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Entre substâncias e relações: formação e modernização do Brasil em Raízes e Sobrados (1936)

Disposable bodies: neosovereignty and exclusion in digital era

Resumo

Interessado no potencial heurístico das edições inaugurais de Raízes do Brasil e de Sobrados e Mucambos (1936), bem como em suas eventuais interlocuções com agendas de reflexão contemporâneas, o presente artigo almeja inquirir a respeito de suas afinidades em torno de uma questão em particular. Refiro-me a certas ambivalências e tensões interpretativas latentes nos ensaios, alimentadas pela coexistência de duas visadas que fazem pender as atenções de Sérgio Buarque de Holanda e de Gilberto Freyre em direções aparentemente inconciliáveis: de um lado, um viés internalista e substancialista da formação e modernização do país e, de outro, uma perspectiva transacional desses processos. Na parte final do artigo, à luz dos insights oferecidos pelo debate sociológico relacional, teço considerações acerca das contribuições das obras para uma abordagem da vida social brasileira sensível à miríade de conexões socio-históricas implicadas em sua formação e adesão aos padrões de sociabilidade modernos. A elaboração do artigo contou com apoio do CNPq (Projeto de pesquisa 303189/2019-3). Agradeço às/aos pareceristas anônimas/os da revista Sociologias, que me auxiliaram a calibrar os objetivos inicialmente estabelecidos.

Palavras-chave
Raízes do Brasil; Sobrados e Mucambos; modernidade; pensamento social no Brasil; teoria sociológica

Abstract

The article examines the affinities and convergences that bring together the first editions of Roots of Brazil and The mansions and the shanties (1936). I contend that both Gilberto Freyre’s and Sérgio Buarque de Holanda’s accounts on the social-historical processes that ushered in the formation and later modernization of the Brazilian society are torn between two seemingly incompatible perspectives: on the one hand, an internalist and substantialist interpretative approach and, on the other, a transactional view on such phenomena. At last, in light of a set of ideas outlined by some relational discussions in contemporary sociology, I probe into the contributions of Roots and Mansions towards a properly relational take on the Brazilian experience, attentive to the myriad societal connections involved in the formation and subsequent adherence of the country to patterns of sociability in tune with modernity.

Keywords
Roots of Brazil; The Mansions and the Shanties; modernity; Brazilian social thought; sociological theory

Além das maneiras inovadoras com que, em meados da década de 1930, Sobrados e Mucambos e Raízes do Brasil se propuseram a perscrutar as origens da sociedade brasileira, trata-se de trabalhos igualmente notabilizados por terem abordado, com criatividade análoga, as mudanças e processos sociais que conduziram o país à quadra moderna. Interessado no potencial heurístico de suas formulações inaugurais, mas também em suas interlocuções com agendas de reflexão contemporâneas, o presente artigo almeja inquirir acerca das afinidades e confluências das edições princeps das obras em torno de uma problemática assaz específica.1 1 Lembre-se que, anos após seu lançamento inaugural, Raízes do Brasil ganharia novas edições, as quais trariam uma série de alterações: a 2ª edição viria em 1948, a 3ª em 1956, a 4ª em 1963 e a 5ª em 1969. A respeito da história desse percurso e das especificidades das novas versões, veja-se Feldman (2013) e Monteiro e Schwarcz (2016). Quanto a Sobrados e Mucambos, cabe destacar que, depois de sua estreia em 1936, a 2ª edição (1951) traria cinco novos capítulos, acompanhados “de acréscimos substanciais ao texto dos capítulos primitivos” (Freyre, 1996, p. LII). Veja-se as considerações de Bastos (2008) sobre esse ponto. Saliento não ser o propósito deste artigo cotejar as formulações das diferentes edições, o que envolveria um exercício muito diverso do presente. Refiro-me a certas fricções e ambivalências interpretativas latentes nos ensaios, alimentadas pela coexistência de duas visadas que fazem pender as atenções de Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre em direções aparentemente inconciliáveis: por um lado, tanto Raízes [RdB] quanto Sobrados [SeM] exortam-nos a conceber a formação nacional bem como seu ingresso presumidamente singular na modernidade como fenômenos em última instância alicerçados em predicados inerentes a essa sociedade e/ou tributários de um itinerário histórico inconfundível (Araújo, 19941 ARAÚJO, Ricardo. Guerra e paz: Casa-grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.; Bastos, 20033 BASTOS, Elide. Gilberto Freyre e o pensamento hispânico: entre Dom Quixote e Alonso El Bueno. Bauru: EDUSC, 2003.; Cardoso, 2013; Eugênio, 201017 EUGÊNIO, João. Um ritmo espontâneo: o organicismo em Raízes do Brasil e Caminhos e Fronteiras, de Sérgio Buarque de Holanda. 2010. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.; Monteiro, 201536 MONTEIRO, Pedro. Signo e desterro: Sérgio Buarque de Holanda e a imaginação do Brasil. São Paulo: Hucitec, 2015.; Souza, 200353 SOUZA, Jessé. A atualidade de Gilberto Freyre. In: KOMINSKY, E. et al. (orgs). Gilberto Freyre em quatro tempos. Bauru: EDUSC, 2003. p. 65-81.; Wegner, 200063 WEGNER, Robert. A conquista do Oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.; Waizbort, 201161 WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil, 1936. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 76, p. 39-62, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69092011000200003
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). Ocorre que, por outro lado, abundam as oportunidades em que esses mesmos esforços de interpretação se afastam de concepções imanentes da experiência brasileira para contemplar suas gêneses e ulterior modernização à luz de um conjunto mais amplo de enlaces e intercâmbios sociais. Deslocado de seu próprio cerne, o país passa a ser remetido, de maneira direta, aos entrecruzamentos societários variados que teriam participado de sua história (Feldman, 200921 FELDMAN, Luiz. O Brasil no mundo e vice-versa: o Estado em Casa-grande & Senzala, Sobrados e Mucambos e Raízes do Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. https://doi.org/10.17771/PUCRio.acad.32983
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; Lage, 201632 LAGE, Victor. Interpretations of Brazil, contemporary (de)formations. 2016. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. https://doi.org/10.17771/PUCRio.acad.27613
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; Rocha, 200848 ROCHA, João. O exílio como eixo: bem-sucedidos e desterrados – ou por uma edição crítica de Raízes do Brasil. In: MONTEIRO, P.; EUGÊNIO, J. (orgs). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas; Rio de Janeiro: Editora da Unicamp; EdUERJ, 2008. p. 245-275.).

