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Fenomenologia e fenomenismo em Husserl e Mach

Resumos

Como conciliar as repetidas críticas ao fenomenismo de Mach, um pouco por toda a obra de Husserl, com o papel proeminente que Husserl parece nele reconhecer em seus últimos trabalhos, quanto à gênese de sua própria fenomenologia? Para responder a essa questão, examinaremos, primeiramente, a relação estreita que Husserl estabelece entre o método fenomenológico e o descritivismo de Mach à luz do debate que opõe nativismo e empirismo sobre a origem da percepção do espaço. Em seguida, examinaremos dois aspectos da crítica que Husserl faz ao positivismo de Mach: o primeiro se refere ao fenomenismo e sua doutrina dos elementos, enquanto o segundo, ao princípio de economia de pensamento, que Husserl associa a uma forma de psicologismo em Prolegômenos. A hipótese que nos guiará nesse estudo é que as opiniões aparentemente contraditórias de Husserl sobre o positivismo de Mach se explicam em parte pelo estatuto duplo que a fenomenologia recebe em seus últimos trabalhos: enquanto programa filosófico, ela se opõe explicitamente ao positivismo; enquanto método, ela se aparenta ao descritivismo de Mach. Concluiremos com a ideia de que esses dois filósofos de origem checa perseguiam o objetivo comum de apreender o sentido originário de positividade.

Fenomenologia; Positivismo; Fenomenismo; Descritivismo; Husserl; Mach


How to conciliate the recurrent criticisms to Mach's phenomenism, a bit in all Husserl's work, with the outstanding role Husserl seems to recognise in phenomenism in his last works, as to the genesis of his own phenomenology? In order to answer this question, we examine, first, the close relationship stablished by Husserl between the phenomenological method and Mach's descriptivism in light of the debate that opposes nativism and empiricism regarding the origin of the perception of space. Next, we examine two features of Husserl's criticism to Mach's positivism: the first refers to phenomenism ans its doctrine of elements, and the second, to the principle of economy of thought, which Husserl associates to a kind of psychologism in Prolegomena. Our leading hypotheses in this study is that Husserl's apparently contradictory oppinions about Mach's positivism can be understood in part by the double character ascribed to phenomenology in his last works: as philosophical program, phenomenology explicitly opposes positivism, and as method, phenomenology resembles Mach's descriptivism. We conclude with the idea that these two philosophers of Czech descent pursued the common aim of grasping the originary meaning of positivity.

Phenomenology; Positivism; Phenomenism; Descriptivism; Husserl; Mach


ARTIGO

Fenomenologia e fenomenismo em Husserl e Mach

Denis Fisette

Professor do Departamento de Filosofia, Universidade do Quebec, Montreal, Canadá. fisette.denis@uqam.ca

RESUMO

Como conciliar as repetidas críticas ao fenomenismo de Mach, um pouco por toda a obra de Husserl, com o papel proeminente que Husserl parece nele reconhecer em seus últimos trabalhos, quanto à gênese de sua própria fenomenologia? Para responder a essa questão, examinaremos, primeiramente, a relação estreita que Husserl estabelece entre o método fenomenológico e o descritivismo de Mach à luz do debate que opõe nativismo e empirismo sobre a origem da percepção do espaço. Em seguida, examinaremos dois aspectos da crítica que Husserl faz ao positivismo de Mach: o primeiro se refere ao fenomenismo e sua doutrina dos elementos, enquanto o segundo, ao princípio de economia de pensamento, que Husserl associa a uma forma de psicologismo em Prolegômenos. A hipótese que nos guiará nesse estudo é que as opiniões aparentemente contraditórias de Husserl sobre o positivismo de Mach se explicam em parte pelo estatuto duplo que a fenomenologia recebe em seus últimos trabalhos: enquanto programa filosófico, ela se opõe explicitamente ao positivismo; enquanto método, ela se aparenta ao descritivismo de Mach. Concluiremos com a ideia de que esses dois filósofos de origem checa perseguiam o objetivo comum de apreender o sentido originário de positividade.

Palavras-chave: Fenomenologia. Positivismo. Fenomenismo. Descritivismo. Husserl. Mach.

ABSTRACT

How to conciliate the recurrent criticisms to Mach's phenomenism, a bit in all Husserl's work, with the outstanding role Husserl seems to recognise in phenomenism in his last works, as to the genesis of his own phenomenology? In order to answer this question, we examine, first, the close relationship stablished by Husserl between the phenomenological method and Mach's descriptivism in light of the debate that opposes nativism and empiricism regarding the origin of the perception of space. Next, we examine two features of Husserl's criticism to Mach's positivism: the first refers to phenomenism ans its doctrine of elements, and the second, to the principle of economy of thought, which Husserl associates to a kind of psychologism in Prolegomena. Our leading hypotheses in this study is that Husserl's apparently contradictory oppinions about Mach's positivism can be understood in part by the double character ascribed to phenomenology in his last works: as philosophical program, phenomenology explicitly opposes positivism, and as method, phenomenology resembles Mach's descriptivism. We conclude with the idea that these two philosophers of Czech descent pursued the common aim of grasping the originary meaning of positivity.

Keywords: Phenomenology. Positivism. Phenomenism. Descriptivism. Husserl. Mach.

INTRODUÇÃO

No início de suas conferências de Amsterdam, de 1928, Husserl observa que sua fenomenologia pode ser compreendida como "uma certa radicalização de um método fenomenológico desenvolvido e praticado já anteriormente por certos pesquisadores das ciências da natureza e certos psicólogos" (1962, p. 302). Husserl indica neste mesmo trecho alguns Naturforscher (cientistas) que teriam praticado o método fenomenológico, Ernst Mach e seu colega de Praga Ewald Hering, e um psicólogo chamado Franz Brentano. A dívida de Husserl no que diz respeito a Brentano e sua psicologia descritiva é relativamente bem conhecida, mas não se passa o mesmo com sua relação com Hering e, sobretudo, com Mach, a quem associamos mais ao positivismo do que à tradição fenomenológica. Mas outras passagens na obra de Husserl corroboram a observação das conferências de Amsterdam sobre a origem do método fenomenológico em Mach e Hering, especialmente uma passagem extraída de suas lições de 1910 Os problemas fundamentais da fenomenologia, nas quais Husserl deixa entender que o primeiro germe da redução fenomenológica se encontra em J. S. Mill e no "monismo da sensação de um Mach, que (...) substitui a coisa por grupos de sensações, reunidas em conexão" (Husserl, 1991, p. 192).1 1 Estas duas passagens não são as únicas em que Husserl estabelece o laço entre o método fenomenológico e o descritivismo de Mach. Mencionemos sua resenha do artigo de Mach "Sobre o princípio de comparação em física" de 1894 (cf. Husserl, 1995, p. 198-201), no qual Mach discute seu descritivismo em relação a Kirchhoff, e no qual utiliza a noção de fenomenologia a fim de designar esse método. Sabe-se também que no semestre de inverno de 1903-1904, Husserl proferiu um seminário intitulado "Sobre os novos escritos sobre as ciências da natureza para os pesquisadores das ciências da natureza" e a obra de Mach Análise das sensações figurava no programa (Cf. Schuhmann, 1977, p. 76). Lembremos que a ideia de redução fenomenológica, que está em questão nas lições de 1910 em relação a Mach, foi introduzida no ano seguinte (1905). A obra de Mach mencionada acima também foi objeto das lições do semestre de verão de 1911 sobre o tema "Exercícios filosóficos com algumas referências à Análise das sensações de E. Mach" (cf. carta de Husserl a Vaihinger datada de 24 de maio de 1911, Husserl, 1994, 5, p. 211-2). Prima facie, essas duas observações estabelecem um laço estreito entre a fenomenologia e o descritivismo de Mach que, como indica Husserl nessa passagem, para além de seu sentido estritamente metodológico, que consiste em descrever os fenômenos de modo mais simples e mais econômico, é ao mesmo tempo uma forma de fenomenismo que se resume na tentativa de reduzir os objetos físicos e os atos psíquicos a agregados ou complexos de sensações. Ora, Husserl sempre combateu o fenomenismo e a tradição empirista à qual ele se associa, e sabemos que Mill assim como Mach são dois dos alvos principais das críticas que ele dirige ao psicologismo em seus Prolegômenos à lógica pura. A questão é saber como conciliar as críticas repetidas ao fenomenismo de Mach, presentes em toda sua obra, com o papel proeminente que Husserl parece nele reconhecer até nos seus últimos trabalhos quanto à gênese de sua própria fenomenologia.

Essa questão desencadeia todo o problema da relação da fenomenologia de Husserl com o positivismo de Mach. Malgrado a importância dessa questão na obra de Husserl e na fenomenologia compreendida em um sentido bastante amplo para incluir a contribuição de Brentano e seus estudantes, ela suscitou pouco interesse até agora.2 2 Nos estudos husserlianos é preciso mencionar o artigo clássico de H. Lübbe (1960). Lübbe defende que Mach pertence mais à tradição fenomenológica que ao positivismo lógico naquilo que teria alcançado bem antes do que Husserl: "o nível do questionamento fenomenológico; porque sua análise da sensação não é, no essencial, senão a análise da maneira pela qual fazemos a experiência de nós mesmos e da maneira com a qual se forma para nós a consciência de si e de sua existência no todo fenomenal da realidade" (1960, p. 181). Essa tese foi retomada e desenvolvida por M. Sommer (1985), que explora sistematicamente a referência ao conceito de mundo natural em Avenarius. Por sua vez, Düsing (1972) insiste mais nas diferenças entre Mach e Husserl sobre o plano lógico e gnosiológico, apoiando-se para tanto na crítica de Husserl ao princípio de economia de pensamento nos Prolegômenos, que nós examinaremos mais para frente. Com efeito, um conhecimento maior do contexto histórico que deu nascimento à fenomenologia husserliana permite apreciar melhor as observações esparsas de Husserl sobre Mach, e dentre elas aquela que concerne à origem do método fenomenológico e pela qual Husserl liga sua fenomenologia a uma corrente bem conhecida de todos os filósofos e cientistas da época. Essa corrente é conhecida pelo nome de "descriptive view" ou ponto de vista descritivo, o qual remonta às Lições sobre a mecânica do físico Gustav Kirchhoff (1877) e cujos principais representantes durante a segunda metade do século xix são os cientistas e filósofos Ernest Mach, Ewald Hering, Ludwig Bolzmann, Richard Avenarius. A essa corrente se liga também Franz Brentano e sua escola, na medida em que sua psicologia, que representa o eixo principal de seu programa filosófico, pratica um método descritivo e tem por tarefa analisar e descrever os fenômenos. A grande maioria desses filósofos adotou uma atitude muito crítica em relação às especulações do idealismo pós-kantiano voltando-se para as ciências empíricas a fim de dar novamente à filosofia seu estatuto de ciência rigorosa. Ora, a importância atribuída à psicologia pela maioria desses filósofos e cientistas não é talvez estranha ao nascimento da nova psicologia no meio do século xix, graças, entre outras coisas, aos trabalhos de vários cientistas e filósofos no domínio da fisiologia, dentre os quais se destacam os de Rudolf Hermann Lotze, Ewald Hering, Ernest Mach, Hermann von Helmholtz e Wilhelm Wundt, que estão na origem da psicologia fisiológica e experimental (cf. Fisette, 2006). A filosofia alemã e austríaca da segunda metade do século xix foi dominada pelos debates em torno da nova psicologia, donde o famoso debate que opõe o nativismo ao empirismo sobre a percepção sensível, o qual examinaremos mais tarde. No momento em que Husserl diz que sua fenomenologia está na origem de uma "radicalização" de um método fenomenológico praticado antes dele por Naturforscher e psicólogos, ele tem em mente, sem dúvida alguma, essa problemática, da qual seus trabalhos durante o período de Halle estão, aliás, impregnados, e isto até nas Investigações lógicas. Sua tomada de posição nessa obra em face de tal problemática resulta claramente da crítica que ele opõe ao psicologismo lógico e de sua tentativa de conciliar as exigências de sua doutrina da ciência e de sua lógica pura com sua fenomenologia, por ele definida como uma psicologia descritiva. É nesse contexto que a discussão em torno do positivismo de Mach nessa obra ganha todo seu sentido: reconhecendo a contribuição importante de sua doutrina dos elementos para a fenomenologia, Husserl lhe censura por tê-la colocado ao serviço de uma forma de empirismo que não resiste, segundo ele, à objeção de psicologismo.

O objetivo principal deste artigo é explicar a aparente tensão que existe na obra de Husserl entre as críticas que ele dirige ao positivismo e a importância atribuída ao descritivismo de Mach na gênese da fenomenologia. Examinaremos, em um primeiro momento, os textos de Husserl nos quais ele estabelece uma estreita relação entre o método fenomenológico e o descritivismo de Mach e de Hering. Acreditamos que essa aproximação adquire todo seu sentido à luz do debate que opõe o nativismo e o empirismo sobre a origem da percepção do espaço, do qual tomou parte o jovem Husserl durante o período de Halle (1886-1901). Examinaremos, em seguida, dois aspectos da crítica que Husserl opõe ao positivismo de Mach: a primeira se refere ao fenomenismo e sua doutrina da sensação, enquanto a segunda concerne ao princípio de economia do pensamento, que Husserl associa a uma forma de psicologismo em seus Prolegômenos. Gostaríamos de mostrar que os discursos aparentemente contraditórios de Husserl sobre o positivismo de Mach se explicam em parte por aquilo que Husserl chama em seus últimos trabalhos de duplicidade [Doppeldeutigkeit] da fenomenologia, ou seja, ao mesmo tempo um programa filosófico que se opõe a toda forma de naturalismo e um método, embasado na psicologia intencional, que tem parentesco com o método descritivo.

1 DE PRAGA A VIENA

Nascido na Moravia, assim como Husserl, Mach ocupou uma cadeira de física em Praga de 1867 a 1895. É, então, durante essa estadia em Praga, que era o centro de pesquisa mais renomado sobre a fisiologia dos sentidos na Europa, que Mach adquiriu sua reputação de cientista e de filósofo, e que ele elaborou o essencial de seus trabalhos científicos, dos quais os mais conhecidos são A mecânica: exposição histórica e crítica de seu desenvolvimento (1901), A análise das sensações (1996) e Conhecimento e erro (1919). Ewald Hering, que foi chamado para a universidade de Praga em 1870 para substituir Purkinje, e que ocupou esse cargo até a partida de Mach em 1895, era a outra figura importante desse centro. Mach deixa Praga em 1895 e assume seu cargo em Viena no mesmo ano da partida definitiva de Brentano da Áustria para a Itália. No mês de setembro do ano anterior, ele foi convidado para o congresso da Associação dos Físicos e Naturalistas Alemães, que se passou em Viena, onde pronunciou uma conferência intitulada O princípio de comparação em física (Mach, 1903b). No texto dessa conferência, Mach defende habilmente a concepção descritiva da mecânica de Kirchhoff, segundo a qual a mecânica consiste em "descrever integralmente e de maneira mais simples os movimentos que acontecem na natureza" (Kirchhoff, 1877, p. 1). Mach estende essa definição ao conjunto da pesquisa científica e concebe a tarefa da ciência como sendo a descrição mais econômica e mais simples dos elementos em uma linguagem de dependências funcionais. Alois Höffer, um outro estudante de Brentano e de Meinong, o convida para discutir tais ideias em uma sessão da Sociedade Filosófica da Universidade de Viena, que aconteceu três meses mais tarde. Essa discussão, da qual tomaram parte, entre outros, dois filósofos que tinham como referência, na época, a escola de Kirchhoff, Ludwig Boltzmann e W. Ostwald, também suscitou muito interesse, de modo que duas outras sessões foram organizadas em janeiro e março de 1895. Essas discussões parecem ter convencido muitos membros da Faculdade do interesse da candidatura de Mach para uma cadeira em Viena. Foi assim que em 1895 ele foi chamado para ocupar a cadeira de história e de teoria das ciências indutivas, deixada vazia depois da demissão de Brentano em 1880. Mas Mach só a ocupou até 1901, quando foi nomeado professor emérito.3 3 Notemos que em 1896, um ano depois de sua chegada a Viena, Mach foi convidado a participar do 3º Congresso Internacional de Psicologia, que se passou em Munique e que foi presidido por C. Stumpf e T. Lipps. Ele recusa o convite em razão de seu estado de saúde e Brentano, que o substitui, aborda o tema das sensações (cf. Brentano, 1897). Nessa ocasião, Stumpf pronuncia a conferência inaugural intitulada "Corpo e alma", cuja versão ulterior critica o fenomenismo de Mach. Mach respondeu as objeções de Stumpf em um texto intitulado "Elementos sensíveis e conceitos científicos" (Mach, 2001).

