Open-access O populismo de extrema direita no governo Bolsonaro: uma abordagem discursiva

The far-right populism in the Bolsonaro government: discursive approach

Resumo

A abordagem discursiva de Laclau e Mouffe oferece uma interpretação relevante para o fenômeno populista contemporâneo. Utilizando essa perspectiva, analisamos o processo articulatório do discurso Bolsonarista como um populismo de extrema direita no Brasil. Por meio do método de análise articulatório-discursiva, o estudo explora o discurso populista derivado de análise textual do Plano de Governo e de enunciações de Jair Bolsonaro, no período de 2018 a 2022. A ênfase nas falas da liderança populista se justifica por dois motivos: (i) a liderança reproduz os sentidos do seu campo discursivo ao emergir da própria prática articulatória; (ii) a função da liderança nesse tipo de configuração política. No processo articulatório da cadeia de significados que conforma o discurso, são enfatizados os pontos nodais, os significantes e o processo de identificação com a liderança. Os resultados demonstram um processo articulatório da cadeia de significados que configurou o discurso populista de extrema direita do governo Bolsonaro, o qual interconecta significados políticos, religiosos e morais.

Palavras-chave:
discurso; populismo de extrema-direita; Bolsonaro; Brasil

Abstract

Laclau and Mouffe’s discursive approach provides a relevant interpretation of the contemporary populist phenomenon. From this perspective, we analyse the articulatory process of Bolsonaro’s discourse as a far-right populism in Brazil. Making use of the articulatory-discursive analysis method, the study explores the populist discourse derived from a textual analysis of Jair Bolsonaro’s Government Plan and speeches from 2018 to 2022. The emphasis on the populist leader’s discourse is justified for two reasons: (i) leadership reproduces the meanings of its discursive field by emerging from its own articulatory practice; (ii) the role of leadership in this type of political configuration. In the articulatory process of the chain of meanings that shapes the discourse, we highlighted the nodal points, the signifiers and the process of identification with leadership. The results demonstrate an articulatory process of the chain of meanings that configured the far-right populist discourse in the Bolsonaro government, which interconnects political, religious and moral meanings.

Keywords:
discourse; far-right populism; Bolsonaro; Brazil

1. Introdução

Nas duas últimas décadas, a ascensão da extrema direita na Europa, nos Estados Unidos e em países da América Latina, como Brasil e Argentina, tem sido interpretada como “populismo de extrema direita” ou “populismo illiberal” (Mudde, 2016, Norris; Inglehart, 2019, Lynch; Cassimiro, 2022). Na definição de Mudde (2016, p. 25-26), o fenômeno populista informa um processo de polarização societal em dois grupos “homogêneos e antagônicos, ‘o povo puro’ e ‘a elite corrupta’, e defende que a política deve ser uma expressão da ‘vontade geral’ do povo”. Para o autor, “embora o populismo não seja necessariamente antidemocrático, ele é essencialmente illiberal, especialmente em relação aos direitos das minorias, ao pluralismo e as regras da lei” (Mudde, 2016, p. 28). Na tentativa de compreender o fenômeno, alguns analistas, ao examinarem suas consequências, associam o populismo de extrema direita a uma “crise da democracia” (Przeworski, 2019), enquanto outros o vinculam ao “retrocesso democrático” (Kaufman, Haggard, 2019, Avritzer; Kerche; Marona, 2021). Em particular, Bartels (2024) identifica uma conexão entre o sentimento populista de extrema direita, a liderança populista e a erosão da democracia liberal contemporânea.

Neste artigo, buscamos contribuir com este debate ao analisar o processo articulatório da cadeia de significados do discurso de extrema direita no Brasil, tendo como objeto o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022)1. A partir da abordagem discursiva de Laclau e Mouffe (2015), conduzimos a análise do discurso Bolsonarista como um populismo de extrema direita, que intensificou as posições políticas antagônicas na construção de um populismo excludente, substituindo o confronto democrático e pluralista por embates ideológicos e morais.

No Brasil, os movimentos de extrema direita ganharam visibilidade pública com os Protestos de Junho de 2013 e as Manifestações Pró-Impeachment de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016. Os protestos de 2013 emergiram de pautas progressistas de defesa do transporte público e de políticas sociais, porém lançaram luz sobre um movimento de direita difuso que disputou os sentidos das ruas (Pinto, 2017, Silva, 2018, Freixo; Machado, 2019, Messenberg, 2019). No mosaico de clamores do Junho de 2013 – socialistas, autonomistas e patriotas (Alonso; Mische, 2016) –, os estudos também apontaram uma heterogeneidade interna no campo da direita (Freixo; Machado, 2019), composto por grupos nacionalistas extremistas, com uma retórica “antipolítica”, e segmentos com um discurso liberal articulado a skinheads, monarquistas, defensores da ditatura militar, religiosos conservadores, anticomunistas e anticorrupção. Apesar dessa difusão de sentidos, houve uma articulação à direita das insatisfações populares (Tatagiba; Trindade; Teixeira, 2015), tendo se expressado através de protestos que se seguiram até 2016 contra a corrupção, antipetistismo e pró-impeachment (Alonso, 2019). Esta dinâmica de consolidação do campo da direita também foi acompanhada pela expansão de organizações extremistas, como Movimento Brasil Livre (MBL), Revoltados Online e Vem Pra Rua (Messenberg, 2019). Neste processo, que se estendeu até as eleições de 2018, o populismo de extrema direita consolidou-se como um discurso articulado, culminando no surgimento do Bolsonarismo.

Por meio do método de análise articulatório-discursiva (Laclau; Mouffe, 2015), este artigo explora o Discurso de Governo Bolsonarista derivado de análise de quatro tipos de fontes discursivas – capazes de revelar o significado, a gênese e a propagação de ideias. As fontes discursivas totalizam 23 documentos e consistem em: Plano de Governo (2018), os discursos de posse de Bolsonaro no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto (2019), dezesseis pronunciamentos do presidente em rádio e TV (2019 a 2021) e seus quatro discursos de abertura das Assembleias Gerais da União das Nações Unidas (ONU), de 2019 a 2022. A ênfase nas enunciações da liderança se justifica por dois motivos: primeiro, porque a liderança reproduz os sentidos do seu campo discursivo ao emergir da própria prática articulatória que origina o discurso; em segundo lugar, devido à função da liderança nesse tipo de configuração política (populismo), como a “cristalização de afetos comuns” (Mouffe, 2019) no processo de identificação política (Laclau, 2013). Na análise, os discursos foram estruturados em oito pontos nodais, cujos conteúdos foram desdobrados em significantes que conformam o discurso populista de extrema direita. Além disso, foi explorado o processo de identificação do discurso com a liderança populista.

O artigo segue organizado em três seções. A primeira apresenta o método articulatório-discurso a partir da Teoria do Discurso em Laclau e Mouffe, ressaltando suas contribuições como recurso analítico para o estudo do populismo. A segunda seção analisa o processo articulatório da cadeia de significados e os pontos nodais que conformam o Discurso de Governo Bolsonarista. Por fim, a terceira seção discute o conceito de populismo nas contribuições de Laclau (2013) e Mouffe (2019) e o processo de emergência e identificação com a liderança populista.

2. Marco teórico-metodológico: enfoque articulatório-discursivo

O ponto elementar do método articulatório-discursivo é a compreensão do discurso como categoria ontológica central, uma vez que, como destacam Laclau e Mouffe (2015), toda estrutura social se constitui a partir de práticas discursivas que buscam estabelecer fundamentos ao social (hegemonização). A questão, portanto, é analisar as lógicas, os elementos e processos que constituem as estruturas discursivas do campo da discursividade, pois é a partir dele que são elaboradas as crenças, ideologias, identidades e valores que conformam o social.

Tomadas em suas particularidades, essas elaborações discursivas, denominadas por Laclau e Mouffe de elementos2, são percebidas como estando imersas na lógica da diferença inerente ao campo da discursividade. Nesse momento diferencial, percebemos apenas as fronteiras que delimitam as suas demandas como elementos particulares. No entanto, como destacam Laclau e Mouffe (2015, p. 188), “o social é articulação”, o que nos informa a possibilidade de uma espécie de redução discursiva da diferença. Para analisar as articulações entre as demandas dispersas no campo da discursividade, sem desconsiderar as particularidades inerentes a cada elemento, Laclau e Mouffe (2015) destacam o conceito de lógica da equivalência:

Os atores sociais ocupam posições diferenciais nos discursos que constituem o tecido social. Neste sentido, eles são todos, estritamente falando, particularidades. Por outro lado, há antagonismos sociais criando fronteiras internas na sociedade. Frente a forças opressoras, por exemplo, um conjunto de particularidades estabelece relações de equivalência entre si (Laclau; Mouffe, 2015, p. 40).

