Open-access Por uma sociologia política do trabalho: “Democracia e divisão do trabalho social” de Axel Honneth

Towards a political sociology of work: Axel Honneth’s “Democracy and the division of social labor”

Hacia una sociología política del trabajo: “La democracia y la división del trabajo social” de Axel Honneth

Resumo

Neste artigo apresentamos nossa tradução e introdução crítica ao texto “Democracia e divisão do trabalho social: mais um capítulo negligenciado da filosofia política” em que Axel Honneth apresenta a tese de que a divisão do trabalho social possui íntima relação com a distribuição de chances de participação política e, afinal, com a qualidade da democracia em sociedades modernas. Partindo da constatação de que a teoria política contemporânea raramente se dedicou ao estudo de questões relacionadas ao mundo trabalho dos sujeitos políticos, o autor propõe uma atualização sistemática da concepção de divisão do trabalho social, por meio da qual não apenas as atividades laborais sejam vistas como passíveis de reformulação, mas também a concepção mesma daquilo que é tradicionalmente considerado como trabalho social.

Palavras- chave divisão do trabalho; democracia; participação

Abstract

In this article we present our translation and critical introduction to the text “Democracy and the division of social labor: a blind spot in political philosophy” in which Axel Honneth presents the idea that there is a strong connection between the division of labour and the distribution of participatory changes in the democratic will formation, hence, with the quality of democracy in modern societies. Taking his point of departure in the assumption that contemporary political philosophy rarely reflects upon issues related to the working life of its subjects, the author proposes a systematic actualization of the concept of division of labor, through which not only everyday working activities are taken to be reformulated; rather, the very conception of what is to be seen as work must be reformulated.

Keywords division of labor; democracy; political participation

Resumen

En este artículo presentamos nuestra traducción e introducción crítica al texto “La democracia y la división del trabajo social: otro capítulo descuidado de la filosofía política” en el que Axel Honneth presenta la idea de que existe una fuerte conexión entre la división del trabajo y la distribución de los cambios participativos en la formación de la voluntad democrática, por tanto, con la calidad de la democracia en las sociedades modernas. Partiendo del supuesto de que la filosofía política contemporánea rara vez reflexiona sobre cuestiones relacionadas con la vida laboral de sus sujetos, el autor propone una actualización sistemática del concepto de división del trabajo, a través de la cual no sólo se reformulan las actividades laborales cotidianas, sino la propia concepción de lo que debe considerarse trabajo.

Palabras clave división del trabajo; democracia; participación política

Introdução

A conexão entre trabalho social e democracia é menos óbvia do que parece. Divisão do trabalho e democracia, como se sabe, são corporificações conceituais das gigantescas transformações ocorridas inicialmente na Europa de finais do século 18 e logo espalhadas – em formas e ritmos desiguais e por vezes contraditórios entre si – para todo o mundo. As mudanças causadas pela revolução industrial e pela Revolução Francesa, que entre outras coisas dariam ensejo à consolidação das ciências sociais e, particularmente, da sociologia, desempenharam um papel central no estabelecimento de sociedades modernas, em que se enredavam pretensões de autorrealização e eficiência no desempenho de tarefas individuais, de um lado, e liberdade política e soberania popular, do outro. Evidentemente, não funcionou. As nascentes sociedades capitalistas rapidamente estabeleceram (novamente em graus diferentes ao redor do mundo) um padrão degradado e exploratório de trabalho e a democracia burguesa tratou de criar empecilhos à participação política e à representação plural da diversidade. O objeto das ciências da sociedade logo se tornou a tensa relação entre divisão do trabalho, exploração e racionalização e, de modo ainda mais dramático, a teoria social aceitou um tipo de especialização de acordo com o qual à sociologia caberia o estudo das questões da integração social e à (um pouco mais jovem) ciência política caberia o estudo da estabilização do poder e da democracia, grandemente limitada à forma parlamentar. Em meio a tudo isso, a suposição de uma relação íntima entre divisão do trabalho e democracia, ou entre trabalho e soberania gradualmente se esgarçou.

Essa é a problemática que Axel Honneth busca enfrentar no artigo ora traduzido para o dossiê “Teoria crítica e sociologia do trabalho e do mercado” em Sociologias. O ponto de partida de suas reflexões não é a constatação, bastante generalizada, de que parece ser cada vez menos plausível o pressuposto normativo de que o trabalho deveria gerar mais possibilidades de participação, mas sim a de que a teoria política da democracia, de modo geral, pouco tem a dizer sobre essa tendência sociológica central de nossos tempos. Assim, à tendência, típica da ciência política, de estudar as causas de um evidente declínio da participação por meio das mais variadas crises (dos partidos, da representação parlamentar, do discurso político etc.), Honneth contrapõe a “tese de que a qualidade da formação democrática da vontade depende de maneira decisiva da situação da divisão do trabalho social”. Com isso, mais do que uma eventual crise da democracia, vem à luz a ideia de que a qualidade das democracias contemporâneas se assenta nas condições de participação na reprodução material da sociedade propiciadas às cidadãs e aos cidadãos por meio de suas atividades. Essas condições, por sua vez, são exploradas no artigo por meio de um projeto de atualização do conceito de divisão do trabalho social. Em Émile Durkheim, Honneth encontra indicações de que a tal qualidade da democracia aludida acima é efeito de múltiplas dimensões: à renda e ao tempo necessários para uma adequada disposição à vida pública, diz ele, deveriam acompanhar formas cooperativas de trabalho, formas que pareçam relevantes a suas executoras e a seus executores. Dessa articulação, por sua vez, deveriam surgir práticas menos rotinizadas e rigidamente hierarquizadas de trabalho. Finalmente, para além de combater apenas com medidas jurídico-políticas “o perigo de que o contrato de trabalho estabelecido entre contratantes e contratados possa ser influenciado pela força e pela coerção”, tema que já no século 19 unia as preocupações de Karl Marx e Durkheim, modelos não centrados no contrato privado de trabalho deveriam ser recuperados e desenvolvidos.

Todavia, como seria de se esperar, o modelo durkheimiano é permeado de aspectos antiquados, quando não assentado em concepções francamente inadequadas à atual configuração das relações de trabalho e ao universo político contemporâneo. A tarefa de superar esses aspectos se deve a mudanças que tornaram nosso mundo muito diferente daquele de Durkheim: a disseminação de empregos precarizados e terceirizados, aos quais faltam tanto as condições de identificação individual com a profissão como de exercício de autonomia; a consciência de uma permanente hierarquização entre funções, das quais a separação entre uma esfera de atividades “públicas” valorizadas e esferas “privadas” ou “domésticas” realizadas sem reconhecimento é a mais gritante expressão; a possibilidade de que o trabalho seja regulamentado de outras maneiras que não o contrato entre patrões e empregados – por exemplo, por meio da posse comunitária ou da gestão coletiva de empreendimentos laborais.

Todos esses temas, mencionados e mobilizados como exemplos por Honneth ao longo do artigo, servem ao propósito de resgatar nas intuições de Durkheim e em seus possíveis diálogos com Marx, mas também com Adam Smith, Hegel, John Dewey ou Carole Pateman, um conjunto de valores implícitos e atualizáveis diante de um olhar diagnóstico sobre as tendências alarmantes de perda das condições para o exercício da soberania política e para a contribuição à formação democrática da vontade. O texto a seguir se apresenta como uma tentativa de reconectar essas duas pontas.

Todavia, ainda que o texto de Honneth sobre democracia e divisão do trabalho social forme uma unidade em si no contexto de uma edição voltada para a discussão entre a Teoria Crítica e sociologia do trabalho e do mercado, sua compreensão talvez possa ser enriquecida se for vista como um passo a mais do autor na sua proposta de renovar a Teoria Crítica. Essa escola de pensamento assumiu para si, desde o início, o objetivo de dar continuidade ao projeto que Marx sintetizou na 11ª tese sobre Feuerbach: o de interpretar o mundo com o instrumental teórico e metodológico disponível e, também, tomar atitude para transformá-lo. A Teoria Crítica toma como fundamento de seu compromisso emancipatório um diagnóstico do tempo presente, tributário da retroalimentação permanente entre reelaboração e readequação do instrumental teórico-conceitual e o saber empírico sobre a realidade dada, e criticado à luz de critérios normativos imanentes. Assim, a questão sobre o lugar da reflexão teórica e do saber empírico, assim como a fonte e o modo de obtenção dos critérios normativos imanentes que permitam a formação de juízos sobre o contexto dado e utopia concreta almejada, se constituem no conjunto de questões que cada autor precisa explicitar.

A atitude de comprometimento com a transformação do mundo tem sido expressa ora mais, ora menos intensamente em engajamentos nas disputas e conflitos sociais, mas tem sido seguida consistentemente no compromisso emancipatório que assume e realça o caráter político da Teoria Crítica (Bunk; Sobottka 2023). Já na questão sobre como interpretar o mundo e em que transformá-lo – ou seja, no conjunto de instrumental teórico e metodológico mobilizado para diagnosticar o tempo presente, na busca por critérios para formar juízos sobre ele e em como conceber a sociedade almejada – as proposições dos principais expoentes têm variado muito entre eles e mesmo ao longo das trajetórias individuais. Alguns redirecionamentos adotados por Honneth é o que queremos destacar aqui. Antes, porém, duas observações sobre contribuições específicas de dois de seus antecessores são importantes para essa trajetória: Max Horkheimer e Jürgen Habermas.

