Open-access O papel do Sebrae na implementação do Programa do Artesanato Brasileiro no Nordeste

The role of Sebrae in implementing the Brazilian Handicraft Program in the Northeast

Resumo

Este artigo tem como objetivo geral analisar o papel do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) na implementação do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) no Nordeste do Brasil. A análise foca em como o Sebrae contribui para a gestão e execução deste programa, enfatizando as interações entre a instituição e os artesãos, a colaboração entre o Sebrae e o Estado, e o impacto dessas ações na comercialização do artesanato. Utilizando uma metodologia qualitativa de análise de conteúdo categórica, baseada em entrevistas semiestruturadas com gestores do Sebrae, o estudo identifica resultados em três categorias principais: a relação entre o Sebrae e o artesão, a relação entre o Sebrae e o Estado, e a comercialização do artesanato. Os resultados revelam esforços significativos do Sebrae em capacitar artesãos e promover o artesanato, porém emergem questionamentos sobre a profundidade e sustentabilidade dessas iniciativas. A interação do Sebrae com os artesãos, apesar de destacar um esforço de capacitação em empreendedorismo, parece não abordar integralmente as complexidades culturais e sociais que permeiam a atividade artesanal.

Palavras-chave:
artesanato; políticas públicas; implementação de políticas públicas; SEBRAE

Abstract

This article aims to examine the role of the Brazilian Micro and Small Business Support Service (Sebrae) in implementing the Brazilian Handicraft Program (PAB) in the Northeast of Brazil. The analysis focuses on how Sebrae contributes to the management and execution of this program, emphasizing the interactions between the institution and the artisans, the collaboration between Sebrae and the State, and the impact of these actions on the marketing of handicrafts. Using a qualitative methodology of categorical content analysis based on semi-structured interviews with Sebrae managers, the study’s results are identified in three main categories: the relationship between Sebrae and the artisan, the relationship between Sebrae and the State, and the marketing of handicrafts. The findings reveal significant efforts by Sebrae to train artisans and promote handicrafts, yet questions emerge about the depth and sustainability of these initiatives. Sebrae's interaction with the artisans, despite showcasing an effort in entrepreneurship training, appears not to fully address the cultural and social complexities that permeate the handicraft activity.

Keywords:
handcraft; public policy; implementation of public policies; SEBRAE

1. Introdução

A implementação tornou-se um estágio crucial no ciclo de políticas públicas, marcado pela execução de políticas já formuladas, permitindo a observação direta dos primeiros resultados (Secchi; Souza Coelho; Pires, 2020). Entretanto, essa fase enfrenta complexidades significativas, desde a imprevisibilidade do contexto de execução até as discrepâncias e a discricionariedade dos agentes implementadores, complicando sua análise e tornando-a menos frequente na literatura acadêmica (Sousa; Batista; Helal, 2022).

Apesar desses desafios, análises recentes apontam para um interesse crescente nesta etapa, impulsionado pelo seu potencial explicativo. Este interesse se reflete na investigação de aspectos críticos como a burocracia de rua, redes de implementação e a interação entre diversos atores envolvidos no processo (Mota, 2020; Secchi; Souza Coelho; Pires, 2020; Sousa; Batista; Helal, 2022).

Especificamente no contexto das políticas públicas de artesanato, e mais precisamente no Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), essas dinâmicas são evidentes, destacando-se a colaboração com diferentes instituições, conforme estabelecido pela Portaria n° 1007 de 11 de julho de 2018. O Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) emerge como um parceiro fundamental neste processo, contribuindo para a gestão pública no setor desde pelo menos 1995 (Moraes; Seraine; Barbosa, 2020). Sendo uma entidade paraestatal do “Sistema S”, o Sebrae desempenha um papel vital no apoio à implementação de políticas, além de promover o empreendedorismo e a capacitação profissional como estratégias de combate às desigualdades sociais (Niquito; Ely; Ribeiro, 2018).

No Nordeste brasileiro, a atuação do Sebrae como um agente chave na implementação do PAB é amplamente reconhecida na literatura (e.g., Moraes Sobrinho; Helal, 2017; Oliveira; Veiga Neto, 2008).

O presente estudo avança na literatura sobre implementação ao analisar o papel do Sebrae como um ator híbrido que transita entre a esfera estatal e a iniciativa privada na execução do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB). Diferente de estudos que enfatizam apenas a implementação estatal (Lipsky, 2019; Lotta, 2019), este artigo investiga como uma organização paraestatal como o Sebrae atua como mediador entre o Estado e os artesãos, criando um “ajuste institucional” (Selznick, 1949) que molda a efetividade da política pública. A análise demonstra que a implementação por atores híbridos exige novas abordagens teóricas e metodológicas para compreender o impacto das redes e das relações interorganizacionais na execução das políticas.

Este artigo investiga como o Sebrae, enquanto ator híbrido, opera no processo de implementação do PAB, negociando suas estratégias entre a autonomia do setor produtivo e as diretrizes do Estado. Assim, o objetivo é compreender como a implementação de políticas públicas pode ser realizada por uma instituição que não é estritamente estatal, mas que desempenha um papel essencial na intermediação entre artesãos e governo. A metodologia utilizada combina análise qualitativa de entrevistas semiestruturadas com gestores do Sebrae e análise documental, buscando identificar os mecanismos de ajuste institucional que permitem a continuidade e a efetividade do programa.

