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As classificações psiquiátricas e a herança mórbida

Resumos

A leitura dos principais textos de Kraepelin permite compreender de que modo o conceito de degeneração, desenvolvido por Morel e Magnan, reaparece no início da psiquiatria moderna. Neste estudo analisamos as articulações teóricas e conceituais que existem entre: (a) a teoria da degeneração de Morel e Magnan e os critérios utilizados por Kraepelin para classificar as doenças mentais; e (b) os estudos dedicados à herança mórbida no contexto histórico de surgimento da psiquiatria neo-kraepeliniana. Finalmente, destacamos as continuidades e diferenças existentes entre a proliferação de síndromes resultante da teoria da degeneração e a atual multiplicação de diagnósticos psiquiátricos.

Classificação psiquiátrica; Degeneração; DSM; Herança mórbida; Kraepelin


Reading of the main writings of Kraepelin enables us to understanding the way in which the concept of degeneration, developed by Morel and Magnan, reappears at the beginning of the modern psychiatry. In this paper, we analyze the theoretical and conceptual connections between: (a) the theory of degeneration of Morel and Magnan, and the criteria used by Kraepelin to classify the mental illnesses; and (b) the studies dedicated to the morbid heredity in the historical context of the emergence of neo-Kraepelinian psychiatry. Finally, we highlight the continuities and differences that exist between the proliferation of the syndromes resulting from the theory of the degeneration and the current multiplication of psychiatric diagnoses.

Psychiatry classification; Degeneration; DSM; Morbid heredity; Kraepelin


ARTIGO

As classificações psiquiátricas e a herança mórbida

Sandra Caponi

Professora Associada do Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. sandracaponi@gmail.com

RESUMO

A leitura dos principais textos de Kraepelin permite compreender de que modo o conceito de degeneração, desenvolvido por Morel e Magnan, reaparece no início da psiquiatria moderna. Neste estudo analisamos as articulações teóricas e conceituais que existem entre: (a) a teoria da degeneração de Morel e Magnan e os critérios utilizados por Kraepelin para classificar as doenças mentais; e (b) os estudos dedicados à herança mórbida no contexto histórico de surgimento da psiquiatria neo-kraepeliniana. Finalmente, destacamos as continuidades e diferenças existentes entre a proliferação de síndromes resultante da teoria da degeneração e a atual multiplicação de diagnósticos psiquiátricos.

Palavras-chave: Classificação psiquiátrica. Degeneração. DSM. Herança mórbida. Kraepelin.

ABSTRACT

Reading of the main writings of Kraepelin enables us to understanding the way in which the concept of degeneration, developed by Morel and Magnan, reappears at the beginning of the modern psychiatry. In this paper, we analyze the theoretical and conceptual connections between: (a) the theory of degeneration of Morel and Magnan, and the criteria used by Kraepelin to classify the mental illnesses; and (b) the studies dedicated to the morbid heredity in the historical context of the emergence of neo-Kraepelinian psychiatry. Finally, we highlight the continuities and differences that exist between the proliferation of the syndromes resulting from the theory of the degeneration and the current multiplication of psychiatric diagnoses.

Keywords: Psychiatry classification. Degeneration. DSM. Morbid heredity. Kraepelin.

No ano de 1908, Emil Kraepelin publicou um pequeno texto dedicado a recuperar algumas das velhas teses que preocuparam os teóricos da degeneração na segunda metade do século xix. Esse texto, intitulado "Sobre a questão da degeneração" (Kraepelin, 2007 [1908]), permite entender de que modo Kraepelin integra a seu discurso à problemática da hereditariedade mórbida. No entanto, a preocupação pelas doenças psiquiátricas hereditárias ou degenerativas não pode ser circunscrita a esse texto; pelo contrário, a problemática da herança mórbida e da degeneração se manteve constante nas oito edições de seu livro fundamental, Psiquiatria clínica (1907), também conhecido como Manual de psiquiatria. Trata-se de um tema recorrente, presente também nos textos da maturidade como as Leituras de psiquiatria clínica (1913) e "As formas de manifestação da insanidade" (2009), publicado em 1920.