A sucessão de Mach em Viena foi muito cobiçada, e sabe-se que o próprio Husserl nunca escondeu seu interesse para essa cadeira em Viena. Aliás, a propósito disso, ele encontrou Mach durante as férias da Páscoa em 1901, encontro que ele descreve ao seu amigo Albrecht em uma carta datada de agosto do mesmo ano (Husserl, 1994, 9, p. 234). A carta a Albrecht nos conta, além disso, que foi Alois Riehl, um colega de Husserl em Halle, que parece, em princípio, ter sido pressentido como sucessor de Mach em Viena. Riehl voltou-se em direção a Husserl e fortemente recomendou sua candidatura a Mach.4 4 Riehl, carta a Mach datada de 26 de maio de 1901, publicada por Thiele (1968, p. 292). Se se confia no testemunho de Husserl, Mach teria então concordado com a recomendação de Riehl e teria mostrado uma preferência por sua candidatura, pois disse Mach: "Dentre aqueles que os senhores conhecem, eu esperaria mais de Husserl" (Husserl, 1994, 9, p. 23-4). Entretanto, quem foi nomeado sucessor de Mach em Viena foi Bolzmann.5 5 A decepção de Husserl é palpável em sua carta de 25 de dezembro de 1902 a Masaryk (cf. Husserl, 1994, 1, p.107).

2 O PRINCÍPIO DE COMPARAÇÃO EM FÍSICA E A DOUTRINA DOS ELEMENTOS DE MACH

O texto da conferência de Mach O princípio de comparação em física apresenta também um interesse para nosso estudo não só porque Husserl faz uma resenha positiva dele em 1897 (cf. Husserl, 1995, p. 198-201), mas ainda porque Mach utiliza o termo "fenomenologia" a fim de designar o método descritivo de pesquisa nas ciências da natureza e em psicologia. Essa "fenomenologia física geral que se expande a todos os domínios" (Husserl, 1995, p. 200) é de fato uma extensão do método descritivo de Kirchhoff, que consiste em "descrever integralmente e de maneira mais simples os movimentos que se passam na natureza" (p. 200). Mach a concebe em seu texto como a descrição mais econômica e mais simples dos fenômenos ou do que ele chama de "elementos". Essa fenomenologia, no sentido de Mach, ou descritivismo, apresenta várias similaridades com aquela utilizada por Husserl alguns anos mais tarde em suas Investigações lógicas. Com efeito, nessa obra, Husserl define a fenomenologia como uma psicologia descritiva (Husserl, 1961, p. 263), e lhe atribui a tarefa de analisar e de descrever os dados imediatos da consciência ou da experiência compreendida no sentido amplo. Ora, como explica Husserl em sua resenha, tal é também uma das ideias importantes da conferência de Mach em Viena (Husserl, 1995, p. 199). Em segundo lugar, Mach opõe a descrição à explicação causal no sentido em que tornar inteligível um fenômeno não é fazer dele uma instância particular de uma lei causal, como na mecânica clássica, mas descrevê-lo em termos simples ou familiares. Donde a questão que se põe Mach no início de sua conferência: o que se torna a explicação e as conexões causais entre as coisas, e em que medida a descrição pode dispensá-las (Cf. Mach, 1903b, p. 269)? A resposta de Mach é bem conhecida, ela consiste simplesmente em afastar o conceito "fetiche" de causalidade (p. 269).

Em sua doutrina dos elementos, Mach concebe as relações de dependência entre os elementos como relações funcionais, como é explicado em A análise das sensações (Mach, 1996, p. 321). Essas relações de dependências graças às quais os elementos formam configurações sensíveis são para Mach relações funcionais de diferentes espécies. A diferença essencial entre essas espécies de relação, entre uma relação com um objeto físico e um ente psíquico, por exemplo, depende da questão de saber se eles ultrapassam ou não as superfícies sensíveis ou a periferia dos sentidos. Para ser mais preciso, a fronteira do que é da ordem do físico e do psíquico depende de um limite espacial, "de uma delimitação espacial u de nosso corpo" (Mach, 1919, p. 23), ou ainda do que ele chama em A análise das sensações de "Körpehaut" ou carne, o corpo representando, por assim dizer, a fronteira que separa o psíquico do físico (1996, p. 272-3). Pois já que o mundo sensorial pertence simultaneamente ao mundo psíquico e ao mundo físico, a diferença entre a física e a psicologia dos sentidos, por exemplo, se deve, primeiramente, ao fato de que essa última se encarrega de nosso próprio corpo e, no caso, de nosso sistema nervoso.

É com ajuda dessa função u, que designa a delimitação espacial de nosso próprio corpo, que podemos apresentar de maneira muito simples as relações de dependência entre os elementos e distinguir, de maneira não substancialista, o físico do psíquico. Devemos distinguir três formas de relação de dependência entre os elementos (cf. Thiele, 1914, cap. 2):

1.1 As relações de dependência física: as relações entre os elementos a, b, c, ..., exteriormente a u;

1.2 As relações de dependências neurofisiológicas: as relações entre os elementos k, l, m, ..., interiormente a u;

2 As relações de dependência psicofisiológicas: as relações entre os elementos interiormente e exteriormente a u, isto é, as relações entre 1.1 e 1.2;

3 As relações de dependência psicológicas: as relações entre os elementos a, b, c, ..., aos quais correspondem as representações, sentimentos etc.

Como o mostra claramente este esquema, cada uma dessas variáveis só adquire valor no momento em que se torna membro de uma relação física ou psicofisiológica. Assim, os elementos a, b e c designam "objetos físicos", propriedades físicas, objetos psicológicos ou ainda sensações, conforme esses elementos tomem lugar em uma relação de dependência física (1.1 e 1.2), psicofisiológica (2) ou psicológica (3). Para citar Mach novamente:

Uma cor é um objeto físico na medida em que nos damos conta de sua dependência em relação à fonte luminosa que a ilumina (...). No entanto, se prestamos atenção na dependência da cor para com a retina (dos elementos K, L, M...), ela torna-se um objeto psicológico: uma sensação. Não é a matéria, mas a direção da investigação (Untersuchungsrichtung) que difere nos dois domínios (1996, p. 20).

Por outro lado, as variáveis a, b, c, ..., são os elementos que formam o eu, mais precisamente, esses complexos de relações funcionais que são as representações, as emoções, as volições, as lembranças etc. Segue-se daí que o tema tratado pelos diferentes ramos da ciência é o mesmo, a saber, os elementos e as relações funcionais entre os elementos; o que os distingue é a atitude em relação a esses mesmos elementos e a direção (ou interesse temático) da investigação. É por isso que Mach pode falar de uma identidade no plano ontológico ou de um monismo ontológico, e de um dualismo epistemológico, ou seja, de uma oposição unicamente funcional e não material entre o físico e o psíquico.

3 O MÉTODO FENOMENOLÓGICO DE HERING A HUSSERL

Como mencionamos anteriormente, os nomes de Mach e de Hering são associados, nas conferências de Amsterdam, à origem da fenomenologia, a qual não seria senão uma "certa radicalização de um método fenomenológico já desenvolvido e praticado anteriormente por certos pesquisadores das ciências da natureza e certos psicólogos" (Husserl, 1962, p. 302). Hering e Mach são dois pesquisadores das ciências da natureza que, segundo Husserl, teriam praticado esse método fenomenológico, ao passo que os psicólogos aos quais ele faz referência são, bem entendido, Brentano e os outros representantes da psicologia descritiva. Em um apêndice à primeira seção de suas lições de 1925 sobre a psicologia fenomenológica, em que está em questão a origem histórica dessa parte da fenomenologia chamada de "psicologia fenomenológica", Husserl atribui novamente a paternidade dessa parte a Mach (1962, p. 350), na medida em que sua aproximação da psicologia distancia-se, por seu caráter descritivo, daquelas das ciências da natureza tradicionais. Fazendo alusão ao debate entre Helmholtz e Hering a propósito do sentido do método em Mach e Hering, Husserl escreve:

Em homens tais como Mach e Hering, o sentido deste método consistia em uma reação contra a ameaça de uma ausência de um alicerce da teorização nas ciências 'exatas' da natureza; tratava-se da reação contra uma teorização engajada em formações conceituais afastadas da intuição e em especulações matemáticas, nas quais uma clareza evidente, no sentido legítimo do termo, e a efetuação das teorias, fracassavam em se estabelecer (1962, p. 245).

Ora, como explica Husserl em vários textos e passagens reunidas em Psicologia fenomenológica, é precisamente por seu caráter descritivo que esse método se demarca em relação ao de Wundt ou de Helmholtz, cujo ponto de partida se situa nas ciências da natureza. O método fenomenológico de um Hering, por exemplo, prescreve inicialmente não admitir, a título de descriptum, senão o dado imediato ou intuitivo, o que ele chama também Sehdinge, ou seja, dados imediatos da experiência perceptiva enquanto eles são realmente dados em seu ser próprio. Porém, Husserl indica claramente que essa aproximação só é relativa à parte da fenomenologia que ele chama, a partir do meio dos anos 1920, de psicologia intencional, e não à fenomenologia transcendental, a qual trata de questões filosóficas mais gerais. É por isso que ele se propõe, no início de suas conferências de Amsterdam, a deixar de lado "os interesses filosóficos" para se concentrar unicamente naquilo que é psicológico, "como o físico naquilo que é físico".

A importância atribuída ao descritivismo de Mach na gênese da fenomenologia husserliana encontra uma nova confirmação em uma passagem das lições de 1910, Problemas fundamentais da fenomenologia, aqui já mencionada, na qual Husserl afirma que o primeiro germe da redução fenomenológica se encontra em J. S. Mill e na doutrina dos elementos de Mach (cf. Husserl, 1991, p. 192). Mas é preciso tomar cuidado para não confundir o aspecto metodológico dos trabalhos de Mill e sobretudo de Mach com seu sensualismo e sua posição sobre a teoria do conhecimento e a metafísica, com os quais Husserl não concorda, como mostra a objeção de psicologismo que ele dirige a ambos nos Prolegômenos. Porém, o ponto de partida deles na descrição dos dados sensoriais e de suas conexões intrínsecas, abstração feita de toda consideração metafísica, é próximo daquilo que busca a redução fenomenológica.6 6 Vale notar também o que ele diz de Avenarius e que se aplica ao fenomenismo em geral: "o começo [da descrição] em Avenarius é bom; mas ele permanece aí, bloqueado", (Husserl, 1991, p.224). Acerca da influência exercida pelos trabalhos de Avenarius sobre o conceito de atitude natural e de mundo da vida, conferir Sommer (1985, p. 18-90), além de Husserl (1991). Husserl descreve essa última como uma colocação entre parênteses do que é posto em uma experiência natural como "uma coisa real que está aí, uma constelação real, um acontecimento estando-aí que produz uma mudança" (1991, p.191). Essa colocação entre parênteses dá acesso ao campo de estudo da fenomenologia e aos dados fenomenológicos, tema que não descreveremos aqui.7 7 A tese de origem do método fenomenológico em Mach e Hering foi também defendida por Stumpf (1917), e por muitos estudantes de Husserl durante o período de Göttingen: H. Hofmann (1913), E. Jaensch (1927), D. Katz (1911, 1944) e P. Linke (1929).

A tese da origem do método fenomenológico em Mach e Hering foi defendida por vários filósofos, dentre os quais Stumpf, que também utilizou o termo "fenomenologia" para designar a ciência prévia ou propedêutica que trata dos elementos ou fenômenos, e que também atribui a paternidade desse método fenomenológico a Hering. Seu artigo sobre os atributos do campo visual ilustra bem o papel da fenomenologia de Stumpf no domínio da psicologia da percepção. Na segunda seção desse texto, em que ele trata de questões metodológicas, Stumpf atribui a Hering o mérito de ter introduzido o método fenomenológico na teoria das cores e na psicologia em geral. A esse respeito, ele escreve:

Se algo deve valer de modo completo e definitivo quanto aos esforços de Hering, é a exigência de um ponto de partida psicológico, e mesmo fenomenológico, na teoria das cores. A clareza desses desenvolvimentos, a propósito da ingerência nefasta do ponto de vista fisicalista na descrição dos fenômenos sensíveis, permanece para sempre exemplar (Stumpf, 1917, p. 7).

O ponto de partida de Hering na descrição das qualidades sensíveis não é arbitrário, já que representa um domínio próprio de investigação. A ciência ou a disciplina que serve de propedêutica à ciência e cuja tarefa consiste no estudo desse domínio é justamente essa fenomenologia, que se define como a análise dos fenômenos sensíveis em seus elementos últimos. Esse domínio de estudo representa o ponto de partida comum a todas as ciências, e se opõe ao ponto de partida fisicalista nas estimulações (Reize) exteriores, como o preconiza Helmholtz, por exemplo. O problema dos atributos do campo visual, de que trata Stumpf em seu tratado de 1917, é um problema que põe em relevo a fenomenologia na medida em que ela procura fornecer uma descrição completa de um gênero de fenômeno sensível e estuda as leis estruturais inerentes aos fenômenos sensíveis em geral.

O mérito de Hering seria, então, o de ter reconhecido, para a fisiologia e a psicologia, a importância de um estudo prévio dos fenômenos, e de ter assim conferido ao domínio da fenomenologia um estatuto privilegiado em relação àquele das outras ciências. De fato, ao privilegiar esse ponto de partida, Hering teria reconhecido o primado da fenomenologia sobre todas as outras ciências, inclusive a fisiologia. A esse respeito, escreve Stumpf:

A oferta está sempre do lado da fenomenologia, e a demanda do lado da fisiologia. Hering sublinhou com razão que aquilo que vem primeiro na teoria das cores é a análise e a descrição dos fenômenos, e somente em segundo lugar a formulação de hipóteses sobre os processos orgânicos correspondentes (2006, p. 196).