A importância deste estudo reside na necessidade de compreender as complexidades envolvidas na implementação de políticas públicas, especialmente aquelas direcionadas ao artesanato, uma área frequentemente marginalizada em debates políticos e acadêmicos mais amplos. O papel do Sebrae, como uma entidade chave na promoção do empreendedorismo e desenvolvimento regional, é crucial para o sucesso do Programa do Artesanato Brasileiro, que busca não apenas fomentar a economia local, mas também preservar e valorizar as ricas tradições culturais do Nordeste. Além disso, este artigo contribui para a literatura acadêmica ao explorar a interação entre agências governamentais e paraestatais na implementação de políticas, oferecendo insights sobre a capacidade de resposta e adaptabilidade dessas instituições em contextos desafiadores e dinâmicos. A análise das experiências do Sebrae pode oferecer lições valiosas para a melhoria de políticas públicas similares em outras regiões ou setores.

Este estudo alinha-se com a ênfase dada por Lotta (2019) à importância de analisar a implementação de políticas públicas e suas complexidades, enfatizando a necessidade de compreender as interações e ações dos atores envolvidos. Ao focar na atuação do Sebrae na implementação do PAB, este trabalho contribui para uma compreensão mais profunda dessas dinâmicas, ressaltando sua relevância no campo das políticas públicas.

2. Implementação de políticas públicas

O interesse pelos estudos de implementação de políticas públicas vem se expandindo tanto no Brasil quanto no cenário internacional, conforme aponta Lotta (2019). Esse aumento de interesse é atribuído à percepção de que a implementação é uma fase crucial para a eficácia das ações governamentais. A partir dos anos 1960, o foco dos estudos acadêmicos se voltou para a avaliação de políticas públicas, levando à constatação de uma lacuna entre os objetivos propostos na fase de formulação e os resultados obtidos na implementação.

Lima e D’Ascenzi (2019) caracterizam a implementação como o momento em que ideias são convertidas em ações, apesar das limitações inerentes ao processo. Silva e Melo (2000), por sua vez, aprofundam a discussão ao observar que os formuladores de políticas muitas vezes não conseguem prever todas as variáveis de implementação, políticas ou contextuais. Essa compreensão fomentou uma aproximação entre os estudos de implementação e avaliação de políticas, deslocando a imagem da implementação como um “elo perdido”.

Lotta (2019) destaca que um aspecto crucial na implementação é a existência de uma cadeia decisória composta por diversos atores, formando o que se pode chamar de rede de políticas públicas. Segundo Secchi, Souza Coelho e Pires (2020), essa rede inclui não apenas o Estado, mas também organizações do terceiro setor, instituições paraestatais, a sociedade civil, entre outros. Santos (2020) ressalta que, dada a complexidade dos problemas sociais, o governo sozinho não tem capacidade suficiente para endereçá-los, necessitando da colaboração de outros atores. Gomide e Pires (2014) lembram que a capacidade estatal vai além do aspecto financeiro, englobando também capacidades intelectual, operacional, entre outras.

Oliveira e Couto (2019) observam que a inclusão de novos atores no processo de implementação introduz novas ideias e abordagens para alcançar os objetivos desejados. Nas políticas federais, isso implica uma busca por conciliação e cooperação entre as autoridades centrais e os demais atores implementadores. Wu et al. (2014) notam que, em democracias pluralistas, é comum que políticas públicas sejam influenciadas ou modificadas por atores externos ao Estado, como ONGs, mídia e o terceiro setor, sendo um desafio a coordenação eficaz dessas redes de atores. Souza (2006, p. 35-36) lembra ainda que:

Concorrendo com a influência do “novo gerencialismo público” nas políticas públicas, existe uma tentativa, em vários países do mundo em desenvolvimento, de implementar políticas públicas de caráter participativo. Impulsionadas, por um lado, pelas propostas dos organismos multilaterais e, por outro, por mandamentos constitucionais e pelos compromissos assumidos por alguns partidos políticos, várias experiências foram implementadas visando à inserção de grupos sociais e/ou de interesses na formulação e acompanhamento de políticas públicas, principalmente nas políticas sociais.

Resta claro que a complexidade e a multidimensionalidade da implementação de políticas públicas requerem uma abordagem integrada que englobe diversos atores e suas capacidades variadas. A eficácia da implementação não depende apenas da clareza dos objetivos ou da robustez das políticas formuladas, mas crucialmente da interação dinâmica entre os atores envolvidos. No contexto do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), a atuação do Sebrae exemplifica essa dinâmica ao integrar esforços estatais e não estatais de forma complementar. As ações do Sebrae, ao promover a capacitação e a comercialização do artesanato, demonstram a importância de adaptar estratégias de implementação às realidades locais e culturais, uma vez que essas adaptações podem ser cruciais para o sucesso das políticas em ambientes complexos e diversificados.

