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Desenvolvimento local, concertação social e governança: a experiência dos pactos territoriais na Itália

Resumos

O objetivo do artigo é resgatar a trajetória da problemática do desenvolvimento local desde os estudos sobre a industrialização difusa até suas modalidades políticas mais recentes e programas territoriais descentralizados nos anos 90. Do ponto de vista analítico, o artigo procura mostrar o deslocamento conceitual produzido pela incorporação do tema das estruturas de governança e dos mecanismos de regulação social. Do ponto de vista empírico, analisa o perfil das intervenções fundadas na lógica da concertação social no caso dos pactos territoriais na Itália, sublinhando suas inovações, diversidade e o peso das dimensões históricas e político-institucionais.

Desenvolvimento local; Concertação social; Pactos territoriais


This paper aims to retake the path of the local development problematic since the studies on diffuse industrialization until the most recent political modalities and territorial decentralized programs of the 1990´s. From the analytical point of view, the article aims at showing the conceptual displacement produced by the incorporation of structure governance issues and social regulation mechanisms. From the empirical point of view, it analyses the profile of the interventions based on the logic of social concertation in the case of territorial pacts in Italy, underlining your innovations, diversity and the weight of historical and political-institutional dimensions.

Local development; Social concertation; Territorial pacts


Desenvolvimento local, concertação social e governança: a experiência dos pactos territoriais na Itália

Jorge Ruben Biton Tapia

Professor do Instituto de Economia da Unicamp, Coordenador dos Centros e Núcleos de Pesquisa da Unicamp

RESUMO

O objetivo do artigo é resgatar a trajetória da problemática do desenvolvimento local desde os estudos sobre a industrialização difusa até suas modalidades políticas mais recentes e programas territoriais descentralizados nos anos 90. Do ponto de vista analítico, o artigo procura mostrar o deslocamento conceitual produzido pela incorporação do tema das estruturas de governança e dos mecanismos de regulação social. Do ponto de vista empírico, analisa o perfil das intervenções fundadas na lógica da concertação social no caso dos pactos territoriais na Itália, sublinhando suas inovações, diversidade e o peso das dimensões históricas e político-institucionais.

Palavras-chave: Desenvolvimento local. Concertação social. Pactos territoriais.

ABSTRACT

This paper aims to retake the path of the local development problematic since the studies on diffuse industrialization until the most recent political modalities and territorial decentralized programs of the 1990's. From the analytical point of view, the article aims at showing the conceptual displacement produced by the incorporation of structure governance issues and social regulation mechanisms. From the empirical point of view, it analyses the profile of the interventions based on the logic of social concertation in the case of territorial pacts in Italy, underlining your innovations, diversity and the weight of historical and political-institutional dimensions.

Key words: Local development. Social concertation. Territorial pacts.

Nos anos 90, a relevância da temática do desenvolvimento local e das políticas descentralizadas cresceu em razão da estratégia européia de reforço dos programas de descentralização para as regiões, do acirramento da competição entre elas, e das próprias dificuldades de sistemas econômicos locais.

Há um relativo consenso por parte dos autores de que entre os principais vetores de mudanças que ocorreram nesse período estão:

- o aprofundamento do processo de globalização capitalista e a incorporação da produção flexível, provenientes das grandes empresas multinacionais, que impuseram novos desafios ao modelo de desenvolvimento endógeno dos distritos industriais;

- a política regional européia, que procurou estimular o desenvolvimento local não mais como resgate de situações históricas bem-sucedidas, mas como o resultado da adoção de novas orientações de políticas públicas e de arranjos institucionais e de interação estratégica entre o público e o privado;

- o surgimento de problemas de saturação no interior dos distritos industriais ligados a questões ambientais, ao aumento do individualismo em detrimento de estratégias coletivas, à necessidade de desenhar estratégias inovadoras ante os impactos da globalização e das grandes empresas multinacionais no território.

Do ponto de vista teórico, impõe-se a reflexão que emerge da imbricação entre a problemática dos distritos industriais e aquela do desenvolvimento local apoiado em estratégias de governança do tipo "concertação social". Estas foram estimuladas pela política européia de desenvolvimento regional apoiada na lógica do diálogo social (TAPIA, 2005a; 2005b) e também pelas orientações dos governos nacionais materializadas nos pactos territoriais. O resultado foi a constituição de uma nova agenda, marcada pela introdução de inovações institucionais, e de uma nova lógica de desenho e implementação de programas e políticas de desenvolvimento local.