A equivalência não se refere, portanto, a um tipo de coerência lógico-positiva entre os elementos diferenciais. Isso significa que os motivos pelos quais diferentes particularidades se articulam não se encontram em uma possível justificação pela positividade, isto é, no compartilhamento radical de sentidos comuns, como se os objetivos concretos de cada elemento diferencial estivessem diretamente relacionados aos demais (um “nós” autorreferenciado). Ao contrário, esse processo ocorre por meio de uma justificação pela negação, isto é, por meio de uma oposição à fonte de opressão comum: fator(es) externo(s) aos elementos diferenciais que mantêm uma relação de negatividade comum, tornando-os equivalentes (um “nós” constituído a partir de uma relação de externalidade a um “ele(s)”).

Nesses termos, a lógica da equivalência nos indica que, embora distintos entre si, os elementos diferenciais podem compartilhar sentidos de outras demandas/identidades políticas, tendo em vista o seu caráter deslocado e a presença de um elemento antagônico. Ao iniciarem uma prática articulatória, o que pressupõe o compartilhamento de sentidos, ocorre uma retenção do fluxo diferencial, uma prevalência da lógica da equivalência isso não significa um completo apagamento das particularidades, em virtude da natureza diferencial dos elementos. É esta articulação que dá origem a um discurso propriamente dito:

[...] chamaremos de articulação qualquer prática que estabeleça uma relação entre elementos de tal modo que a sua identidade seja modificada como um resultado da prática articulatória. A totalidade estruturada resultante dessa prática articulatória, chamaremos de discurso. As posições diferenciais, na medida em que apareçam articuladas no interior de um discurso, chamaremos de momentos. Por contraste, chamaremos de elemento toda diferença não discursivamente articulada (Laclau; Mouffe, 2015, p. 178).

Nestes termos, toda articulação é uma prática e, portanto, “[...] não o nome de um complexo relacional dado” (Laclau; Mouffe, 2015, p. 164); se assim o fosse, indicaria apenas a existência de uma unidade discursiva prévia que, estando fragmentada por algum motivo, deva ou possa ser reconstruída como tal. Ao contrário, a articulação informa uma unidade de sentido cujo resultado é algo novo em relação aos elementos diferenciais tomados em suas particularidades. Isso nos informa que não se trata de um simples agrupamento entre iguais, nem da eliminação radical da diferença e tampouco de uma reconstrução de um todo pré-existente então fragmentado.

Em termos metodológicos e analíticos, isso implica que uma análise articulatório-discursiva deve realizar dois movimentos complementares: um “interno” e outro “externo” à estrutura discursiva. No primeiro, os analistas devem identificar os elementos em articulação, considerando suas demandas particulares, e a construção dos significantes que, ao conectarem e ordenarem a prática articulatória, informam uma direção comum a todos os elementos em articulação. Já no que diz respeito à dimensão “externa”, os analistas devem se atentar à relação de antagonismo que estrutura o discurso, pois um discurso não é uma simples soma de seus elementos diferenciais internos estando estruturado por uma lógica positiva de compartilhamento de sentidos: o discurso mantém uma relação de externalidade.

Essa relação de externalidade informa a presença de um exterior constitutivo na conformação do discurso em construção. Nesse conceito, todo processo de construção de uma unidade de sentido se constitui por meio da diferença, isto é, de uma relação com um “outro” que a constitui no entrecruzamento das fronteiras “interna” (nós) e “externa” (eles). Nos termos da Teoria do Discurso, o exterior constitutivo evidencia uma exclusão radical, isto é, um antagonismo:

Por antagonismo se entende uma relação entre forças inimigas, de modo tal que a negatividade passa a ser um componente interno dessa relação. Cada força nega a identidade da outra [...]. A presença do inimigo me impede de constituir a minha própria identidade [...]. O antagonismo tem, portanto, uma função reveladora. Por um lado, o momento de instituição identitária transforma um objeto ôntico em símbolo de minha possibilidade de ser; mas, por outro, a presença da força antagônica evidencia o caráter contingente e mero investimento identitário. Paradoxalmente, a estruturação interna da identidade se mostra através daquilo que a interrompe e limita (Laclau, 2014, p. 133; 150).

Como argumentamos, é o corte antagônico, compreendido como o processo de identificação e nomeação do inimigo comum, que fornece os impulsos para a prática articulatória do discurso. O diagrama a seguir é uma representação desse processo (Figura 1).

Figura 1
Prática articulatória: elementos diferenciais, momentos e antagonismo.

Dois conceitos devem ser destacados nesse processo para completarmos o esquema articulatório-discursivo. Na parte superior da imagem, próxima ao “corte antagônico”, percebemos a presença do significante vazio. Esse significante direciona e organiza o fluxo discursivo contra o inimigo a partir da conexão de diferentes pontos nodais.

A construção de Laclau e Mouffe (2015) da noção de ponto nodal, que nos permite visualizar a função do significante vazio, deriva da ideia de point de capiton de Lacan. Como destaca Stavrakakis (2007), um point de capiton é um significante que exerce a função de deter o processo de significação, conectando um significante a outro e, assim, atuando na retenção do fluxo constante de sentidos dispersos. A importância do ponto nodal se encontra no fato de que, sem ele(s), “[...] não há nenhuma ordem; sua função implica a introdução de um princípio de ordenamento que torna possível a emergência do significado social e a construção da realidade” (Stavrakakis, 2007, p. 97). Na Teoria do Discurso, a ausência de pontos nodais impossibilita a concretização de uma prática articulatória, pois torna impossível a retenção dos fluxos de sentidos dos diferentes elementos em articulação. Sem eles, os discursos em vias de articulação permanecem no âmbito da lógica da diferença, dispersos em um amontoado de sentidos sem ordem e, portanto, sem uma direção específica.

Ainda sobre os pontos nodais, é importante destacar que eles não são externos à prática articulatória. Pelo contrário, emergem do próprio processo de articulação. É justamente por serem elementos inerentes à prática articulatória em formação que conseguem abarcar uma gama de diferentes significados e, assim, simplificar a complexidade da diferença, permitindo a organização e a orientação do discurso propriamente dito. Quando esse processo é bem-sucedido, isto é, quando um conteúdo particular da prática articulatória consegue se esvaziar para abarcar uma gama de sentidos, transforma-se em um significante vazio, um significante sem um significado particular e que, por isso mesmo, satisfaz as demandas particulares (Laclau, 2011, Stavrakakis, 2007).

Em termos metodológicos, isso impõe aos analistas a necessidade de buscar a compreensão dos processos de construção dos pontos nodais: quais são os sentidos evocados? Quais os pontos conectivos que organizam esses sentidos e significantes? Qual é a relação de externalidade comum às demandas? Em suma, o trabalho dos analistas discursivos consiste na compreensão dos sentidos diversos que conformam o discurso propriamente dito. Isso também requer clareza com relação a pelo menos dois pontos.

O primeiro se refere à definição e delimitação do contexto discursivo. Embora nenhum discurso seja completamente fechado ou circunscrito a um determinado ambiente/local/momento, o analista “[...] é obrigado a tomar decisões sobre o nível e o grau adequados de contextualização, e deve estabelecer os limites de qualquer projeto particular” (Howarth, 2005, p. 71). O segundo ponto diz respeito aos critérios de seleção das fontes discursivas. Independentemente do tipo de fonte, se imagéticas, orais, textuais etc., o objetivo será “[...] revelar aspectos relacionados ao significado, gênese e propagação de ideias”, sempre com relação aos “[...] problemas de investigação e das questões investigadas” (Howarth, 2005, p. 71).

3. Pontos nodais e significantes do Discurso de Governo Bolsonarista

Nesta seção, discutimos os pontos nodais e os significantes que conformaram o Discurso de Governo Bolsonarista, no período de 2018 a 2022. Cumpre destacar, no entanto, que esse procedimento analítico, que fragmenta o discurso para evidenciar sua estrutura interna, não significa que os sentidos estejam em campos semânticos distintos. Ao contrário, há correlações entre eles. No Quadro 1, a seguir, apresentamos a síntese desses significantes e dos pontos nodais.

Quadro 1
Pontos nodais e significantes no discurso de governo Bolsonarista

3.1 Liberdade

O ponto nodal Liberdade é o elemento conectivo de maior complexidade do discurso. Em sua dimensão político-ideológica, Liberdade se referia centralmente à libertação do povo do julgo da “esquerda” que, para a unidade discursiva bolsonarista, governou o país desde a redemocratização. Com esse argumento, o discurso buscou ocultar as diferenças político-ideológicas que estruturaram os diferentes governos democráticos desde 1985. Trata-se, antes de tudo, de um esforço de simplificação da complexidade do fenômeno político a uma essência, interpelando os sujeitos com a mensagem de que “para além dos governos militares, tudo é esquerda/comunismo”. Para o discurso, o resultado dessas três décadas de governos de esquerda (1985-2018), representou tanto a degradação dos valores que fundamentam a nação como o fomento a conflitos internos entre os brasileiros operados por uma doutrinação ideológica esquerdista, cujo resultado foi o aprisionamento ideológico do povo.