Deste ponto de vista, a descrição do "percebido" precede sua explicação fisiológica ou neurológica e determina essa última, já que é a análise descritiva ou fenomenológica que está do lado da oferta, pelo fato de que ela fornece para uma ciência como a fisiologia, a demandadora, seu explanandum. A questão não é mais, então, a de saber o que deveríamos perceber, levando em consideração o que nos ensinam as ciências da natureza, mas sim por que percebemos as coisas tal qual as percebemos normalmente.8 8 Stumpf e Husserl não são os únicos a fazer a aproximação de Hering e de Mach com o método fenomenológico. Vários estudantes de Husserl durante o período de Göttingen viram na fenomenologia de Husserl um caso particular do método praticado por Hering e depois por Mach. Entre os mais importantes, mencionemos E. Jaensch, que afirma que a tendência dominante em psicologia é resultante dos trabalhos de Hering em fisiologia dos sentidos e da visão, pelo fato de que eles tornaram possível pela primeira vez a investigação sobre o mundo da percepção e da sensação (cf. Jaensch, 1927, p. 125). David Katz já aproximava o método fenomenológico de Husserl da iniciativa de Hering (cf. Katz, 1911, p. 5, 20). Muitos anos mais tarde, no capítulo "O método fenomenológico" Katz dirá que uma vez que esse método descritivo remonta à teoria das cores de Hering, coube a Husserl tê-lo "aperfeiçoado em sua fenomenologia" (1955, p. 25). Esse método foi retomado por Köhler e, segundo Katz, a crítica gestaltista da antiga psicologia, em particular os dois erros que Köhler atribui à antiga doutrina que afirma que todas as sensações são ligadas a excitações locais, depende em boa parte da confiabilidade desse método. Vão na mesma direção as observações de dois outros estudantes de Husserl: P.F. Linke (1929, p. 2-3) e H. Hofmann (1913) em sua tese, orientada por Husserl.

4 O DEBATE NATIVISMO-EMPIRISMO E A ORIGEM DA PERCEPÇÃO DO ESPAÇO

A maioria dessas indicações sobre a origem da fenomenologia aponta em direção ao famoso debate que opôs Helmholtz a Hering e Mach sobre a percepção do espaço e a teoria das cores. Esse debate foi tema de uma obra notável de Stumpf, publicada em 1873, um ano antes da aparição da Psicologia do ponto de vista empírico, de Brentano (1874), e da obra influente de Wundt (1874), Psicologia fisiológica. Em sua obra Sobre a origem psicológica da representação do espaço, Stumpf (1873) propõe uma síntese, notável pela clareza e pela precisão, da famosa controvérsia que opõe o nativismo e o empirismo tal como é apresentada por Helmholtz (1910), e seu ponto de partida é a teoria dos signos locais defendida por seu mentor H. Lotze na obra Psicologia médica (1852). Como mostra Stumpf, o ponto de partida dessa controvérsia sobre a origem da percepção espacial remonta ao debate que opõe Helmholtz a Hering quanto à questão da descrição e da explicação de nossa capacidade de perceber o espaço e de localizar os objetos no espaço visual e tátil. Conforme o diagnóstico de Helmholtz em seu Handbuch, aqueles que, como Hering, creem que essa capacidade é inata, pertencem ao campo nativista, enquanto Helmholtz e os defensores da facção empirista, tal como Wundt, estimam que ela é o resultado de um aprendizado e o produto de processos mentais ou das leis de associação. Donde a controvérsia que opõe o nativismo e o empirismo a respeito do problema central da percepção sensível, o qual podemos formular, em uma primeira aproximação, como aquele da parte que cabe à sensação e da parte que cabe aos processos mentais e ao aprendizado em nossa percepção dos objetos espaciais. Uma teoria empirista da percepção reconhece a contribuição dos processos psíquicos e faz depender deles toda noção de espaço, enquanto que a teoria nativista pressuporia, segundo Helmholtz, um sistema de apercepções inatas que não são fundadas na experiência.

Essa controvérsia está na origem da grande divisão que se instala no meio do século xix no seio da nova psicologia entre, por um lado, a corrente empirista, cujos representantes principais são Helmholtz e Wundt, e, por outro, a corrente oposta, saída dos trabalhos de Hering em psicologia, eles mesmos inspirados pelos trabalhos de Goethe e Purkinje, corrente que passa pela escola descritivista de Kirchhoff em física, cujo representante mais conhecido é Mach, pela escola de Brentano em psicologia e chega até a psicologia da forma. Ora, é justamente a essa última corrente que pertencem as diferentes versões da fenomenologia compreendida em um sentido geral como doutrina dos elementos ou fenômenos sensíveis. Essa fenomenologia foi compreendida desde o início como uma ciência neutra, como uma espécie de propedêutica à ciência no sentido de que seu campo de estudo era considerado como um domínio comum às ciências como a física, a fisiologia e a psicologia, por exemplo, e que seu trabalho representava uma passagem obrigatória para as outras ciências. Vista sob esse ângulo, uma das questões importantes dessa controvérsia é relativa menos à oposição entre o empirismo e o nativismo que àquela entre uma forma de construtivismo, comum aos kantianos e aos empiristas e segundo a qual o dado é construído (por meio das categorias do entendimento ou das leis de associação), e uma aproximação fenomenológica, que toma sua medida na descrição do percebido. Essa aproximação tem a imensa vantagem de tornar possível uma primeira delimitação do campo de ação da fenomenologia antes de Husserl e, portanto, da fenomenologia compreendida em um sentido muito amplo.

A maneira mais simples de entrar nesse debate é partir da teoria dos signos locais de Lotze, a qual representa, de fato, sua contribuição principal para o problema da origem das representações espaciais (cf. 1846, p. 172-90; 1852, p. 325-52; 1856, p. 330-47; 1873, p. 315-24; 1877; 1879, p. 543-73; 1881, p. 26-38). Em sua versão inicial, a hipótese de signos locais respondia à questão de saber como as qualidades da cor são localizadas de maneira determinada no espaço, por que um só e mesmo vermelho aparece ora em um lugar, ora em outro, e por que, em regra geral, as cores são repartidas de maneira determinada no campo visual. O problema da localização era, então, o seguinte: como as qualidades não espaciais, associadas a pontos particulares na retina, permitem ao olho distinguir entre sensações idênticas, o mesmo vermelho, resultantes da estimulação de diferentes pontos na retina? Pois esses signos permitem distinguir qualitativamente duas sensações a e b, mas para estabelecer uma relação espacial entre essas duas mesmas sensações, seria preciso ter em nosso órgão sensível motivos ou indicações que, conforme a hipótese de Lotze, incitam a alma a "reconstruir a relação espacial entre os objetos a e b, isto é, representar os objetos a e b um ao lado do outro" (1879, p. 327).

A hipótese dos signos locais serviu de ponto de partida para a maioria das investigações psicológicas e fisiológicas sobre a origem das representações espaciais, e ela foi conservada tanto pelos empiristas quanto pelos nativistas. Entretanto, essa hipótese de sensações auxiliares ou quase sensações só é relativa, de modo definitivo, à localização das sensações no campo visual e tátil conforme seu lugar de origem, mas ela não explica "essa ordem primeira das sensações" que a aplicação dos signos locais pressupõe. Dito de outro modo, a questão à qual Lotze procura responder com sua teoria dos signos locais não é a questão metafísica do estatuto do espaço em geral, mas sim aquela da localização das sensações que, porque elas não são em si extensas, pressupõem um espaço objetivo. Aliás, é o que reconhece Lotze no momento em que distingue o problema da localização ("como faz a alma para atribuir nesta intuição do espaço, que lhe é necessária, a cada uma das sensações seu lugar determinado, em correspondência com o objeto que delas é a causa") do problema metafísico das representações espaciais, que responde à questão: "por que a alma arranja a massa de sensações nesse quadro de relações geométricas" e não em uma outra ordem, por que esta forma de intuição e não uma outra (1877, p. 352). Ora, todos aqueles que participaram da controvérsia sobre a origem das representações espaciais rejeitam sem equívoco a pressuposição metafísica de Lotze.

O problema da localização pelo qual Lotze se interessa reside nas condições que tornam possíveis nossa representação dos objetos na mesma ordem espacial que eles ocupam no nosso exterior. A hipótese dos sinais locais repousa sobre a ideia de que as diferenças espaciais e as relações entre as impressões na retina devem compensar as relações simplesmente intensivas e não espaciais correspondentes entre as sensações, e é por um procedimento psicológico que a alma transforma novamente esses dados intensivos em dados extensivos, isto é, o arranjo dessas sensações no espaço. Esse arranjo espacial é, de fato, uma "reconstrução" do espaço, um tipo de representação mental que, com base nas indicações fornecidas pelos signos locais, relaciona esses dados intensivos com os objetos exteriores ou com partes do corpo. Assim, para explicar a ordem espacial das qualidades da cor no sentido visual, que não contém em si nenhuma extensão ou nenhuma ordem espacial, devemos pressupor, segundo a hipótese de Lotze, que elas veiculam certos índices que nos permitem determinar a ordem inicial. São esses índices que Lotze chama de signos locais.

Stumpf ilustrou brilhantemente esse problema com a ajuda do exemplo da mudança de uma biblioteca de um lugar para outro. Com efeito, existem muitas maneiras de ordenar e classificar os elementos no espaço, e no caso da localização, o problema é o de saber como podemos reconstituir a ordem inicial das obras depois da mudança, isto é, como podemos determinar o devido lugar a cada uma das obras, abstraindo a questão de saber por que esta localização deve se fazer conforme a ordem inicial. Pois já que a ordem inicial desaparece no momento em que colocamos as obras em fichas catalográficas, temos necessidade de indicações para reconstituí-la em um outro lugar, temos necessidade de etiquetas ou de rótulos, por exemplo, que teriam sido colados a cada uma das obras a fim de marcar sua posição inicial uma em relação às outras. De maneira análoga, para explicar a ordem espacial das qualidades da cor no sentido visual, que não contêm em si nenhuma extensão ou nenhuma ordem espacial, como os livros durante a mudança, devemos pressupor que elas veiculam certos índices, chamados por Lotze de signos locais. Mas esses índices não são suficientes para determinar a ordem inicial, já que as obras da biblioteca poderiam do mesmo modo ser ordenadas segundo a grossura, a cor da capa, segundo a data de sua publicação, seu conteúdo, a ordem alfabética do nome do autor etc. O que nos permite distinguir uma classificação de outra? Não se deve admitir um conteúdo na representação que torna possível tal ou tal classificação, mais precisamente uma ordenação espacial, e permite então distinguir essa forma de ordenação de uma outra, da forma temporal, por exemplo? Stumpf defende que o espaço não é simplesmente uma multiplicidade que pode ser ordenada conforme certas relações elas mesmas a priori, como pensava Kant, para quem o espaço como forma a priori permitia fundar em definitivo os juízos sintéticos no domínio das matemáticas.

Para utilizar a hipótese de Lotze de maneira eficaz no domínio da percepção espacial, devemos, então, afastar seus pressupostos metafísicos, como bem viu Wundt (1874, p. 36, 1878). Donde a questão que está no núcleo do debate que opõe os nativistas aos empiristas: "como se forma no espaço essa primeira ordem das sensações, que é sempre pressuposta, por ocasião de uma tal aplicação isolada dos signos locais?" (1874, p. 37). Com efeito, a controvérsia em torno da origem das representações espaciais se refere à formação do espaço (da ordem espacial), isto é, à formação da relação entre a extensão e as qualidades visuais e táteis, bem como à localização dessas qualidades no espaço. A premissa comum aos empiristas e aos nativistas é que nossas sensações diferem qualitativamente umas das outras conforme seu lugar de origem ou conforme o lugar onde são produzidas, e a função do signo local consiste precisamente em designar seu lugar de origem ou sua causa. Mas os dois partidos não se entendem sobre dois pontos importantes: por um lado, sobre o gênero da relação que liga o espaço e a qualidade ou o signo local a seu lugar de origem; por outro, sobre a própria natureza das qualidades sensoriais e dos signos locais. Para os nativistas, essa relação entre qualidade e extensão é intrínseca aos conteúdos sensoriais, ao passo que os empiristas estimam que ela seja extrínseca e de natureza judicativa ou associativa. Kant, Lotze e os empiristas julgam que os dados imediatos da consciência são sensações brutas, um mosaico de sensações separadas, ao passo que os nativistas veem aí fenômenos organizados e estruturados segundo leis. Um empirista como Helmholtz, por exemplo, concebe os signos locais como simples marcas distintivas cuja significação se esgota inteiramente na interpretação que as anima. Em compensação, os nativistas julgam que os signos locais reenviam imediatamente a diferenças locais no sentido em que o conteúdo dessa sensação local nos fornece imediatamente o lugar de sua origem. Na esteira de Kant, os nativistas admitem, então, que não há qualidade sem extensão, mas eles reconhecem, com os empiristas, que não há espaço sem qualidade ou material sensível. Além disso, eles admitem que o espaço provenha da intuição, mas eles estimam que a relação entre qualidade e espaço não é de natureza judicativa ou associativa, mas sim inerente aos conteúdos sensoriais ou aos próprios fenômenos.9 9 A posição que Stumpf defende em seu Raumbuch e que ao seu modo o jovem Husserl retoma no capítulo 3 de Filosofia da aritmética e que é elaborada sistematicamente na terceira das Investigações lógicas, consiste na ideia muito simples das relações de dependência do campo visual ou tátil e da extensão, essa última devendo-se compreender como um conteúdo parcial, uma parte psicológica ou, o que ele chamará mais tarde, um atributo. Tal é a chave dessa obra e o princípio que guia Stumpf tanto em sua crítica ao empirismo e ao kantismo quanto em sua defesa do ponto de vista nativista. Nessa perspectiva, o espaço e a qualidade da cor são inseparáveis e formam um só e mesmo conteúdo do qual eles são os conteúdos parciais [ Theilinhalte]. Por conteúdos parciais, Stumpf entende "conteúdos independentes (que) são dados onde os elementos de um complexo de representação pode também ser representado, conforme sua natureza, de maneira separada; conteúdos parciais onde não é o caso" (Stumpf, 1873, p.109).

5 O DEBATE HELMHOLTZ-HERING E A INFLUÊNCIA DE HERING SOBRE MACH

Estamos, agora, em posição de apresentar sucintamente o debate complexo que opõe Hering a Helmholtz a respeito do tema geral da percepção sensível. O problema central da percepção, tal qual o descreve Helmholtz no início do terceiro livro de seu tratado óptico (1910, § 26 - "Das percepções em geral"), é aquele da parte de nossas intuições [Anschauugen] que é derivada do sentido da luz e que é, então, diretamente atribuível à sensação, e aquela que é atribuível à experiência e ao aprendizado. Donde, segundo ele, a clivagem entre uma teoria empirista da percepção, que reconhece a contribuição da experiência e que dela faz depender toda noção de espaço, e a teoria nativista, atribuída a Hering, e que pressupõe, segundo Helmholtz (cf. 1910, p. 578-9), um sistema de apercepções inerentes a nossa experiência do espaço e que não é, então, fundado na experiência.