A implementação de políticas públicas tradicionalmente envolve a administração direta do Estado, mas arranjos híbridos vêm se tornando cada vez mais comuns (Lotta et al., 2024). Neste artigo, argumentamos que o Sebrae representa um caso paradigmático de implementação híbrida, no qual a política pública é operacionalizada por um ator que não é exclusivamente estatal nem privado, mas que combina características de ambos os setores. Esse hibridismo resulta em ajustes institucionais dinâmicos, nos quais o Sebrae reconfigura suas estratégias conforme as demandas dos artesãos e as diretrizes do Estado, criando um modelo de implementação baseado em redes interorganizacionais (Selznick, 1949; Lotta et al., 2024).

Cumpre recordar que a abordagem do “ajuste institucional”, cunhada por Selznick (1949) em seu estudo sobre a Tennessee Valley Authority (TVA), fornece um referencial útil para compreender como o Sebrae adapta suas práticas no contexto da implementação do PAB. Assim como a TVA ajustava suas operações para atender às especificidades locais, o Sebrae negocia sua atuação entre as demandas do Estado e as necessidades dos artesãos, exercendo um papel de mediador na construção de um modelo de governança colaborativa. Esse ajuste institucional permite que o Sebrae atue como um facilitador da política, ao mesmo tempo em que mantém sua autonomia gerencial e operacional.

A próxima seção deste artigo abordará como o Sebrae ajusta suas estratégias para alinhar-se às necessidades específicas dos artesãos e às exigências do mercado.

3. O Sebrae e as políticas públicas de fomento ao artesanato

O “Sistema S”, uma rede de nove instituições paraestatais, desempenha um papel crucial nas políticas públicas brasileiras, utilizando recursos públicos e alinhando-se com os programas sociais do Estado. Niquito, Ely e Ribeiro (2018) destacam que o Sistema S, especialmente o Sebrae, merece atenção por sua contribuição significativa na capacitação de trabalhadores, contribuindo assim para a redução do desemprego e da insegurança econômica. Estudos sobre o impacto dessa rede, e do Sebrae em particular, indicam benefícios tangíveis, como o aumento da demanda por microcrédito, melhorias salariais, redução da jornada de trabalho dos beneficiários, além de facilitar a vida dos microempreendedores individuais (MEI) por meio da desburocratização e do acesso mais fácil a serviços públicos (Niquito; Ely; Ribeiro, 2018; Prado; Pavarina; Pinsetta, 2015; Flôr, 2017; Toni, 2022).

Importa registrar também as críticas ao Sistema S e ao Sebrae na implementação de políticas públicas no Brasil. Valentim, Peruzzo e Amaral (2022) consideram o Sistema S como um dos principais conglomerados de Aparelhos Privados de Hegemonia (APHs) da cultura empreendedora nacional. Neste sentido, Alves (2016, p. 627) considera que, “[...] por meio das suas modalidades de atuação, o Sebrae corrobora diretamente para o processo de incorporação das disposições práticas que orientam a formulação de novos modelos de negócios e de novas racionalidades empresariais por parte das micro e pequenas empresas culturais”.

De toda sorte, é inconteste o fato de o Sebrae exercer um papel central na implementação de políticas públicas voltadas ao artesanato. No setor, Moraes, Seraine e Barbosa (2020) traçam a evolução das políticas de apoio à atividade, revelando que o Sebrae tem atuado nesse campo desde os anos 1990. As autoras especificam que a instituição iniciou suas atividades em 1995, colaborando como um dos implementadores do “Programa Comunidade Solidária” (1995-2002), em parceria com o então Ministério da Indústria, Comércio e Turismo (MICT).

Em 1998, a instituição cria o “Programa Sebrae de Artesanato”. Segundo Moraes, Seraine e Barbosa (2020), este programa:

[...] disseminaria a ideologia do empreendedorismo e do associativismo, pregando a criação de ambientes favoráveis à ampliação e à sustentabilidade de pequenos negócios vinculados a artesanato… anunciava apoiar e promover o “setor” artesanal, visando à mudança, de modo sustentável, das condições de vida e de trabalho de quem exerce a atividade, com atuação em seis frentes: a) estratégia de negócios; b) estudos e pesquisas do setor e de mercado; c) inovação (tecnologia, processo produtivo, design, embalagem, infraestrutura, preservação do meio ambiente e reciclagem); d) acesso ao mercado; e) acesso ao crédito; e f) gestão.

O Sebrae mantém sua dedicação ao setor artesanal, agora em colaboração com o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), iniciativa pública estabelecida em 1991. O PAB experimentou várias atualizações significativas ao longo dos anos, com destaque para a reformulação introduzida pela portaria nº 1.007, de 11 de junho de 2018. Esta portaria definiu novos critérios para a participação no programa e estabeleceu uma definição conceitual de artesanato, esclarecendo os parâmetros de inclusão no PAB. Além disso, autorizou o ministério responsável pelo PAB a formar parcerias com entidades públicas e privadas para alcançar os objetivos do programa, um papel no qual o Sebrae se destaca como colaborador chave na implementação de políticas voltadas para o artesanato.

A parceria do Sebrae com o setor artesanal começou a se fortalecer no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, marcando uma época em que a perspectiva sobre o artesanato começou a se inclinar mais para o aspecto econômico, com menos ênfase no valor cultural. O Sebrae abraçou a promoção do empreendedorismo como estratégia para integrar os artesãos no mercado de trabalho, priorizando a geração de emprego e renda através da arte (Lorêto, 2021).