Em outras palavras: há uma nova agenda teórica e de policy que foi fortemente impulsionada - seja pelas políticas regionais desenhadas no âmbito da Comunidade Européia, seja por aquelas elaboradas pelos diferentes governos nacionais - direcionadas para o incentivo da revitalização de áreas economicamente decadentes e para a reorientação de outras rumo a novas vocações econômicas. São duas as principais proposições deste artigo. Primeiro, do ponto de vista teórico, a literatura ao longo das últimas décadas tem-se deslocado da reflexão sobre as condições históricas de surgimento de sistemas econômicos locais e distritos industriais para uma outra mais ampla. Nesta, a reprodução e a transformação dos sistemas locais de inovação e dos modelos de desenvolvimento local, no atual quadro de transformações econômicas globais, dependeriam das modalidades de regulação social e de estruturas de governança locais. Essas estruturas de governança seriam resultantes da ação coletiva de um sistema de atores - públicos e privados - que interagem dentro de um contexto espacial, institucional, político e cultural específico. Segundo, a experiência de políticas de desenvolvimento local na modalidade de pactos territoriais, apoiada em estratégias de concertação social, tem sido responsável por importantes inovações institucionais, embora as características históricas e os arranjos institucionais pretéritos exerçam fortes condicionamentos em relação ao grau de eficácia dessas estratégias.

Este trabalho está organizado em três partes. Na primeira, apresenta-se o itinerário da reflexão teórica sobre a relação entre distritos industriais e desenvolvimento local, sublinhando a relevância analítica do deslocamento conceitual trazido pela incorporação dos conceitos de governança e de regulação social.

Na segunda, o foco da análise volta-se para o exame das experiências de pactos territoriais com ênfase na sua estrutura operativa, lógica de decisória e seus principais resultados e desafios. Nas considerações finais, resgata-se os principais temas e proposições analíticas discutidas ao longo do trabalho.

DA TEMÁTICA DA INDUSTRIALIZAÇÃO DIFUSA À PROBLEMÁTICA DO DESENVOLVIMENTO LOCAL CONCERTADO

A literatura sobre a industrialização difusa surgiu, a partir de meados dos anos 70 e primórdios dos anos 80, refletindo sobre a emergência de modelos de desenvolvimento industrial baseados nas pequenas empresas e em regiões consideradas "periféricas" (BECATTINI, 1975; 1989; 1990; GAROFOLI, 1978; 1981; FUÀ; ZACCHIA, 1983). O principal desafio teórico desses autores foi explicar as possíveis combinações de pequenas empresas, capazes de gerar modelos alternativos de desenvolvimento pela superação de problemas clássicos como acesso ao crédito e a recursos competitivos estratégicos.

A experiência inovadora da industrialização difusa foi analisada a partir de uma visão teórica que integrava um esquema analítico composto por três dimensões ou esferas: a sociedade, o território e as formas de organização produtiva. Esse modelo analítico integra a esfera econômica (relação entre as empresas), a esfera social (as características da estrutura social e as condições para a coesão social) e a territorial (organização do território e a estrutura de governança no plano local).

Posteriormente, a agenda de pesquisa deslocou-se para dois novos temas: a análise da diferenciação dos modelos de desenvolvimento local e a construção de classificações de tipologias pelo agrupamento de elementos comuns entre as diferentes experiências. Um dos resultados dessas mudanças analíticas foi a passagem da problemática baseada no conceito de distritos industriais para uma outra, voltada para o desenvolvimento local ou territorial.

Nesta nova perspectiva, a ênfase passou para o estudo dos principais traços das estratégias endógenas de desenvolvimento, as quais são dirigidas por atores locais e baseadas em fatores de competitividade territorial. O modelo endógeno1Apesar da ênfase no caráter endógeno do desenvolvimento local, esse não deveria ser interpretado como algo "fechado" ao exterior. Na verdade, a própria dinâmica do desenvolvimento local implicaria progressivamente no estabelecimento e aprofundamento de relações com o exterior, mercados de produtos, de conhecimento e de tecnologia. de desenvolvimento garantiria a autonomia do processo de mudança do sistema econômico local, para a qual teria centralidade a ação estratégica dos atores sociais locais, isto é, sua capacidade de controlar e internalizar o conhecimento e as informações externas - variáveis-chaves que afetam o desenvolvimento.