Essa estrutura argumentativa é ainda mais clara no Plano de Governo de Bolsonaro (2018, s/p), quando informa que “[...] nos últimos 30 anos o marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo, se uniu às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira”. Contra isso, o discurso sustentava que não poderíamos “[...] deixar que ideologias nefastas venham dividir os brasileiros. Ideologias que destroem os nossos valores e tradições, destroem nossas famílias” (Discurso de posse ao público, 2019).

Para contra atacar o inimigo opressor do povo, o discurso interpelava os sujeitos para a necessidade de fortalecer o que seriam os “[...] valores fundamentais para a sociedade brasileira, com reflexo na pauta de direitos humanos, [que] são a defesa da família, do direito à vida desde a concepção, à legítima defesa e o repúdio à ideologia de gênero” (Discurso na 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2022), bem como na missão político-salvacionista de “[...] restaurar e de reerguer nossa Pátria, libertando-a, definitivamente, do jugo da corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica”, para que, assim, o país voltasse a “[...] ser um país livre das amarras ideológicas” (Discurso de posse na câmara, 2019). Contra essa suposta servidão, desde o início, o discurso era claro com relação à luta final: “[...] nossa bandeira jamais será vermelha. Só será vermelha se for preciso nosso sangue para mantê-la verde e amarela” (Discurso de posse ao público, 2019).

No que tange à subdimensão do significante (liberdade individual), destacavam-se os argumentos em torno da defesa da liberdade de expressão, meritocracia, livre iniciativa, defesa da propriedade privada e do armamentismo civil. Todos esses sentidos informavam o conflito contra o suposto ataque estatal/esquerdista contra o primado da liberdade individual.

Com relação à defesa da liberdade de expressão, o principal conflito se constituía contra o “politicamente correto”. Esse significante foi mobilizado pelo discurso para indicar se tratar de um elemento autoritário construído pela esquerda como forma de manipular a “vontade popular” e, assim, restringir a liberdade do sujeito de se expressar livremente. Em tom de denúncia, o discurso informava que “o politicamente correto” havia dominado o debate público “[...] para expulsar a racionalidade e substituí-la pela manipulação, pela repetição de clichês e pelas palavras de ordem” (Discurso na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2019).

A vitória eleitoral de Bolsonaro, portanto, significava que o povo havia começado “[...] a se libertar do socialismo, se libertar da inversão de valores, do agigantamento estatal e do politicamente correto” (Discurso de posse ao público, 2019). Nos termos fundamentalistas do espectro político de extrema direita, essa “defesa da liberdade de expressão”, na verdade, legitimou tanto práticas antidemocráticas, especialmente o clamor por intervenção militar, como práticas discursivas contrárias aos direitos de grupos minoritários.

Os outros sentidos que conformam o significante liberdade individual (meritocracia e livre iniciativa, defesa da propriedade privada e do armamentismo civil) também informavam um antídoto contra o suposto intervencionismo da burocracia estatal aparelhada pela esquerda e suas elites ditas corruptas e contrárias aos verdadeiros anseios do povo. De uma forma geral, para o Discurso de Governo Bolsonarista, após “30 anos de governos de esquerda”, cujos resultados também foram a corrupção generalizada no país, restrições à liberdade, o aumento da violência e da criminalidade, bem como a maior presença do Estado na vida social dos sujeitos, fazia-se necessário construir barreiras contra as ações estatais, que incidiam negativamente na meritocracia e na livre iniciativa dos sujeitos, e defender a propriedade privada e a legítima defesa do povo.

Para isso, o discurso assumiu o compromisso de “[...] tipificar como terrorismo as invasões de propriedades rurais e urbanas no território brasileiro” e “[...] retirar da Constituição qualquer relativização da propriedade privada, como exemplo nas restrições da EC/81” (Bolsonaro, 2018, s/p). Informando uma mudança nas políticas que seriam promovidas pelo governo, o discurso saudava a liberdade e a defesa da meritocracia: “[...] o brasileiro pode e deve sonhar. Sonhar com uma vida melhor, com melhores condições para usufruir do fruto do seu trabalho pela meritocracia” (Discurso de posse ao público, 2019). Já com relação ao armamentismo civil, vale destacar a defesa do discurso ao que seria um verdadeiro anseio do povo: “[...] o cidadão de bem merece dispor de meios para se defender, respeitando o referendo de 2005, quando optou, nas urnas, pelo direito à legítima defesa” (Discurso de posse na Câmara, 2019).

Por fim, também identificamos a dimensão negacionista da Liberdade presente no discurso. Esse ponto nodal apresenta dois conjuntos de sentidos. O primeiro tem como elemento central a negação das medidas de segurança e combate à Covid-19, tendo como substrato uma liberdade subjetiva cujos valores estavam radicalmente assentados na vontade autônoma do sujeito (liberdade autorreferencial), contra qualquer referente coletivo-social de liberdade (liberdade objetivo-social).

Em termos analíticos, essa liberdade negacionista não deve ser reduzida ao argumento das “teorias da conspiração”. A recusa à obrigatoriedade do uso de máscara e à vacinação, bem como a aceitação tácita de medicamentos contra a Covid-19, mesmo sem a comprovação científica de sua eficácia, para além da crença conspiratória, informava “[...] uma ideologia negacionista de determinados setores da extrema direita [...] que propõem um discurso fundamentalista de caráter nacional-libertário”3. O argumento central da dimensão negacionista, portanto, consistia na ideia de liberdade dos sujeitos frente às ações institucional-estatais:

Devemos sim voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa. O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar as escolas? [...]. No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho (Pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV do dia 24 de março de 2020).

Bolsonaro voltaria a ecoar a “liberdade negacionista” em seu pronunciamento no dia 31 de dezembro de 2021, quando o país já acumulava mais de 400 mil mortes por Covid-19 (Rosa; Tadeu, 2022). Na ocasião, afirmou que “[...] não apoiamos o passaporte vacinal, nem qualquer restrição àqueles que não desejam se vacinar [...]. A liberdade tem que ser respeitada” (Pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV do dia 31 de dezembro de 2021).

O segundo sentido da dimensão negacionista, por sua vez, fazia referência à questão Amazônica e, de forma mais geral, ao meio ambiente. O argumento basilar informava a negação dos dados e denúncias sobre o aumento do desmatamento atrelado à defesa da liberdade do país em explorar economicamente suas fontes de recursos naturais – alguns de seus sentidos também se correlacionam ao significante Liberalismo. O primeiro argumento oficial nesse sentido mirava contra-atacar o que o discurso percebia como denúncias infundadas da mídia sobre as queimadas na região Amazônica:

É preciso por outro lado, ter serenidade ao tratar dessa matéria [queimadas]. Espalhar dados e mensagens infundadas, dentro ou fora do Brasil, não contribui para resolver o problema e se prestam apenas ao uso político e à desinformação (Pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV do dia 23 de agosto de 2019).

Contra o que percebe como “desinformação”, o discurso buscou “informar” a comunidade internacional sobre a “realidade distorcida” pela mídia local:

Nossa Amazônia é maior que toda a Europa Ocidental e permanece praticamente intocada. Prova de que somos um dos países que mais protegem o meio ambiente. Nesta época do ano, o clima e os ventos favorecem queimadas espontâneas e criminosas. Vale ressaltar que existem também queimadas praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência. Problemas, qualquer país os têm. Contudo, os ataques sensacionalistas que sofremos por grande parte da mídia internacional devido aos focos de incêndio na Amazônia despertam nosso sentimento patriótico (Discurso na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2019).

Ao longo dos 4 anos de governo, esse foi o argumento que estruturou o posicionamento com relação ao aumento do desmatamento na região Amazônica. O argumento ganha novos sentidos quando também consideramos a dimensão econômica presente na negação desses dados. A estrutura básica desse sentido é que o Brasil, ao contrário dos países desenvolvidos, é o que mais preserva seu meio ambiente; que o país tem a liberdade de explorar as suas riquezas, assim como os demais países fizeram no passado; e que os povos originários, assim como toda a sociedade brasileira, querem o desenvolvimento econômico da região:

Hoje, 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena, mas é preciso entender que nossos nativos são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós. Eles querem e merecem usufruir dos mesmos direitos que todos nós [...]. O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas. Especialmente das terras mais ricas do mundo. É o caso das reservas Ianomâmi e Raposa Serra do Sol. Nessas reservas, existe grande abundância de ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras, entre outros [...]. Também rechaçamos as tentativas de instrumentalizar a questão ambiental ou a política indigenista em prol de interesses políticos e econômicos externos, em especial os disfarçados de boas intenções (Discurso na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2019).