Proponho cifrar essa questão nos marcos teórico-analíticos de uma tensão que, em meu entendimento, contrapõe uma orientação internalista2 2 Trata-se, segundo Conrad (2016, p. 88-89), da tendência para conceber “as sociedades como autogeradoras” e, ato contínuo, para pressupor “que a mudança social sempre foi o feito da própria sociedade.” e substancialista3 3 Emirbayer (1997, p. 282-283) define a perspectiva substancialista como aquela que se apoia na “noção de que são substâncias de vários tipos (coisas, seres, essências) que constituem as unidades fundamentais de toda investigação”, percebidas como “entidades autossubsistentes”. Nesse caso, são “entidades duráveis, coerentes, que constituem os pontos de partida legítimos de toda investigação sociológica.” (Emirbayer, 1997, p. 285). Veja-se, também, Go (2017). a respeito das condições de possibilidade da sociedade brasileira a uma visada transacional ou relacional4 4 Conforme argumenta Dépelteau (2013, p. 180), para a perspectiva sociológica transacional, não é possível imputar essências a “transatores” individuais engajados em relações, tendo em vista seu caráter “interdependente”. Nesse caso, as próprias existências e ações dos transatores dependem de suas relações mútuas. Daí a ênfase analítica devotada às transações das partes envolvidas e às suas propriedades emergentes. Sobre o “fenômeno da emergência” e sua compreensão pela sociologia relacional, veja-se as reflexões de Vandenberghe (2018, p. 46-47). a seu respeito. Se, no primeiro caso, prevalece a predileção por aspectos especiais (culturais, ambientais, étnico-raciais, institucionais, econômicos, políticos e/ou epistemológicos), divisados em entidades sociais e/ou trajetórias históricas pretensamente exclusivas,5 5 No que toca a RdB, a análise de Eugênio (2010, p. 264) acerca do viés “organicista” da obra, bem como das “ocorrências da noção de forma” no texto de Sérgio B. Holanda parecem-me justamente apontar para essa visada: “A forma implica unidade orgânica, quer dizer, identidade.” Segundo Eugênio (2010, p. 259-260), “Dizer forma é dizer substância”; por sua vez, “substância só pode ser um ente que subsistir por si ou separadamente do resto” – ou seja, “algo intrinsecamente unitário”. muito diversa é a ênfase conferida no segundo: destarte, as circunstâncias, injunções e transformações envolvidas tanto na formação nacional quanto em sua adesão aos padrões de sociabilidade modernos (isto é, às instituições, parâmetros ético-morais e referências cognitivas característicos da modernidade) passam a ser preferencialmente vistas como caudatárias das múltiplas conexões do país com contextos socio-históricos diversos.6 6 De acordo com Feldman (2009, p. 146), nas formulações de Casa-grande & senzala e Sobrados e Mucambos, “Antes que um lugar no mundo, o Brasil é enunciado como um lugar do mundo, ou do mundial.” Nesse exato sentido, para o autor, ao lado de RdB, as referidas obras de Freyre “tornam visíveis elementos da condição brasileira em sua relação com o mundo” (Feldman, 2009, p. 24). Como quero argumentar, admitidas as idiossincrasias pessoais e intelectuais dos autores, assim como as particularidades conceituais e metodológicas de suas obras – vale frisar, contempladas em profundidade pela fortuna crítica7 7 A fortuna crítica desses autores e de suas obras é vasta e multifacetada. Para se ter uma ideia das particularidades teóricas e metodológicas da fatura de Holanda e Freyre, veja-se por exemplo as cuidadosas análises de Araújo (1994), Bastos (2008), Ferreira (1996), Motta (2013), Monteiro (2015) e Waizbort (2011). A propósito das trajetórias pessoais e profissionais de cada autor e dos impactos destas sobre suas ideias, além das implicações políticas distintas de seus diagnósticos do Brasil, veja-se Burke e Pallares-Burke (2009), Candido (2008), Eugênio (2008), Rocha (2008) e Souza (2000). –, a análise dessa tensão interpretativa oferece uma oportunidade ímpar para se investigar as convergências entre Sobrados e Raízes. A hipótese que pretendo examinar é que, contabilizadas as inúmeras ocasiões em que Freyre e Holanda orientam seus olhares por supostos relacionais, os célebres ensaios de 1936 jamais chegam a dissolver integralmente o teor substancialista de seus retratos do Brasil. Trata-se com isso de afirmar que, conquanto não sejam raros os momentos em que precedência explicativa seja conferida aos vínculos do país com configurações socio-históricas de variada sorte, em boa medida, persiste a propensão das obras para divisar na experiência brasileira um núcleo substantivo de atributos, imune à passagem do tempo e impérvio às suas interações com contextos tomados por modelares da modernidade.8 8 Retomo aqui uma problemática anunciada em Tavolaro (2020) com o propósito de desdobrar e aprofundar o argumento então sugerido.

Importa sobremaneira reconhecer que, grosso modo, esta não é uma controvérsia exclusiva aos trabalhos aqui contemplados. Além de recorrente nas fabulações de distintas gerações de pensadores brasileiros, à sua maneira, tal celeuma perpassa o próprio imaginário sociológico da modernidade: bem se sabe que obras-chave da sociologia (clássicas e contemporâneas) inclinaram-se a imputar a emergência da sociabilidade moderna a fatores e predicados (culturais, econômicos, políticos, institucionais e/ou epistemológicos) presumidamente inerentes a um conjunto restrito de sociedades do Atlântico Norte (Elias, 199316 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. Vol. 2.; Giddens, 199126 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Editora Unesp, 1991.; Marx, 199033 MARX, Karl. Capital. Londres: Penguin Books, 1990. Vol. I.; Parsons, 197141 PARSONS, Talcott. The system of modern societies. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1971.; Rostow, 197851 ROSTOW, Walt W. As etapas do desenvolvimento econômico (um manifesto não-comunista). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1978.; Weber, 200262 WEBER, Max. The protestant ethic and the spirit of capitalism. Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1976.). Em tempos recentes, porém, tal orientação internalista tornou-se alvo de uma série de programas de reflexão, ciosos dos vínculos e entrelaçamentos societários desde longa data implicados na cena moderna (Chakrabarty, 20008 CHAKRABARTAY, Dipesh. Provincializing Europe: postcolonial thought and historical difference. Princeton: Princeton University Press, 2000.; Chernilo, 20119 CHERNILO, Daniel. The critique of methodological nationalism: theory and history. Thesis Eleven, v. 106, n. 1, p. 98-117, 2011. https://doi.org/10.1177/0725513611415789
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; Conrad, 201610 CONRAD, Sebastian. What is global history? Princeton: Princeton University Press, 2016. p. 37-61.; Hall, 201130 HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.; Mignolo, 200535 MIGNOLO, Walter. The idea of Latin America. Oxford: Blackwell, 2005.; Subrahmanyan, 1997; Therborn, 200357 THERBORN, Göran. Entangled modernities. European Journal of Social Theory, v. 6, n. 3, p. 293-305, 2003. https://doi.org/10.1177/13684310030063002
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). Pois bem, além de debruçar-me sobre tais tensões e ambiguidades interpretativas subjacentes a Raízes e Sobrados, na última parte do artigo, exploro as eventuais correlações das obras com algumas ideias lançadas por certa perspectiva sociológica relacional (Emirbayer, 199715 EMIRBAYER, Mustafa. Manifesto for a relational sociology. American Journal of Sociology, v. 103, n. 2, p. 281-317, 1997. https://doi.org/10.1086/231209
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; Donati, 201313 DONATI, Pierpaolo. Relational Sociology and the globalized society. In: DÉPELTEAU, F.; POWELL, C. (eds). Applying relational Sociology: relations, networks, and society. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013. p. 1-24., Monterescu, 201338 MONTERESCU, Daniel. Spatial relationality and the fallacies of methodological nationalism: Theorizing urban space and binational sociality in Jewish-Arab “mixed towns”. In: DÉPELTEAU, F.; POWELL, C. (eds). Applying relational sociology: relations, networks, and society. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013. p. 25-50.; Powell; Dépelteau, 201342 POWELL, Christopher; DÉPELTEAU, François. Introduction. In: POWELL, C.; DEPELTEAU, F. (eds.). Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013. p. 1-12.; Prandini, 201546 PRANDINI, Riccardo. Relational sociology: a well-defined sociological paradigm or a challeging “relational turn” in Sociology?. International Review of Sociology, v. 25, n. 1, p. 1-14, 2015. https://doi.org/10.1080/03906701.2014.997969
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; Vandenberghe, 201859 VANDENBERGHE, Frédéric. The relation as magical operator: Overcoming the divide between relational and processual sociology. In: DÉPÉLTEAU, F. (ed.). The Palgrave handbook of Relational Sociology. Palgrave MacMillan, 2018. p. 35-57.). À luz dos insights oferecidos por essas proposições, almejo ponderar acerca do potencial dos ensaios de Freyre e Holanda para uma visada propriamente relacional da experiência brasileira, sensível à miríade de conexões socio-históricas que participaram de sua formação e subsequente adesão aos parâmetros societários modernos. Pretendo, com isso, estabelecer pontes alternativas de diálogo entre retratos do país que ocupam lugar de destaque no pensamento brasileiro e a teoria sociológica contemporânea.

Gêneses da formação brasileira: entre substâncias e relações

Logo no parágrafo introdutório de Raízes, Sérgio Buarque refere-se ao Brasil como “uma experiência sem símile” (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 3).9 9 Esta e as demais citações foram ajustadas às regras ortográficas atuais. A bem da verdade, em seus contornos gerais, essa é uma imagem recorrente no decurso do ensaio, sugestiva de uma vida social, em inúmeros aspectos, “sui generis” (p. 49-50). Na hipótese de se depreender de passagens como essas a propensão para divisar no país um conjunto de predicados distintamente nacionais, algo análogo sucede em Sobrados. Lembre-se que, na avaliação de Gilberto Freyre, a “colônia portuguesa na América” lograra reunir “qualidades e condições de vida tão exóticas” que a retomada do “contato do Brasil com a Europa” no século XIX terminaria por assumir “o caráter de uma reeuropeização. Em certo sentido, o de uma reconquista.” (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 258-259). Essas proposições fazem ressaltar o primeiro ângulo do problema em tela: afinal, de que maneiras RdB e SeM aludem às origens dos ingredientes, processos sociais e transformações históricas que se teriam conjugado para formar a sociedade brasileira?