Portanto, a dinâmica do sistema econômico local e sua transformação dependeriam tanto das especificidades locais quanto das estruturas de governança,2Essa construção social, econômica e institucional tem quatros características principais: assim como da capacidade das elites locais que controlam as variáveis-chaves que afetam o desenvolvimento.

A importância dessa trajetória analítica pode ser mais bem compreendida se lembrarmos que, na visão da primeira geração de estudos sobre os distritos industriais e a industrialização difusa, essas experiências foram interpretadas como processos espontâneos, fruto da combinação de diversos fatores internos favoráveis e catalisadores externos. Entretanto, como observa Garofoli (2000), o desenvolvimento local não pode ser explicado pela excepcionalidade não intencional, porque há um conjunto de requisitos sociais e institucionais que não são oferecidos pelas empresas e pelos mecanismos tipicamente de mercado.3Nas palavras de Garofoli (2000, p. 7) "há a questão da existência de problemas comuns a muitas empresas e que o mercado não é capaz de resolver".

Em presença de uma multiplicidade de pequenas empresas e de múltiplos atores sociais e institucionais, o processo de desenvolvimento local coloca problemas de coordenação e de governabilidade fundamentais para o desenvolvimento local. Trata-se de reproduzir as condições sociais, a acumulação de conhecimento e de competências, e também a produção de economias externas, que são as bases do desenvolvimento endógeno e dos processos de industrialização territorial que, no seu conjunto, representam o "outro" do sistema de empresas (ou seja, as condições de contexto institucional e estrutural sobre as quais se baseiam as relações entre as empresas). Em outras palavras; as condições de reprodução e de transformação do sistema socioeconômico dependeriam de instituições e de mecanismos de regulação fundamentados em uma lógica não estritamente de mercado.

As instituições intermediárias são elementos estratégicos nas relações entre Estado e mercado, porque elas são responsáveis pela construção destes, por meio dos mecanismos de formação de competências e da organização de redes de conhecimentos externos, ensejando a articulação entre a oferta e a demanda sobre bases coerentes e com capacidade de realização.

DESENVOLVIMENTO LOCAL E GOVERNANÇA: A REGULAÇÃO COMO CONCERTAÇÃO DA ECONOMIA LOCAL

Apesar da sua inegável relevância para a dinâmica e a transformação da industrialização local, a dimensão da governança é freqüentemente pouco explorada no debate sobre o desenvolvimento endógeno. Bem verdade que o desenvolvimento territorial é o resultado de economias externas e é sedimentado historicamente no território (como resultado da acumulação de conhecimento e de competências específicas). Porém, é preciso colocar o problema das condições de reprodução das "economias externas" para garantir a manutenção das vantagens dinâmicas locais. Ou seja, há limites ao desenvolvimento local espontâneo e à auto-regulação privada.

Nesse sentido, uma importante contribuição ao entendimento das características das estruturas de governança locais, sua dinâmica e desafios está inspirada na literatura produzida durante a década de 90 sobre o revival das práticas de concertação na Europa (SCHMITTER; GROTTE, 1999; REGINI, 2000; FAJERTAG; POCHET, 2001; TAPIA, 2003).

O desenvolvimento das experiências de concertação social de segunda geração em diversos países europeus nos anos 90 representou uma fonte de intensos debates teóricos sobre o neocorporativismo. É necessário observar que o debate tem ido além das questões relativas às novas orientações das políticas de renda, ou de desregulação, ou ainda de re-regulação do mercado de trabalho, de descentralização e de redimensionamento do Welfare State, incluindo também novos temas acerca das novas características e agenda dessas experiências, especialmente no tocante às novas modalidades de concertação no plano territorial.

Dentro do amplo conjunto de trabalhos teóricos sobre a problemática dos pactos sociais de segunda geração, encontramos o esforço analítico e empírico para examinar as características desses processos de ajustamento e inovação institucional e social no plano subnacional.

Essas experiências de concertação, impulsionadas pelas políticas estabelecidas pela Comunidade Européia para os níveis subnacionais, caracterizaram-se pela construção de novos mecanismos de regulação descentralizada ou de formas de governança local, no plano meso e micro, e por novas modalidades de desenho e de implementação de políticas e programas. Seguindo essa perspectiva analítica, alguns estudos recentes discutem o papel das associações de representação de interesses como policy makers, examinando os pactos descentralizados de desenvolvimento (BAGLIONI, 1999).