No texto programático “Teoria tradicional e teoria crítica”, de Horkheimer (1983), é a atitude politicamente engajada que diferencia esse modo de fazer teoria da teoria tradicional. Em sua leitura da sociedade, o autor se apoia amplamente no marxismo e em sua concepção de um portador social da transformação, o proletariado. Embora em seu texto já sejam lançadas dúvidas sobre o papel transformador deste sujeito, o programa de Horkheimer se conecta com seu projeto inicial ao assumir a direção do Instituto de Pesquisa Social, em Frankfurt am Main, no qual propõe uma intensa colaboração interdisciplinar como apoio àquele sujeito. Destaque, para nossos propósitos aqui, é como Horkheimer responde à questão sobre como deveria ser a futura sociedade. Para ele, a fonte dessa imaginação utópica, inicialmente assentada sobre o interesse do proletariado, isto é, no diálogo das massas com suas lideranças e destas com os intelectuais, é substituída pela atividade teórico-crítica, graças à qual os contornos da nova sociedade seriam delineados como crítica interna à sociedade. Essa foi a primeira proposição feita para resolver o problema de como encontrar critérios imanentes que permitam formar juízos sobre a situação presente e delineamentos do futuro em prol dos quais se engajar.

Para além da crítica ao determinismo histórico, já formulada pelo próprio Horkheimer, foi Habermas quem apontou criticamente a insuficiente valorização do conhecimento empírico sobre o tempo presente na sua concepção sobre o fazer teoria crítica. A esse desequilíbrio entre a reflexão e a empiria, Habermas, que se identificava tanto como sociólogo quanto como filósofo, propunha um papel de destaque à sociologia, assim expresso na Teoria da ação comunicativa (2022, p. 47-49):

A sociologia vem a ser a ciência das crises par excellence, ocupando-se sobretudo [...] da dissolução dos sistemas sociais tradicionais e da constituição dos modernos. […] Porém, não é um acaso [...] que os grandes teóricos da sociedade de que vou tratar sejam sociólogos de origem. A sociologia foi a única das disciplinas das ciências sociais que manteve a referência aos problemas da sociedade como um todo. Ela continuou a ser sempre também teoria da sociedade […]. Isso explica o vínculo tenaz entre a sociologia e a teoria da sociedade.

Outra inovação feita por Habermas, que é de interesse aqui, está contida em seu livro Para a reconstrução do materialismo histórico (2015). A despeito de perceber a si próprio, até a atualidade, como vinculado à tradição marxista, Habermas tem sido um autor bastante eclético e, pelo menos segundo parte de seus críticos, nem sempre tem sido totalmente fiel às fontes utilizadas. Nesse livro, ele não busca uma interpretação inquestionavelmente fidedigna daquela tradição teórica, mas introduz o procedimento da reconstrução como ferramenta que lhe permite a preparação e adaptação do ferramental teórico-conceitual para dar conta dos problemas que o tempo presente coloca para o teórico crítico. Assim, ele pode separar o que lhe parece duradouro na teoria marxista e legitimar a busca em outros aportes de respostas imanentes para questões como a formação histórica da liberdade individual igualitária e da democracia como valores na consciência contemporânea.

Numa de suas primeiras produções acadêmicas, uma palestra feita em 1981, com o título “Consciência moral e dominação social de classe: algumas dificuldades na análise de potenciais do agir normativo”, Honneth (2000) assume explicitamente a ideia da reconstrução proposta por Habermas, mas quer aplicá-la primariamente não para a preparação do ferramental teórico-conceitual, e sim para fazer uma sociologia moral empiricamente orientada. Com ela, o autor pretende desvelar os potenciais inexplorados das reivindicações de justiça das pessoas na base da pirâmide social, para que sirvam como critérios para a crítica prático-moral. Esse segmento social, na interpretação de Honneth, percebe-se claramente injustiçado, mas, devido aos múltiplos mecanismos da dominação de classe, não desenvolveu a habilidade de articular positiva e abstratamente reivindicações de justiça e é vítima de processos de individualização que dificultam ou até impossibilitam a percepção coletiva de sua situação. A intuição do autor é que nas lutas cotidianas, frequentemente individuais, por reconhecimento social se esconde a rejeição moral da atual ordem social capitalista. A sociedade de classe, que individualiza ideologicamente as chances de sucesso como oportunidades de mercado, distribuiria, assim, de forma permanentemente desigual, as possibilidades de reconhecimento.

Aqui já estavam praticamente todas as linhas mestras da teoria do reconhecimento que Honneth viria a desenvolver nas décadas seguintes, mesmo que embrionárias, complementadas e com importância que se deslocaria ao longo do tempo. Em Crítica do poder (2019, p. 25), ele explicita a necessidade de uma análise que leve em consideração a questão do poder, reforça a questão de que a crítica deve tomar como critérios a normatividade implícita no cotidiano e enfatiza a ideia de que a teoria precisa ser parceira dos segmentos desprivilegiados na superação da injustiça sofrida. Um arcabouço mais amplo da sua proposta teórica foi trazido pouco depois em Luta por reconhecimento (2003), com uma filiação mais explícita e duradoura à filosofia de Hegel. A noção de classe perde importância, mas, como fica claro em sua resposta à crítica de Nancy Fraser (Fraser; Honneth, 2003), Honneth reforça a convicção de que, da percepção de injustiça sofrida no cotidiano, é possível extrair os critérios normativos para a formação de juízos e traz para dentro de sua teoria os movimentos sociais como agentes da transformação social.

Críticas recebidas devido a uma abordagem muito centrada no indivíduo, uma migração da filosofia hegeliana dos escritos de Jena (1803-1804) em direção à filosofia do direito, tema das reflexões de Hegel no final de sua vida, na década de 1820, bem como uma crescente aproximação a Dewey e Durkheim, levaram Honneth a uma abordagem das instituições sociais que considera indispensáveis para a reprodução social. Esse movimento teórico se inicia com Sofrimento de indeterminação (2001) e se consolida em O direito da liberdade (2011a). É nessa última obra que o autor mais claramente explicita que, em lugar de formular um conjunto de princípios abstratos sobre a boa sociedade, escolheu fazer de seu diagnóstico do tempo presente, mais especificamente da análise dos pressupostos estruturais da sociedade atual, a sua teoria da justiça. Enquanto, até então para Honneth, a ênfase estava em que o reconhecimento contribuiria para o indivíduo desenvolver autorrelações práticas positivas como expressões de relações sociais entre sujeitos emancipados, o foco nessa obra recai sobre instituições criadas para assegurar, a seu modo, o que o autor entende ser o valor que sintetiza as aspirações atuais dos seres humanos: a liberdade. Uma contribuição a destacar nessa obra é que ali, com o conceito de liberdade social, Honneth ajuda a colocar em xeque o pressuposto mais elementar do liberalismo clássico: o de que o ser humano possui naturalmente liberdade, que está ameaçada e que ele precisa preservar. Honneth, ao contrário, mostra como liberdade é social, porque só pode haver ali onde ela for criada em reciprocidade. Também é nela que Honneth desenvolve sua mais importante contribuição metodológica para a pesquisa empírica no marco da Teoria Crítica: ele deixa em segundo plano a exploração do excedente de validade dos conceitos e das expressões cotidianas, para aprofundar a proposição habermasiana da reconstrução, mas não mais aplicada ao instrumental teórico-conceitual, e sim na forma de reconstrução normativa, capaz de extrair do material empírico os critérios imanentes para a formação de juízos críticos.

A despeito da crescente influência de Durkheim ao longo da primeira década do presente século, Honneth publica, também em 2011, um texto de grande interesse para nossos propósitos aqui, a saber: “A moral no ‘Capital’: tentativa de uma correção da crítica marxista da economia” (2018a), no qual ele retoma não só temas, mas também uma postura política crítica mais próxima da adotada na juventude. A questão que Honneth explora no texto é como ficaria a análise que Marx faz do capital se, ao invés de centrá-la nos interesses dos atores econômicos, como se existissem como dados, como a-históricos, ele tivesse se valido de uma teoria da ação, com uma temporalidade focada nas lutas sociais concretas, como a que o orientou nos manuscritos de Paris, priorizando a luta política, sempre acidentada e incerta quanto a seu resultado, mas apoiada em princípios normativos legitimados na respectiva sociedade? Como base para essa forma de colocar a questão, Honneth revaloriza alguns dos experimentos concretos do tempo de Marx, como o eram as cooperativas autogeridas de produção e o cartismo, que poderiam se constituir em alternativas viáveis ao mercado capitalista e que esse último só considerava como transições a uma ideia já predefinida de socialismo. Marx deveria – essa é a tese de Honneth ali – ter sociologizado seus conceitos econômicos e sociais centrais e descobriria o quanto decisões econômicas têm caráter socialmente disputado, porquanto é da luta entre a multiplicidade de grupos de atores, integrados por suas concepções normativas comuns – “o que Marx reiteradamente denomina ‘luta de classe’” (Honneth, 2011b, p. 592) – que se decidirá o desenvolvimento futuro da sociedade e o destino do capitalismo.

