RESUMO
Em trabalho conduzido no campo na safra 2020/211 quantificou-se durante o ciclo da soja a flutuação semanal de conídios de Peronospora manshurica disseminado pelo ar. Na captura dos esporos foi utilizado o coletor de esporos da Smart Agri, instalado em sete de dezembro no dia da semeadura da soja com exposição semanal das lâminas e estendendo-se até 12 de abril de 2021. Os primeiros esporos foram coletados no dia 25 de janeiro, chegando a zero em 22 de março com um total coletado de 1845. Concluiu-se que os esporos coletados, 40 dias após a semeadura, tiveram origem dentro da área monitorada e não de fonte externa. Finalmente, estes dados pioneiros da aerobiologia de P. manshurica, não visam o seu uso como um critério indicador do momento para o início da aplicação de fungicidas na soja.
Palavras-chave
coletor de esporos; disseminação anemófila; fonte de inóculo;
Glycine max
ABSTRACT
In a study conducted in the field during the 2020/211 soybean season, the weekly fluctuation of Peronospora manshurica conidia present in the air was quantified. To trap the spores, a Smar Agri spore collector was installed on December 7, the day of soybean sowing, including weekly exposure of microscopic slides, which extended until April 12, 2021. The first spores were collected on January 25, reaching zero on March 22, which accounted for1,845 total spores collected. It was concluded that the spores collected 40 days after sowing originated within the monitored area and not from an external source. Finally, these pioneering data on P. manshurica aerobiology are not intended to be used as a criterion to indicate the moment to start applying fungicides to soybeans
Keywords
spore collector; anemophilous spore dissemination; inoculum source;
Glycine max
A aerobiologia aplicada à fitopatologia estuda os esporos de fungos presentes na atmosfera. Sua aplicação procura relacionar sua presença e flutuação sazonal do inóculo na previsão de doenças. O sistema de aviso de ocorrência de doenças tem como fundamento o triângulo dos fatores determinantes de moléstias: hospedeiro, patógeno e ambiente favorável (1). A maioria dos sistemas de alarme de doenças tomam como base as condições climáticas requeridas ao processo infecioso (9) e alguns poucos o monitoramento do patógeno (2).
Os esporos dos fungos patogênicos da soja [Glycine max (L.) Merr. ] podem ser classificados como secos e molhados (sensu Maude) (5). Os esporos molhados são produzidos em picnídios como em Diaporthe longicolla Thomas W. Hobbs, Septoria glycines Hemmi e em acérvulos como em Colletotrichum truncata Andrus & Moore. Nestes corpos de frutificação os conídios são envolvidos por numa mucilagem de tal maneira que são removidos pelo impacto de gotas de chuva ou diluídos e transportados pelo escorrimento da água e transportados sempre veiculados a gotículas de água da chuva na forma de respingos ou aerossol produzido pelo vento.
Por outro lado, os secos, como Phakopsora pachyrhizi Sydow & Sydow., Cercospora spp., Corynespora cassiicola (Berk. & Curt.) Wei., Erysiphe diffusa (Cooke & Peck) Braun & Takam e Pernonospora manhsurica (Naoumoff) Sydow são removidos dos esporóforos e transportados pelo vento e, portanto, coletados em amostragem do ar.
O míldio da soja, causado por P. manshurica, um parasita biotrófico, sobrevive em plantas voluntárias, na forma de oosporos sobre as sementes e em tecido foliar morto. No seu ciclo de vida, quando a semente é semeada em solo com temperatura de 10 - 20oC, os oosporos germinam, penetram os cotilédones e, via xilema, atingem o primeiro para de folhas unifolioladas onde esporula abundantemente na face adaxial dando origem aos ciclos secundários (4).
A aerobiologia gera informações que permitem a identificação das fontes de inóculo, sua produção semanal, sazonal ou anual e relacionar o momento da detecção do inóculo com o surgimento da doença.
Por essa razão, trabalhou-se com a hipótese de que os esporos secos, como os de P. manshurica, podem estar presentes/coletados antes da ocorrência de sintomas/sinais na área monitorada indicando que o inóculo tem origem em fonte externa da área monitorada. Essas fontes de inóculo podem ser plantas voluntárias de soja. Por tanto, na área monitorada quem é detectado primeiro, o inóculo ou a doença pelos sintomas/sinais.
Os objetivos desta pesquisa foram determinar: (i) se o coletor Smart Agri pode ser utilizado em aerobiologia de fungos patogênicos à soja; (ii) identificar e quantificar esporos de P. manshurica, determinando sua flutuação sazonal e, (iii) esclarecer se o inóculo tem origem na área monitorada ou em fontes externas.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi conduzido na Estação experimental do Instituto Agri, ERS – 324, Km 69, Passo Fundo/RS, (28o12’18’’ latitude, 52o29’45’’ longitude, e altitude 660 m a.n.m.).
Na área monitorada, a soja, cultivar Ativa, foi semeada em 6 de dezembro de 2020 e no mesmo momento instalado o coletor de esporos Smart Agri (https://smart.agr.br). Esse aparelho dotado de uma placa solar, motor e hélice succionando 216 m3 de ar em 24 horas.