Esses sentidos negacionistas com relação à Amazônia, bem como a ideia de desenvolvimento por meio da exploração das terras indígenas, somadas à falta de ações estruturantes do Governo no combate à pandemia, permitem-nos compreender a crise humanitária pela qual passou o povo indígena Yanomami durante a gestão Bolsonaro.

3.2 Liberalismo

Embora destacado separadamente, para fins analíticos, os sentidos que conformam o ponto nodal Liberalismo estão presentes em diferentes referenciais da prática discursiva bolsonarista. Além dos sentidos relacionados à meritocracia, à livre iniciativa e à defesa do desenvolvimento para a região Amazônica, a ideia de Liberalismo também envolve os seguintes elementos: (i) defesa do liberalismo contra o estatismo e a esquerda; (ii) defesa das privatizações como antídoto ao estatismo; (iii) defesa do livre mercado como sinônimo de “economia sem viés ideológico”; (iv) defesa de uma ideia de desenvolvimento amazônico-indígena contra o que entende ser barreiras ideológicas ao desenvolvimento local.

Com relação à defesa do liberalismo contra o estatismo e a esquerda, o discurso buscou reforçar os ideais do liberalismo econômico na relação antagônica com a ação do Estado no setor, o que, para o discurso, seria uma prática da esquerda. Nessa construção, interpelava os sujeitos com a mensagem de que as economias de mercado seriam “[...] historicamente o maior instrumento de geração de renda, emprego, prosperidade e inclusão social”. Frisando, inclusive, que “[...] graças ao Liberalismo, bilhões de pessoas estão sendo salvas da miséria em todo o mundo” e, como contra-ataque, informava que “[...] ideias obscuras, como o dirigismo, resultaram em inflação, recessão, desemprego e corrupção” (Bolsonaro, 2018, s/p). Novamente demarcando sua distinção e anunciando o que seria uma “novidade política”, o discurso buscou sedimentar o argumento de que “[...] o Brasil NUNCA adotou em sua História Republicana os princípios liberais” (Bolsonaro, 2018, s/p., destaque do original). Mas com o novo governo, “o mundo voltou a confiar no Brasil”, pois “[...] o viés ideológico deixou de existir em nossas relações comerciais” (Pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV do dia 24 de dezembro de 2019).

Na esteira desse argumento, sobressaíram as defesas das privatizações e do livre mercado como antídoto ao estatismo esquerdista, informando a ação estatal no setor econômico como ineficiente e elemento causal da corrupção:

As últimas gestões provocaram grave crise setorial [Energia], com judicialização causada por decisões arbitrárias, sucateamento da Eletrobrás e subsidiárias, conflitos de interesses, ineficiências na geração, excessivos encargos tributários e influência política. Além de tudo isso, o setor é extremamente centralizado e dependente de ações e decisões do governo. É preciso um choque liberal no setor (Bolsonaro, 2018, s/p).

As estatais do passado davam prejuízo de dezenas de bilhões de reais devido à corrupção sistêmica e generalizada (Pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV do dia 02 de junho de 2021).

Em suma, em seus elementos estruturantes, os sentidos de Liberalismo consistiam tanto em denunciar uma política econômica que seria inerente às ditaduras esquerdistas como em promover privatizações e novas relações comerciais visando “desideologizar” a economia nacional para, pela primeira vez na história, fazer do Brasil um país economicamente liberal.

3.3 Ordem e Militarismo

O ponto nodal Ordem e Militarismo se estruturava a partir de três conjuntos de sentidos: Lei, Ordem e Militarismo. Esses três conjuntos tinham como principal orientação a crítica à suposta “desordem social” e a exaltação das Forças Armadas, conformando um discurso militarista.

Sempre reforçando o corte antagônico, o discurso buscou sedimentar o argumento de que governos anteriores, em especial os petistas, eram os responsáveis por ataques às liberdades previstas na Constituição, inclusive a partir de instâncias jurídicas superiores, e em promover desordem social também por meio do fomento a conflitos internos (ex: negros x brancos; homossexuais x heterossexuais etc.). Contra esse cenário, o discurso buscou sedimentar a ideia de que era necessário enrijecer as leis e restabelecer a ordem, também indicando a recuperação do prestígio das forças militares do país, que teriam sido atacadas pelos governos de esquerda.

Com esse objetivo, o Plano de Governo (Bolsonaro, 2018, s/p) destacava que “[...] lamentavelmente, nossa Constituição foi rasgada nos últimos anos, inclusive por muitos que deveriam defendê-la”. Isso foi possível, segundo o discurso, porque, “[...] por muito tempo, o país foi governado atendendo a interesses partidários que não o dos brasileiros” (Discurso de posse ao público, 2019). O substrato desse argumento informa as indicações de Ministros, por governos petistas, para a Supremo Tribunal Federal (STF), fazendo alusão de que estes atuariam segundo interesses do partido. Como resultado desse “ataque à ordem” por parte da esquerda e dos governos petistas, as Forças Armadas foram as que mais sofreram:

Dentre instituições, grupos, pessoas ou atividades, que tiveram sua imagem atacada pela doutrinação ideológica de esquerda, certamente as Forças Armadas do Brasil estão entre as que mais sofreram. Houve clara intenção de desconstruir a imagem desta espinha dorsal da Nação, afinal, elas são o último obstáculo para o socialismo [...]. Nossas Forças Armadas precisam estar preparadas, através de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, com a participação das instituições militares no cenário de combate a todos os tipos de violência (Bolsonaro, 2018, s/p.).

Contra o suposto facciosismo social promovido pelos governos petistas, o discurso ressalta que “[...] qualquer forma de diferenciação entre os brasileiros não será admitida” (Bolsonaro, 2018, s/p). Com o argumento de “união nacional”, que seria a promotora da ordem e do progresso social, o objetivo consistia na construção de “[...] um Brasil com todas as cores: verde, amarelo, azul e branco” (Bolsonaro, 2018, s/p). Como abordaremos na sequência, essa estrutura discursiva também encontrava correlação com a construção do ponto nodal Povo, especialmente no que perpassa os esforços de invizibilização das diferenças: com o argumento de “união”, o discurso operou uma despolitização de questões caras à estrutura societária brasileira, como os temas racial, de gênero e dos povos originários. Visando à construção ideacional do povo contra o inimigo promotor da desordem social, o discurso buscou deslegitimar as lutas antirracistas, as demandas feministas e de gênero também sob a acusação de facciosismo.

Esse argumento também indica o objetivo do discurso em sedimentar um nexo causal entre a desordem social e governos de esquerda, uma vez que, para o discurso, suas políticas sociais tenderiam a privilegiar grupos sociais específicos ao invés do “povo brasileiro”. Assim, buscou correlacionar o Foro de São Paulo, significado como parte de uma conspiração comunista internacional4, ao suposto ataque à democracia, ao facciosismo societário e ao aumento da violência – esse nexo também surge nos sentidos que conformam o ponto nodal Segurança e criminalidade:

A verdade é que o número de homicídios no Brasil passou a crescer de forma consistente a partir do 1º Foro de SP, no início dos anos 1990 [...]. Enfrentaremos o viés totalitário do Foro de São Paulo, que desde 1990 tem enfraquecido nossas instituições democráticas [...]. Mais de UM MILHÃO de brasileiros foram assassinados desde a 1ª reunião do Foro de São Paulo (Bolsonaro, 2018, s/p. Destaque do original).

Como destaca Gallego (2019, p. 83), o discurso de governo Bolsonarista evocou a figura desse inimigo (esquerda/governo petista) como uma “[...] figura retórica que justifica todas as violências”. Paralelamente, construiu um enquadramento de desordem social, no qual o medo se tornou um dos elementos centrais da sua política. A partir dessa estrutura discursiva, buscou reforçar a necessidade de leis mais rígidas e maior liberdade de atuação das forças policiais, reforçando uma concepção punitivista de segurança pública e, assim, evidenciando as raízes militarista-autoritárias do discurso (Silva; Rodrigues, 2021, Luz, 2022, Gallego, 2019). Esse processo foi marcado pelo fomento às redes de afetos contra o inimigo:

acabar com a ideologia que defende bandido e criminaliza policiais, o que levou o Brasil a viver o aumento dos índices de violência e do poder do crime organizado, que tira vidas inocentes, destrói famílias e leva a insegurança a todos os lugares (Discurso de posse ao público, 2019).

[Os] Policiais precisam ter certeza que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica. Garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude [...]. Pela Nação Brasileira! (Bolsonaro, 2018, s/p).