Nesse contexto, a concertação como modo de policy making ganhou relevância em diversos países. As práticas de concertação seriam uma resposta diante da fase de incerteza vivida pelos estados-membros dentro do processo de unificação regional, seja em termos da política social, seja quanto às identidades políticas.

Nesse quadro, a produção de consenso seria uma estratégia vista como do tipo win-win capaz de reduzir as incertezas e de assegurar um acordo mínimo sobre os grandes temas da agenda do desenvolvimento. Particularmente, as experiências de concertação descentralizada ou de pactos territoriais correspondem a processos de institutional building fortemente ancorados na ação concertada, envolvendo uma pluralidade de atores sociais, públicos e privados. Esses atores coletivos têm sido responsáveis pela construção simultânea de instituições e de policies.

PACTOS TERRITORIAIS: ENSINAMENTOS E DESAFIOS

No caso italiano, entre as principais razões que impulsionaram a elaboração da experiência inédita de política de desenvolvimento descentralizada, baseada na lógica da concertação social, estão os princípios comunitários de políticas regionais adotados a partir da reforma dos fundos estruturais europeus, no final dos anos 80, e os resultados amplamente desfavoráveis das políticas de intervenção extraordinária no Mezzogiorno (ARRIGHETTI; SERAVALLI, 1999).

Na Itália, a discussão e a adoção de estratégias de desenvolvimento local sob a forma de pactos territoriais e de responsabilidade de atores locais ocorreram na metade dos anos 90. Mais precisamente, a partir de 1995, com a Lei nº 341/95, o governo italiano decidiu "ativar uma série de instrumentos específicos de programmazione negoziata" para desenhar programas locais que envolvessem uma multiplicidade de atores públicos e privados e uma gestão unitária dos recursos financeiros.

Essa decisão significou uma mudança na orientação da política de desenvolvimento regional e local, cuja característica principal era o de ter um caráter de alocação de recursos automático e assistencial. Mesmo nos projetos financiados pelos fundos europeus não havia a participação de atores sociais - seja na fase de formulação dos projetos, seja na de escolha dos instrumentos de implementação das políticas inovadoras.

Portanto, em seu desenho original, os pactos territoriais trouxeram uma inovação institucional e de procedimento, na medida em que foram concebidos como um instrumento de intervenção pública descentralizada, ancorado em uma forte cooperação entre o governo, as regiões e as províncias autônomas, para o estabelecimento de objetivos comuns de maneira conjunta e para a escolha dos setores econômicos a serem estimulados.

Os pactos territoriais se definem como uma política de desenvolvimento endógeno em áreas circunscritas, nas quais o governo central aloca recursos financeiros visando incentivar a constituição de uma coalizão política e econômica local responsável pela elaboração de um projeto de desenvolvimento territorial. Os pactos territoriais estariam, assim, apoiados num

acordo entre sujeitos públicos e privados para a realização de ações coordenadas de diferentes naturezas visando a promoção de estratégias de desenvolvimento local nas áreas economicamente desfavorecidas

(CNEL, 2001, tradução do autor).

Os principais objetivos dos pactos sociais são, de um lado, constituir uma coalizão estável de atores locais (uma espécie de ator coletivo), e de outro, deflagrar um processo de transformação da economia e da sociedade local visando à melhoria da oferta de bens coletivos.

Como podemos perceber, esses dois objetivos são concebidos tanto como condições de partida como elementos dinâmicos de retro-alimentação da estratégia de implementação dos pactos territoriais, uma vez que o reforço da ação conjunta dos atores sociais locais e o projeto de desenvolvimento inicial podem estimular novas iniciativas, adensando seu desenho inicial.

Como mencionado anteriormente, uma das inovações trazidas pelos pactos territoriais foi quanto à sua lógica operativa fundada na concertação social, pois esta é bastante diferente daquela dos programas tradicionais de socorro a regiões em grave situação econômica.

Diferentemente da mera alocação de recursos financeiros pela instância nacional, nos pactos territoriais a elaboração e a implementação dos programas de intervenção constituem o resultado de uma metodologia de tomada de decisão na qual diversos atores (representantes das forças sociais), os entes locais e as empresas privadas pactuam e aderem a uma estratégia comum de desenvolvimento local. O pacto territorial apresenta-se, então, como um instrumento seletivo de política de desenvolvimento local, baseado num conjunto de compromissos negociados entre os atores sociais públicos e privados envolvidos nos programas aprovados.