Caso se tivesse em conta apenas as menções aos traços culturais e comportamentais das populações nativas (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.; Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936.) ou às peculiaridades físico-ambientais do novo continente (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936.; Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.), talvez se acreditasse tratar-se de retratos do país tributários de uma perspectiva internalista estrita. Erguida a partir de seus próprios meios, essa experiência constituiria uma unidade analítica inconfundível, formada ao termo de um percurso histórico sem par. Essa leitura, no entanto, não faria justiça à multiplicidade de aspectos evocados por Holanda e Freyre. Embora ciosos do papel que fatores autóctones tiveram na construção nacional, ambos os ensaios dedicam cuidado especial aos impactos de elementos extrínsecos de variadas origens que, desde o princípio, teriam se mostrado atuantes na cena brasileira. É certo que, na visão de Freyre, ao final de “três séculos de relativa segregação da Europa não ibérica”, uma ordem própria lograra germinar na colônia portuguesa, a ponto de se delinear entre nós “um tipo brasileiro de homem, outro de mulher”. Não se poderia, contudo, considerá-la uma experiência puramente americana, visto, àquela altura, já ter aqui se estabelecido “uma paisagem social com muita coisa de asiático, de mourisco, de africano”, posto “[terem] sido transplantados para cá pedaços inteiros e vivos, e não somente estilhaços ou restos dessas civilizações antieuropeias” (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 257-258). Mutatis mutandis, é sintomático que, nas mesmas linhas iniciais de Raízes, Holanda refira-se à “sociedade brasileira” como “o único esforço bem-sucedido, e em larga escala, de transplantação da cultura europeia para uma zona de clima tropical e sub-tropical.” (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 3). Tratava-se, com isso, de dizer que “nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do mundo” não haviam sido engendradas a partir de nós mesmos; de outro modo, teriam nos chegado de “países distantes”, harmonizadas, portanto, “a outro clima e a outra paisagem” (p. 3).

Tais ponderações preliminares suscitam uma segunda indagação: até que ponto a atenção dos ensaios aos inúmeros enlaces e entrecruzamentos societários que desaguaram na formação nacional representa uma ruptura peremptória com pressupostos analíticos internalistas? Ademais, até onde a sensibilidade de Sobrados e Raízes às circunstâncias e fatores adventícios que impactaram a formação brasileira conduz à dissolução integral de suas inclinações substancialistas? Veja-se, pois: não restam dúvidas que, ao enxergar na “Península Ibérica”, e em “Portugal especialmente”, a sede de onde “nos veio a forma atual de nossa cultura” (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 15), já de partida, Sérgio Buarque desloca a sociedade brasileira de seu próprio cerne em favor de aspectos exteriores. Todavia, diluída a centralidade explicativa (ou ao menos a exclusividade conformadora) de fatores internos ao país, nem por isso RdB descarta a existência de itinerários sociais que mais parecem comportar-se à maneira de entidades históricas exclusivas e autossubsistentes. Nesse caso, é sugestivo que Buarque de Holanda se remeta à principal matriz colonizadora do Brasil como o berço de “um tipo de sociedade que se desenvolveria, em alguns sentidos, quase à margem das congêneres europeias” (p. 4). Ancorados em atributos próprios a uma existência singular – sendo a “cultura da personalidade” seu “traço mais decisivo (...) desde tempos imemoriais” (p. 4-5) –, o ponto de partida especial de Portugal e Espanha – leia-se, o “ingresso tardio” de ambos “no coro europeu” – haveria de determinar “muitos aspectos peculiares de sua história e de sua formação espiritual” (p. 4). Nesse particular, as afinidades com Sobrados são flagrantes: por certo, ao conferir importância crucial às origens estrangeiras do país (lusas, africanas, mouras e asiáticas), Freyre também se afasta de uma concepção autogeradora da sociedade brasileira. Não obstante, embora a vislumbre como a resultante de enlaces históricos variados, nada o demove de retratá-la como portadora de predicados sui generis, substantivamente diversa de outros contextos coetâneos (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.p. 368).

Eis, portanto, o que se deve a princípio sublinhar: conquanto um sem número de fatores atinentes às origens do país sejam, com efeito, subsumidos às suas relações com configurações socio-históricas outras (africanas, asiáticas e euro-ibéricas), Sobrados e Raízes conservam sonoras conotações substancialistas – só que, desta vez, em virtude de qualidades singulares tomadas por inerentes a percursos históricos alegadamente especiais. Ou seja, a despeito de muitas vezes elevados à condição de variáveis explicativas primordiais, as transações e os entrelaçamentos societários envolvidos na formação nacional – contemplados agora como fontes precípuas das características distintivas do país – continuam retratados à semelhança de entidades históricas exclusivas e autogeradoras. Não é de estranhar, pois, a forma categórica com que Sérgio Buarque demarca diferenças cabais entre hispânicos e protestantes: originais em comparação com “seus vizinhos do continente” (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 5), capacitados como “Nenhum outro povo do Velho Mundo (...) para se aventurar à exploração regular e intensa das terras próximas à linha equinocial” (p. 19), espanhóis e portugueses seriam portadores de predicados que, no longo prazo, deixariam marcas perenes também em seus empreendimentos americanos – com destaque para a peculiar fragilidade “de todas as associações que impliquem solidariedade e ordenação” (p. 5), a “ânsia de prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de posições e riquezas fáceis” (p. 24), “a invencível antipatia que sempre lhes inspirou toda moral fundada principalmente no culto do trabalho” (p. 12), sua indefectível “vontade de mandar e a disposição para cumprir ordens” (p. 14), além da ausência de “racionalização da vida” (p. 11). As expressas dessemelhanças em relação a aspectos considerados característicos dos “povos protestantes, e sobretudo dos calvinistas” (p. 11-12) – dentre os quais “o culto à atividade utilitária” (p. 13) e o “espírito de organização espontânea” (p. 11-12) – denotam a extensão e a profundeza do abismo que, na percepção do intérprete, separaria esses dois itinerários sociais coetâneos.

Igualmente aqui, são evidentes as confluências com Sobrados: Freyre também alude às singularidades das conexões históricas que resultaram na formação brasileira, irredutíveis às trajetórias de países expoentes da modernidade. Desses vínculos teriam sobrevindo visões de mundo, padrões de sociabilidade e criações culturais invulgares – dentre os quais códigos normativos, modelos comportamentais e ideais de beleza coloridos por influências mouras (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 126-127, p. 258); uma “arquitetura patriarcal” incrementada com sugestões asiáticas e africanas, ajustada às circunstâncias tropicais americanas (p. 225); práticas de higiene islâmicas, hábitos alimentares oriundos da África, técnicas de transporte trazidas “da Ásia”, dentre outros (p. 212, p. 258). Ao termo de todas essas influências, erguera-se uma vida social sem par em sua capacidade de acomodar culturas, raças e maneiras de ver, viver e apreciar o mundo – em suma, “uma sociedade rural e patriarcal que procurava integrar-se pelo equilíbrio” (p. 302).

Como se pode depreender dessas passagens, não faltam ocasiões em que Sobrados e Raízes ressaltam as dívidas do país com contextos adventícios. Ainda assim, certa orientação substancialista continua a permear suas imagens a respeito dos entrecruzamentos societários implicados na formação nacional: os itinerários socio-históricos estrangeiros no mais das vezes vinculados às gêneses do Brasil – as gentes luso-ibéricas, somadas às heranças e legados asiáticos, africanos e indígenas – com frequência são apresentados em descompasso com as ditas experiências modernas modelares. Apartados desde seus momentos primordiais, por longos séculos encapsulados em trajetórias próprias, tais complexos socio-históricos – de um lado, a “Europa protestante” ou “carbonífera”, de outro, as gentes ibéricas e os outros povos não europeus – parecem, assim, constituir experiências mutuamente excludentes, portadoras de predicados (culturais, institucionais, econômicos, epistemológicos, políticos etc.) inconfundíveis. Como quero argumentar, essa tensão interpretativa estende-se ao tratamento que os ensaios dedicam às transformações que, a partir do final do século XVIII, conduziram o Brasil à quadra moderna. A meu ver, embora essa inflexão temática tenda a apurar a sensibilidade de RdB e SeM às conexões da vida social brasileira com os ditos contextos modelares, subsiste o interesse pelas alegadas especificidades do país.