O substrato do argumento, como destaca Gallego (2019, p. 92), é que o bandido, e todos os significados que preenchem esse significante, tais como “bandidagem”, “vagabundos”, “vândalos”, “esquerdistas” etc., “representa não só o mal, mas o mal protegido pelo Estado; já o policial representa o bem, que é esquecido e abandonado pelo Estado, pela justiça e pela imprensa”. Mais do que isso, o “[...] policial, na verdade, seria uma vítima desta inversão moral e, portanto, a letalidade policial não é o problema, mas sim um instrumento ‘da luta contra o mal’” (Gallego, 2019, p. 92). Por isso a necessidade de defendê-lo, garantindo a sua liberdade de “fazer justiça” pelos “cidadãos de bem”.

3.4 Segurança e criminalidade

Elementar a esse ponto nodal é a liberdade individual dos sujeitos na garantia do que entende como sendo direito à legítima defesa. Alocamos esses sentidos também em Segurança e Criminalidade, e não apenas no ponto nodal Liberdade e Ordem e Militarismo, porque apresentam uma segunda dimensão: conexão causal entre criminalidade e governos de esquerda, informando-os como os responsáveis pelo aumento da violência e criminalidade.

Em seus aspectos gerais, o campo semântico Segurança e Criminalidade indica a incompetência de governos de esquerda ou mesmo um projeto político de fomento à violência. Isso é o que informa o Plano de Governo (Bolsonaro, 2018, s/p), ao sustentar que “[...] o avanço das drogas e da esquerda são prevalentes nas regiões mais violentas do mundo”. De forma ainda mais incisiva, argumenta que:

Os 5 primeiros colocados no ranking de piora: Rio Grande do Norte, Maranhão, Pará, Bahia e Ceará, são regiões que passaram a ser governadas pela esquerda ou seus aliados e onde a “epidemia” de drogas não foi coincidentemente introduzida [...]. Além disso, as FARC participaram do Foro de São Paulo, fundado pelo PT e pelo ditador cubano. A verdade é que o número de homicídios no Brasil passou a crescer de forma consistente a partir do 1º Foro de SP, no início dos anos 1990 (Bolsonaro, 2018, s/p).

Nesse contexto discursivamente informado de desordem social, aumento da violência e da criminalidade, percebido como resultado direto ou indireto dos governos esquerdistas, o direito à legitima defesa do povo seria um dos pontos elementares da política de segurança pública do governo.

Essa estrutura discursiva, que também compartilha sentidos com a ideia de Liberdade e Ordem e Militarismo, evidencia o que Messenberg (2019, p. 41) identificou nos discursos de organizações e lideranças conservadoras: um processo de superdimensionamento da criminalidade e da violência – atribuído à esquerda, em geral, e aos governos petistas, em particular – que ao se desdobrar em “[...] questões relacionadas ao apoio da redução da maioridade penal, ao recrudescimento das penas judiciais, à truculência das ações policiais” e, de forma mais ampla e estrutural, “[...] às críticas às políticas de direitos humanos, à justiça brasileira e à política de desarmamento”, evidencia, novamente, as raízes militarista-autoritárias do discurso.

3.5 Corrupção e política tradicional

Mobilizado desde o período pré-eleitoral e eleitoral (Pinto, 2017, Silva, 2018, Luz, 2022), o ponto nodal Corrupção e Política Tradicional se correlacionava aos sentidos de Estado burocrático, aparelhado, ineficiente, corrupto e marcado por negociatas por cargos entre as elites partidárias. Quando voltados para o corte antagônico, esses sentidos foram evocados como legado do suposto aparelhamento petista da máquina pública, também correlacionando o Partido dos Trabalhadores à corrupção em geral e às suas consequências sociais, especialmente a criminalidade e degradação moral.

As críticas à corrupção e à política tradicional (Marques, 2025), contudo, não são novidades na vida social e política nacional. A novidade, como nos informa Pinto (2017), foi a mobilização desses significantes pelo campo conservador em um contexto de “vácuo discursivo”, momento em que esses significantes se deslocaram das práticas discursivas da esquerda para serem disputados pelo campo da direta. Ainda segundo Pinto (2017), esse “vácuo discursivo” ocorreu, dentre outros motivos, devido ao progressivo esgarçamento dos discursos anticorrupção e contrários aos arranjos entre as elites políticas que historicamente marcaram a luta pela hegemonia empreendida pelo campo progressista brasileiro.

Por um lado, esse processo foi marcado pelo desgaste político do PT decorrente das articulações com setores do mercado financeiro e com partidos de centro-direita para garantir seus três mandados presidenciais consecutivos, o que provocou “[...] um sentimento de decepção nos militantes, os quais viram frustradas suas expectativas de mudanças mais radicais, impossibilitadas pelos acordos que o governo fora obrigado a fazer” (Pinto, 2017, p. 141). Por outro lado, as denúncias de corrupção nos casos do Mensalão (2005) e do Petrolão (2014) envolveram criminalmente importantes lideranças do partido, inclusive alguns de seus fundadores, levaram ao enfraquecimento do discurso de combate a corrupção que havia marcado a história do PT. Esses casos, como argumenta Pinto (2017, p. 143), gerou uma espécie de “crise discursiva” do PT e, de forma mais geral, da esquerda, o que “possibilitou um vazio discursivo e uma miríade de significantes flutuantes [como corrupção e política tradicional] à disposição para serem articulados em novas cadeias de equivalência”. Foi assim que os significantes “corrupção” e “política tradicional” foram significados e fortemente incorporados à estrutura discursiva da direita contra a esquerda em geral (Marques, 2025).

Antagonizando a Política Tradicional e o suposto aparelhamento partidário do Estado em torno dos interesses das elites políticas, percebidos como um dos elementos causais da corrupção do sistema político nacional, o Discurso de Governo Bolsonarista buscou se apresentar como um elemento outsider, representante de uma “nova política”. O objetivo do discurso, com essa crítica, era manter viva a desconfiança popular em relação ao sistema político e à própria democracia formal, fomentando questionamentos sobre o funcionamento das instituições em detrimento de um suposto interesse comum. Isso ficou claramente expresso no slogan da campanha presidencial de 2018, quando se colocava “contra tudo que está aí”.

Essa crítica tinha como fundamentos os argumentos de que o “[...] quadro [político, social e econômico] atual deve ser visto como o resultado da forma perniciosa e corrupta de se fazer política nas últimas décadas, caracterizada pelo loteamento do Estado, o popular ‘toma lá-dá-cá’” (Bolsonaro, 2018, s/p). Contra a corrupção e os interesses particulares das elites políticas, o discurso buscou se apresentar como leal aos interesses populares, indicando que “[...] as motivações da vontade popular continuam vivas e inabaláveis” (Pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV do dia 15 de março de 2020).

Dessa forma, o discurso informava um governo sem alianças políticas envolvendo indicações de cargos ou repasses financeiros via Congresso, evidenciando uma clara crítica às articulações dos governos petistas com os partidos de centro. Na prática, contudo, não foi isso que se viu, especialmente com relação aos arranjos políticos em torno do “orçamento secreto” para garantir apoio político.

3.6 Religião

O elemento religioso também atravessa todo o discurso, especialmente a partir de duas dimensões. A primeira buscou imprimir na figura de Jair Messias Bolsonaro a ideia de um sujeito “abençoado”, “protegido” e/ou “escolhido” por Deus. Já a segunda ressaltou a “defesa de valores religiosos”, que estariam sofrendo ataques por parte da esquerda.

Como representativo da primeira dimensão, a sobrevivência ao atentado e a vitória eleitoral de Bolsonaro são informadas como um milagre divino. Como destacou em seu Discurso de Posse na Câmara (2019), “[...] quero agradecer a Deus por estar vivo. Que, pelas mãos de profissionais da Santa Casa de Juiz de Fora, operou um verdadeiro milagre. Obrigado, meu Deus!”. O sentido informado é que somente como objeto de um milagre, portanto, um sujeito abençoado e escolhido por Deus, Bolsonaro pôde servir à pátria como chefe do executivo, reforçando que isso só foi possível “[...] porque Deus preservou a minha vida e vocês [apoiadores/eleitores] acreditaram em mim” (Discurso de posse ao público, 2019). De uma forma geral, o discurso buscou correlacionar o resultado político – eleição de Bolsonaro – como uma missão divina conferida a Bolsonaro para recuperar os valores morais e éticos de uma sociedade que estaria ideologicamente subordinada a valores estranhos aos desígnios cristãos.

Esses elementos reforçam os traços messiânicos do discurso. Para o bolsonarismo, como temos sustentado, há um inimigo que, atentando de diferentes formas contra a nação, segue na busca pela implementação de um governo contrário aos valores religiosos e morais que fundamentariam a sociedade brasileira. Com esse suposto objetivo da esquerda, qualquer ameaça aos seus projetos seria eliminada, a exemplo do atentado que Bolsonaro sofreu, buscando construir uma relação entre o acusado e a esquerda sem qualquer comprovação para tal: “[...] fui esfaqueado covardemente por um militante de esquerda e só sobrevivi por um milagre de Deus. Mais uma vez agradeço a Deus pela minha vida” (Discurso na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas).

