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As disputas em torno da definição do modelo de justiça juvenil do Estatuto da Criança e do Adolescente

Controversy over the juvenile justice model underpinning the Child and Adolescent Statute

Resumo

No presente artigo, busca-se analisar um processo concreto: as disputas travadas na arena política e profissional em torno da definição da justiça juvenil no Brasil ao final dos anos 1980. O questionamento que deu origem à pesquisa decorre do interesse em verificar se a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, constitui uma ruptura em relação ao modelo anterior, previsto nos Códigos de Menores de 1927 e 1979. Isso porque, geralmente, retrata-se o ECA como uma “revolução”, uma “mudança de paradigma” em relação ao modelo anterior, ou seja, como expressão de ruptura com o momento precedente. Para isso, optamos por recuperar essa disputa, buscando captar os modos de pensar ou racionalidades sobre a justiça juvenil, as representações sociais sobre jovens e criminalidade e os atores envolvidos nesse processo, especialmente a partir de entrevistas e discursos parlamentares. Com isso, concluímos que as disposições no ECA sobre justiça juvenil são resultado das disputas travadas no campo jurídico por aqueles identificados como “garantistas” e “menoristas” e que, apesar de trazerem inovações no sentido de impor limitações à intervenção estatal, ainda apresentam continuidades com relação ao modelo anterior.

Palavras-chave
justiça juvenil; punição; Estatuto da Criança e do Adolescente; reformas legislativas; política criminal

Abstract

In this article, we seek to analyze a concrete process: the struggles in the political and professional arena around the definition of juvenile justice in Brazil at the end of the 1980s. The approval of the Child and Adolescent Statute (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) in 1990 is often represented as a rupture with the previous model, provided for in the Code for Minors (Código de Menores) of 1927 and 1979. Generally, the ECA is framed as a “revolution”, a “paradigm shift” in relation to the previous model, that is, as an expression of a rupture with the previous moment. For this, we chose to recover this struggle, seeking to capture the ways of thinking or rationalities about juvenile justice, the social representations about youth and criminality and the actors involved in this process, especially from interviews and parliamentary speeches. With this, we conclude that the juvenile justice content in ECA is the result of disputes fought in the juridical field by those identified as “garantistas” and “menoristas” and, despite bringing innovations in the sense of imposing limitations on state intervention, it still presents continuities in relation to the previous model.

Keywords
juvenile justice; punishment; Statute of Child and Adolescent; legal reforms; criminal policy

Introdução

Em junho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi aprovado na Câmara dos Deputados. Nos debates que seguiram à aprovação, o texto da lei foi exaltado como uma revolução. Da mesma forma, geralmente, o ECA é apontado como uma ruptura de paradigmas do ponto de vista do modelo de justiça adotado anteriormente. Por isso, interessa compreender como o tema entrou na agenda pública e parlamentar e as disputas que permearam esse processo. Por tais motivos, buscou-se resgatar esse percurso, fundamental para compreender como chegamos à atual configuração do modelo de justiça juvenil no Brasil.

Compreende-se as normas legais como um reflexo de disputas ao redor dos temas legislados, dos diálogos e dos embates entre atores e grupos, mediados por interesses e recursos de diversos tipos (humanos, financeiros, comunicacionais etc.), pelo contexto em que se desenvolvem e pelas condições de possibilidade que permitem que tal lei seja aprovada de uma maneira, e não de outra. Assim, a lei dificilmente será uma expressão pura da vontade de apenas um ator, será antes a expressão do possível em determinado contexto, para determinado assunto, mediado por certos atores e racionalidades. A expressão das disputas travadas ao redor da definição do problema e de seus protagonistas e das soluções desenvolvidas a partir de tais concepções (Loader; Sparks, 200432 LOADER, Ian; SPARKS, Richard. For an historical sociology of crime policy in England and Wales since 1968. Critical Review of International Social and Political Philosophy, v. 7, n. 2, p. 5-32, 2004.; O’Malley, 2006; Goodman et al., 201530 GOODMAN, Philip; PAGE, Joshua; PHELPS, Michelle. The long struggle: an agonistic perspective on penal development. Theoretical Criminology, v. 19, n. 3, p. 315-335, 2015.).

Alguns autores, empregando distintos conceitos, analisam os discursos dos atores envolvidos em disputas pela definição da penalidade no campo do controle do crime, reconhecendo a influência das categorias por eles mobilizadas na definição do próprio problema a ser enfrentado. O’Malley (2006)39 O’MALLEY, Pat. Riesgo, neoliberalismo y justicia penal. Buenos Aires: Ad Hoc, 2006. emprega o termo “racionalidades governamentais”; Garland (2005)27 GARLAND, David. La cultura del control: crimen y orden social en la sociedad contemporánea. Tradução de Máximo Sozzo. Barcelona: Gedisa, 2005. utiliza o termo “mentalidades”; Loader e Sparks (2004)32 LOADER, Ian; SPARKS, Richard. For an historical sociology of crime policy in England and Wales since 1968. Critical Review of International Social and Political Philosophy, v. 7, n. 2, p. 5-32, 2004. abordam o significado político e cultural do conhecimento criminológico, de “estilos de raciocínio” e “visões de mundo”; Goodman et al. (2015)30 GOODMAN, Philip; PAGE, Joshua; PHELPS, Michelle. The long struggle: an agonistic perspective on penal development. Theoretical Criminology, v. 19, n. 3, p. 315-335, 2015. falam em termos de “visões particulares”; e Savelsberg (1994)50 SAVELSBERG, Joachim. Knowledge, domination and criminal punishment. American Journal of Sociology, v. 99, n. 4, p. 911-943, 1994. sobre “sistema de crenças”. Entendemos que cada conceito adotado por esses autores apresenta suas particularidades. Contudo, os termos indicam a relevância de uma abordagem que busque captar os modos de pensar sobre o delito, sobre o sujeito que comete o delito e sobre as funções atribuídas à intervenção estatal no âmbito da penalidade, apontando para a relevância das representações sociais sobre categorias como “crime” e “criminoso” para a determinação de respostas no campo do controle do crime.

Assim, as racionalidades relacionam-se com formas de perceber, nesse caso, a intersecção entre juventude e criminalidade, gerando diferentes estratégias de intervenção estatal para enfrentar o “problema” identificado a partir de tais elementos. O’Malley (200639 O’MALLEY, Pat. Riesgo, neoliberalismo y justicia penal. Buenos Aires: Ad Hoc, 2006.; 2012)40 O’MALLEY, Pat. Punição contraditória e volátil. In: CÂNEDO, Carlos; FONSECA, David (Orgs.). Ambivalência, contradição e volatilidade no sistema penal. Belo Horizonte: UFMG, 2012. p. 101-128. entende as racionalidades como concepções, planos e programas daqueles que pretendem governar. Portanto, identifica racionalidades a maneiras de pensar que abrigam um viés prático, não equivalentes a doutrinas filosóficas ou políticas (Sozzo, 201552 SOZZO, Máximo. Locura y crimen: nacimiento de la intersección entre los dispositivos penal y psiquiátrico. Buenos Aires: Didot, 2015.).

Para analisar as mudanças no campo da penalidade, Loader e Sparks (2004, p. 6)32 LOADER, Ian; SPARKS, Richard. For an historical sociology of crime policy in England and Wales since 1968. Critical Review of International Social and Political Philosophy, v. 7, n. 2, p. 5-32, 2004. defendem o que chamam de “hermenêutica historicamente situada”, proposta que estaria mais atenta às batalhas políticas e intelectuais que influenciaram o desenvolvimento de mudanças no campo do controle do crime. Indicam que tal análise requer uma tentativa de recuperar as principais mudanças referentes ao controle do crime – incluindo no campo do conhecimento, das sensibilidades e técnicas, assim como de atores, movimentos e disputas travadas na arena política e profissional – que ajudaram a moldar as respostas governamentais ao crime. Isso não significa sugerir que tudo depende da vontade de certos atores políticos. O que os autores defendem é um método que veja os embates políticos como centrais na determinação das características do controle do crime.

Por fim, afirmam que é importante mapear a posição que os intelectuais ocupavam no campo político como conselheiros, fornecedores de dados, ativistas de movimentos sociais etc. Fazer isso é considerar esses atores como jogadores na disputa pública por nomear os problemas do crime e moldar as respostas governamentais, identificando as diferentes maneiras como os discursos criminológicos são mobilizados na arena política (Loader; Sparks, 200432 LOADER, Ian; SPARKS, Richard. For an historical sociology of crime policy in England and Wales since 1968. Critical Review of International Social and Political Philosophy, v. 7, n. 2, p. 5-32, 2004.).