A modernização brasileira: vetores internos e enlaces externos

Como há pouco sugerido, computadas as particularidades temáticas e analíticas de cada obra, Sobrados e Raízes voltam a confluir em suas formulações acerca da modernização nacional. Ao discorrerem sobre as mudanças vivenciadas pelo país no decorrer do século XIX, avulta o sentimento de descompasso com a modernidade – seja no tocante ao curso seguido por essas transformações, seja em relação a seus desenlaces ulteriores. Note-se que, ao se referir a certas “tradições religiosas” e “outras formas de cultura, ou de culturas negras, para cá transportadas”, Gilberto Freyre (1936, p. 363-364)25 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936. faz questão de sublinhar sua contumácia diante das investidas padronizadoras da Europa. Além de indício de que “a substância da cultura africana” haveria de persistir “em nós através de toda a nossa formação” (p. 363), tratar-se-ia também de um prenúncio de que em momento algum nos alinharíamos plenamente à vida moderna. A bem da verdade, algo análogo se passa nas análises de Raízes. Lembre-se que, em um de seus mais conhecidos excertos, RdB sugere que, longe de reminiscências de um passado distante, “a lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas pelos estrangeiros que nos visitam”, na realidade representavam “um aspecto bem definido do caráter nacional” (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 101-102). Ou seja, embora alusivos à cena colonial, aqueles atributos tão próprios à singular “cordialidade” brasileira (dentre eles a “aversão ao ritualismo social”, o “desejo de estabelecer intimidade” e a “ética de fundo emocional”) jamais se diluiriam por inteiro, ainda que impactados pela modernização – vale dizer, nem mesmo “nas esferas de atividade, que por sua própria natureza, devem alimentar-se da competição e das rivalidades.” (p. 102-105).

De todo modo, conforme tratam de salientar os ensaios, desde a última parte do século XVIII, um conjunto importante de modificações acabaria por debilitar formas de ver, viver e organizar o mundo há muito sedimentadas. À sua maneira, tanto Sobrados quanto Raízes sugerem que, aos poucos, a estratificação da sociedade colonial tornou-se mais heterogênea e complexa, matizada por novos conflitos de natureza econômica, política e simbólica (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 308-311; Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 99-100). Ao lado disso, o Estado e seu aparato burocrático-militar impuseram-se progressivamente sobre circunstâncias variadas da vida social (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 74-75; Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 107); na mesma medida, a economia local fortaleceu-se com o incremento do comércio e do consumo, também estimulados pela migração em direção a núcleos urbanos emergentes, onde hábitos e comportamentos renovados conquistavam espaço (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 73; Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 275-276). O sentido dessas alterações era patente: a internalização gradual de ideias, gostos, ambições e modelos institucionais erguidos originalmente na Europa setentrional (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 77-78; Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 135-137). Mas afinal, quais as principais fontes e vetores de tais transformações? Por um lado, as obras referem-se a impulsos endógenos à sociedade embrionária: Sérgio Buarque fala-nos, por exemplo, da “expansão dos pioneers paulistas” como “um momento novo de nossa história nacional”, prenúncio dos anseios autonomistas da colônia (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 72-73). Realce similar é conferido aos efeitos da exploração do ouro, responsabilizada por incentivar a ingerência “mais direta da Coroa nos negócios do Brasil” (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 30) bem como o “afluxo maior de emigrantes para além da faixa litorânea” (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 73). Davam-se ali os primeiros passos rumo a uma configuração política e social mais intricada, revigorada pelo ingresso de personagens até então desconhecidos – entre eles “aventureiros enriquecidos nas minas, reinóis, dos chamados pés-de-bois ou pés de chumbo” – e pela ascensão de “uma nova classe, ansiosa de domínio: burgueses e negociantes ricos”, em evidente ameaça ao “exclusivismo das famílias privilegiadas de donos simplesmente de terras na direção das câmaras ou dos senados.” (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 35-36).

Contabilizado o peso de fatores internos, as atenções dos ensaios voltam-se também a aspectos procedentes dos enlaces do país com ideários e dinâmicas impulsionados desde fora. Raízes e Sobrados dão a entender que, além das conexões internacionais que a riqueza do ouro ajudou a fomentar, a transferência da Corte para o Rio de Janeiro representou um fato crucial ao imprimir regularidade às relações (econômicas, políticas e simbólicas) do Brasil com os expoentes da modernidade europeia (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 281, 287). Gilberto Freyre alude justamente “ao contato maior da colônia, e mais tarde do Império, com as ideias e as modas inglesas e francesas”, donde teriam emanado, “em muitos pontos, noções mais exatas do mundo e da própria natureza tropical” (p. 267). Por sua vez, Sérgio Buarque sustenta que, no bojo dessas transformações – acentuadas a partir da independência política –, o “convívio das coisas elementares da natureza”, outrora dominante, cedeu lugar à “existência rigorosa e abstrata das cidades” (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 124), provocando “em nossos homens uma crise subterrânea, voraz” (p. 124). À medida, pois, que “a vida brasileira” se movia em direção à “‘urbanocracia’” (p. 43), diluía-se o protagonismo do “domínio rural”, espaço em torno do qual “toda a vida do país” orbitara por séculos (p. 44). Ao longo desse processo, cujo evento “mais decisivo” parece-lhe ter sido a “Abolição”, paravam “de funcionar os freios tradicionais contra o advento de um novo estado de coisas” (p. 135-136). Naquelas circunstâncias, uma plêiade de convicções e esquemas mentais gestados na Europa – com destaque para o positivismo, o romantismo e o liberalismo – capturava a imaginação e os anseios de nossas elites políticas e intelectuais. Tal a magnitude das mudanças, que, nas últimas décadas do século XIX, o país descobriu-se em meio a uma “grande revolução” (p. 136), cujo sentido era indubitável: o “aniquilamento das raízes ibéricas de nossa cultura” (p. 137) e, ato contínuo, o aplainamento do “terreno para o novo sistema, com sua sede (...) nos centros urbanos” (p. 136).

Igualmente preocupado com os impactos desses enlaces na cena brasileira, Sobrados sustenta que, “com uma rapidez espantosa de efeitos”, “a nova Europa” – aquela sob a liderança da Inglaterra e da França – principiou a ditar padrões estritos à vida nacional, fazendo-os notar em um número nada desprezível de dimensões (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 261): na dinâmica econômica e política do país, em suas referências estéticas, arquitetônicas e sanitárias, bem como nos horizontes simbólicos, gostos e comportamentos da população (p. 261-268, 295, 299, 313). No fim das contas, eram poucos os domínios da experiência brasileira que pareciam de fato escapar ao prestígio europeu: o que quer que houvesse conferido uma tonalidade “oriental à nossa vida dos dias comuns foi empalidecendo (...); foi se acinzentando; foi se tornando excepcional” (p. 261). Arrebatado pelo “interesse do novo industrialismo europeu sobre base capitalista, e portanto estandardizador e uniformizador dos costumes e trajos” (p. 264), o país foi afastando-se de hábitos e parâmetros (cognitivos, ético-morais e estéticos) que por muito tempo o haviam distinguido – alguns deles emprestados a outras culturas, outros tantos forjados por suas próprias gentes, quase sempre em sintonia fina com a paisagem americana.

Incongruências brasileiras: um itinerário histórico especial

Conforme tantas vezes assinalado pela fortuna crítica, apesar de discernirem uma ampla gama de efeitos padronizadores nos engajamentos do Brasil com as ideias e movimentos da modernidade, para Raízes e Sobrados, em momento algum a vida social brasileira harmonizou-se de maneira completa e acabada com os parâmetros hegemônicos da Europa. Ou seja, apesar de concordarem que as transformações que arrebataram o país ao longo do século XIX deram cabo de um sem número de aspectos há muito radicados no tecido brasileiro, ambos os ensaios permanecem cautelosos quanto aos desfechos desses processos: em última instância, persistiria um conjunto importante de divergências entre o itinerário nacional e os pressupostos da modernidade norte-europeia. Nos dizeres de Sérgio Buarque, nosso “mundo de essências mais íntimas” lograva conservar-se “intacto, irredutível e desdenhoso das invenções humanas”, refratário aos “esquemas sábios e de virtude provada” em outros contextos (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 161). Tais incongruências, além de indicativas de “nosso próprio ritmo espontâneo”, ajudariam a entrever os horizontes de possibilidade singulares de nossa modernização (p. 161).