Em semelhança a esse artigo, e em resposta clara a críticas ao suposto conservadorismo que teria transparecido por último em O direito da liberdade, Honneth se propõe a retomar as utopias de uma sociedade completamente nova que moveram historicamente a tradição na qual ele próprio se insere, e que deixou clara já no título da obra: A ideia do socialismo (2015). Seu diagnóstico é que, para recuperar a força mobilizadora que condensa “visões de liberdade social” (p. 70), o socialismo precisa ser liberto tanto da rigidez do determinismo histórico quanto da vinculação tradicional com o movimento operário industrial como seu portador histórico predeterminado – mas não para ser reduzido a um conjunto de princípios normativos abstratos de justiça, que concorreria com outras tantas teorias normativas abstratas. Honneth advoga por um socialismo de movimento, informado pelo duplo par conceitual participação e autonomia e sempre aberto a novos experimentos historicamente situados, para descobrir como a almejada liberdade social melhor poderia ser realizada. Esse experimentalismo histórico-prático seria o complemento metodológico-político da metodologia da reconstrução normativa do âmbito teórico-filosófico (p. 78-79).

Precisamente essa relação entre o projeto normativo de um socialismo que faça jus à noção de uma sociedade realmente social (Honneth, 2015, p. 87) e a incerteza histórica é o que caracteriza a fase mais recente. Não por acaso, o livro que serve como transição entre a fase da reconstrução normativa de princípios institucionais e a retomada dos diagnósticos de transformação e de potenciais emancipatórios, A ideia do socialismo, nasce como uma resposta a críticos sobre uma suposta falta de ambição crítica da análise de Honneth a respeito das sociedades do presente, mas, em seu desenvolvimento, abre o caminho para ao menos duas tendências importantes na trajetória recente do autor. Por um lado, ao buscar atualizar as bases normativas da doutrina socialista em conexão com seu conceito de liberdade social, Honneth amplia o conjunto de autores e projetos que comporiam o escopo de discussão do projeto de superação do capitalismo para muito além da crítica marxista; nesse sentido, trata-se de uma continuação do projeto expresso no artigo mencionado acima sobre “A moral em O capital”. Por outro lado, e justamente graças ao engajamento crítico com a obra de Marx, Honneth também se vê compelido a retomar e atualizar alguns pontos já expressos na década de 1980, como, por exemplo, no artigo sobre “Consciência moral e agir comunicativo” também citado acima; especificamente, Honneth desenvolve seu diálogo com Marx, aberto em A ideia do socialismo, em direção a uma questão dupla: quais as grandezas e limites da obra desse último e em que medida essas grandezas e limites se colocam em conexão ou distanciamento com outras teorias sociais cuja atualização poderia se mostrar frutífera para a análise diagnóstica do presente. Para responder à primeira pergunta, Honneth volta à questão sobre as dimensões econômica e sociológica do trabalho de Marx em um artigo chamado “Economia ou Sociedade?”, publicado originalmente em 2018 (Honneth, 2018b); para responder à segunda pergunta, ele compara a teoria marxista do capitalismo com a teoria hegeliana, em um artigo chamado “Hegel e Marx. Uma nova avaliação após 100 anos” (2020). Em ambos os textos, para além do engajamento crítico com Marx e da tentativa de aplicar a metodologia reconstrutiva a sua análise histórica, subjaz o argumento de que à grandeza da compreensão da dinâmica sistemática e internamente alimentada de valorização incessante do capital corresponde um sobrepeso da esfera econômica, formulado por Honneth por meio da ideia de que Marx, ao menos na sua crítica da economia política, entende a sociedade a partir de um modelo ampliado de relações de produção, o que, ao fim e ao cabo, soterra as conquistas e potenciais emancipatórios contidos em esferas conexas, mas organizadas internamente a partir de princípios diferentes daqueles da economia, como a política e as relações interpessoais.

Esse último tema, a rejeição de uma supremacia econômica na análise do capitalismo moderno, estava presente em A ideia do socialismo e ganha corpo com a publicação, em 2023, da última monografia de Honneth, O trabalhador soberano, cujo subtítulo, “uma teoria normativa do trabalho”, talvez indique de modo enganoso apenas a intenção teórica, mas deixe de lado o forte aporte empírico dedicado à realização de um diagnóstico do presente, bem como da ousada tentativa de superar o marcado défice da teoria política contemporânea ao tratar do mundo do trabalho, por ele expresso como “a mistura adequada de imaginário institucional, realismo econômico-político e discernimento sociológico”. O texto que traduzimos a seguir é a primeira versão dessa tentativa de superar esse capítulo negligenciado da teoria política.

Democracia e divisão do trabalho social: mais um capítulo negligenciado da filosofia política1

The industrial system […] is in great measure the key to the paradox of political democracy. Why are the many nominally supreme but actually powerless? Largely because the circumstances of their lives do not accustom or fit them for power or responsibility. A servile system in industry inevitably reflects itself in political servility

(Cole, 1918, p. 35).2

Quem tentar aguçar o olhar sobre aquilo que ocorre hoje no mundo social do trabalho do capitalismo ocidental será confrontado com uma série de tendências de desenvolvimento alarmantes. Por um lado, a fase dourada das relações empregatícias duradouras, asseguradas pelo estado social, parece superada já há algumas décadas; como consequência da desregulamentação do mercado capitalista instaurada no início da década de 1980, também foram desfeitas as limitações sociais do contrato de trabalho, afrouxadas as condições para as demissões e criadas mais e mais relações de trabalho informais, inseguras e mal remuneradas (conf. panoramicamente Castel, 2008). Em geral, hoje se fala sobre um dualismo do mercado de trabalho e entende-se com isso a separação das relações de trabalho em um setor protegido, altamente qualificado, e um setor de trabalho precário, mal remunerado e não qualificado nas esferas da produção e dos serviços (Emmenegger et al., 2012). Por outro lado, com a emergente digitalização do trabalho desponta uma grande onda de demissões, pois com o crescimento de processos eletrônicos de gestão uma variedade de atividades de controle, liderança e registro devem se tornar supérfluas; ainda não se sabe em que medida esta queda nos postos de trabalho será compensada pela criação de novos ramos da indústria na área da eletrônica, mas agora já deve estar claro que as transformações iminentes levarão a um massivo aumento do desemprego.3 Tomando-se os dois processos em conjunto, é possível falar decididamente de uma crescente crise do trabalho social em países capitalistas ocidentais; a fórmula mais concisa para isso é a de que o trabalho hoje está cada vez menos em condições de assegurar a quem trabalha sua subsistência e a de sua família (Desmond, 2018, p. 36-41, 49).

Em vista do significado dessas tendências de desenvolvimento para o mundo da vida é surpreendente, porém, constatar que na filosofia política pouco se fala sobre isso; ao se investigar as condições e ameaças à democracia contemporânea, em geral, faz-se de conta ser possível ignorar quais mudanças se consolidam hoje no mundo do trabalho. De fato, são trazidas à vista todas as causas imagináveis para os fenômenos críticos nas democracias ocidentais – a perda de função de partidos políticos, desparlamentarização, perda de soberania nacional, enfraquecimento da esfera pública democrática (Dreier, 2018, p. 29-82) – mas quase nunca é tematizado que a erosão de relações regulamentadas de trabalho pode desempenhar um papel causal neste contexto. Aqui não se pretende fazer referência ao fenômeno, entrementes já muito bem comprovado empiricamente, de que grupos sociais que devem temer ser excluídos do mercado de trabalho por causa da crescente migração se inclinam a visões xenofóbicas e, por consequência, frequentemente escolhem os assim chamados partidos populistas, tendencialmente não democráticos (Helgason; Mérola, 2017; além disso, com escopo muito mais amplo: Manow, 2018); trata-se, antes, da circunstância muito mais profunda de que a qualidade da participação democrática – e com isso o funcionamento da formação política da vontade – depende também e essencialmente do pressuposto econômico de uma divisão do trabalho justa, transparente e tão inclusiva quanto possível dentro da sociedade. É dessa conexão difícil de desvendar entre democracia e divisão do trabalho social que quero tratar a seguir; minha suposição é de que dentro da filosofia política existe uma tendência à negligência da significância do trabalho e da atividade laboral porque aqui se perdeu totalmente de vista o enraizamento da democracia nas relações econômicas da sociedade. Para poder fundamentar a tese de que a qualidade da formação democrática da vontade depende de maneira decisiva da situação da divisão do trabalho social, devo inicialmente demonstrar sua significância para a integração de sociedades democráticas em geral; a partir disso, é possível fundamentar a tese de que a disposição para a participação ativa na formação política da vontade depende, em grande medida, da possibilidade de a pessoa entender-se como participante dotada de valor em um contexto cooperativo acessível a si mesma na própria sociedade (1). Uma vez esboçada essa dependência causal, será necessária uma revisão das concepções tradicionais sobre a divisão do trabalho social, pois estas sofrem de uma série de unilateralidades e limitações, que necessitam ser corrigidas antes de poder determinar as exigências normativas de uma divisão do trabalho que fomente a democracia (2). No último passo, sobre a base desse conceito melhorado, vou desenvolver alguns pontos de vista normativos que deveriam ser levados em consideração na busca de uma maior inclusão no processo de formação democrática da vontade (3).