Goodman, Page e Phelps (2015)30 GOODMAN, Philip; PAGE, Joshua; PHELPS, Michelle. The long struggle: an agonistic perspective on penal development. Theoretical Criminology, v. 19, n. 3, p. 315-335, 2015. apontam a necessidade de conhecer e estudar as políticas penais em contextos particulares, e adotam uma “perspectiva agonista” que coloca as disputas entre atores no centro do debate sobre a definição das políticas penais. Defendem a reconstrução do que chamam de “longas lutas” para compreender como ocorreram as transformações penais. Os autores fazem três afirmações compatíveis com o que observamos sobre o desenvolvimento da justiça juvenil no Brasil: (i) as transformações penais são resultado da competição entre atores ou “agonistas” com diferentes visões sobre como prevenir e punir o crime, e essa luta permanente, por vezes, eclode e os conflitos intensificam-se; (ii) enquanto alguns períodos podem passar a ideia de estabilidade e de consenso, na verdade, apenas se caracterizam por conflitos mais silenciosos, nunca ausência deles. Ainda, as reformas nunca são implementadas como planejado ou de acordo com a intenção de apenas um grupo. Ao contrário, representam a união entre várias e geralmente contraditórias, racionalidades penais. Essa luta permanente produz confusão no terreno, e senta as bases para a próxima transformação penal; (iii) a luta ocorre dentro de condições sociais mais amplas, que influenciam, mas não determinam por si sós, a natureza e os resultados do conflito (Goodman et al., 201530 GOODMAN, Philip; PAGE, Joshua; PHELPS, Michelle. The long struggle: an agonistic perspective on penal development. Theoretical Criminology, v. 19, n. 3, p. 315-335, 2015.).

No presente artigo, analisa-se um processo concreto, qual seja: o desenvolvimento dos debates na arena política e profissional sobre a justiça juvenil no Brasil ao final dos anos 1980, entendendo que elementos como as representações sociais sobre a intersecção entre juventude e criminalidade, e as racionalidades, como estratégias de intervenção, podem ser identificados a partir dos discursos mobilizados durante tal processo1 1 Ressalta-se que a justiça juvenil não diz respeito apenas ao direito penal, sendo uma justiça especializada diante de suas interfaces, por exemplo, com a educação e a assistência social. Contudo, envolve intervenções estatais direcionadas a condutas criminalizadas. Assim, ao formular respostas para o cometimento de delitos, incluindo a privação de liberdade, os estudos sobre as transformações no âmbito da penalidade, especialmente o arsenal teórico da criminologia contemporânea e da sociologia da punição, ajudam a pensar sobre as dinâmicas políticas e sociais que impulsionam e influenciam o desenvolvimento de transformações no âmbito da justiça juvenil. . Especialmente, interessa resgatar as disputas travadas na arena política e profissional ao redor da definição do modelo de intervenção estatal sobre jovens autores de delitos e os atores envolvidos nesse processo.

Assim, foi possível identificar as diferentes formas de pensar o modelo de intervenção estatal aplicável a jovens autores de delitos, especialmente no âmbito das disputas entre aqueles alinhados às correntes “menorista” e “garantista”, majoritariamente profissionais do campo do direito. Os chamados “menoristas” consideravam a intervenção estatal como positiva e defendiam a consolidação de um direito do menor com amplas margens de discricionariedade, para que, em todo processo, o caso concreto fosse analisado e se procedesse a uma individualização da intervenção estatal. Já os chamados “garantistas” defendiam a tese de um direito penal juvenil, partindo do entendimento de que a privação de liberdade é sempre uma pena, devendo, então, o processo judicial ser regido por regras objetivas, como o contraditório, a ampla defesa e a proporcionalidade entre delito e pena, que teriam por finalidade limitar a atuação estatal. Para os últimos, defensores de um direito penal juvenil, a negação do caráter penal da justiça juvenil e a ausência de garantias processuais possibilitariam a violação de direitos e decisões baseadas em critérios assistencialistas, mais do que no ato infracional praticado.

Busca-se descrever o processo de construção legislativa e os debates políticos sobre a intersecção entre juventude e criminalidade travados na Câmara dos Deputados, por meio da análise de discursos parlamentares em plenário para identificar os elementos citados acima. Para apreender esses elementos, também foram utilizadas entrevistas2 2 Alexandre Onzi Pacheco, assistente social da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul; Emílio Garcia Méndez, professor da Universidad de Buenos Aires e consultor da Unicef; Edson Seda, advogado membro da comissão redatora do ECA; Mary Beloff, professora da Universidad de Buenos Aires e consultora da Unicef e Karyna Sposato, professora da Universidade Federal de Sergipe e consultora da Unicef. realizadas em trabalho de pesquisa anterior (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.), com roteiro semiestruturado e com atores que participaram e participam dessa longa disputa.3 3 Os discursos parlamentares foram buscados no site da Câmara dos Deputados, na página de buscas avançadas do setor de Discursos e Notas Taquigráficas, com data inicial em 01 de janeiro de 1989 e data final em 31 de dezembro de 1990, tendo sido encontrados 17 documentos no ano de 1989 e 22 documentos para o ano de 1990 indexados pelas palavras-chave: “estatuto da criança e do adolescente”.

Com isso, foi possível identificar que o ECA é resultado das disputas travadas entre as racionalidades “garantista” e “menorista” no momento de sua elaboração e que, apesar de trazer inovações no sentido de impor limitações à intervenção estatal, também apresenta continuidades com relação ao modelo tutelar anterior. Além disso, no momento mais recente, também podem ser identificados avanços de uma racionalidade conservadora, que traz consigo o questionamento dos pressupostos que predominaram quando da elaboração do ECA, marcando um momento de aumento dos conflitos e debates sobre reformas no sentido de recrudescimento da intervenção estatal sobre jovens autores de delitos (Cappi, 201714 CAPPI, Riccardo. A maioridade penal nos debates parlamentares: motivos de controle e figuras de perigo. Belo Horizonte: Letramento, 2017.). Também por isso, importa resgatar os debates que levaram ao estado atual de coisas da justiça juvenil como uma justiça especializada.

As disputas em torno da definição do modelo de justiça juvenil do Estatuto da Criança e do Adolescente

Muncie (2004)36 MUNCIE, John. Youth and Crime. Londres: Sage, 2004. dialoga com o trabalho de O’Malley (2006)39 O’MALLEY, Pat. Riesgo, neoliberalismo y justicia penal. Buenos Aires: Ad Hoc, 2006., associando as racionalidades às formas de pensar a justiça juvenil. Em seu trabalho, observou a influência de múltiplas racionalidades no desenvolvimento da justiça juvenil no contexto do Reino Unido, em uma análise que também busca enfatizar os conflitos pela determinação dos objetivos e estratégias da justiça juvenil. Muncie (2004)36 MUNCIE, John. Youth and Crime. Londres: Sage, 2004. destaca que, qualquer que seja a retórica governamental, a história da justiça juvenil também é a história da resistência de grupos de pressão da sociedade civil e da magistratura, da polícia e dos demais atores envolvidos nas dinâmicas atinentes. Essas disputas e resistências também se fazem visíveis na arena política e legislativa brasileira, onde esses atores interagem com os parlamentares na tentativa de fazer prevalecer suas posições.

Ao abordar a descrição das diferentes racionalidades na justiça juvenil, Muncie (2004)36 MUNCIE, John. Youth and Crime. Londres: Sage, 2004. aponta que, desde o início do século XIX, as legislações sobre crianças e adolescentes foram instituídas sob o fundamento de que jovens devem ser protegidos do “peso” da lei penal, pois seriam incapazes e não poderiam suportar totalmente a responsabilidade por seus atos. A justiça juvenil foi marcada por iniciativas filantrópicas e acreditava-se que crianças e adolescentes necessitavam de um tratamento com programas de educação moral, tanto para deter como para prevenir a criminalidade. A intervenção era baseada em uma linguagem de tratamento e cuidado não apenas para aqueles que praticavam algum ato ilícito, como para aqueles considerados potenciais infratores. A estratégia emergente era a de tratamento dentro de instituições fechadas. Entretanto, quando o primeiro centro de detenção especializado em menores foi criado na Inglaterra, em 1908, foi considerado um avanço liberal. O mesmo aconteceu nos demais países em que se operou a separação entre jovens e adultos, como no Brasil.

A partir da crítica à prática de julgar e encarcerar menores e adultos da mesma maneira e nos mesmos locais, assim como à formalidade e inflexibilidade da lei penal, que obrigavam a respeitar determinados princípios, como a legalidade e a proporcionalidade entre delito e pena, a política indicada era a supressão de garantias processuais, com a finalidade de alcançar a proteção/repressão considerada adequada aos jovens. O caráter tutelar foi o resultado dessas ideias e, assim, foram lançados os fundamentos da chamada doutrina da situação irregular. No lugar das garantias, surgia a figura de um juiz com amplos poderes decisórios, considerando que a justiça de menores deveria possuir um caráter familiar, e que o juiz de menores deveria ser como um pai (Saraiva, 200549 SARAIVA, João Batista C. Adolescente em conflito com a lei. Da indiferença à proteção integral. Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.). A partir das premissas dos congressos internacionais, foram sendo estabelecidos os fundamentos de uma legislação especializada para crianças e adolescentes, com o abandono do chamado caráter penal indiferenciado e a adoção de uma perspectiva tutelar, marcada, no Brasil, pelos chamados Códigos de Menores.

Alvarez (2003)6 ALVAREZ, Marcos César. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2003. identifica que as discussões baseadas na criminologia positivista, no Brasil, culminaram, entre outras disposições, no Código de Menores de 1927. Assim, surgem instituições que buscam não apenas dar abrigo aos jovens abandonados, mas também têm como objetivo produzir cidadãos disciplinados, aptos para o trabalho e em conformidade com a moralidade dominante. Junto a esse modelo, passaram a emergir de forma mais robusta debates a respeito de jovens “delinquentes, pequenos mendigos, vadios, viciosos, abandonados”, levantando-se a necessidade de mudanças legislativas e institucionais para dar conta da questão da “menoridade” (Alvarez, 19897 ALVAREZ, Marcos César. A emergência do Código de Menores de 1927: uma análise do discurso jurídico e institucional de assistência e proteção aos menores. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989., p. 50). A “menoridade”, então, tornara-se, efetivamente, uma questão, um “problema social” que legitimava uma intervenção estatal.