A problemática da degeneração faz parte das diferentes classificações de doenças mentais que se sucedem nas edições do Psiquiatria clínica, articulando um agrupamento patológico que Kraepelin denomina "estados psicopáticos constitucionais ou insanidades de degeneração". Esse agrupamento inclui diversas doenças presentes nos teóricos da degeneração, tais como a cleptomania, a onomatomania, a loucura de dúvida, dentre outras.

A preocupação com a herança mórbida abrirá horizontes ilimitados para uma intervenção psiquiátrica precoce. Para Kraepelin, como para os teóricos da degeneração, existem duas peculiaridades da doença mental: o caráter hereditário de certas patologias mentais (não de todas elas) e o caráter evolutivo dos sofrimentos psíquicos. Por isso é necessário que a psiquiatria, além de olhar para os sintomas do paciente, fique atenta à historia patológica familiar e aos sinais anunciadores que aparecem na infância. Já não existirá lugar para a "empatia" presente nos velhos alienistas, trata-se agora de construir um olhar cientificamente armado, tanto quanto o olhar da medicina clínica.

Inaugura-se assim uma abordagem estritamente médica da psiquiatria moderna, onde fica explicitamente excluído o espaço de escuta dos relatos dos pacientes. "Tratar" passou a ser sinônimo de "diagnosticar" e, para que o diagnóstico seja o mais objetivo possível, será necessário construir uma classificação unificada e convincente das patologias psiquiátricas. Essa será a maior conquista de Kraepelin. Ele define dois grupos patológicos nos quais podem ser inseridas todas as doenças psiquiátricas: a psicose maníaco-depressiva e a demência precoce ou esquizofrenia. Essa distinção acompanhará toda a psiquiatria moderna até nossos dias.

O legado de Kraepelin não se limita à distinção dessas categorias. Veremos que muitas teses por ele defendidas serão retomadas e recuperadas pela psiquiatria anos mais tarde, especificamente na década de 1970, quando um grupo de psiquiatras americanos, pertencentes à Universidade de Washington, decidem unir-se aceitando a denominação de "neokraepelinianos" (cf. Decker, 2007). Será necessário analisar essa recuperação que tardiamente, cinquenta anos após sua morte, a psiquiatria americana fará das teses de Kraepelin. Deveremos observar o contexto histórico e social que possibilitou o retorno a um radicalismo médico que parece excluir toda possibilidade de diálogo tanto com os pacientes quanto com outros saberes como a psicologia, a sociologia ou a psicanálise.

A recuperação das teses de Kraepelin possibilitou uma mudança radical na classificação de patologias psiquiátricas e consequentemente uma transformação no modo de definir o diagnóstico e a terapêutica psiquiátrica. Teve uma influência direta na reformulação da classificação de diagnósticos elaborada pela Associação de Psiquiatras Americanos (APA), que já contava com duas edições. A primeira edição data de 1952, momento em que surge o Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Psiquiátricas (DSM), mais tarde conhecido como DSM I. Em 1968, com algumas leves alterações, surge a segunda edição, conhecida como DSM II (1968). Mas será em 1980 que ocorrerá uma mudança radical no modo de pensar o DSM. Essa mudança será realizada por um grupo de psiquiatras americanos confiantes nos últimos avanços do conhecimento científico, nos grandes estudos populacionais, nos bancos de dados quantitativos, nas descobertas da neurologia, da anatomopatologia cerebral e, claro, da genética. Esses psiquiatras, que definem a si mesmos como neokraepelinianos, irão elaborar tanto o DSM III (1980) quanto suas reformulações posteriores DSM III-R, DSM IV (1994) e DSM IV- R (2000).