Uma das ideias defendidas pela fisiologia de Helmholtz é a de que cada sensação individual de que fazemos experiência tem sua origem na estimulação de uma fibra nervosa específica. Essa ideia é tributária da lei da energia específica de J.Müller, ou do que também chamamos de teoria do fio telegráfico, que afirma que cada nervo sensorial conduz sua atividade sensorial no cérebro independentemente das outras fibras nervosas e, portanto, à maneira de um fio telegráfico isolado. A estimulação de uma fibra singular na retina dá lugar não só a uma sensação, mas também a um signo local que é particular a essa fibra. Para Helmholtz, as sensações são comparáveis a signos que reenviam a propriedades espaciais ou temporais do mundo exterior, mas esses signos devem ser interpretados e essa interpretação deve ser adquirida por meio da experiência. Esses signos só adquirem, então, uma relação com o espaço por meio de uma interpretação psicológica. Assim, a tarefa dessa parte da fisiologia óptica que ele chama de psicologia é estudar os processos graças aos quais as sensações não espaciais são combinadas para formar representações do espaço. É o que se chama teoria da projeção: as imagens perceptivas dos objetos são projetadas no espaço por meio de processos mentais. Segundo essa teoria, só percebemos os objetos no mundo, isto é, as propriedades dos objetos que pressupomos ser a causa das respostas sensoriais, por meio de uma interpretação, ou mais precisamente, por meio de inferências inconscientes e das leis da associação. Pois é uma atividade mental que atribui sentido a esses signos ou sensações brutas, e é por meio das leis da associação que construímos nossas percepções dos objetos e dos acontecimentos no mundo. Em seu Handbuch, ele concebe essas inferências sobre o modelo da lógica de J. S. Mill (cf. Helmholtz, 1910, p. 591).

Retenhamos, aqui, a dicotomia entre sensação bruta e percepção que Helmholtz concebe sob o modelo da psicologia associacionista. Ora, a diferença que opõe Helmholtz a Hering diz respeito, precisamente, ao recurso à psicologia na explicação da percepção sensível. Esse problema se manifesta claramente na teoria das cores que, agora, convém chamar de teoria Young-Helmholtz. Young mostrou que ao escolher um conjunto de três comprimentos de onda que corresponda àqueles das cores vermelha, verde e azul, podemos, combinando-as segundo diferentes proporções, produzir qualquer outra cor. Esse procedimento permitia simplificar consideravelmente o trabalho da fisiologia, reduzindo-o ao estudo da maneira com a qual percebemos os três tons de cor (vermelho, verde e azul). Em seguida, era possível explicar todo o resto com a ajuda de combinações entre esses três elementos de base, e é justamente o que procurava Helmholtz. Para ele, haveria três tipos de fibras nervosas no olho. A excitação de um tipo produziria a sensação de vermelho, a segunda, de verde e a terceira, de azul. A luz excitaria todos esses três tipos de fibras com uma intensidade que varia segundo o comprimento de onda da luz. As fibras, que são sensíveis ao vermelho, seriam excitadas, em sua maioria, pela onda mais longa; as que são sensíveis ao violeta seriam excitadas pela luz de onda mais curta, e assim por diante. Tratava-se de saber, então, se essa explicação das cores podia ser transposta para as outras qualidades do mundo da percepção e, primeiramente, para a do tamanho de um objeto, sua posição, sua distância, sua forma etc. A resposta é simples: não existe nenhuma "energia específica" por meio da qual poderíamos dar conta das características espaciais, não existe nenhuma estrutura anatômica que seja sensível à profundidade, à distância, aos objetos e à forma. Nessas condições, a fisiologia da época se defrontava com a seguinte alternativa: seja negar que existam tais estruturas anatômicas e adotar o ponto de vista empirista que ofereceria uma opção para preencher a lacuna entre os órgãos sensoriais periféricos e o mundo dos objetos; seja continuar a investigação de mecanismos sensoriais e fazer a aposta de que existem, com efeito, tais estruturas que podem dar conta da distância, por exemplo. Helmholtz faz opção pela primeira, e Hering pela segunda.

Esses mecanismos sensoriais, aos quais recorreu Hering diante do problema da localização dos objetos no espaço e da visão binocular, representam o coração do que chamamos sua teoria dos valores espaciais e retinianos. Essa teoria, que é, de fato, uma outra extensão da teoria dos signos locais de Lotze, defende que a retina possui mecanismos fisiológicos inerentes para avaliar a disparidade das imagens e convertê-las em percepções espaciais. Assim, cada ponto da retina fornece, além das sensações de luz e de cor, três sensações de espaço ou qualidades sensíveis separadas, que são chamadas de valor espacial [Raumwert]: um "valor" de altura, de largura e de profundidade. Assim, no momento em que um ponto da retina é estimulado, percebemos imediatamente a imagem como estando situada abaixo ou acima, à direita ou à esquerda de um ponto de fixação, com a distância desse ponto determinada pelo valor da altura e da largura do ponto particular que é estimulado. Se se aceita a teoria de Hering, é preciso, então, admitir que nossa experiência da distância é tão imediata quanto aquela da cor vermelha, por exemplo. Aqui, não entrarei no detalhe da teoria de Hering e também não comentarei as respostas de Helmholtz a fim de melhor me concentrar no aspecto filosófico do debate (cf. Turner, 1994).

Em suas observações preliminares, Hering (1878) dirige-se diretamente a Helmholtz e se opõe à direção tomada pelas investigações nos domínios da fisiologia dos sentidos e na fisiologia da ótica em particular. Ele contesta os próprios termos da oposição por meio da qual Helmholtz procura caracterizar o debate em questão. Sobre a caracterização da sua teoria da visão binocular em termos de nativismo, Hering afirma no início dessa obra que ela não é apropriada, já que se trata, então, de um aspecto acessório de sua posição. Porque entre o nativismo e o empirismo, só há uma diferença de grau enquanto permanecermos sobre o solo da fisiologia, em particular, enquanto nos detivermos no método fisiológico. O ponto principal do litígio é, antes, o recurso à psicologia empirista. É assim que Hering lhe censura por se comprometer com uma forma de espiritualismo - ou seja, uma forma de mentalismo - pelo fato de que Helmholtz responde por meio da psicologia a questões que, segundo Hering, podem ser tratadas com sucesso pela fisiologia. Como escreveu Hering: "o que não se queria ou não se podia investigar fisiologicamente, se explicava a partir de uma 'força vital' ['Lebenskraft'], o que explica, então, que a cada três páginas de um tratado de fisiologia ótica figurem, à maneira de um deus ex machina, as palavras 'alma' ou 'espírito', 'juízo' ou 'inferência', a fim de se desembaraçar de todas as dificuldades" (1878, p. 2).

É preciso distinguir dois aspectos na crítica de Hering: por um lado, a censura em relação ao recurso a inferências inconscientes para explicar fenômenos como a percepção do espaço, que Hering crê poder explicar recorrendo unicamente à fisiologia. É por isso que o coração do litígio reside, segundo Hering, em uma diferença de método: utilizar a natureza do espírito humano como princípio de explicação no domínio da psicologia é cometer um erro metodológico grave – um erro de categoria (cf. 1878, p. 4). Por outro lado, não percamos de vista o fato de que essa crítica ao espiritualismo de Helmholtz não conduz de forma alguma a rejeitar toda forma de psicologia no domínio da fisiologia. Hering censura, principalmente, a própria psicologia empirista da associação e seus postulados sensualistas (sensações brutas), mentalistas (o recurso aos processos mentais), intelectualistas (os processos que ligam percepções e sensações são de natureza judicativa e são associativos) e mecanicistas (esses processos são inferências inconscientes já que operam sobre sensações não notadas e sem que o sujeito perceptivo esteja consciente delas de alguma maneira).

No caso de Hering, em vez de psicologia, parece mais apropriado falar de fenomenologia, porque, justamente, trata-se de uma disciplina que tem precisamente a tarefa de estudar os "fenômenos da consciência" [Erscheinungen des Bewußtsein], abstraindo seu substrato orgânico, procedimento que nos coloca em posição de descrevêlos, de ordená-los e de abstrair as leis gerais para assim elucidar ou explicar os fenômenos individuais com ajuda dessas mesmas leis. Em Zur Lehre, Hering distingue essa psicologia filosófica, que é descritiva, da parte da fisiologia que ele chama "fisiologia da consciência", a qual considera os fenômenos da consciência como funções de eventos psíquicos (cf. 1878, p. 4). A primeira descreve e classifica os fenômenos da consciência, enquanto a psicologia fisiológica coloca em relação esses fenômenos com os processos físicos do organismo. Assim, no estudo das sensações, em particular as sensações de cor e de espaço, devemos investigar uma dupla fonte: "o acontecimento físico torna compreensível o psíquico ao passo que inversamente o acontecimento psíquico clarifica o que é físico" (1878, p. 5). Conhece-se um membro da relação, especialmente a cor que aparece para a consciência, mas não se sabe muita coisa sobre o processo psicofísico na substância visual com a qual o fenômeno cor é diretamente conectado. Assim, esse método é comparável àquele de perfuração de um túnel

que procede das duas extremidades ao mesmo tempo e, então, não só do lado físico-químico, mas também do lado psíquico. (...) Nosso objetivo é o conhecimento da conexão causal entre, por um lado, todo acontecimento físico e, por outro, todo acontecimento psíquico; pressupomos a dependência regulada entre esses dois tipos de acontecimento (Hering, 1878, p. 106).

Como se vê, designar a posição de Hering com a ajuda da noção de nativismo leva à confusão, pois nunca esteve em questão para ele postular algo como ideias inatas. Com efeito, os termos nativismo e empirismo dos quais se serve Helmholtz a fim de designar sua diferença com Hering são mais ou menos apropriados e se prestam a confusão visto que o objeto do litígio diz respeito principalmente ao método e ao ponto de partida de nossos dois protagonistas no estudo da percepção sensível. Pois o ponto de partida de Helmholtz é a mecânica newtoniana tal como foi exposta em sua dissertação de 1847 sobre a conservação da energia (cf. Helmholtz, 1847); além disso, sua empreitada em seu Handbuch deve ser compreendida como a tentativa de empregar a linguagem determinista e mecânica no estudo das sensações. Em compensação, Hering, assim como Mach, defende uma concepção orgânica das sensações e se dá como ponto de partida não os Reizen ou stimuli do mundo da física, mas sim o percebido (ou percepto) do mundo fenomenal, que ele procura explicar com a ajuda de mecanismos fisiológicos inerentes às sensações. Daí o objeto primeiro do litígio, que diz respeito ao ponto de partida fisicalista da antiga psicologia e que, conforme o diagnóstico de Husserl na Krisis, remonta a Galileu.

Sabe-se que Hering e Mach se influenciaram mutuamente quando eles estavam em Praga, e alguns atribuem ao próprio Mach uma influência direta sobre a teoria das cores de Hering (cf. Kremer, 1992; Boring, 1942, p. 206). Com efeito, Mach se refere muito frequentemente aos trabalhos de Hering, e ele reconheceu em várias ocasiões sua dívida em relação a ele, sobretudo, em relação a sua teoria das sensações e a seu método. No plano metodológico, Mach retoma a analogia do túnel de Hering e a utiliza para descrever o método que caracteriza sua própria investigação. A esse propósito, ele escreve em Conhecimento e erro:

[O método] se parece com a construção de um túnel que procede das duas extremidades ao mesmo tempo, do físico e do psíquico. (...) A investigação de uma ponte entre esses campos, aparentemente tão diferentes, e de uma concepção uniforme repousa na natureza econômica do espírito humano. Não tenho nenhuma dúvida que esse objetivo nos será acessível do lado psíquico e do lado físico se os conceitos passarem por uma transformação adequada, e que ele permanecerá inacessível apenas àquele que, desde sua mais tenra infância, permanece preso a conceitos fixos por instinto ou por convenção (1919, p. 13).

Retenhamos dessa passagem a ideia de que essa investigação deve ter algo da psicologia (fisiológica) e das ciências da natureza, especialmente da fisiologia, e é a natureza econômica do pensamento que torna possível a ponte entre o físico e o psíquico. Ora, o laço entre esse princípio de economia e o método descritivo é a doutrina dos elementos de Mach. Sobre a questão das sensações de cor, contentarme-ei em lembrar que Mach está de acordo com a teoria das quatro cores de Hering e contra a de Young-Helmholtz (cf. Mach, 1996, p. 63).

Mais importante para nosso estudo é essa observação presente na Análise das sensações em que Mach atribui a Hering o mérito por tê-lo livrado de seus prejuízos sobre as sensações, prejuízos associados à teoria do "fio telegráfico" de Helmholtz (Mach, 1996, p. 113, 322) e à teoria das energias específicas de Muller, que, segundo Mach, não dá conta de forma alguma de fenômenos como a direção visual e a profundidade (1996, p. 111-2). A esse propósito, Mach escreve:

enquanto nos representarmos os músculos dos olhos enervados separadamente, privamo-nos da possibilidade de compreender esse fato fundamental: o espaço óptico se apresenta como uma tripla variedade. Experimentei esta dificuldade durante anos, e finalmente identifiquei, em virtude do paralelismo do psíquico e do físico, em qual direção a explicação deveria ser buscada (1996, p. 151-2).

Ora, essa solução, acrescenta Mach, ele a encontrou na teoria elaborada por Hering em sua obra Die Lehre von binoculären Sehen. Essas observações e muitas outras que encontramos nas obras de Mach mostram o estreito parentesco de Mach e de Hering tanto no plano metodológico quanto científico. Vejamos agora o que se passa a propósito de sua relação com Husserl.

6 HUSSERL E O PROJETO DE UM RAUMBUCH (1893)

Aparentemente, afastamo-nos das preocupações que animam a fenomenologia de Husserl, em particular da versão da fenomenologia depois da virada transcendental, cujo domínio de investigação está claramente dissociado daquele da psicologia descritiva e fisiológica. Mas, lembremos, entretanto, que as indicações relativas à origem da fenomenologia em Mach e Hering são tiradas de textos que pertencem a diferentes períodos da obra de Husserl em que ele defende uma posição transcendental. Não percamos de vista também o fato de que Husserl veio para a filosofia depois de longos estudos em matemática ao lado dos maiores matemáticos da época. Ele também estabeleceu estreitos laços com seu colega e amigo Cantor em Halle e com Hilbert durante sua estadia em Göttingen. E, sobretudo, não se pode subestimar a influência que Stumpf exerceu sobre ele durante todo o período de Halle até nas Investigações lógicas, obra que, aliás, lhe é dedicada (cf. Fisette, no prelo). Com isso, gostaria de sugerir que o jovem Husserl era muito bem informado sobre os debates em torno da geometria e da origem da percepção do espaço, e essas questões deviam, aliás, ser objeto de uma parte importante do segundo volume da Filosofia da aritmética, que nunca apareceu. Outros índices testemunham o conhecimento e o interesse do jovem Husserl por tais problemas.

Com efeito, desde seu primeiro ano em Halle, Husserl foi submetido a um exame de "validação", que tinha por objetivo reconhecer seu diploma estrangeiro da Áustria. Desse júri, participaram o matemático Cantor e, ex officio, Stumpf, que o interrogou, dentre outras coisas, sobre o tema da teoria dos sinais locais de Lotze, a história das teorias do espaço e as relações entre a lógica e as matemáticas (cf. Gerlach & Sepp, 1994, p. 184). Foi também durante esse período que Husserl anotou sistematicamente o Raumbuch de seu mentor Stumpf. Mas as informações mais preciosas sobre essas questões se encontram nos manuscritos de pesquisa datados de 1893, que pertencem ao projeto de redação de um Raumbuch próprio (cf. Husserl,1983; Brisart, 2007), e que nos permitem situar de modo relativamente preciso a posição de Husserl no debate nativismo-empirismo sobre a percepção do espaço.

