Resumo
Este estudo objetiva compreender os fatores associados ao sucesso institucional do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade do Rio Grande do Sul, inserindo-se nos debates sobre o desenvolvimento da disciplina no Brasil a partir da perspectiva sociológica de Pierre Bourdieu acerca do campo científico. Para tanto, foram aplicadas entrevistas visando coletar relatos tocantes à trajetória estudantil e de docência de professores da instituição. Os resultados apontam para: a importância da cultura institucional da UFRGS; a acumulação de capital científico institucionalizado e informacional; a uniformização do corpo docente; a institucionalização de normas e de uma gestão coletiva; a capacidade de produzir herdeiros e selecionar jogadores externos ao programa; e do espírito de coletividade do grupo, identificando a existência de gerações docentes divididas em construtoras, arquitetas, herdeiras (diretas e indiretas) e migrantes.
Palavras-chave:
campo científico; programa de pós-graduação; Sociologia; corpo docente
Abstract
This study aims to understand the factors associated with the institutional success of the Graduate Program in Sociology at the University of Rio Grande do Sul, engaging in debates on the development of the discipline in Brazil, based on Pierre Bourdieu's sociological perspective on the scientific field. To this end, interviews were conducted to gather accounts concerning the student and academic trajectories of the institution's professors. The results highlight the importance of UFRGS's institutional culture, the accumulation of institutionalized and informational scientific capital; the standardization of the teaching staff; the institutionalization of norms and collective management; the ability to produce successors and select external players for the program; and the group's collective spirit. The study identifies the existence of the following generations of professors: builders, architects, heirs (both direct and indirect), and migrants.
Keywords:
scientific field; graduate program; Sociology, faculty members
1. Introdução
Nas últimas três décadas o sistema brasileiro de pós-graduação foi paulatinamente fortalecido e consolidado em todas as regiões do país, com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como instância fomentadora desse processo de ampliação. Inserida nessa conjuntura de avanço, a disciplina de Sociologia encontrou um cenário favorável ao seu desenvolvimento nacional frente aos padrões internacionais de excelência acadêmica (Neves; Cavalcanti, 2018; Lima, 2019). Um dos fatores determinantes para a descentralização da matéria para fora do eixo São Paulo-Rio foi o protagonismo de pesquisadores tidos como empreendedores institucionais, entre os quais os docentes do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGS/UFRGS) constituem um dos grupos que se destacam por iniciativas de conexão em redes de pesquisa e organização institucional (Barreira; Côrtes; Lima, 2018).
Desde o seu estabelecimento enquanto programa disciplinar, o PPGS/UFRGS tem ganhado notoriedade por ser uma instituição relevante na área, de modo que nas últimas três avaliações da Capes (2010-2012, 2013-2016 e 2017-2020) atingiu a nota sete e teve o seu periódico docente, a Sociologias, avaliado como Qualis A1, sendo ambos os estratos avaliativos máximos. Diante da sua importância e a de seus integrantes para o avanço da disciplina e para o âmbito da pós-graduação (PG) em Sociologia, este artigo realizou um estudo qualitativo com o objetivo de compreender os fatores associados ao sucesso institucional desse programa distante do eixo central do Brasil. Mais precisamente, buscou-se assimilar, a partir do agenciamento dos docentes, os principais elementos contextuais para a consolidação e a continuidade de sua reconhecida excelência. Para tanto, foram aplicadas entrevistas visando coletar relatos tocantes à trajetória estudantil e de docência de dez professores do PPGS/UFRGS, registrando as suas experiências, posicionamentos e percepções.
Entende-se que a reconfiguração institucional da Sociologia propiciou a criação de uma comunidade catedrática e profissional do ramo no país, integrada a um campo acadêmico demarcado por regras e disputas ligadas ao seu funcionamento. Na área, questões tais quais a queda, nas classificações da Capes, das notas de programas tradicionais que contribuíram para a formação da disciplina refletem alguns dos embates internos desse espaço (Lima, 2019). Nessa direção, as formulações teóricas de Pierre Bourdieu sobre as dinâmicas do campo científico têm sido mobilizadas em investigações que almejam aprofundar o conhecimento concernente às hierarquias e às lógicas sociais operadas e engendradas nesta dimensão, como é o caso do estudo de Oliveira et al. (2022) a respeito do perfil dos bolsistas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e o de Silva, Souza e Lima (2022) acerca da produção bibliográfica de docentes da PG em Sociologia. Neste sentido, se, de um lado, as investigações sobre a PG em Sociologia têm buscado desdobrar os trabalhos tocantes à institucionalização da matéria (Liedke Filho, 2005; Candido, 2006) e, num sentido amplo, ao desenvolvimento das ciências sociais (Miceli, 1995; Ortiz, 1990), do outro, emergem aquelas que a enquadram enquanto um microcosmo parte de um cosmo maior, buscando apreender os seus princípios de estruturação e as relações inerentes aos processos de agenciamento.
Este artigo, portanto, pretende contribuir com a emergente literatura de orientação bourdieusiana a respeito do campo acadêmico da Sociologia no Brasil, considerando o quadro de expansão da PG da área, no qual, frente aos pareceres da Capes, os integrantes do PPGS/UFRGS se destacam. Esforçamo-nos, pois, em examinar os aspectos que lhes possibilitaram obter reconhecimento institucional na condição de ditames que lhes permitiram se consolidar numa posição relevante, logo, de dominância. Doravante, a apresentação desta pesquisa divide-se em quatro seções: a primeira introduz um panorama da PG em Sociologia, junto à exposição de alguns artigos que instrumentalizam a acepção bourdieusiana de campo; na segunda, fundamenta-se a perspectiva teórico-metodológica do estudo e apresentam-se os procedimentos inerentes à condução da análise, à seleção dos interlocutores e à aplicação das entrevistas, como também o perfil dos entrevistados; na terceira, discorre-se acerca dos pontos centrais relacionados ao sucesso do programa, analisando as entrevistas mediante a ótica de Pierre Bourdieu; por fim, na quarta, são postuladas as considerações finais.
2. O cenário da Pós-graduação em Sociologia no Brasil
Inicialmente, a Sociologia no Brasil era identificada como sinônimo de Ciências Sociais, ou ainda, a segunda, que também engloba a Antropologia e a Ciência Política, era abordada apenas enquanto um ramo da Sociologia. A partir da expansão e consolidação dos programas de pós-graduação (PPG) no contexto nacional, observou-se um movimento tanto de disciplinaridade das áreas que compõem as Ciências Sociais stricto sensu quanto de interdisciplinaridade entre elas, favorecendo o fortalecimento das disciplinas (Lima; Cortes, 2013). Em contraposição, neste mesmo cenário de avanço da formação do sociólogo profissional para execução de trabalhos técnicos, tornou-se estranha aos currículos de bacharel em Sociologia e Ciências Sociais, de forma que o ofício técnico passou a ser confundido com o de professor universitário, devido a uma organização curricular e de avaliação da PG que privilegiava a lógica acadêmica (Baltar; Baltar, 2018).