1

Com uma simplificação um pouco exagerada, certamente pode-se afirmar que, desde o início da modernidade social, existem duas concepções contrastantes a respeito de quais as fontes das quais se alimenta a coesão social das sociedades modernas. Por comodidade quero designar essas duas tradições com os nomes dos autores ou autoras que, respectivamente, defenderam as correspondentes concepções de modo representativo. Então, de um lado, encontra-se a posição exemplarmente defendida por Tocqueville e Arendt, que estabelece que é a ação política conjunta de cidadãs e cidadãos nos fóruns da sociedade civil que está em condições de estabelecer um laço entre os membros da sociedade. Dado que nas sociedades democráticas modernas todas as pessoas adultas são demandadas a participar da formação política da vontade nos níveis comunal, regional ou nacional, Tocqueville e Arendt esperam dessa contínua comunicação a medida de consentimento normativo que é exigida para a integração social (Tocqueville, 1987; Arendt, 1960, esp. cap. 2). Do outro lado se encontra a posição exemplarmente representada por Marx e Durkheim, de acordo com a qual é a divisão do trabalho social que responde por essa coesão entre membros de sociedades modernas. Mesmo que Marx projete esse efeito integrativo da cooperação por meio da divisão do trabalho somente no futuro, quando a economia da sociedade tiver se tornado “comunista”, ele concorda fundamentalmente com Durkheim em que somente a colaboração dos membros da sociedade no processo de trabalho necessário à reprodução pode criar a concordância normativa necessária para a integração social: dado que, em seu próprio trabalho, cada pessoa sabe a si mesma comprometida também com outro membro desconhecido da sociedade, uma vez que a reprodução da sociedade somente pode ser assegurada pelo trabalho conjunto, todas se veem unidas pelo objetivo de um crescimento do bem-estar (Marx, 1968, p. 467-588; Durkheim, 1988).

Ambas as perspectivas compartilham um conjunto de fraquezas que, em grande medida, se devem a seus altos níveis de abstração; assim, todos os autores, com a exceção de Hannah Arendt, negligenciam a circunstância de que, frequentemente, primeiro o combustível das mentalidades e sentimentos nacionais precisou entrar em cena para que as respectivas fontes de coesão social pudessem desdobrar seus efeitos integrativos (Arendt, 1955, cap. 8 e 9). Porém, comparando ambas as perspectivas diretamente, logo se torna evidente que a segunda posição, representada por Marx e Durkheim, é superior à primeira em poder de convencimento e capacidade de generalização. Quero inicialmente nomear de modo genérico as fraquezas e impropriedades da primeira versão, representada por Arendt e Tocqueville, para, em vista desse pano de fundo, delinear as vantagens da segunda tradição:

  1. Uma primeira objeção contra a concepção de que a comunicação democrática entre cidadãs e cidadãos poderia servir como fonte da integração social de sociedades modernas remonta a Benjamin Constant; em seu conhecido ensaio sobre A liberdade dos antigos comparada à dos modernos (1819), ele argumentava que atentaria contra o entendimento moderno da liberdade esperar dos cidadãos que tivessem um interesse na codeterminação política de seu país (Constant, 1972).4 Com este argumento, estava preparado o terreno para a concepção hoje amplamente partilhada de que democracias modernas se baseiam num pluralismo “racional” de diferentes visões de mundo e convicções éticas, que proíbe tornar a participação na construção democrática da vontade em uma exigência ou mesmo um dever: se a pessoa prefere participar em debates políticos, em eventos esportivos ou em cerimônias religiosas, isso diz respeito à decisão ética individual, pois, no âmbito de estados de direito modernos, não deve existir nenhuma obrigação de adotar uma determinada forma de vida.

  2. Uma complementação psicológica a esse ideal normativo do pluralismo é feita na tese de John Dewey (2008): de que humanos possuem interesses, em geral, tão diferentes e perseguem projetos tão diversos que não seria realista esperar deles, em dado momento, uma concordância a respeito da importância das atividades democráticas. Observado dessa perspectiva psicológica, seria bastante contraintuitivo esperar ou crer que membros de sociedades modernas pudessem encontrar coesão através de seu engajamento conjunto em favor de questões políticas: a suposição de que a participação na autogestão democrática poderia estabelecer contato entre cidadãs e cidadãos e estabelecer um laço comum entre eles desconsidera de modo fatal a disparidade de interesses e preferências humanos.

Ressaltadas ambas as limitações da tradição Tocqueville/Arendt – sua negligência tanto do princípio normativo do pluralismo quanto do fato de um pluralismo dos interesses humanos – isso não deve implicar automaticamente, em oposição, que se deva tomar a tradição Marx/Durkheim por irretocável ou mesmo sacrossanta; esta tem suas próprias fraquezas e unilateralidades, das quais logo se falará. Mas, antes, deve-se registrar os pontos em que a posição assentada sobre a divisão do trabalho é sem dúvida mais convincente do que a posição a ela contraposta:

  1. Como a grande vantagem da segunda compreensão frente à primeira pode certamente ser mencionada a sugestão de localizar a fonte da integração em uma práxis ou forma de atividade que não está livremente à disposição dos membros individuais da sociedade: dado que cada indivíduo adulto, ao menos os homens, em modernas “sociedades do trabalho” é compelido a cuidar de sua subsistência e da de sua família por meio de seu próprio trabalho, o fato do encadeamento de todas essas atividades através da divisão do trabalho deve dar garantia de que todos se saibam dependentes uns dos outros e, a partir disso, desenvolvam um sentimento de pertencimento mútuo. Independentemente de Marx ter sempre se portado criticamente com relação às condições da divisão do trabalho em sociedades capitalistas, ele sempre concordou com a premissa central dessa compreensão: apenas através da participação na cooperação societária, ou seja, através da experiência de estarmos ativos em reciprocidades uns para com os outros,5 podemos ganhar um entendimento de nós mesmos como membros de uma comunidade social.

  2. Contudo, já antes de Marx e Durkheim, foi Hegel quem conferiu a esta tese da divisão do trabalho como fonte da integração social uma característica adicional que até hoje marca nossa autocompreensão moderna: a saber, remonta ao autor da Filosofia do direito a compreensão de que a contribuição ativa na divisão do trabalho social possibilita a cada cidadão a possibilidade de desenvolver um sentimento do reconhecimento público e, com isso, do valor próprio (Hegel, 1970; também Schmidt am Busch, 2011, esp. cap. III). Claro, a concepção de que precisamos de reputação social e respeito para poder adentrar sem medo e sem pudor a esfera pública remonta a tradições filosóficas bem diferentes: ela se deve, em não menor importância, à filosofia moral escocesa, na qual a estima social de parte das concidadãs e dos concidadãos foi reconhecida como pressuposto da própria autoestima (sobre isso, Honneth, 2018, cap. III). Hegel retoma essa intuição, mas agora conecta aquela estima social ao pressuposto da contribuição compulsória à divisão do trabalho social: apenas quem estiver disposto – assim sua concepção influenciada por Adam Smith – a realizar “virtuosamente” a tarefa que lhe foi atribuída por meio da divisão do trabalho poderá desfrutar do reconhecimento social e, com isso, de uma consciência do valor próprio. Desde então está profundamente ancorada em nossa cultura a ideia de que contar como alguém em público está conectado à condição de contribuir, por meio do próprio trabalho, com a melhoria do bem-estar da sociedade como um todo.

  3. Um terceiro argumento a favor da tradição Marx/Durkheim pode ser mais bem apreendido como contraponto à tese de Hegel recém esboçada. É bem verdade que Hegel já em suas considerações sobre a “ralé” havia levantado a suspeita de que a dispensa involuntária de qualquer trabalho regulamentado poderia trazer consigo o risco psíquico de ser tido como “supérfluo” e, com isso, de cair no abandono social – hoje, talvez, falaríamos do risco de uma “morte social” (Paterson, 1983). Mas só uma sequência de investigações sociológicas posteriores fez dessas especulações e suspeitas uma tese empiricamente plausível. O conhecido estudo sobre “Marienthal”, de Marie Jahoda e seus colaboradores, assumiu nesse contexto sabidamente um papel pioneiro, pois com ele se conseguiu pela primeira vez demonstrar as catastróficas consequências psicológicas do desemprego de longo prazo: os afetados pela situação sofriam não apenas pela crescente deterioração de seu sentido do tempo e pela progressiva perda de solidariedade comunal própria às suas atividades laborais; sua mais devastadora experiência era, antes, parecer “supérfluo” e inútil para a comunidade social (Jahoda et al., 1975). Não é difícil tomar o achado desse e de outros estudos similares como evidência empírica para a tese de Hegel de que nós tomamos consciência de nosso valor próprio primariamente através uma contribuição socialmente “reconhecida” para a divisão do trabalho social.