Marquesan e Figueiredo (2014) destacam que a atuação do Sebrae na política de fomento ao artesanato visa transformar a produção artesanal do país em uma fonte de emprego e renda, vinculada tanto aos mercados de consumo internacional quanto ao turismo. Eles argumentam que a influência do Sebrae promove uma redefinição no modo de produção e na identidade do artesanato, aproximando a atividade dos princípios de gestão e competitividade do mercado capitalista.

A inserção do Sebrae em uma configuração multicêntrica do Estado, conforme ilustrado por Montoro (2023), destaca seu papel como um ator paraestatal crucial na implementação de políticas públicas. Essa visão reconhece a importância de múltiplos atores na condução de políticas, e não apenas os órgãos estatais tradicionais (Rhodes, 1997). No contexto das políticas de artesanato, essa abordagem multicêntrica permite uma interação mais diversificada com as comunidades locais, onde o Sebrae atua não somente como implementador, mas também como um facilitador que coloca em prática os preceitos da política em uma escala mais acessível e adaptada às realidades locais (Lorêto, 2021).

Apesar de algumas críticas que apontam para uma predominância do viés econômico na atuação do Sebrae (Alves, 2016), não se pode negar os benefícios trazidos por sua capilaridade. A presença extensiva do Sebrae, especialmente em regiões mais remotas do Brasil, facilita a acessibilidade e a efetividade do PAB. Essa capilaridade assegura que os benefícios da política pública em que o Sebrae estiver envolvido (como as voltadas ao artesanato) sejam disseminados amplamente, alcançando beneficiários em locais onde o apoio estatal direto pode ser menos presente ou eficaz (Pellin, 2019).

Por fim, os agentes do Sebrae podem ser vistos como burocratas de nível de rua na implementação das políticas públicas voltadas ao artesanato. Dotados de autonomia e capacidade discricionária, esses agentes desempenham um papel vital na maneira como as políticas são efetivamente aplicadas no terreno (Lipsky, 2019). Eles ajustam as estratégias e intervenções para atender às necessidades e especificidades locais, o que é fundamental para garantir que o impacto da política pública seja tanto significativo quanto sustentável.

4. Metodologia

Neste estudo, adotamos uma metodologia descritiva com ênfase em abordagens qualitativas, visando detalhar e esclarecer fenômenos relacionados ao papel do Sebrae na implementação do Programa do Artesanato Brasileiro no Nordeste. Seguindo a orientação de Silveira e Córdova (2009), o objetivo é iluminar as particularidades e eventos específicos dessa realidade. A pesquisa utilizou entrevistas semi-estruturadas com cinco representantes do Sebrae nos estados do Nordeste: Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe, escolhidos com base em sua acessibilidade e disponibilidade.

Conforme Rocha (2020) discute, as entrevistas podem variar desde conversações informais até abordagens mais estruturadas. Para este estudo, optou-se pela entrevista guiada ou semi-estruturada, reconhecida por Rocha (2020) como eficaz para captar informações detalhadas sobre o tema investigado. A seleção dos entrevistados buscou garantir a representatividade e acessibilidade, enfocando os agentes do Sebrae envolvidos na implementação. As entrevistas ocorreram de outubro de 2021 a janeiro de 2022, dentro do “Projeto Estruturação do Sistema de Gestão do Artesanato Brasileiro: Diagnóstico e Planejamento Estratégico”, coordenado pela UFMG.

Após transcrição, as entrevistas foram analisadas utilizando a técnica de análise de conteúdo temática conforme proposto por Bardin (1977), que envolve etapas de pré-análise, exploração dos dados e seu tratamento e interpretação. Durante a análise, desenvolveu-se uma matriz para identificar congruências e divergências entre as respostas dos entrevistados, facilitando uma comparação sistemática.

Estabelecemos três categorias principais para análise: a relação do Sebrae com os artesãos, a interação entre o Sebrae e o Estado, e as estratégias de comercialização do artesanato pelo Sebrae. Estas categorias permitiram examinar desde a percepção dos representantes do Sebrae sobre sua relação com os artesãos até as abordagens adotadas pela instituição para fomentar o lado comercial do artesanato. Na apresentação dos resultados, as citações dos entrevistados são identificadas pelo estado de origem, como “Sebrae PE” para Pernambuco, “Sebrae AL” para Alagoas, e assim sucessivamente, oferecendo clareza e precisão na identificação das fontes.

5. Resultados

O setor de artesanato no Nordeste brasileiro possui significativa relevância econômica e cultural. De acordo com dados do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), os estados nordestinos concentram uma parcela considerável dos artesãos cadastrados no país. Especificamente, o Ceará registra 21.251 artesãos, a Bahia conta com 18.382, Alagoas possui 17.115 e Pernambuco apresenta 14.860 profissionais cadastrados (Brasil, 2023).

Em termos nacionais, o Brasil possui aproximadamente 8,5 milhões de artesãos, sendo que o setor representa cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e movimenta aproximadamente R$ 50 bilhões por ano (Brasil, 2023).