Apesar das críticas, reconhece-se que a ampliação do sistema de PG, aliada a uma conjuntura de abertura de novas universidades e campi que propiciou a incorporação de profissionais em todo o território, colaborou com a nacionalização da Sociologia em termos de generalizar o campo disciplinar em escala nacional, firmando-se em uma estrutura avaliativa que fomentou essa generalização e, ao mesmo tempo, garantiu padrões de qualidade significativos (Lima, 2019). Enquanto política ordenada e planejada pelo Estado, motivando-se, em parte, pela necessidade de recursos humanos de nível superior para os setores modernos da economia, a elaboração e qualificação da PG foi um instrumento de modernização do ensino superior brasileiro que alterou profundamente o funcionamento das escolas responsáveis pelo ensino de Sociologia, institucionalizando a prática de pesquisa em determinadas universidades (Martins, 2018).
A Capes é a principal responsável pela consolidação e pelo monitoramento do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), sendo ela a instância coordenadora dos Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG) que definem as políticas de condução da PG, articulando-as a uma rede complexa de financiamento do progresso científico e tecnológico, na qual as agências de fomento internacionais e governamentais, principalmente a própria Capes e o CNPQ, envolvem-se fornecendo recursos substanciais para a operação do SNPG. Baseando-se nisso, os PNPG, implementados desde 1975, atuaram em diversos níveis para o aprimoramento do sistema, por exemplo: incentivo à formação dos docentes a partir do Programa Institucional de Capacitação Docente; indução da criação das Pró-Reitorias de Pós-Graduação; concessão de bolsas institucionais; estímulo à criação de vínculos de cooperação internacional; incorporação das demandas advindas do setor produtivo; e formação para o mercado de trabalho não acadêmico (Martins, 2018; Neves; Cavalcanti, 2018).
No caso dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS), o acompanhamento das normativas da Capes ocasionou o afastamento de docentes para a realização de doutorado, instigou inúmeras alterações na estrutura dos cursos e na organização curricular que passou a enquadrar-se nas linhas de pesquisa estabelecidas, efetivou uma interação dinâmica entre os atores sociais que expandiu as possibilidades de inserção do sociólogo no mercado de trabalho, como também incorporou nos espaços institucionais as parcerias internacionais, seja mediante o intercâmbio de alunos e professores ou pela realização de pesquisas. Tudo isso sob a tutela de exames sistemáticos empreendidos pela instância coordenadora, com o auxílio da comunidade acadêmica, por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Pós-Graduação, definindo parâmetros que objetivam a excelência (Neves; Cavalcanti, 2018).
Os exames aferidos pela Capes são uma parte central do aperfeiçoamento dos PPG, uma vez que impõem uma série de critérios, mecanismos e metodologias de acompanhamento que permitem monitorar os níveis de qualidade importantes para a orientação da distribuição dos recursos financeiros entre as instituições. Os programas são hierarquizados mediante uma classificação que pode atribuir notas de um a sete, em que os dois primeiros estratos são atribuídos aos casos de descredenciamento, enquanto os dois últimos reconhecem um padrão de excelência equivalente ao de centros internacionais, sendo a nota sete o estrato avaliativo máximo. A apreciação conduzida pela Capes verifica o padrão dos recursos humanos formados, monitorando, desde o triênio 2004-2006, os seguintes quesitos: proposta do programa, corpo docente, corpo discente, inserção institucional e produção intelectual. Esta última desempenha um certo protagonismo no processo, havendo, até o presente momento, dois instrumentos avaliativos fundamentais para medir o impacto e a qualidade dos meios nos quais as produções bibliográficas dos integrantes dos programas são publicadas, no caso, o Qualis periódicos e o Qualis livros, com o estrato máximo A1 e L1, respectivamente (Adorno; Ramalho, 2018).
Por conseguinte, somado às circunstâncias de fortalecimento do SNPG, outro fator crucial para a consolidação dos PPGS foi o empreendedorismo institucional de alguns professores, os quais utilizaram de suas experiências acadêmicas para promover mudanças na estrutura do campo que acentuaram o prosseguimento de nacionalização e interiorização da disciplina. Assim, assentou-se a Sociologia em suas instituições e teceram-se redes de pesquisadores, modos de fazer pesquisa e de transmissão desses conhecimentos a partir da mobilização de apoios institucionais, especialmente aqueles voltados ao financiamento de projetos investigativos e à formação educacional. Neste percurso de descentralização da matéria que constitui a multiplicidade de experiências regionais e estaduais da Sociologia em todo o país, soma-se a importância da criação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) como âmbito de discussão nacional das três áreas, proporcionando o envolvimento entre sujeitos de diversas partes do Brasil e possibilitando uma maior circulação do debate sociológico em diferentes regiões (Barreira; Côrtes; Lima, 2018).
Na condição de associação agregadora, a Anpocs foi fundamental para a reativação da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), em 1987, a qual se tornou uma entidade atuante no decurso de institucionalização da PG da matéria, influenciando na reconfiguração da prática sociológica. A expansão dos PPGS alicerçou uma comunidade nacional da Sociologia que se afastou do paradigma da intelligentsia ligado às origens da disciplina, assumindo um perfil científico que tem como parâmetro de sua produção as aferições da Capes. Destarte, há uma relação direta entre as ações governamentais e a fixação dessa comunidade que cresceu significativamente; se, em 1998, o quantitativo de docentes permanentes em área de avaliação da Sociologia era de 447, em 2020 ele atingiu o seu ápice, comportando 1.012 integrantes. Embora tenha ocorrido uma mobilidade regional de pesquisadores que favoreceu a criação de redes nacionais de colaboração e a diversificação dos programas, o quadro institucional que integra o campo permitiu aos organismos federais centralizarem a definição dos padrões a serem seguidos pelo trabalho acadêmico (Martins; Rodrigues; Souza, 2024).
Devido a tal quadro, Maia (2016) afirma que o sistema de aferição da Capes contribuiu para o isomorfismo institucional do campo sociológico – compreendido pelo recorte dos PPG em Sociologia e em Ciências Sociais, dado que ambos pertencem à área avaliativa da Sociologia. Consoante o autor, as normativas da instância coordenadora impõem os parâmetros de qualidade científica que são internalizados pelos atores, os quais, ao interagirem, geram normas sociais e mimetismos, resultando no fenômeno isomórfico. Logo, a hierarquização do SNPG estratifica os programas em um centro e uma periferia, fixando alguns atores em posições de poder cujas condutas acadêmicas seriam mimetizadas pelos demais e traduzindo-se em práticas como a predileção dos docentes de programas periféricos, nos triênios de 2007-2009 e 2010-2012, por publicarem nos mesmos periódicos que os atores centrais. Outro elemento desse quadro é indicado por Campos et al. (2023) a partir do mapeamento das teses defendidas entre 2006 e 2016 na referida área. Eles enfatizam que a agenda de pesquisa sociológica tem apresentado, principalmente nos PPG especializados, uma maior diversificação temática, com os tópicos de gênero, raça e violência tornando-se frequentes nos estudos. Algo decorrente tanto das transformações do debate público quanto das normativas impostas, o que para Campos et al. (2023) demonstraria que o isomorfismo diagnosticado por Maia (2016) não se restringiria apenas à dimensão dos artigos, impactando também a das teses orientadas.