A mudança ocorrida nos anos de 1980 com o DSM III provocou um forte impacto no modo como hoje são pensados, diagnosticados e tratados os sofrimentos psíquicos. Analisamos o contexto em que reaparecem as velhas teses de Kraepelin, agora como bandeira dos psiquiatras da APA, pois elas delimitarão o modo como a psiquiatria mundial passará, dali em diante, a estabelecer as fronteiras e os limites que separam o normal do patológico.

Com esse objetivo, pretendemos aprofundar aqui as articulações teóricas e conceituais que existem entre a teoria da degeneração e os critérios utilizados por Kraepelin para classificar as doenças mentais; os estudos dedicados à herança mórbida no contexto histórico de surgimento da psiquiatria neokraepeliniana, para, por fim, destacar as continuidades e diferenças existentes entre a proliferação de síndromes resultante da teoria da degeneração e a atual multiplicação de diagnósticos psiquiátricos.

1 A CLASSIFICAÇÃO DE PATOLOGIAS MENTAIS DE KRAEPELIN

A leitura dos principais textos de Kraepelin permite compreender de que modo o conceito de degeneração, desenvolvido por Morel (1857), reaparece no início da psiquiatria moderna. Vamos nos centrar aqui no Manual de psiquiatria clínica e em Leituras de psiquiatria clínica. Esses textos são considerados indispensáveis para a formação dos psiquiatras do mundo inteiro, transformando-se no fundamento teórico da psiquiatria atual. Nas sucessivas edições do Manual de psiquiatria, desde a primeira edição, de 1883, até a oitava e última, de 1915, Kraepelin dedicou seus esforços em elaborar uma classificação de patologias psiquiátricas que pudesse servir como referência para a formação dos profissionais. Seu objetivo era unificar os diagnósticos psiquiátricos e, para isso, era necessário contar com um critério objetivo de classificação.

Cada nova edição do Manual significava um novo ajuste, novos agrupamentos patológicos, novas precisões diagnósticas que tendiam a tornar a classificação mais objetiva e atualizada, integrando as últimas descobertas científicas realizadas no campo da neurologia, da patologia cerebral, da estatística médica ou dos estudos sobre herança.

Em cada uma dessas classificações sucessivas, a temática da degeneração está presente de um modo diferente. A partir da segunda edição do Manual, publicada em 1887, o critério essencial para determinar as diferenças entre classes patológicas será a evolução da doença. Reconhecer o prognóstico, o curso da doença, se transforma em objetivo preponderante, pois desse modo se poderá estabelecer a distinção entre doenças que têm possibilidade de cura, como a melancolia, os delírios, as manias, que fazem parte do grupo das psicoses maníaco-depressivas, e aquelas doenças consideradas incuráveis que faziam parte do grupo da demência precoce, mais tarde chamada esquizofrenia. Mas será a partir da quarta edição do Manual que as referências à degeneração se tornam mais claras pela construção de uma nova classe de patologias à qual Kraepelin dá o nome de "processos degenerativos psíquicos" (Postel, 1997, p. 9). Esse grupo inicialmente inclui tanto a demência precoce quanto a paranoia.

Na sexta edição de 1899, esse grupo terá uma nova denominação, passando a designar-se "Estados psicopáticos ou loucuras de degeneração". Incluem-se nesse grupo: as disposições constitucionais mórbidas, a loucura impulsiva, a loucura obsessiva e as perversões sexuais (Postel, 1997, p. 10). Na edição posterior, isto é, na sétima edição, publicada em 1902, o tema da degeneração será aprofundado; maior precisão e mais detalhes serão dedicados a esse grupo, que incluirá, além dos quatro subgrupos identificados na edição anterior, novos quadros que parecem uma cópia fiel dos estudos de Magnan (1893). A sétima edição de 1902 agrupa as degenerações na classe denominada "Estados patológicos constitucionais ou insanidades por degeneração", fazendo parte dessa classe: as neuroses, a excitação constitucional e a insanidade compulsiva, incluindo-se nesse último subgrupo a onomatomania, a aritmomania, a loucura de dúvida, a agorafobia, a misofobia, os delírios de tocar, dentre outros, repetindo uma a uma as síndromes episódicas de Magnan. Também fazem parte dos "Estados patológicos constitucionais ou insanidades por degeneração" outras patologias que repetem as síndromes de Magnan: a piromania, a cleptomania e o impulso homicida, além das aberrações sexuais, que levam aqui o nome de instintos sexuais contrários e que parecem se referir exclusivamente à homossexualidade (Postel, 1997; Magnan, 1893).