Embora não haja dados específicos sobre a contribuição econômica do artesanato exclusivamente no Nordeste, a expressiva quantidade de artesãos na região indica uma participação substancial no mercado nacional (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, 2024).

O Sebrae desempenha um papel fundamental no apoio aos artesãos nordestinos, oferecendo capacitação, consultoria e suporte para a comercialização dos produtos. A atuação do Sebrae visa fortalecer a cadeia produtiva do artesanato, promovendo o desenvolvimento sustentável e a valorização da cultura local (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, 2024).

Esses dados ressaltam a importância do artesanato como fonte de renda e preservação cultural no Nordeste, além de evidenciar o impacto econômico significativo do setor na região.

A seguir, são descritos os principais resultados advindos da análise das três categorias criadas a partir dos dados obtidos das entrevistas de gestores do Sebrae:

5.1 Relação entre o Sebrae e o artesão

Segundo Lipsky (2019), a importância dos burocratas de nível de rua na implementação de políticas públicas é destacada pela sua função essencial como intermediários entre o Estado e os cidadãos beneficiados. No contexto do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), o Sebrae e seus gestores desempenham um papel crucial nesse processo, fazendo-se necessário compreender a dinâmica entre a instituição e os artesãos. Essa relação abrange aspectos como a disseminação de informações, a aproximação com o público-alvo e outros fatores que facilitam o acesso ao programa.

Um ponto crítico nessa relação é que o atendimento pelo Sebrae se limita aos artesãos registrados no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB) e que possuam cadastro ativo como Microempreendedor Individual (MEI) ou CNPJ. Essa restrição decorre das diretrizes do PAB e da política nacional do Sebrae, refletindo um esforço coordenado para atender a um público formalmente reconhecido. No entanto, as unidades estaduais do Sebrae demonstram uma preocupação ativa em promover o cadastramento desses artesãos, visando sua inclusão no programa.

A despeito da restrição a artesãos cadastrados, os gestores do Sebrae relatam um esforço contínuo para incentivar a formalização dos artesãos. Esta abordagem não apenas visa expandir o alcance do PAB, mas também enfatiza a importância da formalização para o acesso a benefícios e serviços oferecidos pelo programa, alinhando-se ao objetivo de fortalecer o setor artesanal dentro de um marco regulatório claro:

Primeiro é preciso que este artesão seja formal. E o que é ser formal? É ter o MEI, né, é ter um CNPJ que pode ser MEI, EPP ou microempresa, tá, ou ter o SICAB, né, que é o registro dele no programa nacional de artesanato, então ele (o artesão) precisa pelo menos ter a carteira do artesão, nós não trabalhamos com o informal, o informal não é público nosso (Sebrae PE).

O processo de incentivo à formalização dos artesãos pelo Sebrae acontece de maneira bifurcada, evidenciado pela interação tanto ativa quanto passiva entre a instituição e os artesãos. De acordo com os entrevistados, essa interação pode iniciar-se pelo Sebrae, numa abordagem ativa, ou pelo artesão, numa forma passiva, variando significativamente entre os estados. Por exemplo, no Piauí, predomina a interação passiva, enquanto em Pernambuco e Sergipe, observa-se uma tendência à prospecção ativa por parte do Sebrae.

Esta estratégia do Sebrae destaca a complexidade da coordenação de redes no âmbito das políticas públicas, especialmente porque o atendimento se concentra nos artesãos participantes do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), uma política pública federal. Ainda que o Sebrae introduza ferramentas e conceitos inovadores, a instituição alinha-se, em grande medida, aos propósitos do PAB, como a formalização, conforme discutido por Oliveira e Couto (2019).

Com a formalização, os artesãos ganham acesso aos serviços do Sebrae, cujo foco principal é a transformação desses indivíduos em empreendedores. Isso é alcançado por meio de orientações sobre comercialização, gestão empresarial e promoção do artesanato como um setor competitivo no mercado. Em Sergipe, por exemplo, há uma ênfase na especialização dos gestores em negócios, visando encorajar os artesãos a se perceberem como empresários, demonstrando um esforço do Sebrae para promover uma visão empresarial no setor artesanal.

Então como o foco maior da gente é mostrar que eles são empresários, qualquer segmento, mostrar aos empresários como ele deve trabalhar principalmente a parte da gestão financeira do negócio, a gestão administrativa, então todos os analistas do Sebrae estão capacitados para atender inclusive artesão, entendeu? (Sebrae SE).

Embora a unidade do Sebrae em Sergipe seja a única que explicitamente utiliza o termo “empresário”, as demais unidades operam sob uma lógica semelhante, adotando, no entanto, o termo “empreendedor”. Nesse contexto, todas as unidades do Sebrae oferecem aos artesãos oficinas, palestras, cursos e consultorias focadas em gestão e negócios, promovendo o empreendedorismo no setor artesanal.

No entanto, essa estratégia do Sebrae de fomentar o empreendedorismo entre os artesãos, intensificada desde os anos 1990, enfrenta críticas. Segundo Costa (2022), esse enfoque incentiva uma atuação mais individualizada dos artesãos, apesar da natureza coletiva tradicional do artesanato. Costa (2022) argumenta que tal abordagem transfere para os artesãos a responsabilidade pela própria geração de renda, diminuindo o papel do Estado na oferta de emprego e na garantia de direitos trabalhistas.