De modo geral, muitos dos posicionamentos dos cientistas sociais são influenciados pelas entidades de fomento, porquanto elas moldaram o estabelecimento das ciências sociais no Brasil, tornando a organização da PG das três matérias dependente dessa estrutura de financiamento (Miceli, 1995). Consequentemente, a nacionalização dos PPGS edificou um espaço hierarquizado, composto por assimetrias regionais associadas, em parte, ao histórico de distribuição dos programas pelo país. Mesmo em 2017, numa situação já descentralizada, dos 53 cursos de mestrado na área de Sociologia da Capes, 22 concentravam-se na região Sudeste, e dos 33 de doutorado, 16 estavam nessa localidade. Apesar das desigualdades, concebe-se que os novos critérios de classificação do SNPG possibilitaram uma maior mobilidade na hierarquia dos cursos, não importando mais o prestígio ou a antiguidade da instituição e, sim, o seu desempenho nas avaliações, conformando, assim, um campo caracterizado por disputas internas, segundo a conceituação de Bourdieu (Barreira; Côrtes; Lima, 2018).
2.1 Os PPGS, os sociólogos e o campo científico: acepções bourdieusianas
Diante do panorama de ampliação da comunidade catedrática da disciplina, nota-se que ela está atrelada, em certa medida, ao âmbito da PG, vínculo este que impacta nos percursos acadêmicos e na produção sociológica, fomentando dinâmicas próprias. Diante disso, algumas análises recorrem à perspectiva bourdieusiana para pensar as relações desdobradas no campo científico da Sociologia e ao seu redor. Destarte, objetivando assimilar os fundamentos da abordagem de Bourdieu, este texto prossegue com uma exposição introdutória das formulações do autor que embasam tais análises. Para o sociólogo francês, os conceitos científicos são um tipo de materialização de uma linha teórica e de uma maneira de operar no trabalho de pesquisa, portanto, a palavra teoria designa “[...] um sistema de esquemas de construção da realidade (ou uma construção científica da realidade)” (Bourdieu, 2021, p. 26).
Por esse prisma, propõe-se o conceito de habitus como um instrumento teórico que supera as dicotomias entre agência e estrutura na teoria da ação, opondo-se ao subjetivismo e ao mecanicismo de outras abordagens, definido na forma de “[...] um conjunto de disposições, ou [...] de esquemas de percepção, pensamento e ação, que são o produto da incorporação, interiorização, assimilação e aquisição de estruturas objetivas” (Bourdieu, 2021, p. 97), ou seja, essas disposições são estruturas incorporadas que orientam o agenciamento. O habitus é um senso prático, um conhecimento “[...] das regularidades do mundo social que, sem chegar a constituir essas regularidades no modo tético, permite que as condutas se ajustem a essas regularidades” (Bourdieu, 2021, p. 100). Uma das modalidades de sua operação pode ser esclarecida pela metáfora do senso de jogo, na qual as lógicas de cada espaço social formulam jogos específicos e “[...] os agentes, enquanto portadores de disposições, são absolutamente constitutivos do jogo: são eles que o definem, que o fazem funcionar e as próprias regras [...] do jogo só agem sobre aqueles que têm o senso do jogo”, o qual é o resultado da experiência constituída socialmente, tornando possível a ação (Bourdieu, 2021, p. 114).
Essas lógicas envolvem os agentes por consequência dos efeitos da illusio, que trata da “[...] crença no fato de que o jogo vale a pena ser jogado. Um jogo só funciona à medida que ele consegue fazer com que todos os jogadores reconheçam” a sua validade (Bourdieu, 2021, p. 120); ao contrário, os que não se envolvem nele, enxergam-no como algo ilusório. Então, “[...] o característico de um jogo é produzir os habitus que fazem com que o jogo não seja questionado e de dotar-se de jogadores [...] ajustados ao jogo” (Bourdieu, 2021, p. 119). Logo, “[...] um campo é, por analogia, uma espécie de jogo que tem regras imanentes, que podem ser mecanismos produtores de regularidades ou normas explícitas que engendram práticas regradas” (Bourdieu, 2023, p. 103). O campo remete a “[...] uma espécie de teoria do estado das posições ocupadas pelos agentes, grupos de agentes e instituições [...], uma ordem de coexistências na qual cada agente, singular ou coletivo, é definido por sua posição no interior do espaço” (Bourdieu, 2021, p. 272).
“Uma propriedade do pensamento em termos de campo é [...] permitir a construção da realidade em sua particularidade de histórica mantendo a possibilidade de nela descobrir invariáveis e retirar leis de funcionamento trans-histórica” (Bourdieu, 2021, p. 247-248). Sob esse ângulo, a noção suscita uma maneira de pensar o mundo social que enquadra as relações sociais em torno de lutas por posições, num locus que exerce força sobre os agentes. Nesse sentido, o conceito de capital “[...] é uma forma de força que vale num certo espaço, produz efeito nele [...] e a diferenciação ligada à distribuição desigual do capital é o princípio da estrutura do campo”, sendo a busca pela conservação ou transformação da estrutura o objetivo das lutas. Logo, é o capital, na condição de uma propriedade ligada a um campo, que constitui tanto os recursos de luta quanto os critérios de hierarquização do espaço (Bourdieu, 2023, p. 36).
Embora possa haver uma variedade de tipos de capitais, é possível distingui-los em grandes espécies: o cultural, o econômico, o social e o simbólico, os quais podem ser convertidos em outras espécies e existir sob diferentes formas, inclusive na incorporada. Pois “[...] a noção de habitus quer dizer que existe uma espécie de capital informacional, estruturante e estruturado, que funciona como princípio de práticas estruturadas sem que essas estruturas [...] tenham existido anteriormente à produção das práticas enquanto regras” (Bourdieu, 2023, p. 319). Isto posto, foi apoiando-se neste modelo conceitual que Bourdieu (2019) conduziu sua pesquisa a respeito do meio acadêmico francês, ponderando que o campo universitário é organizado por dois princípios de hierarquização e legitimação distintos, um de cunho temporal e político e outro relativo à autonomia da ordem científica e intelectual, os quais estruturam as faculdades em polos opostos. De um lado estão as disciplinas que são ao mesmo tempo cientificamente dominantes e socialmente dominadas, do outro estão as cientificamente dominadas e temporalmente dominantes, “[...] compreende-se que a oposição principal concerne ao lugar e ao significado que as diferentes categorias de professores conferem praticamente [...] à atividade científica e à própria ideia que têm da ciência” (Bourdieu, 2019, p. 84).
No espaço universitário, a disputa pela imposição de uma visão legítima do ofício científico integra as dinâmicas que moldam a estrutura do campo, onde o controle do corpo docente e a seleção de seus ingressantes são fatores determinantes. Os postulantes a futuros professores, aptos a serem herdeiros dessas posições, têm cultivada na prática cotidiana as disposições necessárias para herdar, agregando experiências àquelas anteriormente inculcadas e incorporadas na dimensão do habitus (Bourdieu, 2019). É por intermédio desse exame que o sociólogo francês embasou suas análises acerca do campo científico, evidenciando dois tipos de capitais específicos: o capital científico institucionalizado, de cunho temporal e político, que se associa à ocupação de posições nas instituições científicas e se aproxima de uma espécie de origem social; e o capital científico puro, de cunho pessoal, que se relaciona ao reconhecimento e prestígio adquiridos pelas contribuições ao progresso da ciência (por meio da publicação de artigos, de citações etc.) – esse seria uma espécie de origem simbólica (Bourdieu, 2004).