Se tomarmos todos os três pontos em conjunto, a mim parece justificada a conclusão de assumir a posição delineada por Marx e Durkheim como a melhor solução da questão sobre o que pode ser considerado como a possível fonte de integração em sociedades modernas: é a participação, não na formação democrática da vontade, mas na divisão do trabalho social, que contém o maior potencial de fomentar um sentimento de pertencimento conjunto entre os membros da sociedade e, assim, contribuir para a integração de indivíduos que, do contrário, encarariam uns aos outros de modo indiferente. No entanto, antes que eu possa começar a falar das ausências e fraquezas também desta concepção representada por Marx e Durkheim, ainda se faz necessário um passo intermediário. Já nesse ponto devo ao menos indicar por que a qualidade e a intensidade da participação democrática deve depender da situação em que se encontra a divisão do trabalho social. Até o momento, de fato, vimos que parece razoavelmente plausível esperar da inclusão nessa divisão do trabalho a integração social dos membros da sociedade; mas ainda é totalmente incerto por que, com isso, também deveriam estar conectados efeitos positivos do ponto de vista da vontade e da capacidade de participar em processos democráticos de formação deliberativa da vontade. Umas poucas palavras devem bastar aqui para tornar essa conexão visível em linhas gerais.

Provavelmente faça todo sentido ilustrar inicialmente a mencionada conexão com auxílio de uma intuição largamente difundida. Dificilmente alguém contestaria que, nas circunstâncias atuais, nada seja mais influente sobre a vontade e a capacidade de participação democrática do que as condições nas quais se está ativo profissionalmente: quanto mais escassas as chances de codeterminação do próprio trabalho, quanto menor a renda obtida do trabalho e quanto mais baixa a reputação social da atividade exercida, tanto mais frágil, provavelmente, será a confiança na própria eficácia política, na própria “political efficacy”. Aquilo que o senso comum já permite intuir, entrementes, está confirmado por meio de uma variedade de estudos de ciências sociais: a medida da crença de que se possa pessoalmente mudar algo ou influenciar nas condições políticas depende amplamente de onde a pessoa se encontra posicionada na divisão do trabalho social.6 De acordo com tudo o que sabemos, é menos o valor do salário e são mais as condições sociais do próprio lugar de trabalho – segurança na ocupação, grau de complexidade e de sentido da atividade, amplitude das possibilidades de codeterminação – que decidem sobre a confiança que a pessoa atribui ao peso da própria palavra na formação democrática da vontade. Naturalmente, a força dessa confiança não é apenas e automaticamente dependente da posição profissional na divisão do trabalho social; também o clima político-cultural de uma sociedade influencia consideravelmente a quantidade de efetividade que o indivíduo atribui a si mesmo. Em seu relato autobiográfico Rückkehr nach Reims (Retorno a Reims), Didier Eribon descreve de modo muito impressionante que, nos anos 1950 e 60, mesmo os trabalhadores sem qualificação do interior francês estavam convencidos de sua força e peso políticos, pois eles se sabiam coletivamente representados pelo então ainda poderoso Partido Comunista; essa confiança na própria efetividade começou a decair, assim o mostra Eribon, apenas à medida que o partido gradualmente perdeu influência e, com isso, podia ser cada vez menos considerado o órgão representativo das experiências e interesses proletários (Eribon, 2016). Portanto, sob condições históricas nas quais nenhum movimento operário forte compensa o frágil sentimento de autoestima e a vergonha condicionada à posição do proletariado industrial e de serviços, as acima mencionadas relações causais podem passar a valer sem restrições: quanto menor o direito à participação no espaço de trabalho, quanto mais simples as exigências e tarefas da atividade que a pessoa realiza profissionalmente – assim sumariza Carole Pateman (1970, cap. III) sua revisão do material empírico – tanto mais frágil é a confiança na própria efetividade política.

Inicialmente tomo essas sugestões como evidência suficiente para a tese de que a intensidade e qualidade da participação democrática depende em grande medida de quão inclusiva, transparente e justa a divisão do trabalho social está organizada: quanto mais os membros da sociedade dispõem de chances de perseguir tarefas complexas em postos de trabalho bem assegurados e cuja formatação, organização e objetivos eles possam codeterminar, tanto maior será o grau de participação política em processos democráticos. As consequências dessa tese para a filosofia política são mais amplas do que possa parecer à primeira vista: concedendo-se que democracias dependem de uma organização boa e justa do trabalho societário, então a atual dissociação da teoria da democracia das questões da sociologia do trabalho ou mesmo socioeconômicas não se justifica mais: a organização do trabalho societário não representa uma condição externa ou limitada da práxis democrática, mas é um componente interno de seu próprio funcionamento. Autores como o pragmatista norte-americano John Dewey ou o socialista britânico G. D. H. Cole repetidamente indicaram o quão contraditório é para uma teoria da democracia observar o cidadão tão somente em seu papel político, mas não no econômico; dado que este, ao desempenhar seu papel de sujeito político, não pode simplesmente apagar seu papel no processo econômico da divisão do trabalho, ele também deve ser visto dentro da teoria sempre na tensa cooperação entre ambas as funções. Antes que eu possa continuar a perseguir as consequências que daí resultam para a questão de uma divisão do trabalho justa, devo inicialmente entrar nas já muitas vezes mencionadas deficiências da tradição de Marx e Durkheim; somente quando estas forem claramente nomeadas será possível encarar a questão de quais aspectos normativos devem ser considerados em uma organização da divisão do trabalho social que tem o objetivo de inserir mais cidadãs e cidadãos na formação democrática da vontade.

2

Se observarmos o conceito de divisão do trabalho social conforme introduzido por Adam Smith e desenvolvido posteriormente em diferentes direções por Marx e Durkheim, imediatamente salta aos olhos uma sequência de deficiências e unilateralidades. Todas as três perspectivas sofrem, em medidas diversas, de que, em primeiro lugar, possuem uma concepção excessivamente estreita daquilo que deve valer como “trabalho” socialmente necessário (1), de que, em segundo lugar, assumem de maneira determinista que cada forma dominante da divisão do trabalho seria determinada somente por exigências tecnológicas (2) e, finalmente, de que perpetuam a falácia mecanicista de excluir a possibilidade de uma composição alternativa de campos específicos de atividade e de outras delimitações entre as profissões (3). Os três autores não perpetuam estes erros, como dito, na mesma extensão. Assim, por exemplo, Marx estava bastante convencido de que no futuro as fronteiras entre os campos de atividades individuais poderiam ser traçadas de modo muito mais poroso; mas ele pensava de modo tão reducionista quanto Smith ou Durkheim quando se tratava da questão sobre quais atividades deveriam ser valorizadas como “trabalho” dentro da sociedade capitalista. No que se segue, relativizando tais diferenças, quero comentar cada uma das três deficiências mencionadas para fundamentar por que razão não é mais aconselhável operar com o conceito tradicional de divisão do trabalho social.

1) Quanto à questão, como definir o “trabalho” que necessita ser dividido em sociedades modernas, todos os três autores parecem ter uma concepção semelhante: no primeiro plano de seus modelos se encontra o trabalho industrial assalariado, fisicamente exigente, com cujo auxílio, em pequenas ou grandes oficinas, a matéria-prima é transformada em bens acabados por meio de força mecânica. Smith, Marx e Durkheim eram, para dizer de outro modo, prisioneiros de um vocabulário no qual “trabalho” é equiparado a esforço físico, deve servir à fabricação de bens “materiais” e está organizado sob a forma de contratos mutuamente rescindíveis (Zuboff, 1988, p. 395). Essa concepção foi, desde o começo, demasiadamente unilateral e cobrou um preço alto, pois, da massa de atividades laborais então socialmente requeridas, tendencialmente tiveram de ser deixadas à margem as seguintes:

  1. a prestação de serviços em todas as suas formas, da corveia, passando pela servidão por contrato e a escravidão por dívida até o contrato de trabalho juridicamente regrado, que, tomados em conjunto nos estertores do século 19 e no começo do século 20 compunham a maior parcela das ocupações nos países “industrializados” da Europa ocidental (Osterhammel, 2016, cap. XIII);

  2. todas as atividades rurais nas diferentes formas de organização em que elas então existiam e, em parte, ainda hoje existem;

  3. os resquícios do inescrupulosamente exploratório trabalho escravizado que, em amplas partes da América do Norte e da Europa ocidental, criou, de fato, as condições econômicas e materiais para a industrialização capitalista (van der Linden, 2017, cap. 1);7

  4. o rapidamente crescente número de atividades administrativas, no setor de finanças, no sistema judiciário e na cena política, que se tornaram necessárias por conta do rápido crescimento do comércio e da indústria;8

  5. e, naturalmente, todas as atividades físicas e psicológicas, no espaço doméstico e na família, que em sua esmagadora maioria eram desempenhadas por mulheres e, de modo indireto, contribuíam fortemente para o crescimento econômico (Komlosy, 2018, cap. 5).