Nessa construção discursiva, Bolsonaro também buscou correlacionar o atentado que sofreu a um ataque simbólico à nação e, com isso, informar que o povo foi às ruas em sua defesa, o que também significaria a defesa da nação pelo povo: “[...] quando os inimigos da Pátria, da ordem e da liberdade tentaram pôr fim à minha vida, milhões de brasileiros foram às ruas” (Discurso de posse na Câmara, 2019). Assim, contra os ataques da esquerda, o discurso interpelou os sujeitos sobre o seu projeto político em defesa de valores cristãos, que consistia em “[...] unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores”. Somente assim o Brasil voltaria “[...] a ser um país livre das amarras ideológicas” (Discurso de posse na Câmara, 2019).

Foi por meio desses sentidos que, como destaca Cesarino (2021, p. 10), “[...] a campanha Bolsonaro adentrou o domínio metapolítico da temporalidade messiânica, prometendo um desenlace definitivo à metafísica da desordem vigente há anos”. Esses sentidos são complementados pela segunda dimensão do elemento religioso do discurso: a defesa de valores religiosos.

Contudo, quando se referia à liberdade religiosa, o discurso se limitava à liberdade do culto cristão, alegando, inclusive, haver um movimento mundial de “cristofobia”. Essa defesa foi e ainda é justificada diante do que o discurso entende como “antivalores cristãos” promovidos pela esquerda, cuja “[...] ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que Ele nos revestiu” (Discurso na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2019)”. Diante dessa tentativa da esquerda de “expulsar Deus”, o discurso passou a interpelar sujeitos e nações: “Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia” (Discurso na 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2020).

Ainda nesse sentido, vale destacar que, no Pronunciamento do dia 24 de dezembro de 2019, Bolsonaro, ao lado de sua esposa, Michelle, reforçou a sua “missão divina” de governar a nação, agradecendo a Deus por isso. Agradeceu, também, as orações recebidas, o que teria trazido avanços ao governo. Mesclando valores messiânicos, valorização militar e reforçando o apelo ao povo, destacou que o seu governo seria a marca dessa luta em defesa dos valores tradicionais, informando que “[...] o governo mudou; hoje temos um presidente que valoriza a família, respeita a vontade do seu povo, honra seus militares e acredita em Deus”. A presença de Michelle não é menos relevante. Ao reforçar valores religiosos e destacar a relevância da família, nada mais simbólico que a sua esposa, com uma blusa que, juntamente com a bandeira nacional ao fundo, ressalta o significante Jesus (YouTube, 2024a).

3.7 Povo

Além da ideia de libertação do povo do julgo da esquerda, sentido presente em diferentes significantes, o ponto nodal Povo apresenta quatro fontes semânticas, quais sejam: vontade do povo, representação e defesa do povo, lealdade e agradecimento ao povo e invisibilização da diferença na construção do povo como homogeneidade ou totalidade.

Com relação à vontade do povo, o Discurso de Governo Bolsonarista interpelou os sujeitos como sendo a encarnação da vontade do povo, sendo, portanto, seu único e legítimo representante, o que também envolve a lealdade e agradecimento ao povo por parte do governo, o que, segundo a estrutura discursiva, não aconteceu nos governos anteriores. É nesse sentido que Bolsonaro, como “verdadeiro representante do povo”, destacou que voltava à Câmara “[...] não mais como deputado, mas como Presidente da República Federativa do Brasil, mandato a mim confiado pela vontade soberana do povo brasileiro [...]. Vamos ouvir a voz do povo [...] Vamos unir o povo” (Discurso de posse na Câmara, 2019). Seu governo, portanto, teria como objetivo principal ser um “[...] governo que devolve[ria] o país aos verdadeiros donos: os brasileiros” (Bolsonaro, 2018).

Em constantes referências aos governos anteriores, significados como resultado de relações de apadrinhamento, do “toma lá-dá-cá”, da corrupção e distante do que seriam os verdadeiros anseios do povo, o discurso buscou reforçar a ideia de mudança na política, agora colocando o povo como ponto central da ação do governo, indicando que, com o seu governo, o mundo veria “[...] um Brasil que está sendo reconstruído a partir dos anseios e dos ideais de seu povo” (Discurso na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2019). Como parte dessa construção de um “governo do povo e para o povo”, o discurso Bolsonarista buscou invisibilizar as diferenças culturais, raciais e de gênero, na construção de uma totalidade discursiva.

Sob o lema de um “[...] Brasil com todas as cores: verde, amarelo, azul e branco” (Bolsonaro, 2018), o discurso deixou claro que não primaria por políticas afirmativas para correção das desigualdades sociais, culturais e identitárias, como fizeram governos anteriores; o “governo do povo” deveria se voltar a toda a nação, como um único povo (totalidade discursiva). Dialogando com ideais indiferentes às desigualdades estruturais brasileira, o discurso reforçou o ideário de uma “identidade nacional” construída a partir de uma espécie de equilíbrio harmonioso de antagonismo:

A identidade nacional começou a ser desenhada com a miscigenação entre índios, brancos e negros. Posteriormente, ondas de imigrantes se sucederam trazendo esperanças que em suas terras haviam perdido. Religiões, crenças, comportamentos e visões eram assimilados e respeitados O Brasil desenvolveu o senso de tolerância, os diferentes tornavam-se iguais. O Legado dessa mistura é um conjunto de preciosidades culturais, étnicas e religiosas, que foram integradas aos costumes nacionais e orgulhosamente assumidas como brasileiras (Pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV do dia 7 de setembro de 2020).

Tratando-se, portanto, de um só povo, não haveria legitimidade política e social para políticas de reconhecimento, nem de redistribuição. Essa identidade nacional, contudo, expressou e ainda expressa uma tentativa de invisibilização de pautas sociais historicamente mobilizadas pelo campo progressista brasileiro. Sem a preocupação de atacar as desigualdades sociais e econômicas, bem como de reprimir os preconceitos racial, sexual e de gênero, o discurso buscou se sobrepor a essas demandas manifestas.

3.8 Moral

O ponto nodal Moral apresenta dois conjuntos de sentidos correlacionados. O primeiro se refere à defesa de valores morais e da família tradicional. O segundo indica um discurso antigênero e antifeminista, subdivido entre os sentidos que visam combater a chamada “ideologia de gênero”, informando um ataque conservador à agenda política feminista, e os sentidos contrários às pautas voltadas à discussão sobre sexualidade e diversidade.

Quando o discurso se referia aos valores morais e à defesa da família tradicional, buscava nutrir afetos em torno de um conjunto de valores fundamentalistas com o objetivo de cristalizar seu antagonismo em relação ao que entende como um ataque à “ideologia de gênero”. Esses sentidos podem ser observados nas seguintes enunciações:

A ideologia [de gênero] se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas. A ideologia invadiu nossos lares para investir contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família. Tentaram ainda destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica (Discurso na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2019).

Temos a família tradicional como fundamento da civilização. E a liberdade do ser humano só se completa com a liberdade de culto e expressão (Discurso na 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2021).

Nesta “guerra do bem contra o mal”, o termo “gênero”, que historicamente fora mobilizado nas reflexões científicas e na ação política em torno dos direitos das mulheres, passou a ser ressignificado pelo discurso como “sinônimo de sexualização de crianças, pedofilia, doutrinação esquerdista ou marxista e até anti-cristianismo” (Negreiros Persson, 2021, p. 106):

Não podemos deixar que ideologias nefastas venham a dividir os brasileiros. Ideologias que destroem nossos valores e tradições, destroem nossas famílias, alicerce da nossa sociedade [...]. Temos o grande desafio de enfrentar os efeitos da crise econômica, do desemprego recorde, da ideologização de nossas crianças, do desvirtuamento dos direitos humanos e da desconstrução da família (Discurso de posse ao público, 2019).

Como destaca Miguel (2021, p. 3-4), para a extrema direita, o combate à “ideologia de gênero” consiste em “uma ofensiva contra a desnaturalização dos papéis sociais de gênero” e, por conseguinte, dos arranjos familiares tradicionais, “[...] arranjos que são entendidos como naturais, de origem divina e também indispensáveis para a reprodução da vida social”. Mediada por uma concepção neoconservadora de família, buscou-se reposicionar o papel social da mulher na sociedade (Biroli, 2020). O discurso, portanto, buscou deslocar as questões de gênero para o âmbito moral e religioso, operando um processo neoconservador de despolitização e deslegitimação do debate sobre gênero e demandas de diversidade sexual (Messenberg, 2019).