É importante sublinhar que a concertação social no plano local é distinta daquela clássica do "neocorporativismo", porque envolve um elenco mais amplo de atores sociais - e sua agenda de negociação é também mais abrangente. Os segmentos empresariais e de representações de trabalhadores devem mobilizar-se para negociar com os atores públicos locais (regionais e provinciais). Além disso, a concertação no plano local deve reunir uma cultura administrativa e política associada à dinâmica territorial, mais ampla do que aquela da negociação, que envolve capital e trabalho.

Elaborados para as regiões meridionais, mas atualmente difusos de modo capilar, os pactos territoriais podem ser descritos e analisados a partir de uma característica intrínseca: o desenho de baixo para cima (bottom up) - isto é, a partir do nível da comunidade local de uma programação socioeconômica plurianual que mobiliza, através da concertação social, um elevado número de atores públicos e privados. Trata-se de uma estratégia de implementação de políticas públicas do tipo bottom-up.

O pacto territorial constitui um ponto de partida de um processo de concertação em âmbito local, no qual a presença de uma idéia-força de desenvolvimento do território é essencial, pois funciona como ponto de referência fundamental, seja para poder delimitar a área sujeita ao pacto, seja para fazer uma seleção de objetivos e estabelecer as prioridades entre os vários interesses presentes em nível local.

Como observam vários estudiosos, no que tange à estratégia de concertação social, há um componente de experimentação institucional nas vivências dos pactos territoriais, uma vez que eles buscam articular as demandas dos atores sociais locais e regionais com a capacidade de resposta apresentada pelos mesmos no plano do território. Graças à experiência acumulada dos pactos territoriais, alguns princípios de estruturação da política de desenvolvimento descentralizado foram se consolidando. É o caso da descentralização das competências administrativas a favor de instituições intermediárias (regiões, comunas e províncias) e da constituição de estruturas de governança de tipo concertativa apoiadas no social (partnership).

Do ponto de vista teórico, os pactos territoriais reafirmam dois princípios básicos da nova modalidade de política de desenvolvimento descentralizada: o local como unidade básica do desenvolvimento socioeconômico, e a opção por uma estratégia concertada de tipo bottom-up, que mobiliza o conjunto de atores sociais pertencentes ao território.

Uma das questões mais instigantes que emergiu da experiência italiana de pactos territoriais e da tentativa de difundir o policy making da concertação para os níveis das regiões e províncias é a diversidade das modalidades de regulação social ou de governança. Essa diversidade tem raízes na história política e social das regiões, e reflete as peculiaridades do espaço político e das relações sociais e da cultura, que são fatores explicativos para as diferentes formas de implementação descentralizada das propostas de concertação gestadas no plano nacional. Assim, nas regiões onde havia uma tradição de práticas concertadas, como a Toscana e a Emilio Rogmana (TRIGILIA, 1989; REGINI, 1991; CROUCH, 1993), esses modelos obtiveram resultados mais satisfatórios do que em outras, como o Veneto, na qual a tradição pluralista colocou sérios obstáculos às tentativas de construção de arranjo institucional de inspiração neocorporativa (GIACCONE, 2001).

Nos anos 90, no bojo da difusão dos pactos territoriais, houve na região do Veneto4Na região do Veneto, foram assinados 11 pactos territoriais, entre 1997 e 2000. Segundo Giaccone (2001), na maioria eles foram instrumentos para obter financiamento de Fundos Comunitários. Os pactos territoriais, principalmente, serviram para buscar recursos financeiros europeus para setores industriais e agrícolas em crise. iniciativas de construção de instituições e de políticas apoiadas na lógica da concertação ou de partnership. Essas iniciativas ocorreram tanto no plano das Regiões quanto das províncias5Pela constituição italiana, a federação é constituída pelos comunes, províncias, regiões e o estado nacional. As funções administrativas entre essas estruturas são repartidas segundo o princípio da subsidiariedade. e estiveram voltadas para a modernização do tecido econômico regional. Basicamente, tratava-se de construir uma estratégia negociada entre os diferentes atores no plano subnacional para enfrentar o desafio da competição internacional. Dessa forma, a expectativa era que fosse definida uma estratégia comum de desenvolvimento regional.