Quando se toma em consideração essas muitas exclusões, então, evidentemente, coloca-se a questão geral sobre quais atividades, afinal de contas, devem ser denominadas como “trabalho” em um sentido economicamente relevante dentro de uma sociedade; tem pouco sentido incluir ali todo tipo de realização que persegue um objetivo socialmente útil, já que, nesse caso, também atividades meramente privadas, desempenhadas como fins em si mesmas, deveriam ser incluídas – a diferença entre a participação voluntária em um coral ou o artesanato privado na própria casa e a contratação profissional em um coral de ópera ou a atividade assalariada em uma oficina de artesanato se perderiam em uma delimitação tão ampla do conceito de trabalho.9 Uma saída dessa dificuldade oferece, de modo preliminar, a sugestão de valorizar como “trabalho” apenas aquelas realizações que, em um dado momento, são necessárias para a reprodução material e cultural de uma sociedade e, por isso, contribuem em um sentido mais amplo para sua realização de valor – todas as realizações e atividades que não possibilitam direta ou indiretamente a reprodução da sociedade em sua condição atual não deveriam ser designadas com o conceito de trabalho.10 A deficiência de uma tal definição naturalmente é óbvia: com ela fica estabelecido até segunda ordem o que vale como necessário para a preservação social da sociedade presente, de modo que ficam excluídas mudanças de curto prazo na autocompreensão cultural. Disso, contudo, só se deve tirar a consequência de manter o conceito de “trabalho socialmente necessário” suficientemente aberto a revisões que possam decorrer de mudanças em nossas concepções sobre o que vemos como indispensável para nossa forma de vida societária conjunta.

2) A segunda deficiência que o conceito tradicional tem consiste na visão monocausal a respeito das razões para a divisão do trabalho social dada a cada momento; todos os autores mencionados assumem, como que de maneira autoevidente, que a alocação entre as realizações individuais e sua conexão com o respectivo maquinário são unilateralmente determinadas por pressões tecnológicas de crescimento da eficiência econômica. Assim, de Adam Smith tanto quanto de Marx pode-se dizer que conceberam a passagem da economia de pequenas propriedades do mundo agrário para o mundo industrial do capitalismo como um progresso da autossuficiência para a especialização econômica; que não foi assim, que essa passagem foi muito mais complexa e socialmente disputada, é a tese central do estudo que Michael Piore e Charles Sabel apresentaram sobre a história da divisão do trabalho no início da revolução industrial (Piore; Sabel, 1994; Sabel, 1982, p. 23). De acordo com suas pesquisas, existiam no começo do século 19 duas alternativas praticáveis a respeito de como poderiam ser conectadas de maneira promissora as habilidades humanas e as máquinas, a saber, a da produção de bens massificados apoiada em destrezas altamente especializadas e máquinas, e também a da produção artesanal de artigos especiais com o auxílio de recursos aptos à generalização. O fato que, de forma imediata e unilateral, somente a primeira alternativa se realizou, aquela da produção em massa, não decorre, na visão de Piore e Sabel, de exigências tecnológicas, mas exclusivamente da distribuição então vigente de “poder e riqueza”: “aqueles que dispunham do controle sobre os recursos e os retornos de investimento selecionaram dentre as tecnologias existentes aquelas que mais provavelmente pareciam servir a seus interesses” (Piore; Sabel, 1994, p. 38). Portanto, não se deve ver como inevitável o caminho para o fordismo, a forma dominante de produção capitalista no século 20, como se nele se espelhasse uma lei de ferro do progresso tecnológico; antes, foi a supressão da pequena indústria artesanal já na metade do século 19, apoiada em relações de poder e impulsionada pelo interesse no lucro, que algumas décadas depois levou a que a linha de montagem padronizada pudesse se tornar o modelo de produção dominante. Se generalizarmos esse achado histórico, então é possível afirmar que o respectivo padrão dominante da divisão do trabalho social não é a consequência necessária de pressões pela eficiência econômica; dado que, em quase todos os momentos históricos, existem diferentes possibilidades igualmente eficientes de combinar habilidades instrumentais e equipamentos mecânicos, a escolha de qual estilo de combinação é favorecido é principalmente o resultado do desfecho de conflitos político-econômicos. A forma como o trabalho socialmente necessário será distribuído e moldado é, pois, codeterminada por lutas sociais e conflitos políticos; como as capacidades humanas, as regras técnicas e o aparato mecânico serão combinados é negociado socialmente ou definido por meio de conflitos, não simplesmente determinado por pressões anônimas. Isso me traz ao terceiro ponto fraco da concepção tradicional da divisão do trabalho social, a saber, a imagem excessivamente mecanicista de campos profissionais e de atividades que ali é pressuposta.

3) Com a crítica a uma imagem excessivamente mecanicista das profissões individuais se quer apontar que é notória a desconsideração de quão variadas são as possibilidades de determinar as fronteiras entre tarefas chave individuais nos setores da indústria e dos serviços; a depender do desfecho de negociações e conflitos políticos, campos de atividade particulares podem ser dotados de mais ou menos responsabilidades e atribuições. Um bom exemplo para essa imprecisão na moldagem das profissões e trabalhos é o hospital: lá é sempre objeto de tensas negociações ou de decisões políticas onde exatamente as atividades e responsabilidades de uma profissão, como a da enfermeira, acabam e onde começam aquelas da outra profissão, por exemplo, da médica; as demarcações entre os dois campos de atividade não são definidas por meio de alguma necessidade inerente e, por isso, são sempre abertas a revisão, de modo que, em última instância, deve ser definido socialmente onde elas devem ocorrer. Assim como no caso do hospital, ocorre em quase todos os campos profissionais: quase sempre existem possibilidades de readequar a amplitude de uma determinada esfera de tarefas, assumir certas responsabilidades e abandonar outras e até mesmo criar áreas e pacotes de atividades completamente novos. Enquanto a objeção do determinismo se referia à concepção errônea de que a ênfase societária e distribuição de diferentes modos de trabalho e de produção a cada momento seriam impostos por imperativos da racionalização econômica, a objeção do mecanicismo se opõe à concepção falaciosa de que campos de atividade individual seriam moldados para sempre como são atualmente, pois a respectiva atividade assim o exigiria.

Passando em revista mais uma vez essas diferentes unilateralidades e deficiências, então parecerá pouco aconselhável analisar a questão de uma forma de divisão do trabalho social justa e fomentadora da democracia no quadro dos conceitos desenvolvidos para ela no passado; como foi demonstrado, estes sofrem em conjunto de uma representação excessivamente estreita daquilo que deve valer como trabalho social, sofrem de uma concepção excessivamente determinista sobre o motivo de certos modos de produção e formas de trabalho imperarem socialmente em cada momento e de uma visão excessivamente mecanicista da constituição de campos de atividades e de profissões. Caso se tente remover esses erros, chega-se a uma imagem essencialmente mais ampla e mais aberta a respeito daquilo que compõe a divisão do trabalho social: nela não devem apenas ser incluídas esferas de atividades até o momento amplamente excluídas, como o trabalho doméstico e várias prestações de serviços; antes, todas essas realizações necessárias oferecem também muito mais espaço para reformulação, reorganização e conexão do que tradicionalmente se supôs. Mesmo que essas novas regulações exijam medidas que possam ser lentas e custosas, essas circunstâncias não deveriam levar ninguém a se negar a pensar sobre formas de divisão do trabalho social benéficas à democracia; eventualmente “a perfuração lenta de tábuas duras” (Max Weber) se faz necessária para direcionar a atenção da política quase que imperceptivelmente, mas com tenacidade, àquelas tarefas realmente urgentes. Por outro lado, o raio de ação mais amplo que se ganha com o entendimento acima delineado não deve constituir nenhum passe livre para que agora se empreenda especulações malucas a respeito de um mundo do trabalho ideal, livre de alienação, desgastes e durezas; tais projeções feitas na prancheta levam muito pouco em consideração que em tudo isso devem se tratar de transformações que, com base naquilo que é historicamente dado, redistribuam e rearranjem o trabalho e as atividades socialmente necessárias de tal modo que cada pessoas adulta receba uma maior chance de envolvimento na formação democrática da vontade. No que se segue, quero tentar esboçar alguns pontos de vista normativos que poderiam servir como linhas mestras para uma tal reorganização da divisão do trabalho social; a pretensão não é, para repetir, apresentar ideais morais, mas exigências praticáveis cuja realização no curto ou no longo prazo ajudariam a adequar o mundo do trabalho às necessidades da igualdade democrática.