2.1.1 Usos da perspectiva bourdieusiana no Brasil
Nessa direção, o trabalho exploratório de Bordignon (2018) salienta que haveria uma relação entre as diferentes modalidades de trajetórias educacionais dos professores da PG em Ciências Sociais e suas chances de inserção na carreira. Aqueles que provêm das instituições mais prestigiosas, reconhecidas pelo ranking da Capes e/ou pela sua antiguidade, despontariam na disputa por essas posições, porquanto a concorrência por tais postos se equaciona em um espaço historicamente estruturado, o qual faz com que o mercado acadêmico e o recrutamento de seus integrantes sejam hierarquizados. Ou seja, a nacionalização e ampliação da formação doutoral ocorreram em torno de instituições centrais, que colaboraram na conformação dos próprios critérios de hierarquização. Consequentemente, o caso da Sociologia reflete esses padrões, evidenciando oposições entre os programas de excelência (de notas 6 e 7), as quais se traduzem em distintas modalidades de doutoramento dos seus integrantes.
Nos dados coletados por Bordignon (2018), em 2012, 82,4% dos docentes da Universidade de São Paulo (USP) haviam se doutorado nela, enquanto 47,7% dos da UFRGS e 40,7% dos da Universidade de Brasília (UnB) doutoraram-se fora do país. Essa diferença seria parte das oposições geradas pela concorrência institucional e pelos fluxos de expansão e diversificação da formação, sendo a titulação no exterior um recurso na acumulação de capital simbólico da UFRGS e UnB, algo importante devido às suas posições periféricas e que impactou no contraste com a USP, o polo nacional de emissão de títulos. Diferentemente do estudo quantitativo de Bordignon, a pesquisa de Hey e Rodrigues (2017) não enquadra a PG como objeto, mas sim as trajetórias dos membros da seção de Ciências Sociais da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que não é composta apenas pela Antropologia, Ciência Política e Sociologia. Porém, ao identificarem os princípios geradores da condução do reconhecimento dos pares, cristalizados nas operações práticas de construção dos percursos acadêmicos, necessário para ingressar na ABC, as autoras evidenciam os padrões de carreira desse grupo que ocupa uma posição dominante e um espaço de consagração no campo científico.
Nesse enquadramento, Hey e Rodrigues (2017) sinalizam que as características dos 30 membros da seção convergem em alguns pontos: 22 deles foram docentes da PG, 24 pertencem à região Sudeste e a maioria são homens, com apenas oito mulheres. Ressalta-se também que eles partilham espaços profissionais comuns, tecendo redes interpessoais. As autoras indicam que o prestígio dos agentes foi um fator crucial para a admissão na ABC, com muitas das trajetórias representando a criação de importantes instituições científicas, especialmente de programas de PG e de centros de pesquisa. Esses elementos os conduziram a ocupar postos institucionais no plano científico e no governamental, permitindo sua articulação em nível nacional e a consolidação de espaços controlados por eles – que são investimentos voltados ao polo do poder temporal. Dessa maneira, nas elites das Ciências Sociais transparece um tipo de vida acadêmica possibilitado por condições sociais singulares, revelando que, ao atuarem no estabelecimento do campo, tais agentes puderam controlar o modo de consagração ligado ao ingresso na ABC, conferindo capital simbólico a si e aos seus pares.
Com outro recorte investigativo, Oliveira et al. (2022), ao considerarem o peso da produção acadêmica nas aferições da Capes, propõem estudar o perfil dos beneficiários da Bolsa de Produtividade em Pesquisa (PQ) do CNPQ, que possui três categorias: Sênior, PQ-1 (subdividida de 1A a 1D) e PQ-2. Nesse contexto, a bolsa se torna um signo de inter-reconhecimento no campo científico, situando determinados agentes em posições dominantes numa hierarquia que distingue os mais dos menos produtivos. Além dos recursos fornecidos pela sua obtenção, ser bolsista é um dos requisitos para solicitar outras modalidades de financiamento do CNPQ, cujo corpo avaliador de tais solicitações e dos pedidos de bolsa é constituído por esses mesmos agentes. Os autores ressaltam que há uma distribuição desigual entre as três grandes áreas do órgão, decorrente da estreita relação das hard sciences com a institucionalização dessa política, que impõe critérios quantitativos em seu regimento orientador. No comitê de Ciências Sociais, a Sociologia possui o maior número de bolsistas (219) em comparação com as demais áreas, com três representantes entre os 15 membros desse comitê: um vinculado à UFRGS, outro à USP e o terceiro à Universidade Federal de Pernambuco, todos eles, à época, programas de excelência.
É em tal âmbito que os requerimentos de benefício PQ são analisados, levando em conta o mérito do projeto de pesquisa submetido e, principalmente, a relevância da produção científica do candidato. Com exceção dos níveis a partir do 1A, para os quais, conforme Oliveira et al. (2022), o prestígio das trajetórias importa mais que os requisitos quantitativos. Concernente ao perfil dos 202 bolsistas ativos da Sociologia, em 2019, nota-se que, apesar de estarem distribuídos por 43 instituições, apenas 11 delas reúnem 64,35% dos pesquisadores. Do total, somente 2,5% dos bolsistas atuam em PPG que ofertam unicamente o curso de mestrado. Há também uma concentração regional em termos de vínculo e de formação doutoral, visto que 113 dos PQ atuam na região Sudeste e 118 se doutoraram nessa localidade. Ademais, a USP apresenta a maior quantidade de bolsas (20), enquanto a UFRGS (14) é a principal instituição que se contrapõe à concentração do eixo Rio-São Paulo. Segundo os autores, se, por um lado, este quadro traduz a distribuição desigual de capital científico e reafirma a posição dominante dessas instituições no campo, por outro, ele reflete a expansão da PG, registrando a participação de novos agentes neste espaço.
Ainda em um contexto de importância da produtividade acadêmica, Silva, Souza e Lima (2022) examinaram a publicação de artigos dos docentes ativos na área de Sociologia da Capes, com dados de 1980 a 2020, procurando capturar parte do capital de legitimidade ligado às métricas bibliográficas que são incorporadas nas lutas do campo científico. Lógica essa que é fundada na hegemonia das hard sciences, privilegiando uma excessiva metrificação em detrimento de outros modelos avaliativos da atividade de pesquisa. Indo adiante, demonstra-se que 41% de toda a produção se concentra nos estados de São Paulo (24%) e Rio de Janeiro (17%), com o Rio Grande do Sul (9%) em terceiro lugar. Contudo, a região que se opõe ao Sudeste é o Nordeste: a primeira com 14.615 mil artigos e a segunda com 6.486 mil. Os autores indicam que esses números representam a composição histórica da estrutura da disciplina no Brasil.
Frente a estes usos da acepção de que “[...] o campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições, solicitações etc., que são [...] relativamente independentes das pressões do mundo social global que o envolve” (Bourdieu, 2004, p. 21), observa-se uma ótica que enquadra as instituições e os agentes como constitutivos de um jogo singular. Dessa forma, a dimensão da ciência sociológica não é um espaço isolado e nem completamente orientado por determinações externas, todavia, devido ao fato de seu processo formativo estar vinculado à estrutura das agências de fomento, sua comunidade catedrática e o SNPG se encontram fortemente ligados à existência da Sociologia enquanto campo científico. Ou seja, um microcosmo que, ao mesmo tempo que goza de autonomia e de lógicas próprias, aproxima-se de outros microcosmos e é englobado por um cosmo maior (Bourdieu, 2004). Os PPGS, portanto, estão inscritos numa dinâmica cujo fundamento não reside exclusivamente na concorrência por financiamento, mas principalmente nas lutas pela visão legítima da prática sociológica.