Em larga medida, não é outro o prognóstico avançado em Sobrados. A despeito de também avaliar que “uma vez iniciada a reconquista do Brasil pela Europa, não cessou; e ainda hoje nos abafa”, e que “essa reconquista alterou a paisagem brasileira em todos os seus valores” (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 260), Freyre adverte que jamais haveríamos de replicar fielmente os padrões do velho mundo. Não se queria com isso subestimar o vigor de tais influências, tampouco ignorar que, desde o declínio “da economia apoiada no escravo, acentuou-se a importância do europeu” (p. 291), a certa altura “tão necessário como o próprio ar à organização mais industrial e à estrutura mais burguesa, mais urbana, mais mecânica, da vida brasileira” (p. 301). Mesmo assim, para Sobrados, essa retomada do velho continente “teve de seguir suas cautelas” entre nós, obrigada a enfrentar “resistências de ordem natural, umas, outras de ordem cultural”, as quais atuaram “no sentido de moderar a reeuropeização do Brasil e de conservar o mais possível no país, os traços e as cores antieuropeias, avivadas durante séculos profundos de segregação” (p. 259).

À luz desses enunciados, cabe indagar até onde tais diagnósticos e conjecturas convergentes da modernização brasileira são, também eles, atravessados por aquela mesma tensão interpretativa. Ora, como há pouco observado, SeM e RdB aproximam-se notadamente ao aquiescerem acerca da relevância de vetores internos nas transformações que retiraram o Brasil de sua letargia colonial. O aprofundamento da conquista e ocupação do vasto território, movimentos migratórios em direção a regiões interioranas, anseios autonomistas ante o assédio da autoridade metropolitana, os impactos dinamizadores da mineração sobre a economia e o consumo domésticos, as primeiras iniciativas sistemáticas de urbanização, a diversificação de grupos e segmentos sociais, assim como a circulação de novos esquemas mentais, hábitos e referências comportamentais, acompanhados do acirramento das disputas em torno de bens simbólicos e recursos políticos locais, dentre outros – todos esses fenômenos atestam o cuidado das obras com uma gama de estímulos intrínsecos que teriam ajudado o país a desprender-se de seu passado e a alçá-lo a novos padrões de sociabilidade. Mas convém frisar uma vez mais que, ao lado desses vetores, os ensaios também se dobram à importância de fatores derivados dos enlaces da vida brasileira com dinâmicas e ideias estrangeiras. Dito isso, importa avaliar em que medida tal alternância de enfoque conduz Raízes e Sobrados a, enfim, afastarem-se de imagens substancializadas em favor de uma visada propriamente relacional dessa experiência societária.

Vejamos, pois: é certo que, ao imputarem a fenômenos adventícios influência decisiva nas novas feições que aos poucos o país assumiu a partir do final do século XVIII, Freyre e Holanda contribuem para deslocar a trajetória brasileira de si mesma. Dissolvidas as pretensões autogeradoras a seu respeito, tal mudança de ênfase interpretativa parece, a princípio, esboçar um retrato inteiramente de-substancializado da modernização nacional. Quero dizer com isso que, a tomar pelas imagens delineadas nas obras, caso se almejasse identificar as fontes das transformações que, por fim, colocaram o Brasil nos trilhos da modernidade europeia – isto é, que o compeliram a alinhar-se aos padrões institucionais e ético-morais, bem como às referências cognitivas e estéticas erigidas na Europa –, seria imprescindível reorientar o olhar para além de seus próprios limites: em suma, haveria que se ter em conta seus entrelaçamentos e transações com as dinâmicas, concepções de mundo, preceitos e valores oriundos dos contextos modernos modelares. Ocorre que, como bem se sabe, a sensibilidade dos ensaios a tais intercâmbios não basta para diluir a percepção desta como uma modernização sui generis, dotada de lógica e características próprias. Ou seja, mesmo nas ocasiões em que a relevância de fatores e impulsos imanentes é suavizada, persiste em Sobrados e Raízes o retrato de um percurso ímpar em direção à modernidade. A se considerar o enquadramento analítico das obras, a explicação para tal especificidade estaria, sobretudo, no fato de se tratar de uma vida social desde o princípio irredutível às trajetórias modernas modelares: produto do caldeamento de heranças (culturais e raciais) heteróclitas (nativas da América, africanas, asiáticas e euro-ibéricas), tal experiência teria se formado ao termo de um itinerário notadamente peculiar, em vários sentidos exclusivo, apenas tardiamente conectado aos movimentos e ideias originados na Europa setentrional – leia-se, na “civilização carbonífera” (Freyre, 193625 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadencia do patriarchado rural no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 261), ou ainda, entre os “povos protestantes” (Hollanda, 193631 HOLLANDA, Sérgio B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936., p. 11).

No fim das contas, insinua-se nas edições princeps de Raízes e Sobrados a imagem de uma sociedade que, embora reconfigurada sob a influência da dinâmica mundial, conservou-se aferrada a predicados especiais, boa parte dos quais em dissonância com as expectativas e parâmetros da modernidade – situação evidenciada pela persistência de práticas e estruturas pré-capitalistas em sua ordem econômica, por um aparato estatal aquém dos preceitos administrativos racionais, pelo predomínio de códigos e interesses privados nos espaços públicos, bem como pela pertinácia de visões de mundo mágico-religiosas e de valores e regras de conduta tradicionais (marcadamente pessoais e hierarquizantes) no tecido social (Tavolaro, 202056 TAVOLARO, Sergio B. F. Stasis, motion and acceleration: The senses and connotations of time in Raízes do Brasil and Sobrados e mucambos (1936). Sociologia & Antropologia, v. 10, n. 1, p. 243-266, 2020. https://doi.org/10.1590/2238-38752019v1019
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). Em vez de dissipar-se, pois, a tensão substancialismo/relacionalismo mantém-se ativa – quiçá à espera de outras leituras e de novas interlocuções teóricas.

Raízes e Sobrados: por uma visada relacional da experiência brasileira

Longe de se encerrarem nas obras de Freyre e Holanda, as celeumas supracitadas são recorrentes em uma parcela expressiva do pensamento brasileiro. Muitos foram os trabalhos de interpretação desde o último quartel do século XIX que creditaram às características naturais do território nacional, aliadas às propaladas excentricidades (comportamentais, mentais e biológicas) de suas gentes, a responsabilidade pelos contornos pretensamente peculiares da vida social no Brasil. Ao menos nesse sentido, algumas das asserções de Silvio Romero em História da Literatura Brasileira (1888) parecem exemplares de certa percepção difusa: o meio físico indicava-lhe ser “uma das faces mais distintas de nosso país” (Romero, 194950 ROMERO, Silvio. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1949. Tomo I., p. 263), ao que se aditava uma composição racial insólita, reunindo “três povos, antropológica e etnograficamente distintos, que nos têm vindo a forjar, a amalgamar na incude e no cadinho da história” (p. 280). Cioso das contribuições de tais fatores para a formação e modernização brasileiras, Silvio Romero não deixava de ponderar acerca dos efeitos das relações do país com a Europa e a América setentrional, cujas ideias pareciam-lhe ter constituído os “germes” e “modelos” de nossas “formas do pensamento cultural” (Romero, 194950 ROMERO, Silvio. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1949. Tomo I., p. 296). Com efeito, preocupações análogas podem também ser discernidas nos trabalhos de Euclides da Cunha (2016, p. 87-97, 191)11 CUNHA, Euclides da. Os sertões: campanha de Canudos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981., Nina Rodrigues (1945, p. 27-28)49 RODRIGUES, Raimundo N. Os africanos no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945., Oliveira Vianna (1956, p. 121-192)60 VIANNA, Oliveira. Evolução do povo brasileiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. e Paulo Prado (2012, p. 43-52, 139)45 PRADO, Paulo. Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., para citar apenas alguns dos mais aclamados intelectuais daquele período, cujos diagnósticos da experiência brasileira tornam a evidenciar as ambiguidades interpretativas contempladas neste artigo.