3

Na tradição do pensamento marxista, na qual todos nós voluntária ou involuntariamente vivemos, há uma forte tendência de pensar sobre futuras transformações no mundo do trabalho com categorias relativamente utópicas, desconectadas do presente por meio de um abismo temporal; assim, é frequente o discurso a respeito de um futuro possível, no qual o trabalho poderia ter perdido qualquer aspecto de “alienação”, no qual ele seria vivenciado como dotado de sentido, até mesmo em que todas as pessoas ocupadas estariam em condições de se mover entre diferentes campos de atividades de acordo com suas habilidades e disposições. Sob um olhar mais sóbrio, nenhuma dessas atraentes ideias influenciadas pela mentalidade romântica está apta a nos informar no presente qual direção deveria tomar uma melhora do sistema capitalista de divisão do trabalho social existente: a concepção de uma superação de toda alienação no trabalho é ou muito vaga devido às suas muitas premissas metafísicas11 ou excepcionalmente seletiva porque ela permanece colada à imagem da produção autodirigida de um produto artesanal;12 a excitante ideia de uma troca rítmica entre ocupações contrastantes – “caçar pela manhã, pescar à tarde, à noite dedicar-me à criação de gado” (Marx; Engels, 1969, p. 33) – subestima não apenas desmesuradamente o investimento de tempo nas especializações necessárias e na aquisição de conhecimento profissional, mas também desconsidera completamente a necessidade provavelmente permanente de trabalho “sujo”, cansativo e degradante. Pessoas não se tornam necessariamente mais capazes ou ganham informações úteis quando se pergunta à tradição marxista a respeito de quais transformações são requeridas para fornecer aos profissionais dependentes mais autoconsciência, maior autonomia e, assim, confiança na própria eficácia política.

Uma alternativa à herança do marxismo é representada pela teoria na qual Émile Durkheim expôs as condições normativas de uma divisão justa do trabalho social (Durkheim, 1988); também seu modelo contém uma série de traços idealizadores e ocasionalmente se deixa levar por puro pensamento positivo (Lukes, 1973, cap. 7), mas, no todo, ele presta essencialmente mais atenção do que Marx às durezas e limitações efetivas do mundo do trabalho. Segundo minha convicção, um caminho pertinente hoje para se conectar mais uma vez à teoria de Durkheim consiste em extrair de seu diagnóstico das formas “anormais” ou patológicas da divisão do trabalho alguns critérios positivos que, então, podem servir como um primeiro critério de orientação; a vantagem de um tal procedimento indireto é que se pode renunciar à exposição da elaborada fundamentação do esquema completo da teoria e, ao invés disso, puxar para o centro o núcleo normativo da preocupação de Durkheim. Se se deduz da análise na qual Durkheim busca investigar as formas negativas, “anômicas”, da divisão do trabalho (Durkheim, 1988, livro III) os critérios positivos que ele precisa pressupor ali, então se chega aos seguintes três requisitos a uma organização da divisão do trabalho justa e benéfica para a democracia:

a) Seria, em primeiro lugar, aconselhável e desejável, disso Durkheim está convencido, formatar as execuções individuais de trabalho de tal forma relevante e cooperativa que cada empregado, em qualquer posição, possua a chance de entender melhor seu próprio papel no feixe de atividades conectadas geralmente de modo opaco; se for possível tendencialmente formatar os diferentes postos de trabalho de maneira que cada pessoa, desde sua própria posição, possa facilmente observar como suas próprias realizações estão interligadas com as de outros, então se fortaleceria o sentido do valor social daquilo que a pessoa faz cotidianamente. Durkheim espera de tais medidas não apenas um aumento da consciência coletiva da dependência recíproca, mas adicionalmente um acréscimo do sentimento de valor próprio de cada trabalhador – experimentar que a própria atividade constitui um elo quase insubstituível em uma engrenagem organizada pela divisão do trabalho em condições normais deveria aumentar o orgulho sobre a realização do próprio desempenho (Blauner, 1964; 1974). Certamente, para os diferentes campos de atividade é desigualmente difícil divisar tais possibilidades da formação de consciência das dependências da divisão do trabalho; quanto mais fortemente as posições de trabalho são hoje individualizadas, anonimizadas e despidas de poder, e dotadas de escassa remuneração no setor mais baixo da prestação de serviços, como nos serviços postais, de entrega de encomendas ou ainda na limpeza de edifícios, tanto mais difícil deverá ser encontrar ali quaisquer perspectivas para um fortalecimento do sentido do próprio papel no contexto da divisão do trabalho social (Staab, 2014, cap. V). Todavia, daí só é possível tirar a consequência de se opor com todas as forças disponíveis à extensão de tais formas de ocupação; não se deveria engajar na luta contra isso somente pelos motivos da remuneração insuficiente, do status precário e da enorme carga de trabalho, mas também porque as pessoas ali empregadas quase não possuem a chance de fazer uso de seu direito assegurado à codeterminação do processo democrático. No que diz respeito a todas as áreas de atividade nas quais o contrato de trabalho e o modo de ocupação mesmos não zombam já da aspiração por participação democrática, é necessário acionar imaginação institucional para ressaltar o papel indispensável das diferentes realizações para a divisão do trabalho social na consciência coletiva; o arsenal de possíveis repertórios aqui vai desde a demonstração simbólica de dependências recíprocas, passando pela ampliação do trabalho em grupo, até a valorização financeira e cultural de campos de atividade cujo significado essencial para a reprodução social até o momento quase não era visível – com relação a essas soluções, muito pode ser aprendido dos entrementes esquecidos projetos de reforma civilizadora do mundo do trabalho tanto nos países capitalistas quanto também nos antigos países comunistas.13

b) Uma segunda preocupação que Durkheim expressa em seu diagnóstico das formas “anormais” da divisão do trabalho diz respeito ao crescente estreitamento e à pauperização intelectual de cada vez mais atividades profissionais devido ao aumento da especialização. Como já, antes dele, Adam Smith – e depois Harry Braverman (1974) –, Durkheim teme que a monotonia das tarefas laborais e a indigência das habilidades exigidas possam levar no longo prazo a uma perda da sagacidade intelectual, dos conhecimentos gerais e, com isso, do engajamento político por parte dos trabalhadores da indústria e pessoal do setor de serviços; quem tem de realizar sempre o mesmo pequeno e já longamente rotinizado movimento ao longo de semanas, meses e anos se encontra, para Durkheim, sob o risco de perder o aparato intelectual requerido para a participação no processo democrático. A sugestão que ele apresenta para se contrapor a essa tendência equivale a ampliar o feixe funcional de atividades individuais por meio de novas composições de profissões e delimitações modificadas entre elas; sem possuir ainda um conhecimento claro sobre o quanto a classificação e a separação dos campos de atividades societárias é um tema da negociação política e de conflitos, o sociólogo francês sugere um enriquecimento das tarefas laborais que já sofrem de modo particularmente forte devido à tendência da unilateralização. Também aqui se coloca, de novo, naturalmente, a questão sobre como hoje podem ser organizadas realizações que, como consequência das mais recentes desregulamentações do mercado de trabalho, foram afetadas de modo excepcionalmente forte pelo estreitamento de tarefas e pelo isolamento das execuções – como exemplos, servem novamente as atividades de entrega de encomendas, serviços telefônicos e limpeza de edifícios. Do mesmo modo, seria possível perguntar como ordenar a exigência de um enriquecimento funcional do trabalho doméstico, que Durkheim evidentemente ainda não tinha incluído na rede da divisão do trabalho social, pois também ali as tarefas necessárias são tradicionalmente desempenhadas em grande isolamento e exigem, na maior parte das vezes, poucos movimentos rapidamente aprendidos, de modo que o perigo do embotamento e, com ele, da desconexão do processo democrático sempre se constituem em ameaça. Claro que, para os dois campos de ocupação, para aquele do baixo setor de serviços e para o trabalho doméstico, há uma série de alternativas organizatórias que, no entanto, somente seriam implementáveis sob as condições de um regime de trabalho significativamente alterado; por exemplo, para o trabalho doméstico, seria possível pensar que, a exemplo dos kibutzim, ele poderia ser executado por diferentes membros de uma comunidade de moradia em sistema de rodízio, enquanto para as prestações de serviços simples e também não superáveis no longo prazo, seria imaginável que fossem realizadas por grupos autogeridos como trabalho coletivo. Às imaginações organizatórias, deste ponto de vista, hoje só são estabelecidos limites porque o modelo de toda relação ocupacional permanece o contrato de trabalho entre sujeitos privados. Com isso, chego à última sugestão que Durkheim esboça a favor de uma organização da divisão do trabalho justa e benéfica para a democracia.

c) A maior preocupação que Durkheim expressa em seu diagnóstico de formas “anormais” da divisão do trabalho aparece como o perigo de que o contrato de trabalho estabelecido entre contratantes e contratados possa ser influenciado pela força e pela coerção; assim como Marx, ele acredita que os empregados dependentes frequentemente só dispõem de sua força de trabalho e, assim, repetidamente devido à pura pressão existencial, precisam aceitar condições contratuais que, sob condições de efetiva liberdade de escolha, eles jamais poderiam endossar. Ao contrário de Marx, no entanto, Durkheim assume que esse mal pode ser combatido com medidas político-jurídicas que permanecem compatíveis com os pressupostos econômicos de uma economia de mercado; como alavanca decisiva para romper com a superioridade de poder de negociação dos proprietários de capital, ele considera a política de impostos, mas ocasionalmente também não se esquiva de sugerir a proibição de qualquer direito à herança (Durkheim, 1988, Livro III, cap. 2). Nenhuma dessas contramedidas perdeu relevância política nos mais de cento e vinte anos que se passaram desde a publicação de De la division du travail social; em vista dos mais recentes afrouxamentos dos limites do mercado de trabalho, elas hoje não são menos dignas de consideração do que no tempo de Durkheim. Permanece incômodo, obviamente, nas sugestões que ele apresenta, o fato de que elas são desenhadas exclusivamente para criar condições justas para o estabelecimento de contratos entre trabalhadores dependentes e capitalistas; em nenhum lugar é sequer mencionada a questão de se a alocação do trabalho social talvez pudesse ser realizada por outra via que não seja a do contrato privado de trabalho.14 Essa eliminação de alternativas econômicas ao mercado de trabalho não é historicamente questionável apenas porque, com ela, é sugerido que para o período tardio do século 19 não haveria nenhuma outra forma de organização do trabalho social para além do estabelecimento de contrato individual; quanto a isso, aliás, já foi indicado que, no capitalismo de então, existiam lado a lado mecanismos de alocação tão diversos quanto a servidão por dívida, a escravidão disfarçada, o artesanato autônomo, o trabalho doméstico privado e, finalmente, o contrato de trabalho “livre” (van den Linden, 2017, cap. 1; Komlosy, 2018, cap. 5). O que, porém, pesa de modo ainda mais substancial é que, com sua unilateralidade, Durkheim deixa de lado a possibilidade de pensar sobre formas de divisão do trabalho justas e benéficas para a democracia para além de melhorias nas condições contratuais para trabalhadores assalariados; ele parece excluir completamente que também outras formas de organização do trabalho social poderiam servir ao objetivo de um fortalecimento da solidariedade democrática.