Em suma, o combate à “ideologia de gênero” evidenciou um esforço de criação de uma relação de causalidade entre gênero e desordem social, entendida como afrouxamento dos valores que fundamentariam a sociedade. Este discurso de desordem social foi explicitado por Bolsonaro nas cortes internacionais: “[...] o país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de [...] ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições” (Discurso na 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2019). Contra isso, o discurso defendeu os supostos valores fundamentais da sociedade, que seriam “[...] a defesa da família, do direito à vida desde a concepção, à legítima defesa e o repúdio à ideologia de gênero” (Discurso na 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas, 2022).

4. Populismo e Liderança: compreendendo o bolsonarismo

Em estudo recente, Chantal Mouffe nomeou de “momento populista” a ascensão da extrema direita na Europa após a crise financeira de 2008, destacando que essa construção política traz em seu âmago o desejo de “[...] devolver ao povo a voz que lhe tinha sido tomada pelas elites” (Mouffe, 2019, p. 24). Mas quem seria o povo? Uma resposta adequada para essa indagação só poderia ser considerada no interior de uma conjuntura particular, uma vez que, segundo Laclau (2013, p. 124), o povo é sempre uma elaboração política formada a partir da “[...] formação de uma fronteira antagonista interna separando o ‘povo’ do poder”.

Isso nos indica que o desejo por trazer de volta o povo à política pode “[...] abrir caminho para soluções autoritárias – através de regimes que enfraquecem as instituições democráticas liberais –, mas também pode levar à reafirmação e à extensão dos valores democráticos” (Mouffe, 2019, p. 26). Portanto, a democracia, como o governo do povo, e o populismo não são necessariamente incompatíveis: o populismo e a democracia podem se (con)fundir justamente pela noção de “defesa do povo” e do seu “lugar de poder”. O populismo se torna antidemocrático quando conduz ao iliberalismo – associado ao populismo de extrema direita, momento em que os direitos e liberdades fundamentais, especialmente das minorias, passam a ser negados (Mudde, 2016).

É nesse sentido que Mouffe (2019, p. 31) argumenta que o populismo “[...] pode ter diferentes formas ideológicas, de acordo com o tempo e o lugar, compatível com diversas estruturas institucionais”. Isso nos indica que a sua “[...] dinâmica não pode ser determinada isoladamente de toda referência contextual” e que o povo “[...] não é um sujeito homogêneo, no qual todas as diferenças são, de alguma forma, reduzidas à unidade” (Mouffe, 2019, p. 101). Nesse enfoque, o populismo, portanto, não é uma ideologia ou um regime político, tampouco indica um povo pré-discursivo, mas uma “[...] estratégia discursiva de construção de uma fronteira política, dividindo a sociedade em dois campos e apelando para a mobilização dos ‘excluídos’ contra ‘aqueles que estão no poder’” (Mouffe, 2019, p. 31).

Conforme argumentamos, o discurso populista bolsonarista foi estruturado sob uma gama de elementos diferenciais, indo desde demandas discursivamente informadas pelo campo liberal a demandas radicalmente excludentes, como a defesa da intervenção militar, discursos racistas, homofóbicos e sexistas. A manutenção dessa estrutura articulatória, a despeito de sua heterogeneidade interna, só foi possível porque perpassou a relação com os limites constitutivos dos seus elementos. Isso significa que os elementos diferenciais (ex.: religiosos conservadores; defensores do liberalismo econômico; neofascistas defensores da intervenção militar etc.) se articularam não pela existência de uma coerência lógico-positiva entre as suas demandas (algumas delas conflitantes), mas por uma justificação pela negação (antagonismo comum).

Essa insatisfação popular conservadora encontraria no bolsonarismo a vazão dos seus ressentimentos, pelo qual construiriam uma identidade política comum. Esse processo, conforme demonstrado, envolveu a elaboração de uma construção discursiva acerca do “verdadeiro povo brasileiro”, constituído por “cidadãos de bem”, “patriotas”, “cristãos” e “pagadores de impostos” contra as forças opressoras sustentadas pelo estatismo, os “vagabundos”, “esquerdistas” e “corruptos” que, além de usurparem o poder do “povo”, estariam atacando os fundamentos morais e religiosos da sociedade brasileira. Nesse processo de construção da negatividade e de uma identificação política, é preciso destacar a função de liderança de Jair Messias Bolsonaro no que Mouffe (2019, p. 111) denomina de “cristalização de afetos comuns”, reconhecendo que “os afetos e o desejo desempenham um papel crucial na constituição de formas coletivas de identificação” (Mouffe, 2019, p. 118).

Como parte do discurso, Bolsonaro foi quem obteve maior êxito em assimilar a conjuntura de contestação societária do campo conservador. Seu sucesso na (re)produção e potencialização política de uma gama de insatisfações envolveu seu empenho em nutrir afetos comuns e ressentimentos, no sentido de reduzir à pura negatividade, à pura ameaça a existência do inimigo comum (esquerda/governo petista) ao passo que se estruturava um processo de identificação política. Sujeito politicamente autoritário e moralmente conservador, falando diretamente do centro do poder político e gozando de destaque midiático, não demorou muito para que os indivíduos transferissem seus desejos à imagem discursiva idealizada (Bolsonaro), criando uma identificação entre o Eu e a imagem discursiva (ideal do Eu) como ambição de satisfação de seus desejos.

Nesse processo gradual de formação e representação identitária, marcado pela reprodução de valores antidemocrático e iliberais, Bolsonaro passou a indicar para os seus seguidores uma nova identidade – a de direita orgulhosamente conservadora. Mais do que um rótulo, informou [...] “um novo lugar de reconhecimento, liberdade e direitos [...]; o direito de expressar abertamente o que era proibido [...], o direito de se sentir representado politicamente por alguém que parece ser igual a você” (Cesarino, 2019, p. 545-546).

A construção da imagem discursiva do Bolsonaro como uma liderança populista implicou na ampliação dos sentidos políticos em relação ao seu programa político inicial – militarismo5 (Silva; Rodrigues, 2021, Luz, 2022). Nesse processo, Bolsonaro logrou sucesso em esvaziar a sua imagem política para preenchê-la por uma miríade de demandas até então dispersas no debate político – isso não significou um abandono ou mesmo rebaixamento do militarismo em seu discurso político. No campo econômico, por exemplo, algumas demandas do bolsonarismo não encontravam referência na trajetória política de Bolsonaro, como a defesa do liberalismo econômico6. Segundo Silva e Rodrigues (2021), a incorporação das políticas econômicas neoliberais no bolsonarismo ocorreu especialmente pelo economista ultraliberal Paulo Guedes, Ministro da Economia no governo Bolsonaro.

Esse “esvaziamento de si” também é claro quando consideramos o componente religioso. Bolsonaro sempre se apresentou como cristão católico. No entanto, como observam Silva e Rodrigues (2021) e Luz (2022), a partir de 2016, ano em que passou pelo ritual protestante de batismo nas águas, sintomaticamente no Rio Jordão, em Israel, sua identidade religiosa foi deslocada – isso ficou claro em diferentes ocasiões, como durante a preparação do trajeto cerimonial de sua posse, quando reverenciou o “sinal da cruz”, um ritual do cristianismo católico e não usual no protestantismo (YouTube, 2024b). Com esse deslocamento identitário, Bolsonaro não apenas conseguiu facilitar a sua entrada no campo cristão protestante como conseguiu ampliar as articulações com lideranças evangélicas neopentecostais e fundamentalistas de diferentes denominações. O resultado foi a potencialização da identificação com esse segmento religioso, o que revelou a “[...] importância progressiva de uma agenda associada a valores identificados como religiosos, tradicionais e conservadores para que seu discurso conseguisse ampliar sua penetração social” (Silva; Rodrigues, 2021, p. 94).

Esse processo de “esvaziamento de si” é importante, pois, conforme Laclau (2013, p. 110), permite uma melhor compreensão dos mecanismos operantes no processo de “[...] identificação entre os pares enquanto membros do grupo e a transferência do papel do ideal do Eu para o líder”. Nesse processo de identificação, tanto os sujeitos bolsonaristas passaram a se reconhecer como grupo especial, reforçando laços afetivos enquanto compartilhavam ressentimentos e identidades, como o próprio Bolsonaro passou a se identificar com o grupo à medida que extrapolava suas demandas particulares, evidenciando a identificação de Bolsonaro com o bolsonarismo. É essa mútua constituição que nos indica que a construção do discurso não se inicia nem se esgota no líder que a nomeou. Isso porque, em termos teórico-analíticos:

os princípios fundantes da ordem comunitária transcenderão o líder e, de acordo com esse princípio, a identificação de equivalências entre os membros do grupo aumentará. Se, ao contrário, a distância entre o Eu e o ideal do Eu for menor, ocorrerá o processo [de identificação]: o líder será o objeto escolhido pelos membros do grupo, mas ele também fará parte do grupo, participando do processo geral de mútua identificação (Laclau, 2013, p. 110).