Mudanças de ênfase em favor de variáveis sociais não bastaram para esmorecer a polêmica em tela. Logo no início do século XX, ao buscar distanciar-se de formulações que imputavam ao “valor absoluto das raças e das gentes” as principais adversidades enfrentadas pelo Brasil e demais países sul-americanos, Manoel Bomfim (1993, p. 244)4 BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993. afirmava querer priorizar “as condições sociais e políticas” de sua formação (p. 54). Se, por um lado, tal guinada analítica o levou a contemplar os intercâmbios históricos implicados nas origens dessas sociedades, por outro, reiterava-se a percepção de se tratar de trajetórias especiais, ao longo das quais se teriam sedimentado instituições e valores, costumes e hábitos diversos daqueles encontrados na Europa setentrional e nos Estados Unidos da América (Bomfim, 19934 BOMFIM, Manoel. A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993., p. 81-119). A celeuma permaneceria acesa tempos depois, quando âncoras explicativas propriamente sociais (fossem elas econômicas, políticas, culturais e/ou institucionais) enfim se tornaram preponderantes nos esforços de interpretação do país. Guardados os enquadramentos teóricos e predileções temáticas próprios a cada obra, foi esse o caso de Formação do Brasil contemporâneo (Prado Jr., 201143 PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 19-22), Os Donos do Poder (Faoro, 200119 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Editora Globo, 2001., p. 130), A redução sociológica (Ramos, 199647 RAMOS, Alberto G. A redução sociológica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996., p. 139-140), A revolução burguesa no Brasil (Fernandes, 200622 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006., p. 261-267), dentre outras, em que a vida social brasileira continuou retratada como uma experiência que, embora progressivamente atrelada à dinâmica mundial, teria ingressado na modernidade de maneira tardia e peculiar.

Dito isso, convém igualmente ressaltar que essa tampouco é uma tensão exclusiva às elucubrações do pensamento brasileiro. Em verdade, trata-se de uma controvérsia mais abrangente, inscrita no próprio imaginário sociológico da modernidade. Como bem se sabe, prevalece nessa fatura a propensão para atribuir a um grupo seleto de contextos europeus qualidades invulgares – epistemológicas, econômicas, políticas, culturais, religiosas, ético-morais, institucionais etc. –, supostamente endógenas à sua história, berço de transformações que redundariam no advento da era moderna (Elias, 199316 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. Vol. 2.; Giddens, 199126 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Editora Unesp, 1991.; Habermas, 199029 HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990.; Marx, 199033 MARX, Karl. Capital. Londres: Penguin Books, 1990. Vol. I.; Parsons, 197141 PARSONS, Talcott. The system of modern societies. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1971.; Weber, 197662 WEBER, Max. The protestant ethic and the spirit of capitalism. Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1976.). Ainda conforme essa concepção, no rastro do expansionismo europeu, as invenções institucionais e os novos parâmetros sociais originados dessas mudanças chegariam a posteriori em outras partes do mundo, onde seriam então ajustados às circunstâncias locais, sob a influência de formas de vida autóctones (Eisenstadt, 197814 EISENSTADT, Shmuel. Beyond classical revolutions – processes of change ad revolutions in neopatrinomial societies. In: EISENSTADT, S. Revolution and the Transformation of societies: A comparative study of civilizations. Nova York: The Free Press, 1978. p. 273-310.; Rostow, 197851 ROSTOW, Walt W. As etapas do desenvolvimento econômico (um manifesto não-comunista). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1978.). É mister salientar que, malgrado raramente ignorar a relevância que transações societárias de variada sorte tiveram ao longo da história moderna, tal imaginário tende a apregoar que configurações “modelares/centrais” e os assim chamados contextos “tardios/periféricos” mantiveram-se inconfundíveis em seus traços distintivos (Tavolaro, 202155 TAVOLARO, Sergio B. F. Imagens contra-hegemônicas da modernidade: uma visada sociológica relacional. In: F. DÉPELTEAU, F.; VANDENBERGHE, F. (org.). Sociologia Relacional. Rio de Janeiro: Ateliê das Humanidades Editorial, 2021. p. 267-301.). Ou seja, apesar de crescentemente conectadas de maneira perene, ambas as modalidades de sociedade teriam conservado intactas suas características mais essenciais. Daí os caminhos diversos trilhados em direção à modernidade, além dos resultados notadamente díspares alcançados – não apenas quanto à sua posição na ordem mundial, mas também no que diz respeito à extensão, profundidade e solidez com que as instituições e parâmetros cognitivos, ético-morais e estéticos modernos se firmaram em seus tecidos sociais.10 10 A seu modo, essa mesma concepção encontrou aderência em diferentes gerações do pensamento brasileiro. Veja-se, por exemplo, Nabuco (2010), Prado (1957), Fernandes (2006), Cardoso e Faletto (2004) e Souza (2000).

As afinidades entre as edições princeps de Raízes e Sobrados e esse enquadramento sociológico são por demais óbvias: em um e outro casos, aspectos relacionais acabam furtivamente neutralizados, quando não de todo subsumidos a retratos compartimentados da cena moderna, fracionados em uma infinidade de itinerários socio-históricos especiais. Não surpreende, pois, a recorrência com que os padrões de sociabilidade modernos são tomados por adventícios à trajetória brasileira, apenas tardiamente incorporados ao país. Seja como for, a meu ver, essa senda de leitura não exaure todas as possibilidades de diálogo dos ensaios. À guisa de conclusão, gostaria de explorar ainda outra interlocução teórica: refiro-me a um conjunto de propostas contemporâneas cujas formulações colidem frontalmente com esse viés analítico internalista e substancialista da modernidade. Conforme há pouco observado, a se considerar as reiteradas alusões aos entrecruzamentos societários implicados nas gêneses do Brasil e em seu ulterior alinhamento aos parâmetros modernos, logo se vê que esta não é uma querela alheia a SeM e RdB. Pois bem, como quero argumentar, caso se almeje aprofundar o potencial heurístico da dimensão relacional das obras, alguns passos se mostram imprescindíveis: em primeiro lugar, ante o desafio de dissipar por completo a imagem autocontida e autosubsistente da experiência brasileira, é mister refutar de uma vez por todas o “nacionalismo metodológico” que, por muito tempo, orientou a imaginação sociológica (Chernilo, 20119 CHERNILO, Daniel. The critique of methodological nationalism: theory and history. Thesis Eleven, v. 106, n. 1, p. 98-117, 2011. https://doi.org/10.1177/0725513611415789
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). Nesse caso, em vez de se assumir como fato consumado que “nação/estado/sociedade” constituem “a forma social e política natural do mundo moderno”, urge atentar para sua condição inerentemente “transnacional” – inclusive à época em que “o estado-nação limitava e agrupava a maioria dos processos sociais” (Wimmer; Schiller, 201264 WIMMER, Andreas; SCHILLER, Nina. Methodological nationalism and beyond: nation-state building, migration and the social sciences. Global Networks, v. 2, n. 4, p. 301-334, 2002. https://doi.org/10.1111/1471-0374.00043
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, p. 302). Mas isso não é tudo: há também que problematizar os supostos historicistas que subjazem essa imaginação, ou seja, a convicção conforme a qual, após emergirem no continente europeu, as invenções sociais modernas teriam migrado para outras regiões do mundo, em meio a processos transcorridos “ao longo do tempo” (Chakrabarty, 20008 CHAKRABARTAY, Dipesh. Provincializing Europe: postcolonial thought and historical difference. Princeton: Princeton University Press, 2000., p. 7). Por fim, ao invés de conceber-se a modernidade como o remate final de um itinerário especial, melhor parece enquadrá-la, desde seus primórdios, como “uma mudança mais ou menos global, com muitas fontes e raízes e – inevitavelmente – muitas formas e significados diferentes” (Subrahmanyam, 199754 SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected histories: notes towards a reconfiguration of early modern Eurasia. Modern Asian Studies, v. 31, n. 3, p. 735-762, 1997. https://doi.org/10.1017/S0026749X00017133
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, p. 736-737) – o que, por óbvio, exige renunciar a percursos históricos exclusivos para conferir ênfase às “condições e interações globais através das quais o mundo moderno emergiu” (Conrad, 201610 CONRAD, Sebastian. What is global history? Princeton: Princeton University Press, 2016. p. 37-61., p. 76).