3. Fundamentação da abordagem teórico-metodológica
Esta investigação se aproxima das abordagens que entendem as narrativas biográficas como fonte de dados pertinente para o fazer científico. Por efeito da ótica deste artigo, adota-se a noção de que “[...] os acontecimentos biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado” (Bourdieu, 2006, p. 190). Dessarte, evitou-se a visão das trajetórias e biografias enquanto movimentos coerentes e lineares, considerando o postulado de Passeron (1990) de que elas são frutos das interações entre a estrutura social e as ações dos agentes. Pois ao mesmo tempo que nelas são exercidas as influências estruturais pré-existentes, há também a capacidade de agenciamento. Os fluxos biográficos são uma continuidade de processos que traduzem a fluidez da vida social, marcada por rupturas, mudanças e incertezas. De forma que, no desenrolar das trajetórias, pode-se constatar a atualização do habitus pelos contextos percorridos.
Diante do exposto, este estudo instrumentaliza os relatos de cunho biográfico baseando-se na concepção de que pesquisar grupos acadêmicos dominantes é um recurso heurístico estratégico para o exame do campo científico, na medida em que se trabalha identificando os princípios cristalizados nas operações práticas das trajetórias (Hey; Rodrigues, 2017). Nesse rumo, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas que almejavam registrar as percepções e condutas operacionalizadas nos cenários de construção e realização dos percursos acadêmicos dos docentes do PPGS/UFRGS. A análise foi conduzida pela observação desses indícios contidos e depositados nos relatos, com foco nos pontos de convergência e divergência, a fim de compreender os elementos contextuais associados à consolidação e à continuidade (ou reprodução) da excelência do programa, notabilizada pelas avaliações da Capes.
3.1 Os interlocutores e o empreendimento da pesquisa
O PPGS/UFRGS iniciou a sua operação em 1972 como Mestrado em Sociologia e Ciência Política. Posteriormente, em 1979, a Antropologia tornou-se parte do curso, e apenas em 1985 as três áreas se constituíram como PPG independentes. No período de realização deste estudo, seu corpo docente era composto por 33 colaboradores, sendo 17 homens e 16 mulheres. Para selecionar os interlocutores considerou-se sujeitos que exerceram funções administrativas na universidade durante o processo de constituição e estabelecimento do curso – no rastro de que os relatos permitissem remontar e captar os posicionamentos gerados pelo habitus e as condições da prática, no sentido de fazer emergir informações acerca das dinâmicas do campo. Consecutivamente, parte dos outros interlocutores foram selecionados com base no destaque dado a eles enquanto agentes institucionais nas falas anteriores. Desse jeito, realizamos entrevistas junto a seis ex-coordenadores do programa, tendo como temas orientadores questões sobre: a formação universitária, o contexto familiar e o percurso docente.
Em um segundo momento, julgamos necessário dialogar com sujeitos de perfis diferentes: um que foi desligado do programa, outro que não concluiu nenhum grau de estudo na UFRGS e dois docentes mais jovens que tiveram a experiência de serem alunos do curso. Com exceção do primeiro, essas entrevistas seguiram um modelo próximo das demais, mas priorizando as suas vivências em um âmbito já consolidado. De modo geral, mesmo havendo um roteiro semiestruturado, privilegiou-se o protagonismo dos relatos na condução das conversas. No total, foram entrevistados dez interlocutores entre outubro de 2021 e fevereiro de 2024, sendo quatro homens e seis mulheres – conforme demonstrado no Quadro 1. Por isso, doravante, refere-se ao grupo no gênero feminino. Ademais, enfatiza-se que, na escrita do texto, privilegiamos a mobilização dos relatos transcritos, garantido o anonimato das interlocutoras e nomeando-as como tal. Para diferenciá-las, foram atribuídos números de 1 a 10 que seguem a ordem cronológica de realização das entrevias. Na transcrição, datas e outros atributos que pudessem comprometer a confidencialidade foram suprimidos, bem como as repetições e os coloquialismos que pudessem dificultar a leitura, desde que isso não comprometesse a integralidade do dado, alterando o sentido das falas registradas.
4. Análise das entrevistas
Um dos pontos de convergência dos relatos é a importância do doutoramento das docentes, sobretudo no Norte Global, ingressas entre 1970 e 1980. Esse processo de formação impediu o fechamento do programa e propiciou o aprendizado de diferentes modelos de universidade e do fazer acadêmico, conforme o Quadro 2.
Para além da acumulação de capital simbólico (Bordignon, 2018), o doutorado surge para elas como uma obrigatoriedade que, segundo a I-03, “[...] trouxe para o PPG uma pluralidade de orientações teóricas e de formações que enriqueceram o ambiente”. A Interlocutora enfatiza que a internacionalização está na base do PPGS/UFRGS “[...] em vista de que os professores tinham se formado fora, falavam outros idiomas” (I-03). Ao mesmo tempo:
[...] sempre teve uma relação com a hispano-américa que poucas universidades no Brasil tinham, e não era algo apenas nosso, era de muitos setores da universidade. [...] Creio que a UFRGS se internacionalizou antes de se nacionalizar, tanto a ida para outros países para fazer o doutorado quanto pelo contato com a hispano-américa (I-01).
Dessas conexões emergiram redes de colaboração: “[...] a relação com o Clacso1 [...] possibilitou que oito encontros fossem feitos aqui, então os grandes caras da América Latina estavam aqui em Porto Alegre” (I-01); “[...] nessas idas, o pessoal faz contatos [...] Depois, isso acaba possibilitando [...] um intercâmbio. Professores daqui vão para lá, [...] pessoas de lá vem para contribuir” (I-07). Nas entrevistas, o capital linguístico aparece como parte da bagagem cultural das agentes, cujas experiências, marcadas pelo trânsito internacional, foram fundamentais na determinação dos princípios orientadores da atividade científica praticada e ensinada na instituição. Outro fator determinante reside no vínculo com a sociedade civil e o poder público: “[...] erámos politizados, e isso foi para dentro da universidade [...], tem uma presença da UFRGS no mundo da política” (I-01); “[...] produzimos um conjunto de entendimentos baseados em ciência que ajuda a compreensão e a tomada de decisão dos atores mais importantes no Rio Grande do Sul [...]. Nós temos uma relação forte e embricada” (I-03)..
A circulação em tais âmbitos fomentou no programa uma conduta acadêmica preocupada com a aplicação do conhecimento produzido: “Sociologia se refere a uma realidade empírica, [...] isso de fato era uma linha estruturante, identitária” (I-06). Nas falas registradas, é ressaltada a percepção de que pesquisar envolve a articulação entre teoria e empiria. Essa valorização do empírico também era partilhada pelos integrantes do curso de sociologia rural, da Faculdade de Economia, que foi incorporado ao PPGS/UFRGS em 1994. Acontecimento que revela um atrito por posição no campo: “[...] a Capes começou a nos pressionar. Eles diziam que era inadmissível numa universidade ter dois programas na mesma área [...]. Só que ninguém queria perder terreno. Nós iríamos para a rural ou a rural viria para nós?” (I-04).