Ser um objeto da representação de sujeitos conservadores não reduz a habilidade do sujeito Bolsonaro em informar e compartilhar traços comuns em relação aos afetos compartilhados, muito menos a capacidade de “esvaziamento de si” para se apresentar como representante do discurso em vias de sedimentação. Foi justamente essa habilidade que potencializou o processo de identificação: ao (re)produzir e potencializar politicamente uma gama de insatisfações, empenhando-se em nutrir afetos e ressentimentos, Bolsonaro conseguiu trazer de volta, como conteúdo manifesto, valores e desejos antes recalcados ou reprimidos, tornando-se a liderança desta direita extremista. Como parte do discurso e na função contingencial de líder, Bolsonaro representa o resultado dessa mútua identificação, sendo, portanto, parte constituinte e constituída do discurso.

Esse processo de mútua identificação nos indica uma segunda implicação: o sujeito do discurso não pode ser visto como super-sujeito, posto que se constitui no próprio discurso. Derivamos essa implicação da compreensão de que o sujeito sociológico não se resume a um ser-sociedade, o qual simplesmente reproduz e é reproduzido pelas funcionalidades sistêmicas, como uma espécie de função ou produto passivo da estrutura social (Donati, 2019). Igualmente, na qualidade de ser-relacional, reflexivo também em relação às estruturas sociais com as quais é relação, o sujeito não é o sujeito dos fatores que fundamentam por si só a dinâmica social. Nesses termos, o sujeito passa a ser percebido como um agente estratégico e relacionalmente reflexivo, “[...] que volta a si mesmo ao colocar-se em relação com o contexto social” (Donati, 2019, p. 140), sendo capaz de “[...] refletir sobre as estruturas sociais e modificá-las com certa intencionalidade” (Donati, 2019, p. 21), ainda que não seja um sujeito-fundante.

Esse argumento nos permite considerar a liderança para além de um enquadramento metodológico excessivamente individualista e funcionalista. Nesse diapasão, a habilidade do sujeito, aqui destacada, não pode ser resumida a uma ideia de liderança obtida por meio de traços comportamentais ou habilidades previamente definidas. Ao contrário, do ponto de vista estrutural e relacional, assumimos que a liderança não existe em si mesma. O que existe, como destacam abordagens relacionais, “[...] é uma relação de liderança que emerge de uma rede social” (Donati, 2015, p. 89). Com isso, queremos ressaltar que a figura do líder não deve ser explicada exclusivamente pelos comportamentos esperados de uma pessoa para o seu sucesso como líder ou pelas propriedades inatas ou cultivadas pelo sujeito, ainda que, como ressalta Donati (2015, p. 89), “[...] uma pessoa não poderia ser um líder sem certas qualidades e sem certa reflexividade interna, que ele/ela manifesta nas relações sociais com os seguidores”. Além disso, ainda segundo Donati (2015, p. 89), “[...] certas condições ambientais são frequentemente necessárias (como situações de crise, catástrofes, revoluções e mudanças sistêmicas)”. Ou seja, “[...] a liderança certamente não é um atributo da pessoa”, contudo, não seria correto afirmar que ela “[...] emerge apenas da estrutura da rede relacional. Ela surge de uma realidade mais complexa, sendo constituída por uma variedade de fatores” (Donati, 2015, p. 89).

Nos termos de uma liderança populista, como nos informa Laclau (2013, p. 158), isso nos leva perguntar se “[...] não existe algo na cadeia de equivalência [portanto na própria prática articulatória] que prenuncie aspectos fundamentais da função de líder”. Essas considerações nos indicam que o líder não é um sujeito que simplesmente manipula a “vontade coletiva”, tampouco que a fundamenta. Nesse sentido, o líder, numa formação populista, também não deve ser compreendido como o responsável direto pela transformação (seja organizacional ou política), no sentido de ser o elemento fundante e orientador das mudanças: à função de liderança cabe encarnar os anseios por mudança, impulsionando as mobilizações através do fomento às redes de afetos no direcionamento dos discursos ao ponto de conseguir uma divisão societária entre polos radicalmente antagônicos; de um lado, o povo a ser defendido, de outro, o seu inimigo, aquele cuja presença representa a impossibilidade de realização por completo do povo (Laclau, 2013, Mouffe, 2019).

Nesses termos, o líder não antecede a função de liderança e nem a reduz a si mesmo; esta é uma função do discurso. A abordagem articulatório-discursiva, portanto, desloca o foco do líder (posição estrutural) para a liderança (função estrutural), cuja dinâmica lança luz para a compreensão da emergência do líder para além da dualidade entre líder e seguidores como identidades pré-constituídas. Esta análise exige a consideração tanto do contexto discursivo (que pode ser favorável ou não à emergência do líder) quanto da reflexividade dos sujeitos em se apresentar como tal, mesmo que nunca tenham sido (Laclau, 2013, Donati, 2015).

5. Conclusões

Elementar à hegemonia de um discurso populista é a sua capacidade de polarização societal e de representação do todo como sendo o povo (Laclau, 2013, Mouffe, 2019, Luz, 2022). No Brasil, esse cenário de representação de uma universalidade difusa, que também perpassa a emergência da liderança, alçou maior visibilidade a partir dos protestos de Junho de 2013. Naquele momento, uma miríade de demandas do campo conservador e extremista ainda permanecia isolada justamente por não estarem articuladas na construção de um discurso propriamente dito, prevalecendo a lógica da diferença. A articulação dessas pautas na formação de uma prática discursiva envolveu a construção de um inimigo – esquerda e petismo – e o compartilhamento de afetos, resultando na construção de uma identidade política em torno de um elemento conector: o bolsonarismo.

Como argumentamos, esse processo articulatório se intensificou entre os anos de 2014 e 2016, no contexto das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, quando o discurso antipetista, de fato, ganhou maior destaque. Neste processo, como destaca Luz (2022), o discurso inicialmente agiu de forma reativa, evidenciando sua distinção com relação ao inimigo. Posteriormente, passou a buscar sua afirmação e unificação, realçando quem integra o “nós” (cidadãos de bem – pessoas que respeitam a ordem e a lei, cristãos e patriotas) e apagando as suas diferenças internas (sociais, econômicas e culturais) na construção do povo (elaboração discursiva como totalidade).

Do ponto de vista das estratégias e das performances políticas, o Discurso de Governo Bolsonarista articulou as diversas demandas do campo conservador num discurso populista de extrema direita, cujos significados foram expressos em oito pontos nodais – liberdade, liberalismo, ordem e militarismo, criminalidade e segurança, corrupção e política tradicional, religião, povo, moral. Os resultados demonstram um processo articulatório capaz de interconectar uma gama de significados políticos, religiosos e morais.

Por fim, com vistas a ampliar as contribuições aos estudos sobre o fenômeno populista, faz-se necessário olhar além do discurso da liderança populista. Isso porque existem outros atores políticos relevantes, como os políticos de oposição, os ativistas da sociedade civil e os cidadãos ordinários. Esse avanço, contudo, escapa às possibilidades deste artigo.

Agradecimentos

Pesquisa realizada com auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Edital FAPES Profix 2022 e Edital FAPES Universal 2021).

  • 1
    Bolsonaro foi eleito presidente da República em 2018 pelo Partido Social Liberal (PSL). Posteriormente, permaneceu sem filiação partidária entre 2019 e 2021, até se filiar ao Partido Liberal (PL).
  • 2
    Elemento, particularidades discursivas ou demandas particulares são sinônimos. Para uma melhor caracterização, utilizaremos o termo elementos diferenciais.
  • 3
    Discussão apresentada pelo Instituto Humanista Unisinos (2020).
  • 4
    Conferir também Gallego (2019, p. 94) e Messenberg (2019, p. 37-40).
  • 5
    Nos seus 30 anos de trajetória política, aproximadamente, a base eleitoral de Bolsonaro era constituída pela classe militar e simpatizantes.
  • 6
    Dentre os 166 projetos de lei propostos por Bolsonaro como Deputado Federal, nenhum correspondia às pautas neoliberais (Silva; Rodrigues, 2021).
  • Fonte de financiamento:
    Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Edital FAPES Profix 2022 e Edital FAPES Universal 2021).
  • Aprovação do Comitê de Ética:
    este artigo é resultado de uma revisão de literatura e análise documental, não envolvendo a realização de entrevistas, coleta de dados com seres humanos ou uso de imagens que demandem consentimento.
  • Disponibilidade de Dados:
    Os dados de pesquisa estão disponíveis somente mediante solicitação.

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Editado por

  • Editor:
    Gabriel Bandeira Coelho.

Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2024
  • Aceito
    15 Out 2024
Creative Common - by 4.0
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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