Para Moreira (2011)35 MOREIRA, Raquel R. Meninos do Cense: as relações de estigmatização, violência e disciplinarização de adolescentes em conflito com a lei, internados. 2011. Tese (Doutorado em Letras), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2011., o enfoque principal da doutrina da situação irregular estava em legitimar uma atuação judicial indiscriminada sobre crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, majoritariamente negros. Definindo-se o foco no menor em situação irregular, as deficiências das políticas sociais não eram consideradas, optando-se por soluções individuais, que primavam pela institucionalização (Saraiva, 200549 SARAIVA, João Batista C. Adolescente em conflito com a lei. Da indiferença à proteção integral. Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.). Em nome dessa compreensão determinista e individualizada, o magistrado aplicava a lei de menores transitando entre um discurso assistencialista/protecionista e uma função de controle social, em um contexto no qual grupos de imigrantes chegavam ao país, inúmeros negros escravizados eram libertados e as principais cidades contavam com uma população em crescimento.

Começam as reclamações racistas por cidades limpas e livres de figuras que comprometessem o suposto avanço civilizatório da nação. Ainda que os juristas e intelectuais da época associassem os ideais de igualdade política e social à construção da República, no cotidiano das cidades, as autoridades policiais encarregavam-se de manter a igualdade apenas no plano das ideias, predominando a discriminação e a marginalização da população negra. A juventude negra em situação de vulnerabilidade torna-se, então, um problema (Adorno, 19881 ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.; Rauter, 200344 RAUTER, Cristina. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.; Neder, 200737 NEDER, Gizlene. Iluminismo jurídico-penal luso-brasileiro: obediência e submissão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.; Schwarcz, 199351 SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.; Wolkmer, 200354 WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003; Alvarez, 20036 ALVAREZ, Marcos César. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2003.).

Em 1942, foi criado o SAM (Serviço de Assistência aos Menores), órgão que atuaria como um equivalente ao sistema penitenciário para a população adolescente, tendo surgido como consequência do aumento da população juvenil institucionalizada (Saraiva, 200549 SARAIVA, João Batista C. Adolescente em conflito com a lei. Da indiferença à proteção integral. Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.; Rizzini, 200745 RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. São Paulo: Editora Cortez, 2007.). Earp (1993)21 EARP, Maria de L S. A política de atendimento do século XX: a infância pobre sob tutela do Estado. In: BAZÍLIO, Luiz C.; EARP, Maria de L. S.; NORONHA, Patrícia A. (Org.). Infância tutelada e educação: história, política e legislação. Rio de Janeiro: Ravil, 1993. p. 72-100. destaca a predominância de um modelo que percebia a criança e o adolescente como objetos de favor e caridade, mas que, ao mesmo tempo, tinha como objetivo a criação de “indivíduos úteis”. Dentro das instituições do SAM, crianças e adolescentes seriam, supostamente, profissionalizados para que pudessem trabalhar e, assim, adquirir o estatuto de cidadãos.

Ao longo do tempo, o Código de Menores passou a ser duramente criticado por ex-diretores, políticos e juristas, tanto pelas práticas de violência quanto pela precariedade de suas instalações. Todavia, a ruptura institucional de 1964 obstaculizou os movimentos que requeriam mudanças na perspectiva adotada pela legislação menorista (Oliveira, 200538 OLIVEIRA, Maria Cristina C. M. Processo Infracional e violência. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2005. ). Por meio da Lei n. 4.513 de 1964, estabeleceu-se a Política Nacional de Bem-Estar do Menor, criando-se “uma gestão centralizadora e vertical, baseada em padrões uniformes de atenção direta implementados por órgãos executores inteiramente uniformes em termos de conteúdo, método e gestão” (Saraiva, 200549 SARAIVA, João Batista C. Adolescente em conflito com a lei. Da indiferença à proteção integral. Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005., p. 47). O órgão nacional gestor dessa política passa a ser a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem) e, no âmbito estadual, a Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor (Febem).

O período marcado pelo regime militar pode ser considerado um marco na utilização dos saberes da psicologia e da psiquiatria no interior das estratégias de intervenção sobre esta parcela da população. Ainda que já houvessem se consolidado anteriormente com o SAM, nessa fase, é possível perceber uma maior utilização de avaliações sobre a periculosidade dos jovens selecionados pelo sistema de justiça juvenil. A atuação da Funabem organizava-se, ao menos oficialmente, em torno de dois eixos básicos: a correção e a prevenção das causas do “desajustamento do menor”. Tratava-se de diagnosticar, para, então, tratar comportamentos “anormais”, sintomas ou expressões de desequilíbrios e doenças.

Para Rizzini (2007)45 RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. São Paulo: Editora Cortez, 2007., no lugar de investir em uma política nacional de educação de qualidade para todos, optou-se por investir em uma política tutelar predominantemente jurídico-assistencialista. Uma forma de intervenção estatal que, apesar das mudanças ao longo do tempo, baseava-se na discricionariedade autoritária, na repressão, na disciplina e na violência. E é contra esse modelo de intervenção estatal que se volta a insatisfação social e profissional que levou à aprovação do ECA.

A estratégia dos movimentos sociais e a aprovação do ECA

No contexto de críticas contra o regime autoritário, ao final da década de 1980, de mobilizações sociais, com a influência de organismos internacionais como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e com a hegemonia dos discursos centrados em direitos humanos, os chamados “meninos e meninas de rua” surgem como uma figura emblemática da situação da infância e adolescência no país. Naquele momento, constituiu-se uma vasta agenda de questões envolvendo políticas de educação, saúde, habitação, saneamento, previdência social etc. E as dinâmicas observadas no âmbito da infância e da adolescência fazem parte de um processo mais amplo de questionamentos que foram ganhando força à medida que a luta pela redemocratização se consolidava, chegando ao momento da Constituinte, em que importantes reformas legais e simbólicas foram elaboradas, como no caso dos direitos da criança e do adolescente (Faria, 199623 FARIA, Vilmar. A montanha e a pedra: os limites da política social brasileira e os problemas da infância e da juventude. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Orgs.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez, UNICEF, FLACSO-BRASIL, 1996, p. 195-225.).

Havia uma proliferação de estudos que tinham como objetivo conhecer e caracterizar os chamados “meninos e meninas de rua”, grupo ainda pouco conhecido, destacando suas características, origens, atividades e inserção familiar. A primeira fase de produção acadêmica sobre o tema no país demonstrava a extensão e a gravidade do problema, que passou a ser reconhecido em âmbito nacional. O extermínio de jovens por parte de grupos organizados também foi um fenômeno que ganhou destaque, especialmente ao longo dos anos 1980, levando à produção de estudos com caráter de denúncia (Rizzini; Rizzini, 199646 RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. “Menores” institucionalizados e meninos de rua: os grandes temas de pesquisas na década de 80. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Org.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez; UNICEF; FLACSO-BRASIL, 1996. p. 69-90.).

De menores abandonados que necessitavam de caridade ou da intervenção assistencial do Estado, reconhecia-se que havia milhões de crianças atingidas pelas mazelas da pobreza e pelas deficiências das políticas públicas básicas – compreensão que possibilitou uma mudança de perspectivas e abriu espaço para o surgimento de novas propostas de intervenção sobre essa realidade. Nesse momento, já são manifestadas críticas ao termo “menor”, percebido como discriminatório e estigmatizante, o que foi central para os movimentos sociais que lutavam pelos direitos de crianças e adolescentes. O objetivo era “destruir o conceito do menor” e construir direitos da criança e do adolescente para todos e para todas. Para isso, “você tinha que destruir também a política pública que dava sustentação a esse conceito, que era a Política Nacional de Bem-Estar do Menor.” (CDDH, 202017 CDDH - Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Círculo Operário Leopoldense. 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a contribuição de São Leopoldo na garantia de direitos. São Leopoldo, 2020. Disponível em: http://col.org.br/site/wp-content/uploads/2020/07/Publica%C3%A7%C3%A3o-online-CDDH-30-anos-ECA.pdf.
http://col.org.br/site/wp-content/upload...
, p. 21).

Com isso, o tema dos jovens institucionalizados passou a ser igualmente focalizado pelos pesquisadores. Os problemas de pesquisa diziam respeito às características comuns às crianças internadas, os motivos para sua internação, os efeitos da internação e as representações sociais sobre os jovens privados de liberdade. Ao traçar o “perfil” do jovem institucionalizado, em sua maioria, negros e advindos de áreas periféricas das grandes cidades, a pobreza e a raça apareciam como fatores determinantes para entender porque os jovens eram privados de liberdade (Rizzini; Rizzini, 199646 RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. “Menores” institucionalizados e meninos de rua: os grandes temas de pesquisas na década de 80. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Org.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez; UNICEF; FLACSO-BRASIL, 1996. p. 69-90.; Fonseca, 198724 FONSECA, Cláudia. O internato do pobre: Febem e a organização doméstica em um grupo porto-alegrense de baixa renda. Temas IMESC, Soc. Dir. Saúde, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 21-39, 1987.).