A questão dos direitos trabalhistas emerge como um tema recorrente nas entrevistas, embora de maneiras distintas entre os estados. Em Pernambuco, por exemplo, a figura do Microempreendedor Individual (MEI) é utilizada para questões previdenciárias, mas reconhecem-se suas limitações em atender plenamente às necessidades dos artesãos, em comparação com o status de CNPJ. No Piauí, percebe-se um distanciamento maior em relação aos artesãos, com uma redução dos serviços de contabilidade devido a mudanças na gestão que agora exigem maior autonomia dos artesãos.

No Rio Grande do Norte, há esforços para promover a formalização e garantir direitos trabalhistas, enfrentando desafios devido à desinformação. Muitos artesãos, que também são trabalhadores rurais, temem a formalização por receio de perder benefícios associados ao trabalho rural. Em Sergipe, incentiva-se o cadastro como MEI, mas apenas para artesãos preparados para as exigências e responsabilidades do microempreendedorismo. Em Alagoas, além do incentivo ao cadastro como MEI, nota-se uma demanda significativa por serviços relacionados à emissão de notas fiscais, direitos autorais e declaração de renda.

Essa variação nas ações e focos das unidades estaduais do Sebrae ilustra a discricionariedade dos agentes implementadores, influenciando os resultados das políticas públicas em cada estado. Como apontam Lipsky (2019) e Lotta (2019), essa discricionariedade determina o nível de atendimento aos beneficiários, no caso, os artesãos.

Em suma, a maior parte das unidades estaduais do Sebrae mantém uma relação próxima com os artesãos individuais, com o Piauí apresentando o maior afastamento. Em contraste, as relações com associações e cooperativas são mais complexas, refletindo demandas jurídicas e organizacionais que vão além do escopo tradicional do Sebrae, reforçando a tendência de apoio a uma abordagem mais individualizada do empreendedorismo no artesanato.

5.2 Relação entre o Sebrae e o Estado

Desde a década de 1990, o Sebrae tem colaborado estreitamente com o setor público na implementação de políticas públicas voltadas para o artesanato, com um enfoque particular no Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) para prover serviços ao seu público-alvo. Essa colaboração se estende por todas as unidades do Sebrae, que mantêm parcerias não apenas com governos estaduais, mas também com as administrações municipais das principais cidades.

Além de sua participação em feiras, amplamente discutida na análise sobre comercialização, o Sebrae coopera com instituições públicas em uma variedade de frentes. No Piauí, destaca-se a colaboração para promover o Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB), visando compreender melhor a dinâmica do artesanato no estado. Em Pernambuco, a parceria se manifesta na realização de curadorias e na implementação de estratégias para preservar a memória cultural do artesanato.

No Rio Grande do Norte, o Sebrae posiciona-se como um articulador das políticas de artesanato, optando por não ser o protagonista, mas trabalhando em conjunto com as prefeituras para oferecer cursos de marketing digital e de modernização de produtos. Em Sergipe, a parceria com o Ministério do Trabalho precede mesmo o PAB, com o Sebrae do estado engajado principalmente em facilitar a emissão de carteiras de artesão, atender demandas junto à Federação de Artesãos do estado e realizar levantamentos para identificar mestres artesãos. Essas questões podem ser identificadas nos trechos abaixo.

O Sebrae eu vejo como um articulador, mas tem coisas que nós não temos, não é o nosso core business, né? Não é nossa responsabilidade. O nosso foco principal é em promover o desenvolvimento dos pequenos negócios por meio de uma orientação técnica especializada, por meio de ações estratégicas de promoção de negócios, de promover o acesso a feiras, a estimular a inovação desses produtos, inserção no mercado digital (Sebrae RN).

O SEBRAE está para atender as demandas que são geradas. Então o que que acontece, nós temos unidades lá no Sebrae que trabalham com políticas públicas, que trabalham diretamente com as prefeituras, e nesses trabalhos eles fazem diagnósticos, e nesses diagnósticos eles detectam determinados grupos daquela cidade ou naquela região, ou naquele território que… trabalham com esse tipo de artesanato e que estão precisando, até por uma necessidade apresentada por eles mesmo… de uma visita do SEBRAE (Sebrae SE).

A declaração do gestor do Sebrae RN ressalta o papel do Sebrae como um articulador importante, mas também destaca suas limitações e foco específico. O Sebrae não se vê como um órgão responsável por todas as facetas do desenvolvimento do artesanato, mas foca principalmente em promover o desenvolvimento de pequenos negócios. Isso é feito através de orientação técnica especializada e ações estratégicas, como promover acesso a feiras e a inserção no mercado digital, visando estimular a inovação dos produtos artesanais. Esse enfoque revela uma abordagem que, embora eficiente em seus domínios, pode não abranger todas as dimensões culturais do artesanato (Moraes; Seraine; Barbosa, 2020).