O desfecho desse impasse ocorreu somente com a garantia de um lugar próprio ao outro grupo: “[...] vamos criar um programa de pós-graduação [...] com mestrado e doutorado [...]. A sociologia rural vem para integrar [...] e assume uma linha de pesquisa” (I-04). Se, internamente, a construção do curso desdobrou embates internos, as agentes relembram, igualmente, os constantes conflitos externos com outras instituições:
[...] a área de Sociologia era dominada por USP, Unicamp2 e Federal do Rio de Janeiro. Eles se achavam os donos do “campinho”, [...] era uma troca entre Rio e São Paulo. E, na época, nós éramos avaliados, por que nós não íamos pra A?3 [...] meus colegas da USP diziam: “é que vocês fazem pesquisa local, nós fazemos pesquisa nacional”. [...] éramos considerados periferia [...]. Isso foi uma briga [...], começamos a refutar essa posição [...]. A gente ia pra Anpocs e brigava, a gente ia pra SBS e brigava, entende? Não, nós não somos periferia, nós somos uma parte do nacional (I-04).
Em tal relato, encontra-se cristalizada a luta em torno da visão legítima acerca do que é uma pesquisa sociológica de escala e significância nacional, definição que impactava diretamente nas aferições da Capes, cuja coordenação era monopolizada pelos indivíduos do eixo São Paulo-Rio. Então, o jogo em questão não é redutível à busca de um programa pela obtenção do conceito máximo, pois nele são os critérios definidores da excelência acadêmica que estão em disputa, movimentando as agentes e conformando o campo. Diante desse monopólio, as interlocutoras empreenderam uma contramedida: “[...] fizemos um planejamento para atingir a nota mais alta possível, o que envolvia até mesmo ocupar postos na Capes, CNPQ, Anpocs, SBS” (I-02). Elas enfatizam que:
[...] tu ser conhecido, tu trabalhar com os colegas, tu dividir os processos de avaliação, em suma, participar desse processo que, embora tenha sido construído pela Capes, todos os programas, através de seus representantes, participaram [...], quem fez parte desse processo construiu também os instrumentos de avaliação (I-05).
Isso corrobora as considerações acerca da estruturação da PG em torno de posições centrais (Miceli, 1995), consequentemente, as trajetórias fazem transparecer a proximidade partilhada entre as construtoras do campo (Hey; Rodrigues, 2017):
[...] nós conhecemos a sociologia do Brasil, nós construímos redes e possibilidades de pesquisa. Essa presença nacional pode ser tanto [...] nessas instituições nacionais de fomento ou de agregação quanto pela pesquisa e participação nos grupos. Esse pessoal da geração anterior à minha fez isso [...], eles construíram relações (I-03).
O conjunto das falas evidencia que, para as integrantes do PPGS/UFRGS, um certo volume de capital social e linguístico foi crucial para a acumulação de capital científico institucionalizado, fundamentado na conversão dos relacionamentos sociais em recursos eficientes no espaço de jogo. Afora os postos em instâncias e associações científicas, as interlocutoras detinham poder universitário: “[...] quando eu fui pró-reitor todo mundo pedia dinheiro para criar revista, [...] se tinha uma cultura da UFRGS já” (I-01). As entrevistadas convergem ao indicarem tal cultura institucional como algo fulcral para o estabelecimento do programa, sendo ela o resultado de uma política da UFRGS de fomentação da PG que criou e formalizou comissões e trâmites burocráticos específicos, determinando modos de organização e exigências tocantes à qualificação das docentes: “[...] tem que fazer capacitação [...], e você vai fazendo curso disso, curso daquilo, de gestão” (I-08). Essa busca pela qualidade é refletida no número de cursos de excelência da instituição: dos 90 programas (considerando os stricto sensu e lato sensu) avaliados no quadriênio 2017-2020, 22% receberam nota 7 e 28% nota 64. Logo, o PPGS/UFRGS não é um caso de sucesso isolado, pois metade dos PPG da universidade são classificados nos estratos mais altos.
Ainda acerca da dimensão do poder temporal, identifica-se uma relação dialética na qual as agentes, conforme disputam os princípios de hierarquização, moldam as regras e são moldadas por elas; concomitantemente, constroem e são construídas. Portanto, depositam nas instituições uma visão sobre os sentidos da excelência acadêmica e do fazer sociológico, a qual orienta suas próprias práticas. Ademais, estar presente antes da regra ser constituída como regra envolve a acumulação de uma espécie de capital informacional, essencial para o posicionamento adequado e ajustado às necessidades do jogo:
[...] quem tá na coordenação faz o relatório, não tem essa de terceirizar [...]. Porque tu é responsável por garantir que esteja no relatório a melhor apresentação possível do programa. Então, eu já participei da avaliação da Capes, isso faz toda diferença [...]. Não são números frios. Ou seja, tem os números, mas tem o “jogo” de como é que tu apresenta a informação, de como é que tu articula as informações (I-06).
Dessarte, o capital informacional encontra-se objetivado no âmbito institucional e nos corpos sob a forma de disposições relativas a uma maneira de pensar e existir, engendrando procedimentos de uniformização do corpo docente que residem tanto na coordenação do programa quanto nas condutas esperadas e exigidas de suas integrantes:
[...] eu resolvi normatizar e tomar as medidas, mas que já vinham sendo gestadas. Não era algo feito no conselho, pois havia alguns professores que identificávamos como complicados, que nunca tinham publicado um artigo, porque vinham de uma tradição diferente, [em] que não se precisava publicar, [em] que se tinha de pensar. Então, a discussão era feita em um grupo menor, na própria coordenação do PPG. A partir daí que chegamos nas resoluções que estabeleciam o mínimo para permanecer (I-03).
Eu fui desligada [...] digamos que eu era peso morto no programa [...] isso aí é uma coisa que vem se repetindo há muito tempo, todo mundo reclama disso, que é muito o padrão de ciências exatas que rege a avaliação (I-07).
Tais trechos reforçam a influência das hard sciences sobre a estruturação do campo científico (Oliveira et al., 2022) e visibilizam a oposição entre visões distintas da prática acadêmica. Nesse embate, as agentes, detentoras de poder temporal, utilizaram de seu capital universitário para definirem os critérios requeridos para o ingresso e a permanência no programa. Pela ocupação de posições dominantes, elas também asseguraram o controle das instâncias de reprodução do corpo docente ao articularem a administração do PPGS/UFRGS à coordenação do departamento de sociologia:
[...] não havia indicação de nomes, mas o perfil: “importante que o concurso selecione pessoas que tenham esse perfil de pesquisa, de produção” [...] a ideia era meio que uma mudança desse perfil de pós-graduação, do departamento. Não é à toa que hoje todo o departamento está na pós-graduação, houve essa mudança efetivamente, mas havia essa ideia, essa escolha de quem ia entrar e quem não ia, tinha a ver com esse perfil também, pessoas que de fato respondessem a um perfil mais competitivo, digamos assim, que de fato conjugassem isso, a pesquisa com o ensino e tal (I-06).