Passa-se a articular a crítica de que a internação causa mais danos do que benefícios. Aduzia-se que, principalmente por longos período, a internação seria prejudicial em vários aspectos, em especial no processo de formação da identidade, na escolarização e no desenvolvimento das relações sociais. A questão da formação da identidade da criança e do adolescente institucionalizado é alvo de preocupação, surgindo trabalhos alinhados com a teoria do etiquetamento (labelling approach), substituindo o paradigma da escola positivista pelo paradigma do controle social, deslocando o foco dos estudos sobre as causas da criminalidade para os processos de criminalização (Rizzini; Rizzini, 199646 RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. “Menores” institucionalizados e meninos de rua: os grandes temas de pesquisas na década de 80. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Org.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez; UNICEF; FLACSO-BRASIL, 1996. p. 69-90.). Ainda, percebe-se a influência da obra Vigiar e punir, de Foucault (1977)25 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1977., na qual desenvolve sua teoria sobre o poder disciplinar nas sociedades modernas; bem como do trabalho sobre as instituições totais desenvolvido por Goffman (2003)29 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectivas, 2003..4 4 Para obras que dialogam com tais postulados vide Queiroz (1984), Campos (1984) e Altoé (1990). As pesquisas ajudaram a provocar uma acirrada discussão sobre os efeitos da institucionalização na trajetória de vida dos jovens, contribuindo para a fundamentação das denúncias contra o modelo vigente. Assim, a década de 1980 foi decisiva no desenvolvimento de um olhar crítico em relação ao modelo de intervenção estatal sobre a juventude vulnerabilizada, aprofundando o debate sobre novas práticas que possibilitassem uma intervenção menos repressiva.

Defendia-se uma abordagem social e educativa junto aos “meninos e meninas de rua” por meio da perspectiva oferecida por alternativas comunitárias de atendimento. Nesse contexto, um grupo de técnicos do Unicef, da Funabem e da Secretaria de Ação Social iniciou o projeto “Alternativas de Atendimento a Meninos de Rua”, com o objetivo de identificar as organizações e programas não institucionalizantes, baseados na educação social de rua, diferentemente da política então em vigor (Costa et al., 199620 COSTA, Antônio Carlos G. da.; KAYAYAN, Agop; FAUSTO, Ayrton. Prefacio. Do avesso ao direito – de menor a cidadão. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Orgs.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez, UNICEF, FLACSO-BRASIL, 1996. p. 9-14.). Nesse contexto de discussões sobre novas formas de intervenção e atendimento, em 1985, foi realizado o Encontro Nacional “Paulo Freire e os Educadores Sociais”, destacando-se a produção teórica do autor que embasava as reflexões sobre os meninos e meninas de rua, a educação social e os educadores sociais de rua (Freire, 198926 FREIRE, Paulo. Educadores de rua: uma abordagem crítica. Alternativas de atendimento aos meninos de rua. Série Metodológica. Bogotá: Unicef, 1989. Disponível em: http://websmed.portoalegre.rs.gov.br/escolas/cmet/material/Paulo-Freire-Educadores-de-Rua.pdf.
http://websmed.portoalegre.rs.gov.br/esc...
)5 5 Os resultados dos debates realizados durante o evento foram publicados em 1989 pela Unicef na obra “Paulo Freire e Educadores de Rua: uma abordagem crítica. Alternativas de Atendimento aos meninos de rua”. .

A partir de tal processo, emergiram dois resultados fundamentais para a construção de um movimento nacional por direitos de crianças e adolescentes: o acúmulo de ideias e experiências capazes de embasar novos programas de atendimento e repensar a legislação; e a consolidação de um grupo de lideranças, reconhecido em escala nacional e capaz de representar os profissionais que trabalhavam no atendimento direto às crianças e adolescentes – técnicos e organizações sociais, desde os níveis local, estadual e nacional. Dessa forma, foram organizadas comissões locais, em seguida, comissões estaduais e, em 1985, foi eleita a Coordenação Nacional do Movimento de Meninos e Meninas de Rua, um dos protagonistas nesse momento histórico nacional. Em discurso proferido no ano de 1989, por exemplo, o deputado Ademir Andrade, do PCB-PA, citava a importância do movimento no desenvolvimento de uma nova racionalidade de intervenção:

É bem verdade que se começa a formar a forte consciência a respeito da extensão e gravidade do problema, conforme exemplifica o importante trabalho em defesa desses menores realizado pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, pelo qual pessoas e programas estão associados no propósito de se transformar a triste realidade, mediante alternativas não paternalistas ou meramente assistencialistas

(Andrade, 19898 ANDRADE, Ademir. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 116, 14 set. 1989, p. 9428. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14SET1989.pdf#page=137.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 9427).

Ainda, desde 1983, o Unicef havia iniciado uma série de ações de apoio a governos, instituições religiosas, privadas e comunitárias no sentido de defesa de jovens em situação de vulnerabilidade social na América Latina, especialmente a partir do Programa Regional do Menino Abandonado e de Rua. Dessa forma, a organização possui um papel fundamental como propulsora de movimentos da sociedade civil pela infância e adolescência na região (Freire, 198926 FREIRE, Paulo. Educadores de rua: uma abordagem crítica. Alternativas de atendimento aos meninos de rua. Série Metodológica. Bogotá: Unicef, 1989. Disponível em: http://websmed.portoalegre.rs.gov.br/escolas/cmet/material/Paulo-Freire-Educadores-de-Rua.pdf.
http://websmed.portoalegre.rs.gov.br/esc...
).

Nesse contexto, havia o entendimento de que a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte configurava uma oportunidade única para “colocar o nascente Estado Democrático de Direito para funcionar em favor das crianças e adolescentes” (Costa et al., 199620 COSTA, Antônio Carlos G. da.; KAYAYAN, Agop; FAUSTO, Ayrton. Prefacio. Do avesso ao direito – de menor a cidadão. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Orgs.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez, UNICEF, FLACSO-BRASIL, 1996. p. 9-14., p. 11). Logo, em setembro de 1986, foi criada a Comissão Nacional Criança e Constituinte, a qual realizou um amplo processo de sensibilização, conscientização e mobilização da opinião pública e dos constituintes. Foram realizados encontros nacionais, debates estaduais, ampla difusão de mensagens nos meios de comunicação, eventos envolvendo centenas de crianças em frente ao Congresso Nacional, distribuição de panfletos e abordagem pessoal aos parlamentares, participação dos membros da comissão em audiências públicas sobre o texto constitucional, bem como foi elaborada uma carta de reivindicações contendo mais de 1,4 milhões de assinaturas, incluindo as de crianças e adolescentes, exigindo dos parlamentares a introdução de seus direitos na nova Constituição Federal (As crianças..., 20189 AS CRIANÇAS na Constituinte. Plenarinho. 11. nov. 2018. Disponível em: https://plenarinho.leg.br/index.php/2017/03/17/as-criancas-na-constituinte/.
https://plenarinho.leg.br/index.php/2017...
).

Segundo Costa e outros (1996)20 COSTA, Antônio Carlos G. da.; KAYAYAN, Agop; FAUSTO, Ayrton. Prefacio. Do avesso ao direito – de menor a cidadão. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Orgs.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez, UNICEF, FLACSO-BRASIL, 1996. p. 9-14., a iniciativa privada também participou desse esforço. As redes de televisão cederam espaços para divulgação de mensagens, assim como emissoras de rádio e jornais. Outro ator importante nesse momento foram as entidades ligadas ao Conselho Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), como as Pastorais do Menor. A CNBB também era citada nos debates parlamentares como um ator a ser levado em consideração,6 6 Dois exemplos de discursos nesse sentido: (i) “A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, criada ainda no governo do Presidente Castelo Branco, tornou-se virtualmente defasada, até porque esta instituição não veio adequar-se ao patamar das dificuldades sociais seriamente agravadas [...]. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil editou a Pastoral da Criança, baseada em estatutos alentados, a abrir perspectivas mais nobres e compreensíveis para o menor desajustado. Creio que o espírito desenvolto da Pastoral da Criança deveria ser incorporado às diretrizes doutrinárias da FUNABEM porque, dessa forma, estaria plenamente reestruturada e em condições de arrostar este quadro crítico (Melo, 1989, p. 11854); (ii) [...] um apelo dirigido ao Congresso Nacional pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O que os bispos estão pedindo aos Congressistas? Que votemos aquelas leis complementares e ordinárias fundamentais para que a Constituição possa ser plenamente aplicada (Sampaio, 1989, p. 6422). bem como nas entrevistas realizadas (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.).

