  • Aceito
    30 Out 2022
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