Assim, por exemplo, procura-se em vão na análise de Durkheim por menções à possibilidade de permitir que o trabalho social seja conduzido em organizações autogeridas por trabalhadores ou através de imposições públicas atribuídas a uma faixa etária ou a todos os membros adultos de uma sociedade. Para ambas as alternativas ao mercado de trabalho existem modelos, no passado e no presente, que poderiam alimentar a expectativa de que com eles crescesse tanto a disposição quanto a capacidade de participação democrática. Muitos relatos e investigações mostram que, com a inclusão dos trabalhadores nos processos de decisão organizacional, seja em firmas industriais, em empresas de prestação de serviços ou instituições estatais, não apenas aumentam a satisfação no trabalho e a autoconfiança, mas também cresce o interesse nos procedimentos políticos da sociedade como um todo – as pessoas simplesmente acreditam que necessitam se informar melhor sobre eventos em geral quando sua própria voz conta nas decisões organizatórias. Isso vale de maneira ainda mais explícita para o trabalho em organizações autogeridas, sejam elas propriedade estatal ou cooperativa; uma revisão da literatura sobre tais empreendimentos mostra muito rápido que satisfação no trabalho, autoconsciência política e engajamento democrático aumentam fortemente tão logo a pessoa seja responsável, em rede com todas as coenvolvidas, pelo destino do próprio empreendimento.15

Tudo se passa de modo completamente diferente, claro, na alocação de trabalho por meio de imposições públicas, como se sabe sobretudo pelo serviço militar. Se não se pensa nele, mas talvez no cada vez mais importante cuidado com os idosos ou na guarda das crianças, então seus efeitos como impulsionador da democracia se mostram menos na capacitação para a participação política do que na transmissão de saberes sobre situações sociais e contextos funcionais societários. É certamente um passo radical, facilmente censurado como antiliberal, obrigar uma faixa etária inteira ou mesmo toda a população adulta a um serviço que pode beneficiar o bem comum; essas medidas obrigatórias certamente não se justificam com a referência à economia de custos ou aos défices no orçamento. Uma justificativa democrática razoável poderia, porém, consistir em indicar a necessidade fortemente crescente de familiarizar a população com os desafios cotidianos da vida conjunta e das condições de vida de diferentes classes, em vista do aumento da diversidade; adicionalmente poderia ser usado como argumento moral que certos trabalhos inevitáveis poderiam ser desempenhados durante um determinado período de tempo e repassados para toda a população em rodízio, para não serem impostos permanentemente a um mesmo, geralmente desfavorecido grupo (cf., para tais argumentos, Walzer, 1992, cap. 6). O primeiro argumento apela a uma virtude da participação democrática, enquanto o segundo indica um mandamento da justiça social.

Ambas as alternativas ao modo de organização capitalista do trabalho socialmente necessário não foram introduzidas aqui para sugeri-las como panaceia para uma forma justa e benéfica à democracia; nem a autogestão organizacional nem a imposição pública de serviço obrigatório são, cada uma por si ou combinadas, adequadas para recrutar todo trabalho que é necessário para a reprodução societária em sua forma corrente. Por outro lado, deve-se evitar o erro de Durkheim, de simplesmente perder de vista que também nas sociedades modernas altamente diferenciadas podem existir outros meios de alocação do trabalho societário além do sistema de incentivos econômicos do mercado. A imposição de serviço público obrigatório por um tempo muito limitado, a autogestão coletiva de empreendimentos de propriedade privada ou pública, a produção cooperativa: todas essas formas de organização do trabalho representam alternativas dignas de nota ao tradicional contrato de trabalho assalariado, as quais nas últimas décadas caíram injustamente no esquecimento (Wright, 2010). Daí que hoje se faz necessária uma renovada lembrança desses projetos de reforma – derrotados ou falidos – do passado para que, com a mistura adequada de imaginário institucional, realismo econômico-político e discernimento sociológico, se possa imaginar novas e mais justas formas de divisão do trabalho social. A linha mestra de todas essas explorações, reflexões e tentativas experimentais deve ser reorganizar a distribuição do trabalho socialmente necessário de maneira que, se possível, todos os membros da sociedade possam desenvolver a capacidade e a disposição ao envolvimento no processo democrático – pois isso hoje parece certo: enquanto não mudarmos nada na forma existente da divisão do trabalho social, enquanto aceitarmos o pagamento inadequado, a impotência e a sobrecarga em muitas esferas de atividades, e enquanto não propusermos alternativas ao empobrecimento intelectual de numerosos campos de trabalho, continuaremos a negar a uma grande parte da população o uso concreto do direito à participação democrática.

  • 1
    Traduzido de “Demokratie und soziale Arbeitsteilung. Noch ein vernachlässigtes Kapitel der politischen Philosophie”, publicado originalmente em HONNETH, Axel. Die Armut unserer Freiheit. Aufsätze 2012-2019. Berlim: Suhrkamp, 2020. p. 208-233. © All rights reserved by and controlled through Suhrkamp Verlag Berlin. Tradução de Thiago Aguiar Simim e Gustavo Cunha, revisão de Emil Sobottka. Os tradutores e o revisor agradecem a autorização do autor e da editora para a tradução ao português.
  • 2
    Para a significância dos escritos de G. D. H. Cole, que era membro da Sociedade Fabiana, para o projeto de uma democratização do trabalho social, conferir Carole Pateman (1970, p. 35-42).
  • 3
    Uma visão inicial, embora muito otimista, oferece Shoshana Zuboff (1988).
  • 4
    Que a doutrina de Constant, apesar disso, não deve ser entendida no sentido da defesa de uma concepção puramente “negativa” da liberdade individual foi, entre outros, trabalhado de muito bela maneira por Stephen Holmes (1984).
  • 5
    Para o significado chave dessa suposição para Marx, conf. Brudney (1997).
  • 6
    Limito-me à indicação de uma monografia antiga e uma recente, nas quais muitas indicações a fontes bibliográficas de pesquisa serão encontradas: Pateman (1970, cap. III) e Veltman (2016, cap. 3).
  • 7
    Sven Beckert (2014) oferece uma grandiosa história dessas origens do capitalismo na escravização em Empire of cotton: a global history.
  • 8
    Presciente com relação a isso foi Sigfried Krakauer (2006, p. 211-310) em Die Angestellte: Aus dem neustem Deutschland, de 1930. A exposição clássica é oferecida por Daniel Bell (1975).
  • 9
    Sobre as dificuldades de definir o que deve contar como trabalho, conf. entre outros, Budd (2011) e Veltman (2016, p. 22-26).
  • 10
    Marx, que estava diante de dificuldade similar em sua tentativa de solucionar este problema, apoiou-se no conceito de “valor de uso”; porém, também este leva a dificuldades, pois com isso todas as atividades que preenchem alguma utilidade ou satisfazem alguma necessidade devem ser designadas como “trabalho” (Marx, 1971, p. 49-61).
  • 11
    Para as premissas metafísicas, cf. Kymlicka (1997, cap. 5, O marxismo).
  • 12
  • 13
    Cf. as menções correspondentes no fascinante livro de Joshua Freeman, Behemoth: a history of the factory and the making of the modern world (2018). Sobre a Alemanha, cf. Campbell (1989).
  • 14
    Sobre alternativas à alocação das forças de trabalho, informam Johannes Berger e Claus Offe: Die Zukunft des Arbeitsmarktes: Zur Ergänzungsbedürftigkeit eines versagenden Allokationsprinzips (Offe, 1984, p. 87-117).
  • 15
    Cf. os resultados apresentados por Carol Pateman (1970, cap. 4). Também é interessante, neste contexto, o relato de Michael Walzer a respeito dos San Francisco Scavengers (1992, p. 261-264). Uma visão panorâmica sobre achados empíricos está em Bryson (2016).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2023
  • Aceito
    18 Jan 2024
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