Com o apoio e a pressão desses atores, duas emendas de iniciativa popular foram apresentadas à Assembleia Nacional Constituinte e seus textos foram fundidos e acabaram entrando no corpo da Constituição, em seu artigo 227,7 7 O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 determina, como dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. que introduz o enfoque básico da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, texto cujo projeto já era conhecido no Brasil quando da elaboração da Constituição Federal.8 8 Muito embora os registros contem que a Convenção estava pronta para ser votada em 1979, para marcar o ano internacional da criança na ONU, embates geopolíticos atravessaram as negociações e a publicação do instrumento internacional, que ocorreu somente em 1989. A respeito das tensões e debates em torno da aprovação da Convenção, ver o trabalho de Rosemberg e Mariano (2010). Positiva-se, assim, a doutrina da proteção integral, em oposição à doutrina da situação irregular manifestada no antigo Código de Menores. Tal norma da Constituição é considerada a base normativa para a elaboração do ECA, já que seria preciso regulamentar a nova situação legal consolidada em âmbito constitucional. No processo legislativo que levou à aprovação do ECA, a incompatibilidade do Código de Menores com a nova Constituição Federal era frequentemente ressaltada.9 9 Como, por exemplo, nos seguintes discursos, do deputado Nelson Aguiar, do PDT-ES, e do deputado Octavio Elísio, do PSDB-MG, que cita uma fala de Antônio do Amaral e Silva, juiz de menores de Santa Catarina que participou do processo de redação do ECA: “já tramita na Casa proposta que institui as Normas Gerais de Proteção à Infância e à Adolescência, visando à substituição do Código de Menores, que se acha ultrapassado no tempo e no espaço. No tempo, porque se tornou anacrônico, em função de seu caráter autoritário, e apenas processualístico; no espaço, porque, em razão da Nova Carta, há que ser revogado, por inconstitucional e inaplicável” (Aguiar, 1989a, p. 269). “O atual Código de Menores é uma lei antijurídica, inconstitucional e ultrapassada, baseada na doutrina da situação irregular. Muito sedutor, é verdade, mas enganoso e repleto de mitos e eufemismos que o transformam na prática em um sistema de controle social da pobreza. Ele não tem nada de protetor, mas muito de repressivo e em alguns casos é mais violento que o próprio código penal.” Estas são declarações do Dr. Antônio F. do Amaral e Silva, Juiz de Menores de Blumenau, Santa Catarina, um dos defensores do novo Estatuto da Criança e do Adolescente. Para ele o ‘Estatuto parte de outra doutrina: a de proteção total preconizada pelas Nações Unidas. Pelo atual código os menores só têm um direito: a educação religiosa.’ É muito pouco”. (Elísio, 1989, p. 11775).

É possível perceber a articulação de três forças que se uniram em torno do ECA: (i) o mundo jurídico, representado por juízes, promotores e advogados; (ii) o mundo das políticas públicas, representado por assessores da Funabem e por dirigentes e técnicos dos órgãos estaduais; e (iii) os movimentos e organizações da sociedade civil. Porém, o processo de elaboração do ECA não foi isento de conflitos, como relata Edson Seda sobre a resistência por parte dos chamados “menoristas”.

Daí, o início da redação autônoma para a nova legislação brasileira, não burocrática, iniciou-se em um tripé: Meu projeto, o projeto do Ministério Público de São Paulo, e o projeto do Fórum DCA. Os chamados “menoristas” (nome adotado pelo hierarca maior do Código de Menores de 1979) reagiram como puderam. Nós organizamos seminários em todo o Brasil para a discussão do que seria a nova lei.10 10 Entrevista concedida à autora (cf. Cifali, 2019).

Entretanto, o fato de haver sido escrito por juristas e técnicos também era ressaltado como ponto que conferia legitimidade ao projeto, apontando-se para o papel de protagonismo que detinham os “especialistas”. Técnica jurídica e apoio popular eram as bases legitimadoras do discurso parlamentar a favor do ECA. Nesse contexto, o papel dos parlamentares era mais periférico do que de protagonismo. Os parlamentares apareciam mais como porta-vozes de demandas sociais, as quais seriam “traduzidas” em linguagem técnica pelos considerados “especialistas”.11 11 Nesse sentido, por exemplo, trecho do discurso do Deputado Nelson Aguiar: “confiamos em que seja este projeto o modesto primeiro passo para chegarmos a uma lei que, representando amplo consenso social e parlamentar, incorpore, simultaneamente, à luz da melhor doutrina, os recursos da melhor técnica jurídica e o rigor da análise científica, combinados com a verdade da prática social” (Aguiar, 1989b, p. 126) Da mesma maneira, os parlamentares destacavam os movimentos sociais e a participação da sociedade civil na elaboração do texto legal e na mobilização desde a Constituinte, como no seguinte exemplo:

Tratou-se, Sr. Presidente, Srs. Deputados, esse projeto, de marcante exemplo de legislação elaborada a partir de um amplo, intenso e longo debate com a comunidade, a ponto de contar o texto com o apoio de cerca de 140 entidades ligadas à criança e ao adolescente espalhadas por todo o território nacional. Participaram de sua feitura não apenas juízes, juristas e membros do Ministério Público, mas também movimentos e entidades que vêm desenvolvendo importante trabalho em prol dos direitos da criança e do adolescente desde os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte

(Camata, 199012 CAMATA, Rita. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLV, n. 79, 30 jun. 1990, p. 8302. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD30JUN1990.pdf#page=14.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 8302).

Em outubro de 1989, o deputado Octavio Elísio destacou que, em reunião da Associação Brasileira de Juízes e Curadores de Menores, realizada em Cuiabá, depois de discussões sobre a nova legislação, a resistência por parte dos juízes em relação à aprovação do ECA havia sido vencida, tendo a proposta recebido apoio da maioria dos presentes. Dessa forma, apontava, estava aberto o caminho para a aprovação da lei em junho de 1990 (Elísio, 198922 ELÍSIO, Octávio. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 140, 19 out. 1989, p. 11775. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD19OUT1989.pdf#page=33.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
).

O conflito entre as racionalidades “garantista” e “menorista”

Diferentemente do Código de Menores de 1979, que tinha seu conteúdo voltado para os chamados “menores em situação irregular”, a nova legislação voltava-se para a infância e adolescência de maneira geral, abordando seus direitos. Entretanto, nos discursos sobre o tema, a discussão voltava-se para uma juventude específica, aquela em situação de vulnerabilidade, majoritariamente negra. Como referido, as crianças e adolescentes em situação de rua eram o foco das discussões, e a criminalidade era compreendida como uma consequência da pobreza, do abandono e da negligência dos poderes públicos.

Estado, família e sociedade passam a ser considerados corresponsáveis pela situação da juventude em situação de vulnerabilidade. Além disso, o caráter excludente, de dominação e opressão do sistema capitalista, que teria como consequência a negação de direitos, também era mencionado como um fator explicativo para a relação entre juventude e criminalidade. Tais posicionamentos podem ser vistos em alguns discursos da época, como o seguinte:

Vocês sabiam que um Deputado propôs a pena de morte para o pivete que cometesse um crime, mesmo sendo menor de 18 anos? Isso mostra a insensibilidade e a incompreensão para com 35 milhões de crianças abandonadas neste País. Se S. Ex’ esqueceu que existe uma criança abandonada, carente - ele, que pede a pena de morte - também esqueceu que a pena máxima só pode ser pedida por uma sociedade totalmente inocente, sem nenhuma culpa pela situação em que vocês vivem. Este não é o caso da sociedade brasileira, porque todos nós, tutores, curadores, juízes, parlamentares, que lidamos com o problema das crianças, somos co-responsáveis quando elas cometem um crime, quando dormem debaixo de uma ponte, quando estão com fome ou despidas, tanto quanto aqueles que lidam diariamente com elas. Antes de pedir a pena de morte para um pivete que cometeu um crime é preciso lembrar a sociedade que vivemos é tão responsável quanto aquela criança que cometeu o crime

(Maciel, 198933 MACIEL, Lysâneas. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 127, 29 set. 1989, p. 10800. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29SET1989.pdf#page=128.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 10800)

Karina Sposato12 12 Entrevista realizada em 20/09/2018 (Cifali, 2019). também apontou tal característica em sua entrevista, afirmando que no momento inicial de discussão do ECA, o tema do ato infracional não era tão central no debate como as questões relacionadas ao trabalho infantil, à vivência nas ruas e à situação dos antigos abrigos. A ideia de prevenção aparecia mais frequentemente que a repressão. Ao princípio dos debates, o discurso sobre as medidas socioeducativas dava conta de se tratar de uma medida protetiva, com uma resistência a um conteúdo punitivo, especialmente por parte de movimentos da sociedade civil, da Pastoral do Menor, e de outros setores da igreja católica.

No âmbito parlamentar, percebemos a influência das perspectivas de intervenção no âmbito comunitário, como defendido pelos movimentos sociais e pelo Unicef. Sobre a internação, afirmava-se que era “sabidamente ineficaz e até prejudicial ao jovem” (Andrade, 19898 ANDRADE, Ademir. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 116, 14 set. 1989, p. 9428. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14SET1989.pdf#page=137.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 9428), como destacado pelas pesquisas que vinham sendo desenvolvidas, apontando que a privação de liberdade deveria ser dirigida apenas a casos graves. Nesse sentido, o deputado Edme Tavares, do PFL/PB, também defendia o estabelecimento de regras “tendentes a proibir o encarceramento precoce” (Tavares, 198953 TAVARES, Edme. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 116, 31 out. 1989, p. 12722. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD31OUT1989.pdf#page=186.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 12722). Ainda, o deputado Nelson Gibson, do PMDB/PE, por exemplo, apontava que foram privilegiadas medidas que buscassem educar e profissionalizar os jovens, garantindo oportunidades de crescimento pessoal às crianças e adolescentes. O deputado também referia a fundamental participação, nessa nova dinâmica, de entidades sociais, da família e da comunidade.13 13 “Retirou-se do ordenamento jurídico o enfoque policialesco emprestado à questão do menor infrator. Com efeito, ao prever legislação tutelar específica para tratar do problema da delinqüência infanto-juvenil, estabeleceu a Constituição a garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infrator, a igualdade na relação processual e a defesa técnica por profissional habilitado, evitando que sejam os jovens e crianças abandonados à marginalidade tratados como delinqüentes comuns” (Gibson, 1990, p. 5361).