Por não poder comentar o conjunto desses manuscritos, contentar-me-ei com algumas observações que colocam em evidência o importante fragmento 10, em que se examina esse debate. De fato, a posição de Husserl é muito próxima daquela de Stumpf, e isso em razão do papel central que cabe à noção de "parte psicológica" não só em seus manuscritos, mas também em sua Filosofia da aritmética e em seus "Estudos psicológicos para a lógica elementar" de 1894 (Husserl, 1995, p. 123-67).10 10 Husserl qualifica os trabalhos de Stumpf e de Lotze de "investigações magistrais" sobre o problema da origem da representação do espaço (cf. 1995, p. 162). Ele menciona em algumas passagens e de maneira positiva a teoria dos signos locais de Lotze em seu Raumbuch, em relação, particularmente, com a terceira dimensão do espaço, mas essas observações não são suficientemente elaboradas para serem decisivas. Cf., sobre os signos locais de Lotze, Husserl 1983, p. 269, 306, 309 ss.; sobre a noção de Tiefenwerte de Hering, Husserl, 1983, p. 308. Dito isso, nos manuscritos, Husserl atribui muita importância à questão da relação entre as representações espaciais e a geometria (euclidiana e não euclidiana), assim como à elaboração de sua teoria das multiplicidades definidas. Entretanto, Husserl atribui igual importância ao problema da origem das representações espaciais, que interessa mais particularmente a este presente estudo. Na maioria dos fragmentos que pertencem a esse projeto, Husserl avalia três maneiras de se aproximar do problema da origem da representação do espaço: psicológica, lógica e metafísica. Os problemas que estão ligados à psicologia descritiva dizem respeito ao caráter equívoco da noção de espaço, mas, sobretudo, ao tema da representação do espaço. A questão metafísica tem por objeto saber se o espaço é uma intuição ou um conceito, e essa questão é indissociável da doutrina kantiana e neo-kantiana do espaço como forma a priori da sensibilidade, uma posição que Husserl rejeita sem equívocos (cf. Husserl, 1972a, p. 43 ss.). Essa questão tem um alcance gnosiológico considerável, já que, no kantismo, essas formas representam as condições a priori da experiência e dos objetos do conhecimento (e, então, do conhecimento em geral). Ela está diretamente ligada à questão do psicologismo. As questões lógicas que estão relacionadas com o tema das representações espaciais dizem respeito tanto à geometria (a teoria das multiplicidades) quanto ao que ele chama a lógica dos signos, da qual falarei mais adiante.

Cabe à psicologia um estatuto particular nessa investigação, em relação à lógica e à metafísica. Como escreve Husserl:

O psicólogo não é, então, influenciado pelos interesses metafísicos e lógicos que são estranhos à própria coisa; ele se deixa unicamente guiar pela necessidade que reside na própria coisa. Ele não se ocupa com uma vã (angebliche) dignidade de tais ou tais origens, ele não avalia, mas analisa. Eu mal preciso dizer que a inves tigação do metafísico e do lógico é também uma investigação psicológica (1983, p. 302).

Portanto, só há uma e a mesma questão da origem, e ela é psicológica. Nem a lógica nem a metafísica podem responder a essa questão independentemente da psicologia. Inversamente, a psicologia é relativamente autônoma em relação à lógica e à metafísica, pelo menos para a questão da origem do espaço.

No apêndice 2, intitulado "As tarefas de uma filosofia do espaço" (1983, p. 4045), Husserl distingue, no seio da psicologia, duas orientações de investigação: as investigações genéticas, que parecem corresponder ao trabalho da psicologia fisiológica, mas que Husserl associa também à questão da gênese dos conceitos científicos de espaço e a sua origem nas idealizações e sua fixação nas definições etc.; entretanto, são as investigações propriamente descritivas, que não só ocupam a maior parte desses manuscritos, assim como dos textos publicados, e que representam o fundamento da análise genética. A tarefa da análise descritiva consiste em estudar os elementos por meio dos quais é composta a representação do espaço, e essa tarefa se subdivide novamente em duas partes: por um lado, a análise do espaço da intuição, isto é, os conteúdos primários das representações do espaço; por outro, os conceitos de espaço conforme seu conteúdo psicológico, a saber, os momentos espaciais intuitivos com funções simbólicas, que encontramos no uso dos nomes "corpo", "superfície" etc., e os juízos que estão ligados aos conteúdos primários.

7 MACH, OS BRENTANIANOS E AS QUALIDADES DA FORMA

No momento em que Husserl publica seus Prolegômenos, a maioria dos psicólogos já tomou posição a favor de Hering e a fenomenologia, e contra Helmholtz e a psicologia associacionista. Com efeito, o início dos anos 1890 marcou o começo de uma renovação da psicologia que levará, vinte anos mais tarde, à psicologia da forma, renovação que é acompanhada do abandono progressivo da antiga psicologia com a qual trabalhavam ainda Fechner, Helmholtz, Lotze, Müller, Herbat e Wundt. Karl Büller, um psicólogo formado na escola de Würzburg e que em parte é responsável por ter chamado a atenção de seus colegas sobre a importância das investigações de Husserl no domínio da psicologia, disse da obra de Mach, Analyse der Empfindungen, que ela representava sobre o plano histórico "a mais pura expressão da mentalidade do círculo de pesquisadores dos anos 1890" (Büller, 1927, p. 2). Com efeito, esse mesmo ano marcou a publicação do artigo de C. von Ehrenfels (2007), que suscitou uma reação imediata da parte dos filósofos científicos, e deu lugar a um outro debate memorável, do qual tomaram parte vários estudantes de Brentano, dentre eles Husserl (cf. Ash, 1995; Fisette & Fréchette, 2007). Se esse texto de Ehrenfels pôde dar lugar a tantas pesquisas empíricas e teóricas sobre as qualidades da forma e suscitar assim esse debate desde seu surgimento em 1890, foi, em princípio, em razão do caráter insigne do fenômeno que ele pretende descobrir e das numerosas questões que foram aí deixadas em suspenso.11 11 Existem alguns bons comentários sobre esse tratado de Ehrenfels, dentre eles Gelb (1911) e Höfler, (1912), no qual o autor se propõe completar os comentários de Gelb, particularmente aqueles sobre a intuição ("forma e intuição são correlativos") e sobre a relação ("a forma não é uma relação [ Beziehung], isto é, ela não é redutível sem rebarba a Beziehungen, Verhältnisse, Relationen") (Höfler, 1912, p. 162). É verdade, a noção de forma (Gestalt) pertence a uma longa tradição que remonta pelo menos a Aristóteles, mas sua história, lembra Ehrenfels, é relativamente recente (cf. Brunswik, 1929; Hermann, 1978; Ash, 1995; Smith, 1988, Mulligan e Smith, 1988), ela começa com a tese de Mach em Análises das sensações, segundo a qual podemos diretamente "sentir" [empfinden] fenômenos complexos como uma melodia ou uma configuração espacial tão familiar quanto uma árvore, por exemplo, que "nos aparece à primeira vista como um todo unitário e indivisível" (Mach, 1996, p. 94). A questão que se põe à psicologia descritiva é a de saber o que são essas configurações espaciais e sonoras: "uma simples síntese de elementos ou algo novo em relação a isso, algo que se apresenta sim com essa síntese, mas que lhe é, no entanto, distinta?" (Ehrenfels, 2007, p. 255). O objetivo que Ehrenfels se fixa consiste em elucidar e em definir a noção de qualidade da forma e de "demonstrar a existência de objetos correspondentes na natureza".

Em um artigo intitulado "Mach and Ehrenfels: the foudations of Gestalt theory", K. Mulligan e B. Smith defendem que "não só as qualidades da forma de Ehrenfels e as sensações no sentido de Mach realizam, com efeito, o mesmo trabalho, mas ambas são tais que elas entretêm com seus dados elementares respectivos que as subentendem uma relação de dependência não causal" (Mulligan & Smith, 1988, p. 124). Para eles, Ehrenfels aceita as observações de Mach, mas ele as interpreta diferentemente. Ehrenfels nota, conforme Mach, que se podemos reconhecer duas melodias como idênticas mesmo se nenhuma das notas que as compõem sejam as mesmas, essas formas devem ser diferentes da soma de suas partes, elas devem ter, justamente, uma qualidade da forma. Como vimos anteriormente, Mach estima que o tipo de relação funcional entre os elementos é determinado por interesses práticos, por exemplo, conforme uma coleção de elementos é considerada do ponto de vista físico ou psíquico. Em compensação, Ehrenfels estima que a qualidade da forma não é uma simples projeção, mas sim um conteúdo positivo fundado nos elementares ou conteúdos fundadores.

Quanto à recepção do artigo de Ehrenfels, Mach lhe escreve que ele mesmo desenvolvera as ideias que ali se encontram vinte anos antes, e se pode supor, com Smith, que ele faz alusão ao seu artigo de 1865 intitulado "Bemerkungen zur Lehre vom räumlichen Sehen" (Mach, 1865). Nesse texto, Mach se pergunta como é possível reconhecer duas configurações espaciais (Gestalten) como sendo uma só e a mesma figura, por exemplo, como podemos identificar uma só e mesma melodia tocada em duas tonalidades diferentes e por instrumentos diferentes. Esse reconhecimento e essa similaridade não podem depender, defende Mach, das qualidades de representação perceptivas, já que são diferentes nos dois casos. Podemos interpretar essa observação de Mach no sentido de um apelo necessário nesse caso a sensações elementares adicionais exteriores à esfera das representações, a saber, a sensações que ele chama de sensações musculares ou cinestésicas: "No momento em que ouvimos a mesma melodia nas duas tonalidades diferentes, nossa apreensão dessa 'identidade' repousa no fato de que, a despeito de todas as diferenças nas sensações das notas, as mesmas sensações afetivas estão implicadas nos dois casos" (Mulligan & Smith, 1988, p. 126).

Como sabemos, Husserl estudou o mesmo gênero de fenômenos no capítulo XI de sua Filosofia da aritmética em um contexto sensivelmente diferente, a saber, a explicação das apreensões indiretas das multiplicidades, fenômenos que são chamados de momentos figurais. Mas notemos que Husserl de fato já utilizava a noção de Gestalt em suas lições de 1889-1890 sobre o conceito de número e, portanto, antes de Ehrenfels (cf. Husserl, 2004a). Como mostra a seguinte passagem, Husserl utiliza a noção de momento de Gestalt de preferência àquela de momento figural, por ele utilizado em Filosofia da aritmética, ou ainda àquela de momento de unidade, que ele preferirá em relação às duas precedentes a partir de 1894 em seus "Estudos psicológicos":

Façamos um conjunto arbitrário de pontos no quadro-negro ou pensemos em um número gravado como pontos em um dado, ou coisa parecida. Qual é o dado primário? Nesse caso, uma certa configuração de pontos. Uma intuição coesa ocorre, pela qual podemos notar esse momento de forma [Gestaltmoment], que dá ao fenômeno global seu traço característico. Isso compõe agora a estrutura coesa para a atividade de apreensão: nós apreendemos um elemento, passamos então a um outro, então, por sua vez, a um outro, e assim por diante. A estrutura externa, a forma, a uniformidade da intuição, isso é agora aquilo que nos poupa de perceber a coleção efetiva, e que possibilita a representação simbólica de uma multiplicidade, a qual seria definida por meio dessa intuição (Husserl, 2004a, p. 298).

Em uma nota ao capítulo XI da Filosofia da aritmética, Husserl menciona o artigo de von Ehrenfels, mas ele não foi influenciado por tal texto, já que ele não o tinha lido; em compensação, ele reconhece sua dívida a respeito da obra de Mach A análise das sensações: "já que li essa obra do profundo físico logo que ela surgiu, é muito possível que eu também tenha sido influenciado no caminhar de minhas ideias por reminiscências dessa leitura" (Husserl, 1972a, p. 258). A primeira edição da obra de Mach apareceu em 1886, data da chegada de Husserl a Halle, e sabe-se que Stumpf fez uma recensão positiva dessa obra no mesmo ano (Stumpf, 1886). Mas nas obras ulteriores de Husserl, onde estão em questão momentos de unidade, não é mais o nome de Mach que é mencionado, mas sim os de Ehrenfels e de Meinong.

8 A CRÍTICA AO FENOMENISMO DE MACH

Em seu artigo clássico Positivismo e fenomenologia, H. Lübbe defende que o positivismo e a fenomenologia empreenderam um mesmo combate contra uma forma de dogmatismo que procurava eliminar "os dados específicos da consciência" em proveito dos dados físicos e fisiológicos tomados como a realidade. Com efeito, ele defende que é precisamente essa interpretação "dos dados imanentes e intencionais da consciência nos termos de fatos da física e da fisiologia que Husserl combate como sendo o erro fundamental do naturalismo" (Lübbe, 1960, p. 169). Nossas análises precedentes a propósito das relações estreitas da fenomenologia com o descritivismo de Mach parecem corroborar essa tese. Entretanto, se nos damos conta das reservas muitas vezes expressas por Husserl nos diferentes contextos em que ele discute questões metodológicas em relação a Mach, e principalmente de que a aproximação metodológica com o descritivismo de Mach não nos permite presumir em nada sua posição sobre as questões filosóficas tais como a metafísica e a teoria do conhecimento, é preciso, então, se perguntar se a fenomenologia husserliana empreende de fato o mesmo combate filosófico que o positivismo de Mach. Abordarei dois aspectos dessa questão: o primeiro diz respeito ao fenomenismo ou o sensualismo de Mach, que Husserl critica em vários lugares, particularmente na seção 7 da quinta Investigação; o segundo aspecto, que examinarei na seção seguinte, tem como objeto o princípio de economia do pensamento de Mach, que Husserl associa ao psicologismo (ou biologismo) no capítulo XI dos Prolegômenos a uma lógica pura. Gostaria de mostrar que a "radicalização" do método de Mach mencionada por Husserl em suas Conferências de Amsterdam anda junto com uma crítica sem piedade ao positivismo de Mach.

Ainda que Mach não reivindique o estatuto de filósofo mas de Naturforscher, ele defende uma forma de empirismo que veicula numerosas pressuposições filosóficas tais como o fenomenismo ou o sensualismo, na medida em que procura fundar o conjunto das ciências sobre os fenômenos sensíveis ou o que ele chama de elementos. No plano ontológico, Mach defende o que chamamos desde Russell de monismo neutro: a ideia de que o mundo não é feito nem de matéria, nem de espírito, mas de um material neutro que pode ser tratado, segundo o contexto (e para Mach segundo o interesse e a direção da pesquisa), como psíquico ou material. Mach defende também uma posição anti-metafísica, pelo fato de crer que tudo o que ultrapassa o dado sensível imediato ou toda asserção sobre a realidade e a existência dos objetos do mundo exterior são metafísicas, e toda ciência que não se conforma com a pura descrição dos elementos não tem relação, em definitivo, senão com pseudoproblemas.12 12 Mach, 1996, prefácio à 4º edição (primeira página), que não foi traduzido em francês. De fato, como mostra sua doutrina dos elementos, mencionada logo acima, tanto os objetos da psicologia como os da física são apenas "possibilidades permanentes de sensações", e eles são, então, redutíveis aos elementos ou complexos de elementos. Gostaria de examinar brevemente três aspectos da crítica que Husserl dirige ao fenomenismo: o aspecto conceitual, que toca a própria noção de sensação e que é relativo à distinção central na quinta Investigação entre conteúdos sensoriais e propriedades fenomenais dos objetos exteriores; o aspecto metafísico e a redução dos objetos do mundo exterior e dos atos psíquicos aos elementos; enfim, o famoso problema da transcendência.