As lâminas de microscopia (25 x 76 mm), utilizadas no aparelho para a coleta por impacto dos esporos, foram expostas por sete dias, removidas e repostas nas segundas-feiras. Nessas lâminas, contendo uma área com fita adesiva de dupla-face, foi demarcada uma área de 1,0 cm2 para o exame microscópico. Foi utilizado como líquido de montagem glicerina 10% em água e coberto com lamínula de 18 x 18 mm.
O exame das lâminas foi feito ao microscópio ótico Zeiss Axiostar plus, com um retículo micrométrico na ocular e 400 x de magnificação. Como não houve a necessidade de expressar as dimensões em micrômetros (µm), utilizou-se nas medidas somente as divisões do retículo.
Previamente, foram preparadas lâminas padrões com esporos removidos de folhas com sinais das doenças e utilizadas no treinamento de laboratoristas na identificação dos gêneros de fungos da soja com esporos secos: C. kikuchii, E. difusa, P. manshurica e P. pachyrhizi.
A leitura da primeira lâmina exposta por sete dias foi feita no dia 14 de dezembro de 2021. Partículas de material orgânico, grãos de pólen, escamas de asas de lepidópteros, insetos pequenos, ácaros, estruturas de fungos como conidióforos e esporos em grande número de gêneros foram visualizados.
Na identificação do gênero considerou-se como conídios de P. manshurica a cor (hialinos), a morfologia (quase esféricos) e o tamanho com ≤ 10 divisões do retículo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O desafio do laboratorista foi diferenciar com precisão os uredosporos de P. pachyrhizi dos conídios de P. manshurica, muito semelhantes. Os esporos de Peronospora, hialinos quase esféricos, paredes lisas, mediram em média no menor diâmetro 7 – 9 divisões e no maior 8 – 10 divisões com uma relação maior/menor diâmetro de 1,026. Os uredosporos de P. pachyrhizi, hialinos, ligeiramente ovalados, equinulsdos com média do menor diâmetro 9-10 e do maior 11 – 14 divisões do retículo com relação maior/menor diâmetro de 1,325.
Os esporos coletados em maior quantidade foram os de P. manshurica sendo os primeiros capturados em 25 de janeiro, atingindo um pico em 25 de fevereiro e daí em diante declinando até chegar a zero 29 de março (Fig. 1). No período do levantamento foram coletados 1858 esporos.
Flutuação quantitativa de conídios de Peronospora manshurica, disseminados pelo vento durante o ciclo da soja. Coleta acumulada numa área de 1,0 cm2 e exposição por sete dias.
É provável que a principal fonte de inóculo de P. manshurica foi a semente infectada, por isso, os sintomas/sinais primeiro surgiram na área amostrada (dados não apresentados) e após os conídios detectados pelo coletor (4). A área foi semeada em sete de dezembro e os primeiros esporos coletados em 25 de janeiro, 48 dias após a semeadura sendo também um indicador de que os esporos coletados tiveram origem na área monitorada (Fig. 1).
O período de coleta dos esporos de P. manshurica, parasita obrigado, coincidiu com o desenvolvimento do ciclo da soja (folhas verdes). O míldio se desenvolve principalmente em folhas jovens quando é mais frequente a presença de sintomas/sinais como áreas amarelecidas que se tornam-se necróticas e cessando a esporulação quando avança o envelhecimento das folhas (4). Os dados da Figura 1 confirmam essa afirmação.
Estudos da disseminação anemófila dos esporos secos de patógenos da soja podem ser realizados com o coletor Smart Agri. Foram identificados e quantificados esporos de Cercospora spp., C. cassiicola, E. diffusa, P. manshurica, P. pachyrhizi. No entanto a distinção entre P. manshurica de P. pachyrhizi exigiu mais conhecimento. É possível que em trabalhos da aerobiologia de P. pachyrhizi conduzidos no Brasil possam estar sendo confundidos seus uredosporos com os conídios de P. manshurica, muito semelhantes (3, 6, 7, 10). Esses autores, utilizando um coletor de esporos ‘Siga’ e não fizeram referência a presença de conídios de P. manshurica.
Num sistema de previsão de doença baseado no inóculo é fundamental se identificar com precisão se primeiro surge o inóculo na área monitorada e após a doença, no caso o míldio. Se for fato verdadeiro que primeiro surgem os esporos e depois o míldio e não o inverso, esses esporos devem ser coletados antes da semeadura.
Outros autores também tem utilizando a detecção de uredosporos com coletores de esporos para indicar o momento da primeira aplicação de fungicidas visando ao controle da ferrugem (3, 7, 10).
Certamente, que sendo demonstrada a relação entre primeiros esporos coletados com os primeiros sintomas/sinais na área monitorada o sistema de monitoramento de esporos pode ser usado como indicador do momento da primeira aplicação de fungicidas na cultura da soja.