Defendia-se, também, a necessidade de imposição de limites à intervenção estatal e, especialmente, à intervenção do judiciário, no sentido de reduzir as possibilidades de privação de liberdade. Ressaltava-se, em conformidade com as normativas internacionais, a condição peculiar de desenvolvimento daquele público, elemento que justificava uma intervenção especializada, diferente daquela destinada aos adultos.

Nesse contexto, as críticas ao antigo Código de Menores e à atuação das Febem eram frequentes. Apontava-se para o caráter paternalista e assistencialista das políticas vigentes. E, entre os principais argumentos levantados pelos parlamentares, estava a redução dos poderes do poder judiciário. A partir das críticas aos amplos poderes conferidos aos juízes de menores, ressaltamos um dos principais conflitos que permearam a criação do ECA. O mais evidente deles, e que até hoje é levantado nas discussões sobre o tema, diz respeito aos limites conferidos à atuação judicial, como no seguinte trecho:

[...] a nós, Parlamentares, não resta outra alternativa senão regulamentar o estatuto sugerido pelas próprias crianças brasileiras, no qual cada um de seus direitos se encontra especificado e conceituado, para que, no momento em que o juiz julgar o caso de uma criança, não o faça segundo sua vontade, mas com base em uma regra escrita. [...] Nossas crianças pobres não pertencem mais ao Estado-Juiz

(Aguiar, 1989c4 AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 127, 29 set. 1989c, p. 10794. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29SET1989.pdf#page=128>.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 10794).

Emílio Méndez14 14 Entrevista realizada em 11/05/2017 (Cifali, 2019). narrou o conflito entre os chamados “menoristas” e os “garantistas”, afirmando que houve um intenso processo de negociação entre as partes. Assim, o conflito se dava, principalmente, fora da arena política parlamentar, entre juízes e promotores geralmente chamados de “menoristas”, pois defendiam o modelo do antigo Código de Menores, e os chamados “garantistas”15 15 Especificamente sobre o “garantismo”, importante ressaltar que, nesse momento, também ganha impulso no Brasil o chamado Movimento do Direito Alternativo. Se antes, na época do Código de Menores, o positivismo criminológico servia de base teórica para os juristas nas determinações e intervenções no âmbito da infância e da juventude, no momento de elaboração e aprovação do ECA, o garantismo fazia esse papel, informando parte do pensamento jurídico do período, especialmente a partir do embasamento teórico formulado por Luigi Ferrajoli, jurista italiano cujas ideias circulavam no contexto brasileiro. A esse respeito, ver Carvalho e Carvalho (2004). ou “especialistas”, defensores de uma nova legislação que adotasse o modelo identificado como um direito penal juvenil. É um embate semelhante ao observado por Muncie (2004)36 MUNCIE, John. Youth and Crime. Londres: Sage, 2004. entre atores que defendiam uma atuação flexível do poder judiciário (welfare) e os que defendiam a adoção de garantias processuais (justice).

Na obra Direito do Menor, Cavallieri (1986)16 CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro: Forense, 1986. explica em forma de perguntas e respostas o modelo de justiça e intervenção estatal considerado adequado pela posição que defendia. Para os “menoristas”, o “menor em situação irregular” seria quase sempre resultado de alguma ação ou omissão de seu responsável. Além disso, defendia que o chamado “exame da personalidade” deveria ser considerado mais importante do que o crime praticado pelo jovem, afastando-se do pensamento dos chamados “garantistas”, que defendiam a proporcionalidade entre delito e pena.

Cavallieri (1986)16 CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro: Forense, 1986. e os demais atores que defendiam a posição “menorista” sustentavam a elaboração de uma doutrina especializada, considerando que o “problema” enfrentado no campo da intervenção sobre a juventude dizia respeito à aplicação e execução da lei, e não ao modelo de justiça adotado. Apostava-se, assim, na construção de um saber especializado, em uma doutrina do direito do menor, confiando-se à jurisprudência, ou seja, aos juízes, o aprimoramento da intervenção estatal. Nesse sentido, as demais áreas do conhecimento contribuiriam na decisão, mas o centro seria o juiz. Ainda que o centro fosse o juiz, a psicologia e a psiquiatria, com seus relatórios e exames de personalidade detinham um papel central no modelo defendido pelos “menoristas” (Cavallieri, 198616 CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro: Forense, 1986.).

Os críticos da racionalidade “menorista” apontavam para o corporativismo dos atores judiciais, especialmente juízes e promotores de justiça, acusando-os de defender tal posicionamento apenas para manter ou ampliar seus poderes.16 16 Em discurso proferido em 1989, o deputado Nelson Aguiar narra resistência oferecida por parte de alguns juízes à aprovação do ECA e critica seus amplos poderes: “eis por que a resistência corporativa de alguns juízes de menores tem ultimamente chegado ao cúmulo das agressões verbais ao Poder Legislativo e a todos os que estão apoiando a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. É saudosismo do tempo em que juízes faziam leis e ministros ditavam ao Congresso como elas deviam ser aprovadas. Um desses interesses, nobres colegas, é exatamente a defesa do superpoder atribuído pelo Código de Menores ao Estado-Juiz, compatível com o espírito antidemocrático da época em que foi aprovado ‘sem uma vírgula sequer’ num Congresso diminuído de poderes” (Aguiar, 1989a, p. 10794). Entre os juristas, o debate centrava-se no âmbito processual da nova lei. A presença do curador de menores era considerada fundamental para os “menoristas”, ao lado do juiz e do técnico. Sobre a influência do Ministério Público nesse processo, Emilio Méndez aponta que, as disposições vinculadas ao “menorismo”, como a manutenção da indeterminação do tempo de privação de liberdade no texto do ECA, estariam vinculadas à pressão por parte de membros do judiciário e do Ministério Público. Em sua entrevista, Karina Sposato também apontou a influência de membros do Ministério Público nesse processo. O Ministério Público deveria, ao mesmo tempo, zelar pelos direitos dos adolescentes e pela sociedade. Diante dessas características, apontava-se que a defesa técnica seria dispensável (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.).

Os “menoristas” defendiam um processo em que as decisões fossem tomadas em conjunto, sem embates entre as partes. Nas palavras de Cavallieri (1986, p. 140)16 CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro: Forense, 1986.: “juiz, curador e técnico e, quando presente, advogado, formam um colegiado que se consulta, acerta decisões. Tem um alto valor educativo a presença de todos, na audiência, impressionando menores e responsáveis afirmando uma direção única para sua conduta”. A defesa de direitos e a divergência de opiniões entre acusação e defesa não era considerada educativa para o jovem. O objetivo final seria “o melhor para o menor”, motivo pelo qual todos deveriam trabalhar em conjunto para chegar a uma decisão consensual. O advogado, quando presente, integraria o colegiado, mas, segundo Cavallieri (1986, p. 142)16 CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro: Forense, 1986.: “em se tratando de processos de menores infratores ou com desvio de conduta, seria intolerável transformar-se a audiência em batalha judicial”. Nesse sentido, o autor defende o afastamento do modelo da justiça de menores da justiça penal de adultos. Havia o discurso, por parte dos “menoristas”, de que a medida socioeducativa não podia abarcar um tempo determinado, pois não seria uma pena, eis que cada medida deveria ser decidida de acordo com o caso concreto e a situação do adolescente. Assim como no caso de internações psiquiátricas, os adolescentes deveriam ficar internados pelo tempo necessário para que passassem por um tratamento.

No que se refere ao termo “socioeducação”,17 17 Sobre a construção do conceito de socioeducação no ECA ver Raniere (2014) e Gomes (2020). Méndez destacou que, em pouco tempo de trabalho, as tensões começaram a aparecer entre os grupos. Ainda, relatou que defendia o modelo de intervenção identificado como direito penal juvenil, identificado como “garantista”, em que a privação de liberdade de adolescentes acusados da prática de atos ilícitos fosse reconhecida como uma pena. O conceito de medidas socioeducativas mostra uma das principais disputas em relação ao ECA. Mais do que uma resposta ao delito, o conceito de medida socioeducativa abarcaria uma espécie de política social. Ou seja, a intervenção estatal não diria respeito apenas ao delito cometido pelo adolescente, tampouco abarcaria a noção de proporcionalidade entre delito e pena, como defendido pelos “garantistas”.

Segundo Emilio Méndez, os “garantistas” eram criticados, em um primeiro momento, inclusive pelos movimentos sociais, a partir de documentos publicados pelo Fórum DCA contrários ao conceito de direito penal juvenil (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.). Nesses documentos destacava-se que os adolescentes não teriam “responsabilidade penal”, mas “responsabilidade social”. Porém, a responsabilidade social teria “consequências penais”, como a privação de liberdade, motivo pelo qual Méndez e outros especialistas defendiam o conceito de direito penal juvenil (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.).