Contudo, essas características não versam unicamente a respeito de competências técnicas, porquanto são as disposições, concernentes a um senso científico, que tornam as possíveis futuras docentes aptas para integrarem o grupo. Especificamente, trata-se de uma “[...] forma visceral de reconhecimento de tudo o que faz a existência do grupo, sua identidade, sua verdade, e que o grupo deve reproduzir para se reproduzir” (Bourdieu, 2019, p. 87). Assim, são selecionadas aquelas com os habitus mais ajustados ao jogo, dotadas da capacidade de serem jogadoras e jogarem com seriedade:
Aqui tem um projeto, eu tenho que seguir isso, eu tenho que fazer isso, as pessoas estão olhando, estão cobrando [...]. E aí a gente sente que está em briga de “cachorro grande” e não quer ficar de fora. Tem os constrangimentos também, que são muito explícitos, então, ser rebaixado a colaborador, né. Como é que você se mantém como permanente? Aí acaba que quem não entra nessa acaba saindo fora ou não entra no “clube” (I-08).
Para além do senso requerido, os procedimentos de uniformização selecionam aquelas dispostas a fazer com que o corpo docente “[...] exista por e para o grupo ou, mais precisamente, em conformidade com os princípios que estão no fundamento de sua existência” (Bourdieu, 2019, p. 87). Ao longo dos relatos, as entrevistadas expõem o modo de pensamento vinculado ao percurso de formulação do PPGS/UFRGS enquanto grupo:
Tem que pensar institucionalmente. Acho que esse espírito institucional foi uma coisa que ficou marcada. [...] Quando a geração mais nova chega, [...] que hoje já estão quase se aposentando, eles já chegam num ambiente que tinha essa característica. [...] Esse trabalho de equipe foi para construir o programa, consolidar o programa, ter como característica a responsabilidade institucional (I-04).
[...] a gente que continuou e consolidou o caminho de seguir as regras [...] de criar regras a partir das regras da Capes [...], mas não para nos autodestruirmos, pois há um limite que, se tu fizer uma coisa que vá minar as relações no PPG, não vale a pena. Sempre procuramos estabelecer relações amistosas, mesmo que tu não goste de alguém, isso é uma coisa individual. E nós tentamos passar isso para a próxima geração, de existir uma coisa coletiva. O limite é a preservação das nossas relações, a existência de uma força coletiva, algo que passa de geração em geração (I-03).
“Aquilo que é publicado, explicitado, constituído como regra [...] torna-se algo de universal que pode ser reproduzido por qualquer pessoa” (Bourdieu, 2023, p. 324). Ora, é justamente pelo efeito social dessa oficialização que se efetua a imposição simbólica da visão dominante. Fato que não implica reduzir as ações empreendidas a um cálculo racional, dado que as estratégias advêm, em sua maioria, da naturalização das regularidades objetivas. De um senso cujas condutas apoiam-se na crença de como as coisas devem ser:
[...] esforços foram feitos em termos de transparência da administração do programa [...], tanto da administração da gestão financeira quanto da gestão acadêmica [...]. Dos processos de seleção, dos processos de gestão acadêmica e a comunicação com os alunos, que faz parte desse esforço de transparência, de participação, de mostrar como funciona, de ouvi-los, de mostrar o que está acontecendo, de os colegas saberem como estão sendo tomadas as decisões [...]. Então o coordenador não decide sozinho, ele toma as decisões de maneira colegiada e responde por elas de maneira colegiada (I-05).
No caso, a institucionalização de comissões, normas/regimentos e, amplamente, de uma organização do programa, que integra alunas e professoras, são ações de agentes que assimilaram a constituição de regras e a disputa em torno delas como algo inerente à vida acadêmica, logo, de habitus interessados por se colocarem em regra. Adicionalmente, a instauração de uma gestão colegiada permite a conciliação de eventuais interesses divergentes, ao mesmo tempo evitando que pretensões individuais sejam priorizadas em detrimento da manutenção do grupo. Paradoxalmente, tal senso coletivo suscita a constante exclusão daquelas que não se adequam (ou deixam de se adequar) aos parâmetros de qualidade impostos.
Apesar disso, a unidade do PPGS/UFRGS é relatada como uma característica das condições de socialização produzidas: “[...] tem praticamente um grupo de pesquisa, pelo menos, para cada linha, mas não tem uma competitividade entre as linhas [...] é um espírito de coletividade, porque os grupos não são isolados, a gente circula” (I-08). Esses coletivos, inclusive, são lugares de incorporação do senso científico cultivado na instituição, conforme apontado pelo I-09 ao relembrar sua vivência durante a graduação, enquanto beneficiário do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC):
[...] de aprender essa coisa na prática, que é o que eu comecei a gostar de fazer. [...] Então, a pesquisa, na verdade, não aprendi com o currículo, tem poucas disciplinas metodológicas no curso. E daí também, como o curso meio que não te incentiva a seguir outros caminhos [...] era o óbvio seguir carreira acadêmica (I-09).
Na minha experiência, por que eu decidi ir para o PPG quando tava entrando no mestrado? É isso [...], eu gostava do meu grupo de pesquisa, era um lugar onde eu morava [...], eram relações que não passavam somente pelo trabalho (I-09).
Embora a formação do Interlocutor 09, no curso de Ciências Sociais, apresente um contato inicial com o trabalho científico, ele sugere: “[...] talvez tenha até um certo descompasso entre aquilo que a gente aprende na graduação e aquilo que aprende na pós [...], era um PPG que tinha essa preocupação da pesquisa empírica rigorosa, ter que levar a sério isso” (I-09). A partir desses trechos, pode-se elencar três indícios: 1) a insuficiência do referido curso de graduação, à época, em proporcionar uma educação voltada à atividade investigativa, mesmo que, contraditoriamente, direcione as estudantes para a vida acadêmica – o que é respaldado pelas ponderações de Baltar e Baltar (2018) acerca da confusão, nos currículos, do ofício técnico com o de professora universitária; 2) a capacidade do PPGS/UFRGS de objetivar meios que favorecem a “[...] incorporação das estruturas de carreiras prováveis (para o conjunto de uma geração e para um indivíduo particular, dotado de propriedades particulares)” (Bourdieu, 2019, p. 202), inculcando e reforçando as disposições necessárias para engendrar novas jogadoras; e 3) uma possível desigualdade de oportunidades de iniciação científica nos grupos de pesquisa ligados ao programa, acarretando habitus menos preparados e adequados para a competição pelas posições cobiçadas no campo.
O terceiro indício elencado é reforçado pelo relato do Interlocutor 10, o qual cursou Ciências Sociais na UFRGS e foi beneficiário do PIBIC, todavia, sem estar inserido em tais grupos. Se, por um lado, ele expressa consonância com a visão acadêmica do PPGS/UFRGS, tendo incorporado os saberes cristalizados na objetividade da instituição (por exemplo, na organização curricular, nos editais de seleção etc.), por outro, ele enfatiza ter ocupado uma posição marginalizada, o que reduziu suas possibilidades de inserção em redes de pesquisa:
Sempre distante, jamais estive próximo [...] fiz cadeira com todo mundo que interessava para a minha pesquisa, mas [...] nunca fui chamado para nada [...] minha existência era absolutamente ignorada ali dentro [...] eu era um estudante dedicado, que tinha boas notas, que não era uma vergonha para o programa; nunca me senti assim [...]. Mas nunca estive dentro de nada: grupo de pesquisa, publicação (I-10).