O gestor do Sebrae SE, por sua vez, destaca a capacidade do Sebrae em atender demandas específicas que emergem das comunidades locais. Eles trabalham diretamente com prefeituras para fazer diagnósticos que identifiquem grupos específicos que necessitam de intervenção. Este aspecto enfatiza o papel do Sebrae como um facilitador e mediador que responde diretamente às necessidades expressas pelos artesãos, o que é essencial para a eficácia da implementação das políticas públicas. Guardadas as diferenças entre setores distintos, esse papel mediador do Sebrae na implementação do PAB se assemelha ao encontrado por Lotta (2012), ao investigar a atuação dos burocratas de nível de rua (no caso em tela, dos agentes comunitários de saúde) com os usuários do serviço. Para Lotta (2012), tal capacidade de mediação é afetada pelo grau de envolvimento do burocrata com a comunidade atendida.

Gomes (2019) sugere que vínculos fortes com a comunidade e a capacidade de comunicação produzem um resultado mais eficaz da política.

Ambos os gestores apontam para a capilaridade do Sebrae, sua habilidade de alcançar profundamente diversas regiões e comunidades. Esta característica é crucial para implementar políticas públicas de forma efetiva, permitindo que o Sebrae alcance artesãos em localidades distantes dos grandes centros urbanos e capitais. A presença física e a adaptabilidade às particularidades regionais fortalecem sua capacidade de implementar políticas públicas.

A pesquisa identificou que os agentes do Sebrae desempenham um papel ativo na inserção dos artesãos no PAB, atuando como mediadores entre o Estado e a base produtiva. Os dados indicam que esses agentes não apenas oferecem capacitações técnicas e gerenciais, mas também orientam os artesãos sobre a formalização e a inclusão no mercado. Essa proximidade permite que os agentes do Sebrae ajustem suas abordagens conforme as particularidades socioculturais de cada região, exercendo um papel fundamental na personalização das estratégias de implementação.

Esses aspectos ilustram como o Sebrae desempenha um papel multifacetado na implementação de políticas públicas para o artesanato no Brasil. Apesar de seu foco primário em pequenos negócios e inovação, a organização se adapta para atender às necessidades dos artesãos, garantindo que suas ações sejam tanto estratégicas quanto sensíveis ao contexto local.

Os resultados indicam que a atuação dos agentes do Sebrae na implementação do PAB revela características típicas dos “burocratas de nível de rua” (Lipsky, 2019), pois eles exercem um alto grau de discricionariedade ao adaptarem as diretrizes do programa às condições locais. Esses agentes não apenas repassam informações aos artesãos, mas também interpretam e ajustam as normas do PAB para facilitar a adesão dos beneficiários, tornando-se atores estratégicos na interface entre o Estado e a comunidade artesanal.

5.3 Comercialização do artesanato

Nesta seção, discutiremos as estratégias adotadas pelo Sebrae para promover a comercialização do artesanato nos estados do Nordeste, evidenciando a incorporação de uma perspectiva empreendedora na prática artesanal. Estudos anteriores, como os realizados por Marquesan e Figueiredo (2014) e Seraine (2009), já destacaram o papel significativo do Sebrae na conversão de artesãos em empreendedores, tratando essa evolução como um fenômeno sociocultural que ganhou força especialmente a partir dos anos 2000.

Essa influência do Sebrae na esfera do artesanato se manifesta claramente através das capacitações oferecidas aos artesãos. Conforme relatado pelos gestores entrevistados, existe um esforço consistente em todos os estados do Nordeste para formar artesãos em competências fundamentais para o empreendedorismo, como gestão comercial, precificação, administração de negócios e contabilidade. Essa abordagem sublinha a importância da capacidade empreendedora dos artesãos para uma participação efetiva e bem-sucedida no mercado de artesanato, como ilustrado a seguir:

A gente tem um critério, você só vai com a gente em feira, com o Sebrae, depois que você se capacitar e estiver pronto, né, pronto para vender, já tiver produção, tiver produto bem-acabado, enfim, né, etiqueta, né, então eu vou explicando que não é assim, o Sebrae não é um provedor de feira, ele dá orientação na gestão na melhoria do negócio para que a gente possa assim colocar em mercado (Sebrae AL).

A gente tem cursos na formação de preço e venda. Mas se você quer se aprofundar, você precisa de fato fazer uma consultoria, porque às vezes, a característica do seu produto faz toda a diferença na formação do preço, né. Muitas vezes, o produto, a matéria prima dele é extremamente barata, mas o que valoriza, né, o que agrega valor é o Designer né, é a criação daquele artista. Então, aí porque as pessoas pagam tão caro por aquilo, né, tem um valor subjetivo, mas é valor (Sebrae PE).

O nosso foco principal é em promover o desenvolvimento dos pequenos negócios por meio de uma orientação técnica especializada, por meio de ações estratégicas de promoção de negócios, de promover o acesso a feiras, a estimular a inovação desses produtos, inserção no mercado digital (Sebrae RN).

Nos exemplos mencionados, destaca-se a abordagem estratégica do Sebrae, particularmente em Alagoas, onde somente artesãos capacitados como empreendedores têm a oportunidade de participar de feiras em colaboração com a instituição. Marquesan e Figueiredo (2014) interpretam essa postura do Sebrae como um reflexo da visão da instituição de que o artesanato deve se alinhar às exigências do mercado, adotando uma gestão “moderna” para renovar tanto a produção quanto a comercialização do artesanato.