Para finalizar, gostaria de sugerir que esse deslocamento analítico em favor das transações e vínculos socio-históricos diversos, que concorreram para o advento da modernidade e suas incontáveis reconfigurações (Conrad, 201610 CONRAD, Sebastian. What is global history? Princeton: Princeton University Press, 2016. p. 37-61.; Gruzinski, 200328 GRUZINSKI, Serge. O historiador, o macaco e a centaura: a “história cultural” no novo milênio. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 321-342, 2003. https://doi.org/10.1590/S0103-40142003000300020
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; Hall, 201130 HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.; Mignolo, 200535 MIGNOLO, Walter. The idea of Latin America. Oxford: Blackwell, 2005.; Subrahmanyam, 199754 SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected histories: notes towards a reconfiguration of early modern Eurasia. Modern Asian Studies, v. 31, n. 3, p. 735-762, 1997. https://doi.org/10.1017/S0026749X00017133
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; Therborn, 200357 THERBORN, Göran. Entangled modernities. European Journal of Social Theory, v. 6, n. 3, p. 293-305, 2003. https://doi.org/10.1177/13684310030063002
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), tem muito a auferir dos insights da abordagem sociológica relacional.11 11 Julian Go (2017, p. 142-147) explorou algumas dessas contribuições ao indicar sugestões para um “relacionalismo pós-colonial”. Admitida a exiguidade de acordos mais amplos a seu respeito (Vandenberghe, 201859 VANDENBERGHE, Frédéric. The relation as magical operator: Overcoming the divide between relational and processual sociology. In: DÉPÉLTEAU, F. (ed.). The Palgrave handbook of Relational Sociology. Palgrave MacMillan, 2018. p. 35-57.; Prandini, 201546 PRANDINI, Riccardo. Relational sociology: a well-defined sociological paradigm or a challeging “relational turn” in Sociology?. International Review of Sociology, v. 25, n. 1, p. 1-14, 2015. https://doi.org/10.1080/03906701.2014.997969
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; Powell; Dépelteau, 201312 DÉPELTEAU, François. What is the direction of the “relational turn”?. In: POWELL, C.; DÉPELTEAU, F. (eds.). Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013. p. 163-185.) destaca-se nesse programa de reflexão a crítica à “natureza intrinsecamente reificada de todas as categorias” – isto é, “como elas ‘totalizam’ identidades que frequentemente são de fato multidimensionais e contraditórias” (Emirbayer, 199715 EMIRBAYER, Mustafa. Manifesto for a relational sociology. American Journal of Sociology, v. 103, n. 2, p. 281-317, 1997. https://doi.org/10.1086/231209
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, p. 308-309).12 12 Frédéric Vandenberghe sustenta que, no “nível ontológico”, a sociologia relacional “assume que as relações essencialmente criam a vida social”. Já no “nível epistemológico”, tende-se a contrapor “o pensamento categorial das abordagens substancialista, subjetivista e essencialista ao pensamento relacional das abordagens estruturalista, processual e interacionista”. Por fim, no “nível metodológico”, busca-se empregar “técnicas” que “enfatizam a interdependência mútua das variáveis e dissolvem entidades em processos” (Vandenberghe, 2018, p. 39-40). Quando mobilizada com o intuito de interpelar criticamente os alicerces epistemológicos, as ferramentas descritivas e o alcance empírico de teorizações correntes acerca das gêneses, dos padrões de sociabilidade e das transformações da modernidade, essa agenda de pesquisa passa a priorizar os “fenômenos emergentes” das conexões socio-históricas, em detrimento da suposta capacidade conformadora “de seus componentes individuais” (Donati, 201313 DONATI, Pierpaolo. Relational Sociology and the globalized society. In: DÉPELTEAU, F.; POWELL, C. (eds). Applying relational Sociology: relations, networks, and society. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013. p. 1-24., p. 17). Afasta-se, com isso, o privilégio teórico-metodológico que abordagens sociológicas convencionais costumam emprestar à sociedade nacional e/ou a outras unidades estritas de análise (Centro/Periferia, 1º mundo/3º mundo, Ocidente/Oriente, América anglo-saxônica/América Latina, Europa/ resto etc.) – visto que concebê-las como “entidades primordiais, autocontidas e amplamente monolíticas” redundaria em perder de vista as “redes de relações complexas multivariadas”, bem como as “relações de determinação mútua” (Monterescu, 201338 MONTERESCU, Daniel. Spatial relationality and the fallacies of methodological nationalism: Theorizing urban space and binational sociality in Jewish-Arab “mixed towns”. In: DÉPELTEAU, F.; POWELL, C. (eds). Applying relational sociology: relations, networks, and society. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013. p. 25-50., p. 26) que caracterizam um amplo espectro de experiências sociais na cena contemporânea.

As disparidades e os desacertos entre os retratos do Brasil delineados nas edições princeps de Sobrados e Raízes e esse enquadramento relacional da modernidade são notórios. Não obstante, conforme salientado no artigo, subsistem pontos de convergência relevantes, os quais ensejam uma interpretação alternativa da experiência brasileira: não mais como a resultante de um percurso formativo especial – tardio e colateral à trajetória europeia –, mas como partícipe e corresponsável pelas instituições e padrões de sociabilidade próprios à modernidade.