Ao longo do tempo, houve uma maior aceitação dos vínculos entre sistema penal e sistema socioeducativo e, nesse sentido, de ampliação da defesa das garantias processuais aos adolescentes, conforme Karina Sposato. Também os garantistas incidiram para explicitar os termos da perspectiva de um direito penal juvenil, especialmente porque, quando se falava em direito penal juvenil, tal perspectiva era associada à redução da maioridade penal. Nesse sentido, o direito penal juvenil também pode ser associado a uma defesa da especialização dessa área de intervenção, rechaçando o julgamento de jovens pela justiça de adultos (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.).

Na avaliação de João Batista Costa Saraiva, em palestra realizada em novembro de 2017 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em síntese, a grande conquista desse discurso do direito penal juvenil no ECA seria a conquista da superação do princípio da discricionariedade e da perspectiva de que a intervenção estatal era movida pelo “superior interesse da criança”, ou seja, a compreensão de que a justiça de menores “trabalhava em favor dos menores, para o bem deles” (informação verbal). A partir da Convenção dos Direitos da Criança, de 1989, essa intervenção passou a ser limitada: “o Estado não está mais legitimado para intervir no âmbito da liberdade individual desses atores com um poder discricionário, mas só pode fazê-lo nos limites próprios da cidadania” (informação verbal). E o que seriam os limites próprios da cidadania? No caso da responsabilização de jovens autores de delitos, o princípio da legalidade.

Para Mary Beloff18 18 Entrevista realizada em 17/09/2018 (Cifali, 2019). , a perspectiva tutelar desconfia do castigo e busca afastar-se do direito penal, apontando que houve, ao longo do tempo, uma demonização da palavra “tutelar”, o que não ajuda no desenvolvimento de uma doutrina especializada. Isso porque, explica, no âmbito dos direitos humanos, tutela é uma palavra importante, no sentido de proteção e de garantia dos direitos pelo Estado. O problema não estaria em tutelar os direitos das crianças e adolescentes, mas no modelo tutelar desenvolvido no passado (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.).

Assim, não são as garantias que marcam a diferença entre as diferentes racionalidades, mas a percepção sobre o conteúdo da intervenção. Para os “menoristas”, a intervenção estatal teria um conteúdo positivo, de garantia de direitos, sendo entendida como um bem, enquanto para os “garantistas”, diante da imposição de penas, a intervenção estatal seria vista sempre como negativa, devendo ser limitada.

Considerações finais

Analisando-se as disputas em torno da definição do ECA, foi possível identificar que os conflitos que se deram entre as posições “menorista” e “garantista” fazem com que o ECA apresente disposições em ambos os sentidos. Os “garantistas”, por exemplo, lograram inserir as garantias processuais constitucionais como o contraditório e a ampla defesa no processo de apuração de atos infracionais, bem como estabelecer um limite de até três anos para a privação de liberdade de jovens. Com a edição do ECA, em um momento permeado pelo discurso dos direitos humanos, em um debate focado na situação de vulnerabilidade econômica e social dos chamados “meninos e meninas de rua”, crianças e adolescentes passaram a ser considerados sujeitos de direitos e não mais como objetos da intervenção estatal. Essa alteração significou uma mudança importante, ao menos no plano formal, em relação ao status quo anterior.

Vale ressaltar que, conforme defendia a corrente “garantista”, a legislação também consolidou os princípios da brevidade e da excepcionalidade das medidas de internação, como formas de limitar a atuação estatal. Nos Códigos de Menores, a internação era vista como medida que beneficiava o chamado “menor”, pois em uma instituição estatal ele receberia tratamento e assistência. Com o ECA, a intervenção passa a ser limitada e adotada somente como último recurso19 19 Isso não quer dizer que, na prática, se tenha alcançado as mudanças previstas na lei, como, por exemplo, expõe Paula (2011) ao analisar o contexto das medidas em meio aberto na cidade de São Paulo, indicando que sua execução se afasta do ideal de promoção da cidadania a partir da ampliação da participação da comunidade nos modelos de intervenção estatal, tal como formulado pelos movimentos sociais ao final dos anos 1980. e a internação deveria ser aplicada não em função das supostas necessidades ou características sociais do adolescente, ficando restrita aos casos excepcionais.20 20 Segundo art. 122 do ECA: “A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta” (Brasil, 1990).

Por outro lado, os defensores da corrente “menorista” lograram a manutenção da indeterminação do tempo da intervenção ao momento da sentença, devendo a medida socioeducativa ser reavaliada, no máximo, a cada seis meses. Assim, não existe a definição de uma “pena” ao momento da condenação, e nem uma proporcionalidade estrita entre delito e tempo de pena. A medida socioeducativa não é considerada uma pena, prevalecendo a perspectiva defendida pelos “menoristas”, de que teria uma natureza não exclusivamente repressiva, mas também social e educativa. A oitiva informal realizada pelo Ministério Público é outro exemplo da influência dos chamados “menoristas” nesse processo, em que o adolescente é ouvido por um ator cuja função é acusá-lo, sem a presença de defensor, sob a justificativa de que a instituição zelaria pela proteção do jovem e da sociedade. Enfim, é possível perceber, no texto da lei, dispositivos legais que refletem tanto posicionamentos advindos de uma racionalidade ligada ao direito penal juvenil como uma racionalidade vinculada ao modelo tutelar.

Ou seja, vale destacar aqui que o ECA apresenta tanto rupturas quanto continuidades em relação ao modelo de intervenção anterior. A reforma realizada no Brasil estava fixada na ideia de superação do paternalismo tutelar do modelo anterior, o que acabou por condicionar todo o processo, motivo pelo qual é compreensível a ênfase nos debates sobre a perspectiva de um direito penal juvenil, diante dos excessos e das violências cometidas contra os jovens institucionalizados. Assim, o ECA é resultado dos conflitos que permearam sua elaboração e dos dilemas envolvendo a construção de um modelo especializado para lidar com jovens acusados do cometimento de delitos no Brasil. É importante ressaltar que, apesar das divergências, “garantistas” e “menoristas” defendiam que a intervenção sobre jovens autores de delitos deveria ser realizada em um âmbito especializado, distinto daquele para adultos, diante de sua peculiar condição de desenvolvimento.

Contudo, desde sua aprovação, o ECA é alvo de críticas e a disputa pela definição da justiça juvenil no Brasil está longe de acabar. Conforme destacam Budó e Cappi (2018)11 BUDÓ, Marília de N.; CAPPI, Riccardo. Punir os jovens? A centralidade do castigo nos discursos midiáticos e parlamentares sobre o ato infracional. Belo Horizonte: Letramento, 2018., diante do cenário que se apresenta, de aumento de uma narrativa vinculada a uma punição severa de jovens autores de delitos, àqueles dispostos a evitar um aumento da intervenção estatal sobre a vida dos jovens selecionados pelo sistema de justiça – que continuam sendo, como na época dos Códigos de Menores, em sua grande maioria, negros – não resta outra alternativa senão seguir disputando as formas de ver os jovens e os objetivos da justiça juvenil.

Por tais motivos, considerando que as concepções sobre as formas de lidar com a questão do delito estão em permanente disputa, considera-se importante resgatar os desenvolvimentos que nos fizeram chegar ao atual modelo de justiça juvenil, em que temos uma justiça especializada, baseada em princípios como a excepcionalidade e a brevidade da intervenção estatal, trazendo a memória histórica como aliada para evitar retrocessos neste campo.