Os dados oferecem suporte para se concluir que os primeiros esporos somente foram coletados após o míldio ser identificado como incidência foliolar na área monitorada, tendo a semente infectada como a principal fonte de inóculo, pois na área monitorada não haviam plantas voluntárias.
A densidade do inóculo primário é a menor no início da epidemia, porém, mesmo assim se a fonte de inóculo tem origem fora da área monitorada, deveria ser coleta antes e logo após a semeadura. No presente trabalho, se passaram 49 dias desde a semeadura (7 de dezembro de 2020) até a detecção dos primeiros 6 conídios (25 de janeiro de 2021). Esse fato é uma forte evidência de que o inóculo foi resultante de ciclos secundários da doença na área monitorada.
Outra hipótese que se pode aceitar é de que devido a sensibilidade do coletor é necessário amento da densidade de conídios em sua proximidade para serem coletados. O coletor succionando 266 m3 de ar em 24 h necessitou 13.034 m3 para coletar 6 conídios.
Em futuros estudos que visem melhorar a precisão da aerobiologia de patógenos da soja se sugere, paralela e semanalmente, monitorar os esporos no ar e a doença pela incidência foliolar e não a severidade pouco sensível. Com tais dados se deve traçar as curvas de progresso do inóculo e da epidemia da doença alvo.
A hipótese formulada de que os esporos de P. manshurica capturados tem origem fora da área monitorada não foi confirmada. Se pode inferir que o inóculo teve origem, principalmente, das sementes e não das folhas mortas da safra anterior completamente decompostas. Não se encontrou na literatura consultada dados da viabilidade dos oosporos livres no solo.
O coletor utilizado pode ser usado em estudos de aerobiologia de esporos de fungos fitopatogênicos de outras culturas;
A fonte de inóculo de P. manshurica foi a área monitorada sendo os conídios capturados originados de ciclos secundários;
A mesma metodologia usada pode ser aplicada à P. pachyrhizi;
O momento da detecção do inóculo pode ser utilizado num sistema de aviso de ocorrência de doenças.
Finalmente, estes dados pioneiros da aerobiologia de P. manshurica, não visam o seu uso como um critério indicador do momento para o início da aplicação de fungicidas na soja. A aplicação de fungicidas deve ser feita em doenças cujos danos econômicos sejam justificados, não sendo o caso do míldio da soja.
REFERÊNCIAS
- 1 Agrios, G.N. Plant pathology 5th ed. New York: Academic Press, 2004. 635p.
- 2 Berger, R.D. A celery early blight spray program based on disease forecasting. Florida Agricultural Experiment Stations. Journal Series, Gainsville, v.3369, p.107-111, 1969.
- 3 Gardiano, C.G.; Balan, M.G.; Falkoski Filho, J.; Camargo, L.C.M.; Oliveira, M.; Igarashi, W.T.; Sudo, L.T.; Igarashi, S.; Abisaab, O.J.G.; Canteri, M.G. Manejo químico da ferrugem asiática da soja, baseado em diferentes métodos de monitoramento. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.77, n.3, p.497-504, 2010.
- 4 Hildebrand. A.A.; Koch, L. W. A study of systemic infection by downy mildew of soybean with special reference to symptomatology, economic significance and control. Scientific Agriculture, Beni Suef, v.31, n.12, p.505-18, 1951.
- 5 Maude, R.B. Seedborne diseases and the control principles and practice Oxon: CAB Internacional, 1996.
- 6 Minchio, C.A.; Canteri, M.G.; Rocha, J.A. Interação hospedeiro, condições ambientais e presença de uredosporos no ar no controle de Phakopsora pachyrhizi. In: Congresso Brasileiro de Soja, 4., 2012, Cuiabá. Resumos Cuiabá: Embrapa, 2012. p.148.
- 7 Oliveira, G. M.; Heling, A. L; Possamai, E. J.; Claudine Dinali Santos Seixas, C. D. S.; Conte, O.; Igarashi, W. T.; Igarashi, S. Coletor de esporos: descrição, uso e resultados no manejo da ferrugem asiática da soja. Londrina: Embrapa Soja, 2020. (Circular técnica, 167).
- 8 Reis, E.M; Santos, H.P. População de Helminthosporium sativum no ar quantificado através de uma armadilha tipo cata-vento. Fitopatologia Brasileira, Brasília, v.10, p.515-519, 1985.
- 9 Reis, E.M. Previsão de doenças de plantas Passo Fundo: Editora da Universidade de Passo Fundo, 2004.
- 10 Sarto, S.A.; Duarte Junior, J.B.; Stangarlin, J.R.; Kuhn, O.J.; Costa, A.C.T. Da.; Sarto, M.V.M. Utilização do coletor de uredosporos como indicador do momento da aplicação de fungicidas para o controle da ferrugem asiática na cultura da soja. In: Congresso Brasileiro de Soja, 4., 2012, Cuiabá. Resumos Cuiabá: Embrapa, 2012. p.146.
Editado por
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EDITOR CIENTÍFICO:
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José Otávio Machado Menten https://0000-0002-9644-5770
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
13 Maio 2025 -
Aceito
16 Maio 2025