  • 1
    Lembre-se que, anos após seu lançamento inaugural, Raízes do Brasil ganharia novas edições, as quais trariam uma série de alterações: a 2ª edição viria em 1948, a 3ª em 1956, a 4ª em 1963 e a 5ª em 1969. A respeito da história desse percurso e das especificidades das novas versões, veja-se Feldman (2013)20 FELDMAN, Luiz. Um clássico por amadurecimento: Raízes do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 28, n. 82, p. 119-140, 2013. https://doi.org/10.1590/S0102-69092013000200008
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    e Monteiro e Schwarcz (2016)37 MONTEIRO, Pedro; SCHWARCZ, Lília. Uma edição crítica de Raízes do Brasil: o historiador lê a si mesmo. In: HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. Edição crítica. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 11-26.. Quanto a Sobrados e Mucambos, cabe destacar que, depois de sua estreia em 1936, a 2ª edição (1951) traria cinco novos capítulos, acompanhados “de acréscimos substanciais ao texto dos capítulos primitivos” (Freyre, 199624 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1996. Vol. II., p. LII). Veja-se as considerações de Bastos (2008)2 BASTOS, Elide. Raízes do Brasil – Sobrados e Mucambos: um diálogo. In: MONTEIRO, P.; EUGÊNIO, J. (orgs). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas; Rio de Janeiro: Editora da Unicamp; EdUERJ, 2008. p. 227-244. sobre esse ponto. Saliento não ser o propósito deste artigo cotejar as formulações das diferentes edições, o que envolveria um exercício muito diverso do presente.
  • 2
    Trata-se, segundo Conrad (2016, p. 88-89)10 CONRAD, Sebastian. What is global history? Princeton: Princeton University Press, 2016. p. 37-61., da tendência para conceber “as sociedades como autogeradoras” e, ato contínuo, para pressupor “que a mudança social sempre foi o feito da própria sociedade.”
  • 3
    Emirbayer (1997, p. 282-283)15 EMIRBAYER, Mustafa. Manifesto for a relational sociology. American Journal of Sociology, v. 103, n. 2, p. 281-317, 1997. https://doi.org/10.1086/231209
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    define a perspectiva substancialista como aquela que se apoia na “noção de que são substâncias de vários tipos (coisas, seres, essências) que constituem as unidades fundamentais de toda investigação”, percebidas como “entidades autossubsistentes”. Nesse caso, são “entidades duráveis, coerentes, que constituem os pontos de partida legítimos de toda investigação sociológica.” (Emirbayer, 199715 EMIRBAYER, Mustafa. Manifesto for a relational sociology. American Journal of Sociology, v. 103, n. 2, p. 281-317, 1997. https://doi.org/10.1086/231209
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    , p. 285). Veja-se, também, Go (2017)27 GO, Julian. Postcolonial thought as social theory. In: BENZECRY, C.; KRAUSE, M.; REED, I. (eds). Social theory now. Chicago: The Chicago University Press, 2017. p. 130-161..
  • 4
    Conforme argumenta Dépelteau (2013, p. 180)12 DÉPELTEAU, François. What is the direction of the “relational turn”?. In: POWELL, C.; DÉPELTEAU, F. (eds.). Conceptualizing relational sociology: ontological and theoretical issues. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013. p. 163-185., para a perspectiva sociológica transacional, não é possível imputar essências a “transatores” individuais engajados em relações, tendo em vista seu caráter “interdependente”. Nesse caso, as próprias existências e ações dos transatores dependem de suas relações mútuas. Daí a ênfase analítica devotada às transações das partes envolvidas e às suas propriedades emergentes. Sobre o “fenômeno da emergência” e sua compreensão pela sociologia relacional, veja-se as reflexões de Vandenberghe (2018, p. 46-47)59 VANDENBERGHE, Frédéric. The relation as magical operator: Overcoming the divide between relational and processual sociology. In: DÉPÉLTEAU, F. (ed.). The Palgrave handbook of Relational Sociology. Palgrave MacMillan, 2018. p. 35-57..
  • 5
    No que toca a RdB, a análise de Eugênio (2010, p. 264)17 EUGÊNIO, João. Um ritmo espontâneo: o organicismo em Raízes do Brasil e Caminhos e Fronteiras, de Sérgio Buarque de Holanda. 2010. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010. acerca do viés “organicista” da obra, bem como das “ocorrências da noção de forma” no texto de Sérgio B. Holanda parecem-me justamente apontar para essa visada: “A forma implica unidade orgânica, quer dizer, identidade.” Segundo Eugênio (2010, p. 259-260)17 EUGÊNIO, João. Um ritmo espontâneo: o organicismo em Raízes do Brasil e Caminhos e Fronteiras, de Sérgio Buarque de Holanda. 2010. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010., “Dizer forma é dizer substância”; por sua vez, “substância só pode ser um ente que subsistir por si ou separadamente do resto” – ou seja, “algo intrinsecamente unitário”.
  • 6
    De acordo com Feldman (2009, p. 146)21 FELDMAN, Luiz. O Brasil no mundo e vice-versa: o Estado em Casa-grande & Senzala, Sobrados e Mucambos e Raízes do Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. https://doi.org/10.17771/PUCRio.acad.32983
    https://doi.org/10.17771/PUCRio.acad.329...
    , nas formulações de Casa-grande & senzala e Sobrados e Mucambos, “Antes que um lugar no mundo, o Brasil é enunciado como um lugar do mundo, ou do mundial.” Nesse exato sentido, para o autor, ao lado de RdB, as referidas obras de Freyre “tornam visíveis elementos da condição brasileira em sua relação com o mundo” (Feldman, 200921 FELDMAN, Luiz. O Brasil no mundo e vice-versa: o Estado em Casa-grande & Senzala, Sobrados e Mucambos e Raízes do Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. https://doi.org/10.17771/PUCRio.acad.32983
    https://doi.org/10.17771/PUCRio.acad.329...
    , p. 24).
  • 7
    A fortuna crítica desses autores e de suas obras é vasta e multifacetada. Para se ter uma ideia das particularidades teóricas e metodológicas da fatura de Holanda e Freyre, veja-se por exemplo as cuidadosas análises de Araújo (1994)1 ARAÚJO, Ricardo. Guerra e paz: Casa-grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994., Bastos (2008)2 BASTOS, Elide. Raízes do Brasil – Sobrados e Mucambos: um diálogo. In: MONTEIRO, P.; EUGÊNIO, J. (orgs). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas; Rio de Janeiro: Editora da Unicamp; EdUERJ, 2008. p. 227-244., Ferreira (1996)23 FERREIRA, Gabriela. A formação nacional em Buarque, Freyre e Vianna. Lua Nova, n. 37, p. 229-247, 1996. https://doi.org/10.1590/S0102-64451996000100012
    https://doi.org/10.1590/S0102-6445199600...
    , Motta (2013)39 MOTTA, Roberto. Tempo, desenvolvimento e (in)correção histórica: a propósito da lusotropicologia de Gilberto Freyre. In: MOTTA, R.; FERNANDES, M. (orgs.). Gilberto Freyre: região, tradição, trópico e outras aproximações. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes, 2013, p. 213-242., Monteiro (2015)36 MONTEIRO, Pedro. Signo e desterro: Sérgio Buarque de Holanda e a imaginação do Brasil. São Paulo: Hucitec, 2015. e Waizbort (2011)61 WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil, 1936. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 76, p. 39-62, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69092011000200003
    https://doi.org/10.1590/S0102-6909201100...
    . A propósito das trajetórias pessoais e profissionais de cada autor e dos impactos destas sobre suas ideias, além das implicações políticas distintas de seus diagnósticos do Brasil, veja-se Burke e Pallares-Burke (2009)5 BURKE, Peter; PALLARES-BURKE, Maria L. Repensando os Trópicos: um retrato intelectual de Gilberto Freyre. São Paulo: Editora Unesp, 2009., Candido (2008)6 CANDIDO, Antonio. A visão política de Sérgio Buarque de Holanda. In: MONTEIRO, P.; EUGÊNIO, J. (orgs). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas; Rio de Janeiro: Editora da Unicamp; EdUERJ, 2008. p. 29-36., Eugênio (2008)18 EUGÊNIO, João. Um horizonte de autenticidade – Sérgio Buarque de Holanda: monarquista, modernista, romântico (1920-1935). In: MONTEIRO, P.; EUGÊNIO, J. (orgs). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas; Rio de Janeiro: Editora da Unicamp; EdUERJ, 2008. p. 425-459., Rocha (2008)48 ROCHA, João. O exílio como eixo: bem-sucedidos e desterrados – ou por uma edição crítica de Raízes do Brasil. In: MONTEIRO, P.; EUGÊNIO, J. (orgs). Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas; Rio de Janeiro: Editora da Unicamp; EdUERJ, 2008. p. 245-275. e Souza (2000)52 SOUZA, Jessé. A modernização seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro. Brasília: Editora UnB, 2000..
  • 8
    Retomo aqui uma problemática anunciada em Tavolaro (2020)56 TAVOLARO, Sergio B. F. Stasis, motion and acceleration: The senses and connotations of time in Raízes do Brasil and Sobrados e mucambos (1936). Sociologia & Antropologia, v. 10, n. 1, p. 243-266, 2020. https://doi.org/10.1590/2238-38752019v1019
    https://doi.org/10.1590/2238-38752019v10...
    com o propósito de desdobrar e aprofundar o argumento então sugerido.
  • 9
    Esta e as demais citações foram ajustadas às regras ortográficas atuais.
  • 10
    A seu modo, essa mesma concepção encontrou aderência em diferentes gerações do pensamento brasileiro. Veja-se, por exemplo, Nabuco (2010)40 NABUCO, Joaquim. Post-scriptum: a questão da América Latina. In: NABUCO, J. Essencial Joaquim Nabuco. São Paulo: Penguin; Companhia das Letras, 2010. p. 304-310., Prado (1957)44 PRADO, Eduardo. A ilusão americana. São Paulo: Brasiliense, 1957., Fernandes (2006)22 FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006., Cardoso e Faletto (2004)7 CARDOSO, Fernando H.; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. e Souza (2000)52 SOUZA, Jessé. A modernização seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro. Brasília: Editora UnB, 2000..
  • 11
    Julian Go (2017, p. 142-147)27 GO, Julian. Postcolonial thought as social theory. In: BENZECRY, C.; KRAUSE, M.; REED, I. (eds). Social theory now. Chicago: The Chicago University Press, 2017. p. 130-161. explorou algumas dessas contribuições ao indicar sugestões para um “relacionalismo pós-colonial”.
  • 12
    Frédéric Vandenberghe sustenta que, no “nível ontológico”, a sociologia relacional “assume que as relações essencialmente criam a vida social”. Já no “nível epistemológico”, tende-se a contrapor “o pensamento categorial das abordagens substancialista, subjetivista e essencialista ao pensamento relacional das abordagens estruturalista, processual e interacionista”. Por fim, no “nível metodológico”, busca-se empregar “técnicas” que “enfatizam a interdependência mútua das variáveis e dissolvem entidades em processos” (Vandenberghe, 201859 VANDENBERGHE, Frédéric. The relation as magical operator: Overcoming the divide between relational and processual sociology. In: DÉPÉLTEAU, F. (ed.). The Palgrave handbook of Relational Sociology. Palgrave MacMillan, 2018. p. 35-57., p. 39-40).
  • A elaboração do artigo contou com apoio do CNPq (Projeto de pesquisa 303189/2019-3). Agradeço às/aos pareceristas anônimas/os da revista Sociologias, que me auxiliaram a calibrar os objetivos inicialmente estabelecidos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    19 Jul 2021
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