Diante da análise das entrevistas, o presente estudo considera que o sucesso institucional do PPGS/UFRGS se associa a uma conjuntura de fatores que convergem para a produção de um grupo disposto a jogar o jogo da excelência acadêmica. Entre os quais o doutoramento de algumas docentes em universidades estrangeiras foi um elemento contextual relevante para o aprendizado de diferentes modelos do fazer acadêmico. Acontecimento que tanto facilitou a criação de redes de colaboração quanto aprofundou a internalização característica da UFRGS. Ainda nessa direção, o vínculo com a sociedade civil e o poder público convergiu para a definição de uma Sociologia preocupada com o impacto social do conhecimento científico. Esses ditames, entendidos na condição de uma energia social, foram cruciais para a acumulação de capital científico institucionalizado.
Mediante o acúmulo do poder temporal, as agentes colocaram-se na disputa pelos sentidos da pesquisa sociológica, concorrendo pela definição dos critérios de hierarquização do campo. É também pela ocupação de posições que se dá a acumulação de capital informacional utilizado no ajustamento das ações às demandas deste microcosmo e do cosmo global. No mais, a cultura institucional da UFRGS integra o cenário de formalização de regras, que, no âmbito interno, demarcou critérios para o ingresso e permanência na pós, juntamente de um perfil exigido na seleção de novas docentes (e discentes). Desta forma, instaurou-se uma contínua uniformização das integrantes do programa, atitude igualmente influenciada pelas avaliações da Capes. Concomitante, determinou-se uma gestão colegiada do programa, priorizando a conciliação de interesses e a manutenção do espírito coletivo do grupo, pois é justamente nesta classe de habitus que reside a coesão das agentes. Ademais, observa-se, por intermédio da objetivação da experiência socialmente constituída, a potencialidade do PPGS/UFRGS (re)produzir jogadoras ajustadas ao jogo e selecioná-las.
Com base nisso, propõe-se que o programa é composto por diferentes gerações docentes, que, gradualmente, formularam uma herança cultural acerca do campo científico, transferida entre as agentes. Entende-se tais classes enquanto tipos ideais, na acepção de Bourdieu e Passeron (2018), na qual esse instrumento é um recurso heurístico para analisar condutas em relação a fins. Neste recorte, a primeira geração seria a das construtoras institucionais (ingressas na universidade entre 1970 e 1980), agentes que eram, inicialmente, “empurradas pelas instituições”, seguindo as determinações da Capes e da UFRGS, que não se limitam a construtoras do programa porque atuaram igualmente na construção do próprio campo acadêmico da Sociologia no Brasil. A segunda geração seria a das arquitetas, adentrando na década de 1990 e dando continuidade ao aprimoramento da gestão do PPGS/UFRGS.
Juntas, elas administraram conflitos internos e externos, armazenando, na objetividade da instituição, um modo de pensar. O que implicou, aliás, a exclusão de algumas construtoras (vide a I-07) cujo habitus não acompanhou as transformações do campo. Posteriormente aos anos 2000, ingressam as herdeiras, docentes formadas pelo PPGS/UFRGS, já em uma instituição de excelência, sendo destinada a elas a incumbência de formar as futuras gerações. Esse grupo divide-se em herdeiras diretas e indiretas, dado que, como se viu, a herança inerente ao espaço constituído é apropriada de maneira desigual. Por fim, há as migrantes, professoras vindas de outras universidades e/ou programas (como o de Antropologia), que são selecionadas pela sua capacidade de jogarem o jogo com seriedade.
5. Considerações finais
Esta análise identificou cinco eixos ligados ao sucesso: a cultura institucional da UFRGS, a acumulação de capital científico institucionalizado e informacional, a uniformização do corpo docente, a institucionalização de normas e de uma gestão coletiva, a capacidade de produzir herdeiros e selecionar jogadoras externas ao programa e o espírito de coletividade do grupo, postulando, então, a existência de gerações docentes: construtoras, arquitetas, herdeiras (diretas e indiretas) e migrantes. Em suma: as construtoras e arquitetas teceram uma instituição que não apenas sabe cumprir regras, mas sabe impor sua visão de mundo, transformando-a em regra. Não há esforços demasiados para produzir, trabalhar em grupo, criar redes de pesquisa ou assumir posições em associações e instâncias científicas – elas assim o fazem porque isso faz parte de quem elas são. Trata-se de um grupo que estabeleceu uma regra que é seguir as regras e jogar com elas, construindo um corpo que é capaz de se atualizar constantemente, reproduzindo a si mesmo em suas herdeiras e recrutando migrantes qualificadas: “[...] o corpo é portanto uma espécie de identidade coletiva que será objeto de preocupações coletivas, de estratégias coletivas, ele vai ser gerado coletivamente [...]. A identidade coletiva é conhecida e reconhecida socialmente” (Bourdieu, 2023, p. 197-198).
À guisa de conclusão, importa enfatizar que este estudo versa a respeito de uma análise situada em um tempo e configuração específica do campo, de uma situação estabelecida. Logo, não se aponta que o PPGS/UFRGS será sempre nota 7, pois os critérios de hierarquização mudam constantemente e os contextos de desajuste podem ser inevitáveis. Ou seja, o campo seguirá mudando e sendo transformado pelo movimento contínuo dos agentes. Entende-se que os resultados deste artigo tanto corroboram investigações anteriores quanto acrescentam novos achados ao estado do conhecimento, principalmente acerca de como um programa dominante tornou-se dominante, evidenciando posicionamentos que se encontram inscritos na lógica do campo em questão e no qual são desdobradas disputas em torno da visão legítima da prática científica que marcaram a construção do PPGS/UFRGS enquanto corpo, produto de uma “[...] alquimia que consiste em transformar a proximidade num dado espaço em proximidade eletiva, em alianças, em laços proclamados” (Bourdieu, 2023, p. 195).
Agradecimentos
Agradecemos à Professora Maria Eduarda da Mota Rocha (UFPE) e aos Professores Sérgio Miceli (USP) e Carlos Benedito Martins (UnB) pelo convite para participar da investigação que resultou neste artigo, assim como os comentários feitos ao longo das discussões realizadas no âmbito do grupo de pesquisa, que, evidentemente, ajudaram a melhorar o texto. Também agradecemos a Alexandre Manzoni, eterno pai do Ben, pelo auxílio na transcrição das entrevistas.
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1
Conselho Latino-americano de Ciências Sociais.
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2
Universidade Estadual de Campinas.
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3
Anteriormente à avaliação por notas de 1 a 7, a Capes utilizava letras, sendo A o estrato máximo.
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4
É possível confirmar esse dado nas informações sistematizadas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2025).
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Fonte de financiamento:
Nenhuma.
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Aprovação do Comitê de Ética:
Nada a declarar.
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Disponibilidade de Dados:
Os dados da pesquisa estão disponíveis no corpo do artigo.
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Uso de tecnologia assistida por inteligência artificial: Os autores declaram que não foram utilizadas ferramentas de inteligência artificial na pesquisa aqui relatada ou na preparação deste artigo.
Referências
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Editado por
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Editor:
Bernardo Caprara (UFRGS, Brasil).
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Nov 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
21 Mar 2025 -
Aceito
01 Ago 2025