Quanto ao desenho de instituições segundo a lógica da concertação, o saldo é bastante modesto na região do Veneto. O principal saldo positivo dessas tentativas foram os Observatórios Econômicos Provinciais de Treviso, Padova e Verona. Esse fato indica que, numa estrutura decisória fragmentada, o que funciona é o compartilhamento das informações sobre as tendências econômicas e sociais entre os atores locais. Além da fragmentação institucional e da lógica política pluralista, outra especificidade fundamental do Veneto é o papel dominante da grande empresa. Como observam Burroni (1999) e Giaccone (2001),

a diferença de outras regiões de pequena empresa, o suporte estratégico foi dado pela grande empresa, que organizou redes próprias ou em consórcio com outras empresas de produção de serviços

[...]

oferecendo serviços estratégicos (inovação,

marketing

, formação, logística), que orientaram as políticas de desenvolvimento do tecido produtivo em interação com a empresa-líder

(GIACCONE, 2001, p. 17, tradução do autor).

Essa forma de articulação entre a grande empresa e as pequenas e médias assemelha-se à idéia de "governos privados" (SCHMITTER; STREECK, 1985) e traduziu-se em uma delegação efetiva das atribuições de policy do poder público local para o mundo empresarial. Ao mesmo tempo, a representação sindical mostrou-se frágil e com pouca capacidade de interlocução em relação às associações empresariais.

Portanto, numa situação de forte desequilíbrio entre os parceiros sociais, e na ausência de instituições e de tradição de políticas pactuadas, predomina a racionalidade da imposição dos atores empresariais, que resistem à proposta de concertação territorial, de scambio generalizado (PIZZORNO, 1978). Afinal, por que colocar os recursos que conferem às entidades empresariais sua posição de controle político como moeda de troca de uma negociação tripartite? Na verdade, essa situação típica do Veneto mostra como um arranjo institucional fragmentado e uma forte assimetria entre os parceiros sociais geram um quadro propenso a que decisões estratégicas unilaterais condicionem as escolhas sucessivas dos outros atores.

Ora, nesse caso, a estratégia de descentralização concertada que se desenhou no plano nacional encontrou limites na grande autonomia do nível regional e local e, por isso, os resultados foram modestos e incapazes de introduzir alterações duradouras e abrangentes na lógica de decisão das políticas de modernização locais (CONTARINO, 1998). Em conseqüência, como indica o caso da região do Veneto, é possível encontrar o seguinte paradoxo: uma estratégia de produção de consenso e de negociação neocorporativa convivendo com a manutenção de uma lógica decisória de tipo pluralista e fragmentada.

Da experiência dos pactos territoriais é possível extrair a existência da disputa entre diferentes modelos regionais de regulação. O primeiro, de caráter pluralista e fortemente polarizado em torno das associações de representação de interesses empresariais, é uma variante da delegação pública que ficou conhecida na literatura como "governos privados". A segunda tem forte tradição de práticas de microconcertação e representaria uma manifestação, no plano local, da estratégia de pactuação, como método de decisão e construção das alternativas de desenvolvimento.

Embora essa polarização represente uma estilização de alternativas, no essencial parece plausível - frente ao debate sobre o futuro da concertação social travado na Itália em anos recentes. Em outras palavras, o argumento é que o movimento de aprofundamento da descentralização da regulação social estaria projetando cenários alternativos que, antes de representarem uma alternativa à hegemonia da dimensão nacional, exprimem diferentes formas de articulação entre as dimensões nacional, regional e local ao oporem o modelo do Veneto ao da Toscana e da Emilia Romagna.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A variável territorial tem sido valorizada no debate recente sobre o futuro dos distritos industriais e dos modelos de desenvolvimento local. Diferentes correntes e autores concordam sobre o caráter estratégico da dimensão espacial, seja para a redefinição da inserção dos distritos industriais clássicos, seja para as estratégias de construção de modelos de desenvolvimento local, particularmente em zonas tidas como desfavorecidas, como o Mezzogiorno italiano.

Nesse conjunto de trabalhos observa-se uma convergência para a valorização do papel dos atores sociais (diferentes órgãos de governos, agências de desenvolvimento local, associações de representação de interesses, etc.) e o das estratégias integradas de desenvolvimento local e regional. Novamente, o caráter intencional do desenvolvimento local e o peso atribuído às estruturas de mediação reforçam a importância da reflexão analítica sobre a diversidade e a coerência das modalidades de regulação e de governança locais.