Essa tendência é evidente na posição do Sebrae de Pernambuco, que valoriza o design do produto final, muitas vezes em detrimento de aspectos culturais e históricos inerentes ao artesanato. Similarmente, no Rio Grande do Norte, a ênfase recai sobre o desenvolvimento de pequenos negócios para facilitar a participação em feiras e a venda dos produtos artesanais.

No entanto, há um esforço consciente por parte de algumas unidades do Sebrae para preservar a autenticidade dos produtos artesanais. Apesar da orientação comercial, buscam respeitar a essência do trabalho artesanal, com o objetivo de adaptar, e não alterar, as técnicas tradicionais às demandas do mercado, como expresso pelo Sebrae de Alagoas, e evitar intervenções no processo criativo dos artistas, conforme mencionado pelo Sebrae de Pernambuco.

A abordagem no Piauí é mais reservada, possivelmente devido à menor extensão de sua atuação, limitando-se ao apoio a participações em feiras e ao fornecimento de passagens para os artesãos, sem acompanhamento contínuo de seu desenvolvimento.

Os dados coletados nas entrevistas com gestores do Sebrae evidenciam que o grau de envolvimento dos agentes varia conforme o estado e a estrutura organizacional local. Em alguns casos, os agentes mantêm contato frequente com as associações de artesãos, participando ativamente de feiras e eventos para promover a comercialização dos produtos. Em outros, a interação ocorre predominantemente por meio de cursos e consultorias, com menor presença direta nas comunidades. Esses achados reforçam a necessidade de compreender como a implementação do PAB é ajustada em diferentes contextos regionais.

6. Considerações finais

Este artigo teve como objetivo principal descrever e evidenciar o papel do Sebrae na implementação do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) no Nordeste. Essa análise se utilizou de entrevistas feitas com os gestores das unidades do Sebrae de Alagoas, Piauí, Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Norte, a partir de três categorias de análise: a relação do Sebrae com o artesão, a relação do Sebrae com o Estado e a comercialização do artesanato.

As considerações finais deste artigo oferecem uma reflexão crítica sobre o papel desempenhado pelo Sebrae na implementação de políticas públicas para o artesanato no Nordeste, destacando-se a ambiguidade de seus resultados frente ao objetivo de promover o empreendedorismo no setor. Embora a análise nas três categorias principais – relação com os artesãos, interação com o Estado e estratégias de comercialização – tenha evidenciado esforços significativos do Sebrae para capacitar artesãos e promover o artesanato, emergem questionamentos sobre a profundidade e sustentabilidade dessas iniciativas.

A relação do Sebrae com os artesãos, embora marcada por um esforço de capacitação em empreendedorismo, parece não abordar integralmente as nuances culturais e sociais que permeiam a atividade artesanal. O foco em habilidades gerenciais e comerciais, embora relevante, corre o risco de sobrepor a identidade e os valores tradicionais do artesanato à lógica do mercado, potencialmente desviando o artesanato de suas raízes e significados. Adicionalmente, a capilaridade do Sebrae e sua atuação como um burocrata de nível de rua destacam a importância de sua autonomia e adaptabilidade na aplicação de políticas públicas, assegurando que as intervenções sejam relevantes e eficazes para os artesãos em diversas localidades.

A interação entre o Sebrae e o Estado, por sua vez, reflete uma complexa teia de parcerias que, apesar de facilitar a implementação de políticas públicas, também revela uma certa dependência de estruturas burocráticas e de uma visão unidimensional do desenvolvimento do artesanato, focada em aspectos econômicos. Esta abordagem pode negligenciar a necessidade de políticas mais integradas que considerem o bem-estar social, a preservação cultural e a autonomia dos artesãos.

No que tange às estratégias de comercialização, a promoção do artesanato através de feiras e outros canais de mercado é certamente positiva, mas a insistência em adequar os artesãos às demandas do mercado pode levar a uma padronização que dilui a diversidade e a riqueza cultural do artesanato nordestino. Além disso, essa estratégia pode não ser suficiente para enfrentar os desafios estruturais que limitam o acesso dos artesãos a mercados mais amplos e justos.

Este estudo propõe um avanço na literatura sobre implementação de políticas públicas ao introduzir a noção de implementação híbrida como um modelo de governança interorganizacional. A análise do Sebrae como agente implementador demonstra que a implementação não é um processo linear, mas sim um espaço de negociação e adaptação contínua entre os atores envolvidos. A tese central deste artigo é que organizações híbridas desempenham um papel crucial na efetividade da política pública ao criarem ajustes institucionais que viabilizam a coordenação entre o setor estatal e o produtivo. Futuras pesquisas podem aprofundar essa agenda explorando outros setores onde a implementação híbrida se faz presente, como saúde e educação.

  • Fonte de financiamento:
    Nenhuma.
  • Aprovação do Comitê de Ética:
    Nada a declarar.
  • Disponibilidade de Dados:
    Os dados de pesquisa não estão disponíveis.

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Editado por

  • Editora:
    Priscilla Ribeiro dos Santos (UFRGS, Brasil).

Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2024
  • Aceito
    25 Fev 2025
Creative Common - by 4.0
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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