Por fim, na oitava e última edição, dividida em quatro volumes publicados entre 1909 e 1915, aparece uma inovação na classificação anterior com a explicitação de um critério presente nas outras edições: a distinção entre psicose endógena e exógena. Tanto a esquizofrenia quanto a psicose maníaco-depressiva fazem parte do primeiro grupo, sendo consideradas exógenas as doenças mentais provocadas por acidentes, intoxicações, doenças graves, infecções, uso excessivo de medicamentos etc. As doenças endógenas são pensadas, em sua grande maioria, como incuráveis. Contudo, podem acontecer acessos maníaco-depressivos temporários, de curta duração e reversíveis, semelhantes às síndromes episódicas de Magnan. Na oitava edição, as degenerações fazem parte do grupo de doenças endógenas e incuráveis, porém Kraepelin indica que é possível falar de reversibilidade em alguns desses quadros, como é o caso da cura da homossexualidade, sobre a qual voltaremos mais tarde. Nessa edição é possível achar:

um tomo inteiro, o volume quatro, com 960 páginas, onde a influência de Magnan aparece claramente. Esse volume está destinado ao grupo denominado "Afeições degenerativas congênitas e adquiridas", que inclui por um lado a oligofrenia e, por outro, os "degenerados", divididos em cinco grandes classes constituídas por: afeições psicogênicas, histeria, paranoia, estados de obsessão, perversões sexuais (Postel, 2007, p. 310).

Podemos afirmar que a referência de Kraepelin ao conceito de degeneração não se esgota nesse agrupamento patológico que leva o nome de "Estado psicopático constitucional ou insanidades por degeneração". O problema da degeneração perpassa todo o Manual de Kraepelin, a partir do momento em que ele constrói seu sistema nosológico sobre a base da distinção entre doenças endógenas e exógenas, que podem ser denominadas também doenças de constituição hereditária ou de predisposição mórbida, opostas às doenças provocadas por fatores externos, sejam ambientais, tóxicos ou acidentais.

Nos textos de Kraepelin reaparecem muitos dos conceitos e teorias que nortearam o programa de pesquisa sobre as degenerações, por exemplo, a insistência na observação de estigmas físicos ou mentais, que não são considerados exclusivos das insanidades por degeneração. Kraepelin considera que esses estigmas são evidentes na paranoia e ainda mais claros no grupo de sujeitos que padecem de idiotismo ou imbecilidade (Kraepelin, 1907).

As personalidades psicopáticas, de igual modo, não fazem parte do agrupamento das degenerações, porém são definidas como insanidade moral hereditária. Kraepelin refere-se a estudos realizados em um reformatório de jovens que indicam a relação direta com a herança mórbida: de duzentas pessoas entrevistadas, 78 tinham o pai alcoólatra; cinco, a mãe alcoólatra; duas, ambos os pais alcoólatras; 24 tinham pais com distúrbios mentais; 26, pais com epilepsia; outras, com doenças nervosas (Kraepelin, 1907, p. 517). Esses dados confirmam, para Kraepelin, a influência direta da hereditariedade mórbida e do alcoolismo na constituição do criminoso. Desses estudos e de outros semelhantes, Kraepelin conclui que, efetivamente, como Lombrozo argumentou, é possível falar de "criminoso nato".