A esse respeito, as experiências recentes de desenvolvimento local, na modalidade de pactos territoriais, têm apresentado características inovadoras. Primeiro, elas envolvem um número muito maior de atores - o que implica intenso processo de negociação e indica o caráter mais inclusivo dos arranjos de concertação recentes. Segundo, eles representam uma mudança no processo decisório - o que denota a passagem do modelo de planejamento induzido pelo governo, no caso local, para um outro baseado no modelo de parceria (partnership model). Quando bem-sucedido, este modelo permite a definição de objetivos estratégicos, traduzidos em programas de intervenção, que contemplam os interesses econômicos e sociais mais amplos presentes no território.

Ao mesmo tempo, os estudos sobre a implementação dos pactos territoriais têm ressaltado algumas dificuldades e obstáculos. Primeiro, as experiências de concertação social, principalmente nas áreas economicamente desfavorecidas, como o Mezzogiorno italiano, indicam a importância das dimensões de capacitação técnica.

No plano da implementação das estratégias locais, uma variável crucial é a existência de uma capacidade técnica para auxiliar nas escolhas estratégicas dos atores sociais - seja em termos dos objetivos prioritários, seja dos principais instrumentos. A debilidade técnica parece comprometer as estratégias de desenvolvimento local, e apresenta-se de forma particularmente crucial nas áreas economicamente mais desfavorecidas.

Nessas áreas geralmente não há um patrimônio de políticas de desenvolvimento bem-sucedidas, que possam servir de ponto de referência para o desenho de novas modalidades de programas - o que torna mais difícil a identificação de uma estratégia de desenvolvimento. A fragilidade quanto à capacidade técnica para desenhar e escolher instrumentos de intervenção apropriados torna mais agudas as desvantagens das áreas mais desfavorecidas.

Ainda no plano da execução, a ausência de mecanismos adequados de monitoramento das iniciativas e programas adotados, traz como conseqüências dificuldades na fase de implementação, e mesmo o descumprimento dos objetivos definidos pelos parceiros sociais.

Ao contrário, nas áreas mais desenvolvidas e com maior tradição de implementação de distritos industriais e de novas iniciativas locais, as condições técnicas e a experiência acumulada permitem que o desenho de intervenções efetue-se com mais facilidade. Entretanto, os estudos advertem que não há um nexo causal entre o nível de desenvolvimento inicial e a performance dos pactos territoriais.

Por fim, as estratégias de pactos territoriais apoiados na lógica da concertação social têm esbarrado em alguns casos, como na região do Veneto, na tradição pluralista do policy making e na forte assimetria entre os atores coletivos locais. Esse exemplo sugere que as inovações institucionais e o jogo estratégico dos atores sociais, apesar de não serem determinados pela "trajetória percorrida", pela estrutura econômica territorial e pela cultura política local, são fortemente afetados.

NOTAS

1.

2.

- Utilização de recursos locais (força de trabalho, capital acumulado em nível local, cultura empresarial, conhecimentos específicos sobre os processos produtivos, competências peculiares);

- Capacidade de controle local do processo de acumulação;

- Capacidade de inovação e;

- Presença e capacidade de desenvolvimento de interdependência produtiva, seja intra-setorial seja intersetorial no plano local (Garofoli, 1991; 1992).

3.

4.

5.

Artigo recebido em 1 de março de 2005

Aprovado em 20 de abril de 2005

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  • Apesar da ênfase no caráter endógeno do desenvolvimento local, esse não deveria ser interpretado como algo "fechado" ao exterior. Na verdade, a própria dinâmica do desenvolvimento local implicaria progressivamente no estabelecimento e aprofundamento de relações com o exterior, mercados de produtos, de conhecimento e de tecnologia.
  • Essa construção social, econômica e institucional tem quatros características principais:
  • Nas palavras de Garofoli (2000, p. 7) "há a questão da existência de problemas comuns a muitas empresas e que o mercado não é capaz de resolver".
  • Na região do Veneto, foram assinados 11 pactos territoriais, entre 1997 e 2000. Segundo Giaccone (2001), na maioria eles foram instrumentos para obter financiamento de Fundos Comunitários. Os pactos territoriais, principalmente, serviram para buscar recursos financeiros europeus para setores industriais e agrícolas em crise.
  • Pela constituição italiana, a federação é constituída pelos comunes, províncias, regiões e o estado nacional. As funções administrativas entre essas estruturas são repartidas segundo o princípio da subsidiariedade.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2005

    Histórico

    • Aceito
      20 Abr 2005
    • Recebido
      01 Mar 2005
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