Na introdução geral ao segundo volume de suas Investigações lógicas, Husserl define a fenomenologia como uma psicologia descritiva, sugerindo, assim, que o domínio de estudo de sua fenomenologia coincide com aquele da psicologia de Brentano (cf. Husserl, 1961, p. 263). Husserl sugere, além disso, que a escolha do termo "fenomenologia" é em princípio terminológica e visa evitar a confusão que poderia ocasionar o uso do termo "psicologia" para designar ao mesmo tempo o domínio de investigação da psicologia fisiológica e aquele dos fenômenos psíquicos ao qual se limita a psicologia descritiva de Brentano. Assim como Brentano em suas lições no meio dos anos 1880, Husserl distingue claramente a psicologia descritiva da psicologia genética, e atribui àquela a tarefa de analisar e de descrever "os vividos da representação, do juízo, do conhecimento, que, na psicologia, devem encontrar sua explicação genética e ser estudados em suas relações submetidas às leis empíricas" (Husserl, 1961, p. 3). Porém, ele atribui à descrição e à analise fenomenológica um primado metodológico sobre a explicação psicológica, e denuncia uma certa cegueira por parte de certos psicólogos que não respeitam essa divisão do trabalho ao procurar explicitar certos fenômenos que não foram previamente descritos de modo analítico, e, portanto, na ausência de um explanandum confiável. Há legiões de casos desse gênero na filosofia contemporânea. É nesse sentido que a fenomenologia pode servir de propedêutica à psicologia empírica (cf. Husserl, 1972b, p. 346-7).

Isto dito, toda discussão em torno dos critérios de Brentano para a distinção entre os fenômenos físicos e os fenômenos psíquicos e, mais geralmente, a delimitação do domínio da psicologia relativamente àquele das ciências da natureza parecem indicar que o domínio de estudo da fenomenologia não coincide inteiramente com aquele da psicologia descritiva. Penso aqui na crítica que Husserl dirige a Brentano na quinta Investigação e no Apêndice ao segundo volume das Investigações lógicas. De fato, esta crítica se refere a duas questões centrais na psicologia de Brentano: a primeira é relativa à questão de saber se a intencionalidade permite delimitar o domínio da psicologia, enquanto a segunda trata da delimitação do domínio da psicologia relativamente ao domínio das ciências da natureza, o que pressupõe, além disso, que os critérios sobre os quais se apoia a classificação de Brentano justificam a separação de princípio entre a psicologia compreendida como "ciência dos fenômenos psíquicos" e as ciências da natureza compreendidas como "ciência dos fenômenos físicos". Ora, é precisamente o que Husserl contesta. Contra a classificação de Brentano, Husserl faz valer uma distinção, introduzida em todos os seus primeiros trabalhos de Halle, entre os atos psíquicos e os conteúdos primários, mais precisamente, entre duas classes de vividos, a primeira corresponde aos fenômenos psíquicos de Brentano, a outra, que não é intencional, corresponde ao que é, agora, conveniente chamar de consciência ou a experiência fenomenal. Husserl defende que esses conteúdos primários pertencem a uma dimensão primitiva da experiência e não se subsumem a nenhuma das duas classes de fenômenos de Brentano (cf. Fisette, no prelo). De fato, esses conteúdos sensíveis apresentam muito mais afinidades com os elementos de Mach.

Antes de examinar a discussão em torno do fenomenismo e da questão da delimitação do domínio da fenomenologia e aquele das ciências da natureza, na seção 7 da quinta Investigação, vale introduzir duas condições que um critério puramente descritivo deve satisfazer. A primeira é o princípio de ausência de pressupostos metafísicos e a segunda estipula que tal critério deve apoiar-se sobre "die wahrhaften Gegebenheiten der Erscheinung" ("A doação verdadeira do fenômeno"). O primeiro princípio impõe à fenomenologia a neutralidade metafísica, isto é, a ausência de pressupostos relativos à existência e à natureza do mundo exterior da mesma forma que às leis físicas que a subentendem. Com efeito, Husserl defende que não podemos decidir a priori sobre essas questões metafísicas, pois a distinção que temos em vista com a segunda questão litigiosa precede toda metafísica e "se encontra no seio da teoria do conhecimento, que, consequentemente, também não pressupõe como já resolvida nenhuma questão à qual precisamente a teoria do conhecimento é a única chamada a responder" (Husserl, 1972b, p. 190). O segundo princípio estipula que o critério não metafísico em vista da distinção entre o domínio da experiência e o mundo dos objetos transcendentes deve apoiar-se sobre o "caráter descritivo dos fenômenos tais quais são vividos", isto é, sobre essa camada originária da experiência dos conteúdos primários que tem função, na fenomenologia, de tribunal da experiência. Por critério puramente descritivo, Husserl entende, então, um critério que satisfaz esses dois princípios.

Ora, o fenomenismo de Mach não satisfaz nenhuma dessas duas condições. Uma passagem da seção 7 da quinta Investigação indica claramente que o fenomenismo não satisfaz a segunda condição:

O defeito fundamental das teorias puramente fenomenalistas é que elas não fazem a distinção entre o fenômeno como vivido intencional e o objeto fenomenal (o sujeito dos predicados objetivos) e que, consequentemente, elas identificam o complexo vivido de sensações e o complexo dos caracteres objetivos (Husserl, 1972b, p. 348).

O fenomenismo comete um erro parecido ao que Husserl imputa a Brentano, a saber, a não-distinção no plano conceitual entre, por um lado, conteúdos sensíveis e conteúdos intencionais, e, por outro, entre os vividos não intencionais e os objetos ou suas propriedades. Mas contrariamente a Brentano, Mach parte das sensações e procura reduzir os objetos e os atos psíquicos a um complexo de elementos. É o que confirma uma passagem das lições de 1904-1905 sobre a atenção e a percepção, na qual Husserl censura explicitamente Mach por confundir conteúdo da sensação e objeto percebido ou propriedades dos objetos percebidos:

Isso ocorre por exemplo em Mach, que toma as coisas como complexo de conteúdos sensíveis, e que define como sensação esses mesmos conteúdos sensíveis, de modo que as coisas são consideradas dependentes do grupo sensível que chamamos nosso corpo. A relação do perceber ao percebido é confundida com aquela do perceber com o que é sentido, isto é, com a relação totalmente diferente entre percepção sensível e conteúdo (da percepção) sensível apresentante (Husserl, 2004b, p. 24).

O que ele chama aqui de conteúdo sensível apresentante é, na verdade, a função que cabe aos conteúdos primários em um ato de percepção, que, por definição, é um ato intencional. Para dizer de modo bem esquemático, Husserl censura Mach aqui por confundir dois tipos de relações às quais o fenomenólogo atribui muita importância tanto em suas lições como em suas Investigações lógicas: por um lado, a relação intencional entre um ato (de percepção), seu objeto e seu conteúdo, e, por outro, a relação entre conteúdos sensíveis e vivências não intencionais, o que ele chama também apercepção, apreensão ou ainda interpretação. A relação apreensão-apreendido é uma relação direta e imediata, ao passo que a primeira se caracteriza pelo papel mediador que desempenha o conteúdo intencional entre um ato e seu objeto. Ora, ao confundir conteúdo sensível e propriedades fundamentais dos objetos, Mach, assim como os empiristas britânicos antes dele, confunde sistematicamente as partes que pertencem a uma ou a outra dessas duas dimensões da percepção sensível compreendida como um todo. É, aliás, o que Husserl sugere em um curto fragmento de suas lições de 1910, no momento em que escreve que Mach "sensualiza o hylético, os caracteres do ato, os objetos" (1991, p. 224).

Agora, no que diz respeito à primeira condição que deve preencher um critério descritivo que permita delimitar o domínio da investigação fenomenológica daquele das ciências da natureza, a saber, a ausência de pressupostos metafísicos, poderíamos pensar que o fenomenismo de Mach satisfaz essa condição em razão de suas posições antimetafísicas. Entretanto, Husserl estima que essas posições na verdade veiculam vários pressupostos metafísicos, e lhe censura por decidir a priori sobre a separação entre o domínio da psicologia e aquele das ciências da natureza, e por "se engajar antecipadamente em uma certa metafísica" ao dar destaque, de início, à natureza metafísica do físico (Husserl, 1972b, p. 349). Há, então, uma diferença essencial entre a neutralidade metafísica da fenomenologia das Investigações lógicas e o monismo neutro. A neutralidade metafísica da fenomenologia deve ser compreendida em um sentido estritamente metodológico, isto é, como uma epoché ou abstração de todo juízo sobre a existência ou a não-existência dos objetos do mundo exterior. Ela é similar à redução fenomenológica ou colocação entre parênteses, a qual mencionamos anteriormente em relação ao descritivismo de Mach. Desse ponto de vista, os pressupostos metafísicos de Mach se traduzem em sua tentativa de reduzir os objetos em geral e aqueles da ciência da natureza em particular a "possibilidades permanentes de sensação" ou complexos de sensações. Essa objeção é claramente formulada na seção 62 da Lógica formal e lógica transcendental, que diz respeito inteiramente a Mach:

Para este positivismo, as coisas se reduzem a complexos, regrados empiricamente, de dados psíquicos ('sensações'); sua identidade, e por aí todo sentido de ser, torna-se uma simples ficção. Não é uma doutrina que simplesmente é falsa e totalmente cega relativamente ao conjunto das essências fenomenológicas, mas ela também é absurda pelo fato de que ela não vê como até mesmo as ficções têm seu tipo de ser, têm sua maneira de ser evidentes (...) e como trazem com elas, consequentemente, o mesmo problema que devia ser afastado pelas teorias desta doutrina (Husserl, 1965, p. 226).

Ao definir ou ao reduzir os objetos físicos a complexos de relações de dependência entre os elementos ou a feixes de ideias, esse monismo é incapaz de dar conta da transcendência dos objetos (e da relação com os objetos). Falta-lhe, então, uma teoria da intencionalidade, a qual, somente ela, pode dar conta da distinção entre vivido e percebido, entre conteúdo imanente (ou sensorial) e conteúdo intencional, entre conteúdo e objeto transcendente. A transcendência de um objeto físico é "uma forma particular de algo que aparece ele mesmo na esfera puramente fenomenológica da consciência" (Husserl, 1965, § 62), mas esse algo não é, como crê Mach, "um momento real da consciência" ou ainda "datum psíquico real" (§ 62). Na ausência de uma tal teoria da intencionalidade, o fenomenismo confunde sistematicamente objetos transcendentes e conteúdos sensoriais, e esses últimos com os conteúdos intencionais, em particular com as entidades das quais trata a lógica, e ele se expõe, como veremos a seguir, à objeção de psicologismo.

Uma vez afastada a confusão possível entre fenomenologia e fenomenismo, Husserl propõe, na quinta Investigação, seu próprio critério descritivo para a delimitação da fenomenologia em relação às ciências da natureza, e esse critério se apoia na experiência fenomenal:

A distinção entre os vividos (conteúdos da consciência) e os não-vividos representados nos vividos (e mesmo percebidos ou julgados como existentes) permaneceria, após como antes da fundação da separação das ciências, como domínios de investigação, quer dizer, para esse tipo de separação que só pode entrar em questão no estado atual das ciências. (...) Essa separação deve necessariamente repousar sobre as bases puramente fenomenológicas, e, deste ponto de vista, creio que as investigações anteriores são inteiramente próprias para resolver de modo satisfatório essa questão tão debatida. Elas recorrem unicamente à diferença fenomenológica fundamental, aquela entre o conteúdo descritivo e o objeto intencional das percepções por um lado, e, por outro, os 'atos' em geral (1972b, p. 349).

A fronteira que separa o domínio da fenomenologia (ou a psicologia descritiva compreendida no sentido amplo) daquele das ciências da natureza não é, então, como pensa Brentano, a intencionalidade dos fenômenos mentais, mas, sim, o conteúdo descritivo ou o conteúdo primário, que é distinto ao mesmo tempo dos objetos transcendentes e dos atos psíquicos. Husserl admite com Mach que os fenômenos representem o ponto de partida e "os pontos de aplicação os mais imediatos das investigações científicas" (1972b, p. 350), mas não pensa que se possa reduzir os domínios das ciências da natureza e da psicologia àquele dos fenômenos sensíveis.

9 A CRÍTICA AO PSICOLOGISMO DE MACH NAS INVESTIGAÇÕES LÓGICAS

Gostaríamos agora de examinar a censura de psicologismo que é dirigida a Mach no capítulo ix dos Prolegômenos, intitulado "O princípio de economia de pensamento e a lógica", em que se denuncia toda tentativa de fundar a lógica e a teoria do conhecimento sobre o princípio de economia de pensamento. Mach respondeu à crítica de Husserl na quarta edição de sua obra A mecânica: exposição histórica e crítica de seu desenvolvimento, 13 13 A resposta de Mach se encontra no quarto capítulo (seção 4, "A economia da ciência") de Die Mechanik in ihrer Entwicklung historisch-kritisch dargestellt, (1901, p. 525-8). na qual ele se defende de nivelar as questões lógicas e psicológicas. Esse debate em torno do psicologismo deu lugar a uma curta correspondência em junho de 1901, na qual Husserl traz algumas precisões sobre o sentido de sua crítica ao psicologismo, precisões que satisfizeram Mach, como o indica sua resposta a essa carta. Para compreender bem o alcance dessa objeção de psicologismo sobre as posições filosóficas do empiro-criticismo, e em que sentido elas são distintas das questões metodológicas que estavam em questão precedentemente, algumas observações se impõem sobre o sentido do combate que Husserl empreende contra o psicologismo.

Nos Prolegômenos, Husserl distingue duas escolas diametralmente opostas sobre a questão da relação entre lógica e psicologia, a saber, o antipsicologismo normativo, que ele atribui a Kant e à tradição kantiana, e o psicologismo lógico, ao qual são associadas filosofias muito diferentes tais como as de J. S. Mill, W. Wundt, e T. Lipps. Conforme o diagnóstico de Husserl, essa controvérsia decorre em grande parte do fato de que as duas escolas concebem a lógica de maneira diferente: os psicologistas só a consideram do ponto de vista de seu método, como uma tecnologia dependente da psicologia; em contrapartida, os antipsicologistas a concebem do ponto de vista de seu conteúdo teórico e veem nela uma disciplina teórica independente da psicologia. A essa diferença entre duas concepções da lógica, correspondem duas concepções diferentes de suas leis, enquanto elas "servem de normas para atividades do conhecimento, e as regras que contêm a ideia desta própria normatividade e que a enunciam como implicando uma obrigação universal" (Husserl, 1959, § 41). A essa distinção corresponde aquela entre a lógica compreendida como disciplina normativa e prática (como Kunstlehre [tecnologia] do conhecimento) e a lógica compreendida como disciplina teórica e ideal. Segundo Husserl, a confusão que agrava o debate entre os psicologistas e os antipsicologistas se explica pelo fato de que os primeiros, no momento em que pretendem fundar a lógica sobre a psicologia, não consideram senão a lógica normativa, enquanto os argumentos da parte adversa se apóiam sobre a lógica como disciplina teórica. É por isso que Husserl pode dizer que as pretensões dos psicologistas de fundar a lógica só são legítimas se nos atemos ao aspecto tecnológico ou prático da lógica. Em compensação, os antipsicologistas e os defensores da lógica normativa ignoram a diferença entre o conteúdo próprio das proposições da lógica e suas aplicações práticas (Husserl, 1959, p. 174), entre o uso de uma proposição para fins normativos e seu conteúdo, o qual, em princípio, é dissociável da ideia de normatividade. Reconhecer a legitimidade dessa diferença é admitir que o verdadeiro argumento antipsicologista não é aquele que opõe o caráter normativo das leis lógicas às leis naturais da psicologia, mas sim aquele que o opõe ao caráter ideal da lei, no sentido que lhe dá Husserl na última parte dos Prolegômenos.