  • 1
    Ressalta-se que a justiça juvenil não diz respeito apenas ao direito penal, sendo uma justiça especializada diante de suas interfaces, por exemplo, com a educação e a assistência social. Contudo, envolve intervenções estatais direcionadas a condutas criminalizadas. Assim, ao formular respostas para o cometimento de delitos, incluindo a privação de liberdade, os estudos sobre as transformações no âmbito da penalidade, especialmente o arsenal teórico da criminologia contemporânea e da sociologia da punição, ajudam a pensar sobre as dinâmicas políticas e sociais que impulsionam e influenciam o desenvolvimento de transformações no âmbito da justiça juvenil.
  • 2
    Alexandre Onzi Pacheco, assistente social da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul; Emílio Garcia Méndez, professor da Universidad de Buenos Aires e consultor da Unicef; Edson Seda, advogado membro da comissão redatora do ECA; Mary Beloff, professora da Universidad de Buenos Aires e consultora da Unicef e Karyna Sposato, professora da Universidade Federal de Sergipe e consultora da Unicef.
  • 3
    Os discursos parlamentares foram buscados no site da Câmara dos Deputados, na página de buscas avançadas do setor de Discursos e Notas Taquigráficas, com data inicial em 01 de janeiro de 1989 e data final em 31 de dezembro de 1990, tendo sido encontrados 17 documentos no ano de 1989 e 22 documentos para o ano de 1990 indexados pelas palavras-chave: “estatuto da criança e do adolescente”.
  • 4
    Para obras que dialogam com tais postulados vide Queiroz (1984)42 QUEIROZ, José J (Org.). O mundo do menor infrator. São Paulo: Cortez. 1984, Campos (1984)13 CAMPOS, Ângela V. D. de S. O menor institucionalizado um desafio para a sociedade: atitudes, aspirações e problemas para sua reintegração na sociedade. Petrópolis: Vozes, 1984. e Altoé (1990)5 ALTOÉ, Sônia. Infâncias perdidas: o cotidiano nos internatos-prisão. Rio de Janeiro: Xenon, 1990..
  • 5
    Os resultados dos debates realizados durante o evento foram publicados em 1989 pela Unicef na obra “Paulo Freire e Educadores de Rua: uma abordagem crítica. Alternativas de Atendimento aos meninos de rua”.
  • 6
    Dois exemplos de discursos nesse sentido: (i) “A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, criada ainda no governo do Presidente Castelo Branco, tornou-se virtualmente defasada, até porque esta instituição não veio adequar-se ao patamar das dificuldades sociais seriamente agravadas [...]. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil editou a Pastoral da Criança, baseada em estatutos alentados, a abrir perspectivas mais nobres e compreensíveis para o menor desajustado. Creio que o espírito desenvolto da Pastoral da Criança deveria ser incorporado às diretrizes doutrinárias da FUNABEM porque, dessa forma, estaria plenamente reestruturada e em condições de arrostar este quadro crítico (Melo, 198934 MELO, Bezerra de. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 141, 20 out. 1989, p. 11854. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20OUT1989.pdf#page=36.
    http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
    , p. 11854); (ii) [...] um apelo dirigido ao Congresso Nacional pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O que os bispos estão pedindo aos Congressistas? Que votemos aquelas leis complementares e ordinárias fundamentais para que a Constituição possa ser plenamente aplicada (Sampaio, 198948 SAMPAIO, Plínio Arruda. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 85, 01 jul. 1989, p. 6422. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD01JUL1989.pdf#page=557.
    http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
    , p. 6422).
  • 7
    O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 determina, como dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
  • 8
    Muito embora os registros contem que a Convenção estava pronta para ser votada em 1979, para marcar o ano internacional da criança na ONU, embates geopolíticos atravessaram as negociações e a publicação do instrumento internacional, que ocorreu somente em 1989. A respeito das tensões e debates em torno da aprovação da Convenção, ver o trabalho de Rosemberg e Mariano (2010)47 ROSEMBERG, Fúlvia; MARIANO, Carmem Lúcia S. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança: debates e tensões. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 141, p. 693-728, set./dez. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v40n141/v40n141a03.pdf.
    http://www.scielo.br/pdf/cp/v40n141/v40n...
    .
  • 9
    Como, por exemplo, nos seguintes discursos, do deputado Nelson Aguiar, do PDT-ES, e do deputado Octavio Elísio, do PSDB-MG, que cita uma fala de Antônio do Amaral e Silva, juiz de menores de Santa Catarina que participou do processo de redação do ECA: “já tramita na Casa proposta que institui as Normas Gerais de Proteção à Infância e à Adolescência, visando à substituição do Código de Menores, que se acha ultrapassado no tempo e no espaço. No tempo, porque se tornou anacrônico, em função de seu caráter autoritário, e apenas processualístico; no espaço, porque, em razão da Nova Carta, há que ser revogado, por inconstitucional e inaplicável” (Aguiar, 1989a2 AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 5, 23 fev. 1989a, p. 269. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23FEV1989.pdf#page=19.
    http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
    , p. 269). “O atual Código de Menores é uma lei antijurídica, inconstitucional e ultrapassada, baseada na doutrina da situação irregular. Muito sedutor, é verdade, mas enganoso e repleto de mitos e eufemismos que o transformam na prática em um sistema de controle social da pobreza. Ele não tem nada de protetor, mas muito de repressivo e em alguns casos é mais violento que o próprio código penal.” Estas são declarações do Dr. Antônio F. do Amaral e Silva, Juiz de Menores de Blumenau, Santa Catarina, um dos defensores do novo Estatuto da Criança e do Adolescente. Para ele o ‘Estatuto parte de outra doutrina: a de proteção total preconizada pelas Nações Unidas. Pelo atual código os menores só têm um direito: a educação religiosa.’ É muito pouco”. (Elísio, 198922 ELÍSIO, Octávio. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 140, 19 out. 1989, p. 11775. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD19OUT1989.pdf#page=33.
    http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
    , p. 11775).
  • 10
    Entrevista concedida à autora (cf. Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.).
  • 11
    Nesse sentido, por exemplo, trecho do discurso do Deputado Nelson Aguiar: “confiamos em que seja este projeto o modesto primeiro passo para chegarmos a uma lei que, representando amplo consenso social e parlamentar, incorpore, simultaneamente, à luz da melhor doutrina, os recursos da melhor técnica jurídica e o rigor da análise científica, combinados com a verdade da prática social” (Aguiar, 1989b3 AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 2, 17 fev. 1989b, p. 126. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD17FEV1989.pdf#page=102.
    http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
    , p. 126)
  • 12
    Entrevista realizada em 20/09/2018 (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.).
  • 13
    “Retirou-se do ordenamento jurídico o enfoque policialesco emprestado à questão do menor infrator. Com efeito, ao prever legislação tutelar específica para tratar do problema da delinqüência infanto-juvenil, estabeleceu a Constituição a garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infrator, a igualdade na relação processual e a defesa técnica por profissional habilitado, evitando que sejam os jovens e crianças abandonados à marginalidade tratados como delinqüentes comuns” (Gibson, 199028 GIBSON, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLV, n. 116, 22 maio 1990, p. 5361. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22MAI1990.pdf#page=62.
    http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
    , p. 5361).
  • 14
    Entrevista realizada em 11/05/2017 (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.).
  • 15
    Especificamente sobre o “garantismo”, importante ressaltar que, nesse momento, também ganha impulso no Brasil o chamado Movimento do Direito Alternativo. Se antes, na época do Código de Menores, o positivismo criminológico servia de base teórica para os juristas nas determinações e intervenções no âmbito da infância e da juventude, no momento de elaboração e aprovação do ECA, o garantismo fazia esse papel, informando parte do pensamento jurídico do período, especialmente a partir do embasamento teórico formulado por Luigi Ferrajoli, jurista italiano cujas ideias circulavam no contexto brasileiro. A esse respeito, ver Carvalho e Carvalho (2004)15 CARVALHO; Amilton B. de; CARVALHO, Salo de. Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. São Paulo: Lumen Juris, 2004..
  • 16
    Em discurso proferido em 1989, o deputado Nelson Aguiar narra resistência oferecida por parte de alguns juízes à aprovação do ECA e critica seus amplos poderes: “eis por que a resistência corporativa de alguns juízes de menores tem ultimamente chegado ao cúmulo das agressões verbais ao Poder Legislativo e a todos os que estão apoiando a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. É saudosismo do tempo em que juízes faziam leis e ministros ditavam ao Congresso como elas deviam ser aprovadas. Um desses interesses, nobres colegas, é exatamente a defesa do superpoder atribuído pelo Código de Menores ao Estado-Juiz, compatível com o espírito antidemocrático da época em que foi aprovado ‘sem uma vírgula sequer’ num Congresso diminuído de poderes” (Aguiar, 1989a2 AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 5, 23 fev. 1989a, p. 269. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23FEV1989.pdf#page=19.
    http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
    , p. 10794).
  • 17
    Sobre a construção do conceito de socioeducação no ECA ver Raniere (2014)43 RANIERE, Édio. A invenção das medidas socioeducativas. Tese (Doutorado em Psicologia Social e Institucional), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2014. e Gomes (2020)31 GOMES, Isadora. Socioeducação: uma invenção (de)colonial. 2020. Tese (Doutorado em Psicologia), Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2020..
  • 18
    Entrevista realizada em 17/09/2018 (Cifali, 201918 CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, representações sociais e racionalidades. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.).
  • 19
    Isso não quer dizer que, na prática, se tenha alcançado as mudanças previstas na lei, como, por exemplo, expõe Paula (2011)41 PAULA, Liana de. Liberdade assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo. 2011. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2011. ao analisar o contexto das medidas em meio aberto na cidade de São Paulo, indicando que sua execução se afasta do ideal de promoção da cidadania a partir da ampliação da participação da comunidade nos modelos de intervenção estatal, tal como formulado pelos movimentos sociais ao final dos anos 1980.
  • 20
    Segundo art. 122 do ECA: “A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta” (Brasil, 199010 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
    ).

Referências

  • 1
    ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
  • 2
    AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 5, 23 fev. 1989a, p. 269. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23FEV1989.pdf#page=19
    » http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23FEV1989.pdf#page=19
  • 3
    AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 2, 17 fev. 1989b, p. 126. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD17FEV1989.pdf#page=102
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  • 4
    AGUIAR, Nelson. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 127, 29 set. 1989c, p. 10794. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29SET1989.pdf#page=128>.
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  • 5
    ALTOÉ, Sônia. Infâncias perdidas: o cotidiano nos internatos-prisão. Rio de Janeiro: Xenon, 1990.
  • 6
    ALVAREZ, Marcos César. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2003.
  • 7
    ALVAREZ, Marcos César. A emergência do Código de Menores de 1927: uma análise do discurso jurídico e institucional de assistência e proteção aos menores. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.
  • 8
    ANDRADE, Ademir. Discurso proferido na Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional, ano XLIV, n. 116, 14 set. 1989, p. 9428. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14SET1989.pdf#page=137
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    AS CRIANÇAS na Constituinte. Plenarinho 11. nov. 2018. Disponível em: https://plenarinho.leg.br/index.php/2017/03/17/as-criancas-na-constituinte/
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2021
  • Aceito
    01 Dez 2021
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