Evidências de uma profunda degeneração física acompanham frequentemente a natureza criminosa; não existem desvios definitivos e inevitáveis, porém existe um considerável grupo de sinais de degeneração que mostram inequivocamente que os criminosos possuem uma constituição física inferior. O número e variedade desses sinais (estigmata) é certamente mais aparente nos criminosos que na população em geral (...). O criminoso nato não é mais que uma das formas através das quais a degeneração se manifesta (Kraepelin, 1907, p. 520).

Repetem-se as mesmas referências a estigmas físicos e mentais de degeneração, à constituição mórbida, à hereditariedade patológica, a desvios hereditários. Esses conceitos não são utilizados por referência exclusiva ao grupo de insanidades por degeneração; pelo contrário, referem-se a esse imenso grupo que Magnan definia como degenerados, incluindo os criminosos natos, os sujeitos que padecem de idiotismo, as paranoias, as personalidades psicopáticas, etc. A leitura do Manual evidencia que diversas descrições de patologias mórbidas eram consideradas por Kraepelin manifestações de degeneração. Um desses casos é a histeria, que para Kraepelin deve ser considerada como "constituição histérica". Isso significa que deve postular-se um estado mental congenitamente mórbido:

A histeria se desenvolve em pessoas que possuem uma constituição mórbida. Uma herança defeituosa ocorre em 78% dos casos. Estigmatas mentais podem aparecer no início da vida. (...) Os sintomas físicos da insanidade são todos funcionais e referem-se a estigmatas (físicos) como paralisia, contraturas, convulsões, afonia, dificuldade para falar, distúrbios sensoriais, perda de apetite, vômitos etc. (Kraepelin, 1907, p. 457-8).

Algo semelhante ocorre com a paranoia, definida como uma patologia cuja etiologia indica uma constituição deficiente ou uma herança patológica, permitindo desse modo explicar a presença de "estigmatas de degeneração em muitos doentes" (Kraepelin, 1907, p. 423). Existem causas desencadeantes que ativam essa constituição mórbida, tais como o estresse mental, problemas no trabalho, desgosto e outras manifestações que antecedem à psicose. Quanto à terapêutica, Kraepelin dirá que, como em todas as doenças degenerativas, as possibilidades de cura são inexistentes ou muito limitadas.

2 A CONSTITUIÇÃO MÓRBIDA E AS ENTREVISTAS PSIQUIÁTRICAS

A psiquiatria moderna considera que a grande contribuição de Kraepelin foi ter estabelecido a distinção entre psicose maníaco-depressiva e esquizofrenia por referência ao prognóstico diferenciado das doenças. Para ele, os estudos etiológicos eram considerados menos conclusivos que os estudos referentes ao curso, à evolução e às possibilidades de reversão do quadro clínico. No entanto, o Manual de psiquiatria, em sua sétima edição, apresenta como uma de suas contribuições mais relevantes um método unificado para examinar os pacientes. Esse método é defendido por Kraepelin como sendo uma "rotina definitiva que o estudante deve utilizar diante de seus pacientes" (Kraepelin, 1907, p. 97). Essa rotina metodológica tem quatro momentos ou passos que deverão ser sucessivamente seguidos: (1) a anamnese da família; (2) a história pessoal do paciente anterior à doença; (3) a anamnese da doença e (4) o status praesens (termo utilizado para designar a descrição das condições do paciente no momento em que chegou à observação médica).1 1 Ver " On line medical dictionary": http://www.mondofacto.com/facts/dictionary?status+praesens

O primeiro item é considerado por Kraepelin como absolutamente relevante e está relacionado diretamente à compreensão da etiologia da doença:

A importância da herança como fator etiológico requer uma cuidadosa compreensão da história familiar, não somente no que se refere à presença de doenças mentais ou neurológicas, mas também com a finalidade de evidenciar a existência de uma constituição física defeituosa (Kraepelin, 1907, p. 98).