Os kantianos têm então razão de enfatizar o conteúdo teórico da lógica e de fazer valer, contra o psicologismo, que as proposições da lógica são independentes das "propriedades da natureza humana em geral" (Husserl, 1959, p. 43). Mas eles se enganam ao conceber esse conteúdo e a lógica em geral em termos de normatividade. Nos Prolegômenos, Husserl defende que o único argumento válido contra o psicologismo lógico não é a normatividade, mas a idealidade das leis e proposições da lógica e das ciências em geral. Com efeito, a normatividade não representa um argumento decisivo contra o psicologismo, pois toda disciplina normativa "repousa sobre uma ou várias disciplinas teóricas, enquanto suas regras devem possuir um teor teórico independente da ideia da normatividade" (Husserl, 1959, p. 43). Assim, os princípios da lógica não são proposições normativas, já que toda proposição normativa pressupõe um certo tipo de avaliação que reenvia a proposições e disciplinas não normativas. Por exemplo, para poder produzir o juízo "um a deve ser b", ou "um filósofo deve ser sábio", devemos possuir o conceito de filósofo sábio, e esse último se apoia sobre uma avaliação geral que permite estimar que certos filósofos são sábios e outros pouco ou absolutamente nada sábios. Assim, a justificação da proposição "um filósofo deve ser sábio" depende de uma norma fundamental do gênero: favorecer o conhecimento da humanidade é desejável. Essa norma fundamental depende, por sua vez, da proposição não normativa: um filósofo sábio favorece o conhecimento da humanidade. Consequentemente, o conteúdo dos princípios da lógica é dissociável de seu uso normativo, e Husserl defende que o que dá sua unidade à lógica não é uma norma fundamental, mas um interesse teórico.

O segundo argumento contra o antipsicologismo normativo é que a lógica, compreendida como disciplina normativa, requer, por sua vez, um fundamento psicológico. Não que a psicologia forneça seu fundamento essencial, mas Husserl concede aos psicologistas que "a psicologia participa, ela também, da fundação da lógica" (Husserl, 1959, p. 65). Husserl concede aos psicologistas que a lógica prático-normativa requer "prescrições técnicas especialmente adaptadas à natureza humana". Por exemplo, no momento em que temos de nos haver com instrumentos metodológicos (cálculo com ábaco, telescópio, etc.), devemos levar em consideração os "processos psíquicos". Mas não é, ao que lhe parece, um caso de exceção já que todos os conceitos lógicos tais como os de verdade, juízo, raciocínio, etc. têm uma "origem psicológica" e reenviam então a vividos psíquicos (Husserl, 1959, p. 181). Entretanto, esse aspecto psicológico de todo conceito de tecnologia lógica não esgota seu conteúdo teórico, e tal é o sentido de sua crítica ao psicologismo dirigida particularmente a Mach. Para compreender bem o sentido e os limites dessa concessão feita aos psicologistas, examinemos o capítulo ix dos Prolegômenos, cujo tema é o princípio de economia de pensamento de Mach. Primeiramente, lembremos que a objeção dos Prolegômenos não se refere diretamente às teorias que recorrem ao princípio de economia de pensamento, como confirma Husserl em sua correspondência com Mach. Ao contrário, ele reconhece o caráter "extraordinariamente frutífero" das investigações conduzidas por Mach sobre o aspecto biológico e psico-cognitivo da ciência e a legitimidade de uma aproximação "genético-psicológica e biológica" da ciência (Husserl, 1994, 6, p. 255-6). Essas teorias são inteiramente legítimas, precisa Husserl, "com a condição de limitar convenientemente a sua aplicação" (1959, p. 213). Quais são, então, esses limites? Para responder a essa questão, a distinção que fizemos anteriormente entre duas concepções da lógica (como ciência teórica e como técnica) é crucial. Com efeito, ignorando a diferença entre o conteúdo próprio das proposições da lógica e sua aplicação prática (cf. Husserl, 1959, p. 174), o psicologismo lógico confunde sistematicamente o uso de uma proposição para fins normativos e seu conteúdo teórico etc., e seu erro consiste precisamente em pretender assim fundar a lógica em seu conjunto. Não é senão sob essa condição que um empirista como Mach pode ser qualificado de psicologista. Pois quem quer que reconheça a legitimidade da divisão no seio da lógica entre o aspecto teórico e o aspecto prático está inteiramente justificado ao recorrer à psicologia empírica a fim de explicar o uso mecânico das regras metodológicas. Dito de outro modo, o recurso à psicologia na teoria do conhecimento não pode ser qualificado de psicologista senão na medida em que são confundidos esses dois aspectos da lógica e que a teoria do conhecimento se reduz a uma Kunstlehre do conhecimento.

É o que confirmam as análises da seção 55 dos Prolegômenos, a qual trata mais especificamente dessa forma de fundação empirista da lógica que recorre ao princípio de economia de pensamento. Em seu sentido mais geral, esse princípio se enuncia da seguinte maneira:

Essa meta de percorrer um domínio com o menor esforço e representar todos os fatos por meio de um processo do pensamento pode com toda razão ser chamada de econômica (Mach, 1903a, p. 211).

Esse princípio pode ser interpretado ou como um princípio psicológico, como o faz Cornelius, ou ainda como um princípio biológico. O que Husserl chama o princípio Avenarius-Mach é considerado, na seção em análise, como um princípio biológico que é associado aos princípios de evolução das espécies, de sua adaptação às condições naturais de seu meio ambiente e de sua conservação. Além dessas aplicações reconhecidas no âmbito da biologia, o domínio no qual o princípio de economia de pensamento é mais frutífero, defende Husserl, é precisamente aquele dos métodos em lógica matemática que servem a necessidades práticas, tais como o sistema dos números decimais e em geral todos os processos mecânicos e algorítmicos que se utilizam habitualmente nas matemáticas. Pois todos esses processos técnicos e mecânicos são artifícios metodológicos que servem essencialmente à economia de pensamento, isto é, eles são utilizados a fim de compensar as "imperfeições de nossa constituição mental" (Husserl, 1959, p. 219) ou os "meios intelectuais limitados do homem" (1959, p. 218). De fato, todos esses artifícios são relativos à própria natureza de nossa constituição psíquica, e eles são o resultado de um desenvolvimento natural ou de "certos processos naturais de economia de pensamento" (1959, p. 222).

O que se deve entender aqui por desenvolvimento natural? Em uma nota desse capítulo dos Prolegômenos sobre o princípio de economia de pensamento (1959, p. 223), Husserl reenvia ao capítulo xii de sua Filosofia da aritmética quanto à questão da gênese desse princípio. De fato, a posição que Husserl atribui a Mach nesse capítulo dos Prolegômenos é muito próxima daquela que ele mesmo parece ter defendido alguns anos antes em sua obra Filosofia da aritmética e em um manuscrito datado de 1890 e publicado postumamente sob o título Sobre a lógica dos signos (semiótica) (Husserl, 1995, p. 41544). Nesse texto, Husserl põe a questão de saber como a aritmética pôde se desenvolver utilizando operações sobre signos na ausência de uma compreensão lógica ou conceitual de seus próprios procedimentos algorítmicos. Assim como Mach, Husserl definia a lógica como uma técnica ou uma arte do conhecimento e lhe atribuía a seguinte tarefa:

Uma lógica formal verdadeiramente fecunda se constitui, em princípio, como uma lógica dos signos, que, quando for suficientemente desenvolvida, formará uma das partes mais importantes da lógica em geral (enquanto arte do conhecimento). A tarefa da lógica é aqui a mesma que alhures: tornar-se mestra dos processos naturais do espírito que julga, examiná-los, fazer compreender o valor que eles têm para o conhecimento (Husserl, 1995, p. 443).

Cabe então à lógica uma dupla tarefa: desenvolver uma reflexão geral sobre o signo (sua definição, suas diferentes funções e sua taxonomia) e elucidar o uso mecânico das representações simbólicas (tanto linguísticas quanto matemáticas). Assim como o signo linguístico, o símbolo aritmético é uma invenção por meio da qual chegamos a ultrapassar as "imperfeições essenciais de nosso intelecto" e ele serve assim para "a economia [Ökonomie] da realização do trabalho mental tal como as máquinas servem à economia da execução do trabalho mecânico" (Husserl, 1995, p. 423-4). Entretanto, o sistema da aritmética, "a máquina espiritual mais admirável que já foi formada" (1995, p. 424), difere da linguagem natural tanto por sua função quanto por sua origem, ele é o produto de um "desenvolvimento natural". Numerosas páginas da Semiótica são consagradas a essa questão da origem dos sistemas de signos, e elas se articulam sobre esta tarefa da lógica que trata da explicação dos mecanismos naturais e dos processos mecânicos cegos que estão ativos em nossa prática cotidiana da linguagem e nos processos algorítmicos. No capítulo XII da Filosofia da aritmética, ao qual Husserl se refere nos Prolegômenos, a questão era a seguinte: "Como construiríamos um sistema para designar os números, fundado sobre alguns signos de base, sem que lhe corresponda, em um paralelismo rigoroso, um sistema para formar os conceitos, fundado sobre certos conceitos de base?" (1972a, p. 287). Na Semiótica, Husserl responde a esta questão invocando essa mesma ideia de paralelismo entre um "sistema de signos" e um "sistema conceitual", e explica que, com a evolução desse último, uma vez que o sistema conceitual tenha alcançado sua maturidade, "o processo mental da formação dos conceitos deve bater em retirada diante do mecanismo reprodutivo exterior da formação dos nomes" (1995, p. 436). Husserl utiliza indiferentemente as expressões "sistema de signos" e "sistema de nomes" porque apenas os signos artificiais e unívocos têm a função de substituto, e sabemos que o modelo do signo unívoco é o nome próprio. Tal é a condição primeira para que a forma da relação sistemática das palavras possa refletir a forma dos pensamentos. Ainda que o nome de Mach não seja mencionado na Semiótica, podemos encontrar aí vários temas que Husserl associa ao princípio de economia de pensamento nos Prolegômenos. Trata-se, com efeito, de reflexões metafísicas visando explicar o desenvolvimento natural do sistema da aritmética recorrendo a princípios como a seleção natural (1995, p. 441), aos "princípios darwinistas" (1995, p. 431), ou ainda a um "instinto mecânico" e à "sabedoria geral da natureza" (1995, p. 441).14 14 Husserl se refere a Hume para esse "fato metafísico muito interessante", a saber, que pertence "à sabedoria geral da natureza assegurar uma atividade à alma, tão essencial para a conservação do gênero humano, por um instinto mecânico, (...) que se faz valer desde o começo da vida e do pensamento, que é independente das motivações da razão, penosas, enganosas e somente possíveis quando o desenvolvimento alcançou um período de maturidade. Os modernos preferirão, talvez, explicar esse traço teleológico de nossa natureza por princípios darwinianos" (Husserl, 1995, p. 431).

Como se vê, esse interesse dos Prolegômenos pela teoria da economia de pensamento na explicação da metodologia das investigações científicas não é acessório, conforme as observações da Filosofia da aritmética e da Semiótica confirmam. Entretanto, estima-se que esse interesse seja relativo ao papel dessa teoria no programa mais vasto e muito mais ambicioso que é a teoria da ciência. Não é, então, aí que reside o psicologismo. O psicologismo lógico não é imputável a Mach senão na medida em que ele só dá conta de um único aspecto da lógica (prática e tecnológica), e que ele limita, por conseguinte, a teoria do conhecimento a um papel de Kunstlehre do conhecimento. Donde, segundo Husserl, o erro principal de Mach, que consiste em que seu interesse pelo conhecimento se limita "ao aspecto empírico da ciência", em particular à ciência como a biologia, e que ele não dá conta do verdadeiro "problema epistemológico da ciência enquanto unidade ideal de verdade objetiva" (1959, p. 232). Pois a teoria do conhecimento defendida por Husserl nas Investigações lógicas "pretende compreender com evidência o que constitui, segundo um ponto de vista objetivamente ideal, a possibilidade de um conhecimento evidente do real, e a possibilidade de uma ciência e de um conhecimento em geral" (1959, p. 227-8). Essa tarefa é um complemento filosófico essencial à mathesis ou teoria da ciência. A esse respeito, enquanto teoria do conhecimento,15 15 Husserl indica claramente na introdução a sua segunda investigação lógica que sua teoria do conhecimento se distingue daquela do empirismo no que ela "reconhece no ideal a condição de possibilidade de um conhecimento objetivo em geral" (Husserl, 1961, p. 126.). a fenomenologia não tem estritamente nada a esperar no plano filosófico de uma explicação genética, conforme acentua Husserl em sua discussão dos trabalhos de Külpe e de Elsenhans sobre o sentido de sua crítica ao psicologismo lógico (1959, p. 235, n. 1).

Em sua curta resposta às críticas de Husserl, Mach admite que sua aproximação científica é, com efeito, "um projeto psico-cognitivo" ( Mach, 1901, p. 527), mas ele se defende de querer nivelar ou confundir "pensamento natural ou cego e pensamento lógico" (p. 527) e, mais geralmente, as questões lógica e psicológica. Ele concebe seu desacordo com Husserl como sendo uma diferença de método: o método de Mach é indutivo e ele procede dos fenômenos particulares em direção às leis gerais (bottomup) enquanto, com sua teoria geral da ciência, Husserl procederia dedutivamente partindo dos princípios e leis, que ele concebe como sendo ideais, em direção aos casos particulares. Mas Mach não leva em consideração, em sua resposta, as investigações fenomenológicas do segundo volume das Investigações lógicas e ignora, ao que parece, que Husserl defende aí, ele também, uma aproximação descritiva da qual falamos mais acima (Husserl, 1959, p. 122). Ele assevera que mesmo uma teoria de todas as teorias possíveis não poderia se poupar da investigação biológica: "mesmo se já dispuséssemos de uma análise lógica completa e definitiva de todas as ciências, a investigação psicobiológica permaneceria, para mim, necessária (Bedürfnis)" (Mach, 1901, p. 527).

Em uma carta a Mach datada de 18 de junho de 1901 (Husserl, 1994, 6, p. 255-8), Husserl confirma o recebimento da nova edição da obra de Mach e lembra-lhe que sua crítica ao psicologismo não contesta de forma alguma o direito de uma aproximação "genético-psicológica e biológica" da ciência. Mas ele se opõe, como vimos, à "subordinação da elucidação crítico-epistêmica do que é logicamente puro na ciência ao ponto de vista da gênese psicológica e da adaptação biológica" (1994, 6, p. 255). Ele indica, aliás, que o capítulo dos Prolegômenos sobre a economia do pensamento não é dirigido contra o uso que faz Mach do princípio de economia de pensamento, mas sim contra o sentido psicológico que lhe dá Cornelius (Husserl, 1994, 6, p. 255-6). Com efeito, esse último defende, em sua obra Psychologie als Erfahrungswssenschaft, que sua "psicologia da experiência" é "o único fundamento possível de toda filosofia e, em particular, da teoria do conhecimento" (Cornelius, 1897, p. 7). É o que viu muito bem Husserl nos Prolegômenos, em que indica claramente que visa mais especificamente aqueles que, como Cornelius, fazem desse princípio um princípio psicológico na "base da filosofia em geral" (Husserl, 1959, p. 212), e em um apêndice à segunda investigação lógica, no qual Husserl considera Cornelius como o psicologista por excelência e lhe censura por confundir "o que pertence ao conteúdo intencional do conhecimento, ao seu ideal [...] e o que pertence ao objeto intencional do conhecimento" (1961, p. 241-2). O que Husserl censura mais especificamente em Mach é o caráter unilateralmente empírico de suas descrições, isto é, o fato de que ele não leva em consideração o conteúdo ideal e puramente lógico da ciência, como se o ponto de vista genético bastasse para a elucidação gnosiológica (Husserl, 1994, 6, p. 256). Isto dito, Husserl lembra que não existe nenhuma contradição entre essas duas aproximações, pois elas são compatíveis:

com referência ao fato de que o logicamente puro e o logicamente prático, bem como as abordagens crítico-epistêmica e metodológica, não se perturbam, só posso então dizer que entre nossas mútuas investigações não há em essência nenhum conflito (1994, 6, p. 257).

O esclarecimento contido na carta mencionada parece ter apaziguado as inquietudes de Mach, que escreveu, em uma curta resposta de 23 de junho de 1901, que ele não tinha nada a acrescentar às explicações de Husserl e espera que o desacordo seja coisa do passado.16 16 Cf. Husserl, 1994, 6, p. 258. Entretanto, em uma carta de Mach a seu amigo Jerusalem datada de 8 de junho de 1913, Mach escreve: "eu me familiarizei com Husserl por meio de suas Investigações lógicas. Eu não consigo descobrir aí outra coisa senão investigações psicológicas. Nem consigo entender como elas poderiam ser tomadas como algo diferente disso" (Blackmore, 2001, p. 222). Para a polêmica que opõe Husserl e Jerusalem sobre a questão do psicologismo, (Cap. 10. p. 211-35), na qual amplos extratos dessa discussão são reproduzidos.

CONCLUSÃO

Tentamos mostrar que o conjunto formado pelos juízos que Husserl produz sobre Mach, dos seus primeiríssimos escritos até em Lógica formal e lógica transcendental, não forma um todo coerente senão sob a condição de distinguir, por um lado, o descritivismo do positivismo de Mach, e, por outro, o programa filosófico que Husserl persegue com a fenomenologia e que repousa, nos Prolegômenos, sobre sua doutrina da ciência, da fenomenologia compreendida como psicologia descritiva no segundo volume das Investigações lógicas. Essa dupla vida da fenomenologia das Investigações lógicas se traduz nas obras mais tardias de Husserl e, particularmente, nas conferências de Amsterdam, pela distinção presente no seio da fenomenologia entre a psicologia intencional, que corresponde grosso modo à psicologia descritiva do período de Halle, e a filosofia transcendental, que preenche a função tradicional de filosofia primeira. Como mencionamos em várias ocasiões neste artigo, no momento em que Husserl reúne sua fenomenologia ao descritivismo de Mach ou à fenomenologia de Hering, ele tem unicamente em mente a psicologia intencional que, na maioria dos escritos de Husserl a partir do meio dos anos 1920, tem uma função metodológica importante naquilo que ela serve de propedêutica à filosofia transcendental. Como tal, ela é a via obrigatória da filosofia e das ciências da natureza e, principalmente, da psicologia fisiológica, e é nesse sentido que ela se aproxima do descritivismo de Mach e Hering, como também daquele de Brentano e de seus estudantes. Mas o programa filosófico que Husserl coloca em vigor nos Prolegômenos e que motiva sua crítica ao psicologismo é inteiramente estranho ao programa positivista e ao naturalismo filosófico em geral. É o que parece se confirmar na seção 62 de Lógica formal e lógica transcendental, em que Husserl dirige novamente a Mach a objeção de psicologismo ao censurar-lhe por psicologizar a esfera platônica da idealidade (no sentido de Lotze) (Husserl, 1965, p. 226). Do positivismo de Mach, Husserl retém o esforço de reconquistar o próprio sentido da positividade, do qual estavam consideravelmente afastados os grandes sistemas especulativos. Mas Mach trai o próprio sentido da positividade ao colocar seu descritivismo ao serviço do empirismo e do fenomenismo. Como o explica Husserl em Ideias I, uma vez desembaraçada desses prejuízos saídos do empirismo, a fenomenologia pode, com toda razão, reivindicar o estatuto de positivismo:

Se por "positivismo" entende-se o esforço, absolutamente livre de prejuízo, para fundar todas as ciências sobre o que é 'positivo', isto é, susceptível de ser apreendido de maneira originária, nós é que somos os verdadeiros positivistas (1950, p. 69).

AGRADECIMENTOS. Agradeço a Marcus Sacrini pela leitura cuidadosa do texto e por suas observações pertinentes, e também ao Social sciences and humanities research council (SSHRC) pelo apoio financeiro.

Traduzido do original em francês por Leandro N. Cardim

Revisão de Marcus Sacrini Denis Fisette

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  • _____. Die ökonomische Natur der physikalischen Forschung. In: _____. Populärwissenschaftliche Vorlesungen 3. ed. Barth: Leipzig. 1903a. p. 203-30.
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  • SOMMER, M. Husserl und der frühe Positivismus Frankfurt: Klostermann, 1985.
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  • ____. Sur la théorie des signes locaux. Revue Philosophique de la France et de L'Étranger, 4, p. 217-31, 1878.
  • 1
    Estas duas passagens não são as únicas em que Husserl estabelece o laço entre o método fenomenológico e o descritivismo de Mach. Mencionemos sua resenha do artigo de Mach "Sobre o princípio de comparação em física" de 1894 (cf. Husserl, 1995, p. 198-201), no qual Mach discute seu descritivismo em relação a Kirchhoff, e no qual utiliza a noção de fenomenologia a fim de designar esse método. Sabe-se também que no semestre de inverno de 1903-1904, Husserl proferiu um seminário intitulado "Sobre os novos escritos sobre as ciências da natureza para os pesquisadores das ciências da natureza" e a obra de Mach
    Análise das sensações figurava no programa (Cf. Schuhmann, 1977, p. 76). Lembremos que a ideia de redução fenomenológica, que está em questão nas lições de 1910 em relação a Mach, foi introduzida no ano seguinte (1905). A obra de Mach mencionada acima também foi objeto das lições do semestre de verão de 1911 sobre o tema "Exercícios filosóficos com algumas referências à
    Análise das sensações de E. Mach" (cf. carta de Husserl a Vaihinger datada de 24 de maio de 1911, Husserl, 1994, 5, p. 211-2).
  • 2
    Nos estudos husserlianos é preciso mencionar o artigo clássico de H. Lübbe (1960). Lübbe defende que Mach pertence mais à tradição fenomenológica que ao positivismo lógico naquilo que teria alcançado bem antes do que Husserl: "o nível do questionamento fenomenológico; porque sua análise da sensação não é, no essencial, senão a análise da maneira pela qual fazemos a experiência de nós mesmos e da maneira com a qual se forma para nós a consciência de si e de sua existência no todo fenomenal da realidade" (1960, p. 181). Essa tese foi retomada e desenvolvida por M. Sommer (1985), que explora sistematicamente a referência ao conceito de mundo natural em Avenarius. Por sua vez, Düsing (1972) insiste mais nas diferenças entre Mach e Husserl sobre o plano lógico e gnosiológico, apoiando-se para tanto na crítica de Husserl ao princípio de economia de pensamento nos
    Prolegômenos, que nós examinaremos mais para frente.
  • 3
    Notemos que em 1896, um ano depois de sua chegada a Viena, Mach foi convidado a participar do 3º Congresso Internacional de Psicologia, que se passou em Munique e que foi presidido por C. Stumpf e T. Lipps. Ele recusa o convite em razão de seu estado de saúde e Brentano, que o substitui, aborda o tema das sensações (cf. Brentano, 1897). Nessa ocasião, Stumpf pronuncia a conferência inaugural intitulada "Corpo e alma", cuja versão ulterior critica o fenomenismo de Mach. Mach respondeu as objeções de Stumpf em um texto intitulado "Elementos sensíveis e conceitos científicos" (Mach, 2001).
  • 4
    Riehl, carta a Mach datada de 26 de maio de 1901, publicada por Thiele (1968, p. 292).
  • 5
    A decepção de Husserl é palpável em sua carta de 25 de dezembro de 1902 a Masaryk (cf. Husserl, 1994, 1, p.107).
  • 6
    Vale notar também o que ele diz de Avenarius e que se aplica ao fenomenismo em geral: "o começo [da descrição] em Avenarius é bom; mas ele permanece aí, bloqueado", (Husserl, 1991, p.224). Acerca da influência exercida pelos trabalhos de Avenarius sobre o conceito de atitude natural e de mundo da vida, conferir Sommer (1985, p. 18-90), além de Husserl (1991).
  • 7
    A tese de origem do método fenomenológico em Mach e Hering foi também defendida por Stumpf (1917), e por muitos estudantes de Husserl durante o período de Göttingen: H. Hofmann (1913), E. Jaensch (1927), D. Katz (1911, 1944) e P. Linke (1929).
  • 8
    Stumpf e Husserl não são os únicos a fazer a aproximação de Hering e de Mach com o método fenomenológico. Vários estudantes de Husserl durante o período de Göttingen viram na fenomenologia de Husserl um caso particular do método praticado por Hering e depois por Mach. Entre os mais importantes, mencionemos E. Jaensch, que afirma que a tendência dominante em psicologia é resultante dos trabalhos de Hering em fisiologia dos sentidos e da visão, pelo fato de que eles tornaram possível pela primeira vez a investigação sobre o mundo da percepção e da sensação (cf. Jaensch, 1927, p. 125). David Katz já aproximava o método fenomenológico de Husserl da iniciativa de Hering (cf. Katz, 1911, p. 5, 20). Muitos anos mais tarde, no capítulo "O método fenomenológico" Katz dirá que uma vez que esse método descritivo remonta à teoria das cores de Hering, coube a Husserl tê-lo "aperfeiçoado em sua fenomenologia" (1955, p. 25). Esse método foi retomado por Köhler e, segundo Katz, a crítica gestaltista da antiga psicologia, em particular os dois erros que Köhler atribui à antiga doutrina que afirma que todas as sensações são ligadas a excitações locais, depende em boa parte da confiabilidade desse método. Vão na mesma direção as observações de dois outros estudantes de Husserl: P.F. Linke (1929, p. 2-3) e H. Hofmann (1913) em sua tese, orientada por Husserl.
  • 9
    A posição que Stumpf defende em seu
    Raumbuch e que ao seu modo o jovem Husserl retoma no capítulo 3 de Filosofia da aritmética e que é elaborada sistematicamente na terceira das
    Investigações lógicas, consiste na ideia muito simples das relações de dependência do campo visual ou tátil e da extensão, essa última devendo-se compreender como um conteúdo parcial, uma parte psicológica ou, o que ele chamará mais tarde, um atributo. Tal é a chave dessa obra e o princípio que guia Stumpf tanto em sua crítica ao empirismo e ao kantismo quanto em sua defesa do ponto de vista nativista. Nessa perspectiva, o espaço e a qualidade da cor são inseparáveis e formam um só e mesmo conteúdo do qual eles são os conteúdos parciais [
    Theilinhalte]. Por conteúdos parciais, Stumpf entende "conteúdos independentes (que) são dados onde os elementos de um complexo de representação pode também ser representado, conforme sua natureza, de maneira separada; conteúdos parciais onde não é o caso" (Stumpf, 1873, p.109).
  • 10
    Husserl qualifica os trabalhos de Stumpf e de Lotze de "investigações magistrais" sobre o problema da origem da representação do espaço (cf. 1995, p. 162). Ele menciona em algumas passagens e de maneira positiva a teoria dos signos locais de Lotze em seu
    Raumbuch, em relação, particularmente, com a terceira dimensão do espaço, mas essas observações não são suficientemente elaboradas para serem decisivas. Cf., sobre os signos locais de Lotze, Husserl 1983, p. 269, 306, 309 ss.; sobre a noção de
    Tiefenwerte de Hering, Husserl, 1983, p. 308.
  • 11
    Existem alguns bons comentários sobre esse tratado de Ehrenfels, dentre eles Gelb (1911) e Höfler, (1912), no qual o autor se propõe completar os comentários de Gelb, particularmente aqueles sobre a intuição ("forma e intuição são correlativos") e sobre a relação ("a forma não é uma relação [
    Beziehung], isto é, ela não é redutível sem rebarba a
    Beziehungen,
    Verhältnisse,
    Relationen") (Höfler, 1912, p. 162).
  • 12
    Mach, 1996, prefácio à 4º edição (primeira página), que não foi traduzido em francês.
  • 13
    A resposta de Mach se encontra no quarto capítulo (seção 4, "A economia da ciência") de
    Die Mechanik in ihrer Entwicklung historisch-kritisch dargestellt, (1901, p. 525-8).
  • 14
    Husserl se refere a Hume para esse "fato metafísico muito interessante", a saber, que pertence "à sabedoria geral da natureza assegurar uma atividade à alma, tão essencial para a conservação do gênero humano, por um instinto mecânico, (...) que se faz valer desde o começo da vida e do pensamento, que é independente das motivações da razão, penosas, enganosas e somente possíveis quando o desenvolvimento alcançou um período de maturidade. Os modernos preferirão, talvez, explicar esse traço teleológico de nossa natureza por princípios darwinianos" (Husserl, 1995, p. 431).
  • 15
    Husserl indica claramente na introdução a sua segunda investigação lógica que sua teoria do conhecimento se distingue daquela do empirismo no que ela "reconhece no ideal a condição de possibilidade de um conhecimento objetivo em geral" (Husserl, 1961, p. 126.).
  • 16
    Cf. Husserl, 1994, 6, p. 258. Entretanto, em uma carta de Mach a seu amigo Jerusalem datada de 8 de junho de 1913, Mach escreve: "eu me familiarizei com Husserl por meio de suas
    Investigações lógicas. Eu não consigo descobrir aí outra coisa senão investigações psicológicas. Nem consigo entender como elas poderiam ser tomadas como algo diferente disso" (Blackmore, 2001, p. 222). Para a polêmica que opõe Husserl e Jerusalem sobre a questão do psicologismo, (Cap. 10. p. 211-35), na qual amplos extratos dessa discussão são reproduzidos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009
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