Não é suficiente fazer uma lista de patologias mentais dos familiares; essa anamnese não pode limitar-se a perguntas gerais sobre ocorrência de patologias. Ela requer, como afirma Kraepelin (1907), um detalhado inquérito sobre hábitos, traços e doenças de todos os ramos diretos da família, dedicando atenção especial a detalhes sobre particularidades mentais, consumo de álcool, adições, tendências criminosas etc.

O segundo momento metodológico exige um maior detalhamento, e pode trazer importantes indícios para compreender o quadro patológico do indivíduo e da família. As questões da entrevista devem se referir à gestação e parto, às doenças da infância, a choques emocionais e traumas sofridos no momento do nascimento. Lembremos que todos esses elementos faziam parte das questões que, de acordo com Magnan, deveriam ser consideradas para identificar quadros de herança patológica ou de degenerações mórbidas. O interrogatório não deveria limitar-se a descrever a sucessão de patologias presentes nas famílias, devendo observar-se também a progressão crescente de síndromes num mesmo indivíduo ao longo de sua vida. Por essa razão, acreditavam que entender as dificuldades da infância podia esclarecer tanto o diagnóstico atual quanto o prognóstico.

Assim, tanto para os teóricos da degeneração como para Kraepelin, tornavam-se relevantes todos os dados referentes a sequelas de doenças infecciosas, convulsões na infância, dificuldades de aprendizagem, lentidão para falar, caminhar ou compreender, assim como o momento em que apareceram os impulsos sexuais, a aparição da menstruação, dando particular atenção aos hábitos de masturbação, sua frequência e momento de início da prática. Por fim, essa análise detalhada deverá continuar com um interrogatório sobre os hábitos alimentares do paciente, sua relação com bebidas e drogas, suas idiossincrasias, se é um indivíduo egoísta, se trabalha, o tipo de trabalho que realiza, quando iniciou essa atividade.

Para que esse interrogatório possa ser realizado de modo correto, Kraepelin adverte que todo estudante deve compreender que as perguntas gerais são inteiramente inadequadas, e que uma correta anamnese será aquela que se desenvolva com perguntas específicas, bem dirigidas, que não deixem lugar para a fala do paciente (Kraepelin, 1907). Cada um desses elementos deve ser considerado para poder determinar a causa e o diagnóstico de uma doença.

Em relação ao último momento dessa rotina metodológica, denominada status proenses, este deve incluir tanto observações físicas quanto mentais, porém Kraepelin considera mais eficaz iniciar pelas observações referentes às condições físicas. Primeiro deve ser descartada a existência de doenças crônicas como tuberculoses ou sífilis, para logo iniciar uma detida observação das características do paciente, que inclui a enumeração de "estigmatas físicos, como malformações do paladar ou dos órgãos sexuais, estrabismo congênito, albinismo, posição errada dos dentes, dos olhos etc." (Kraepelin, 1907, p. 99). Essas observações deverão ser seguidas pelo exame do sistema nervoso, com medidas do crânio que indicam o desenvolvimento do córtex cerebral e, fundamentalmente, se existe desproporção entre o tamanho da cabeça e o do corpo. O exame da posição dos olhos pode revelar doenças, assim como "um cuidadoso exame das orelhas pode revelar, às vezes, uma causa suficiente para alucinações" (p. 99).

Inicia-se desse modo toda entrevista psiquiátrica. As aproximações com as entrevistas realizadas por Magnan e os teóricos da degeneração são muitas. A preocupação pela história familiar, pelas doenças da gravidez e da infância, a preocupação com a sexualidade infantil, particularmente com o onanismo, a procura por estigmatas físicos de degeneração. Mas é no caráter hereditário ou congênito das patologias psiquiátricas que ambos se aproximam de modo mais evidente.

Em relação à recuperação dos chamados estados psicopáticos constitucionais, Kraepelin declara-se pouco otimista. O prognóstico é, em geral, pouco favorável quanto às degenerações hereditárias, exceto em alguns poucos casos. Em linhas gerais, ele se refere à incurabilidade de certas psicoses, justamente por tratar-se de constituições mórbidas. Tal é o caso das onomatomanias, diagnóstico que retoma de Magnan, considerada uma das doenças degenerativas com prognóstico desfavorável, para a qual unicamente fica a possibilidade de prevenção. O mesmo ocorre com a neurastenia ou com a insanidade compulsiva. Referindo-se a esta última patologia, Kraepelin diz:

A profilaxia é da maior importância. Pessoas defeituosas (com traços de degeneração) devem ser dissuadidas de se casarem umas com as outras. Influências nocivas devem ser combatidas, o alcoolismo principalmente. Quando crianças, os pais devem ter atenção especial com a educação, que deve se referir tanto ao corpo quanto à alma. O desenvolvimento mental deve ser atrasado se existem sinais de precocidade (Kraepelin, 1907, p. 491).

Em outros casos, Kraepelin recomendará confinamentos e isolamentos em instituições psiquiátricas por curtos períodos, sem desconsiderar que frequentemente esses ingressos acabam sendo permanentes. As insanidades por degeneração são, em sua grande maioria, consideradas doenças com prognóstico desfavorável (Kraepelin, 1907), existindo a possibilidade de aparição de síndromes periódicas, como no caso da agorafobia. Porém, as estratégias de intervenção privilegiadas para combater a condição de degeneração estão centradas na prevenção, fundamentalmente na educação dos jovens.

No caso da homossexualidade, o prognóstico é mais favorável. Kraepelin considera que se trata de uma enfermidade que em muitos casos pode ser revertida. Apresenta estratégias terapêuticas consideradas bem sucedidas, como o método da hipnose. Os passos desse método descrito por Kraepelin são: inicia-se com hipnose direcionada contra o aumento da excitação sexual e contra a masturbação; logo se direciona para promover a insensibilidade do paciente a seu próprio sexo; finalmente cria-se excitabilidade ao sexo oposto e aos vínculos heterossexuais (Kraepelin, 1907, p. 514). Com essa estratégia, Kraepelin considera que é possível restituir o interesse do paciente pelo sexo oposto e levá-lo a desistir de sua compulsão pelo próprio sexo.

Ao contrário, são muito baixas as possibilidades de recuperação dos criminosos natos ou das chamadas personalidades psicopáticas, cuja constituição mórbida as condena. Esse discurso, que aparece nas diferentes versões do Manual, se repete também nas Leituras de psiquiatria clínica.

Para concluir estas reflexões, não podemos deixar de lembrar um texto de Kraepelin, originariamente publicado em 1920, intitulado "As formas de manifestação da insanidade" (2009). Ali, Kraepelin apresenta uma oposição frontal às teses defendidas pela psicanálise. Logo no início o autor afirma que geralmente existem duas formas de chegar a um entendimento aprofundado das doenças. A primeira forma se refere às relações de empatia, que Kraepelin define como um:

sentimento poético que nos coloca em sintonia com os processos anímicos que ocorrem no outro (...). A 'empatia' é um procedimento bastante inseguro que, ainda que seja indispensável para a aproximação entre os seres humanos e para a criação poética, como meio auxiliar de pesquisa, pode levar aos maiores enganos (Kraepelin, 2009, p. 171).

Perante o fracasso da empatia, aparece a segunda forma possível, considerada científica, de entender as doenças. Em primeiro lugar, será necessário excluir qualquer pretensão de escuta daquilo que o paciente tem a dizer. Para Kraepelin, é indispensável considerar como parte desse método que a fala ou a narrativa do paciente será o veículo de inevitáveis enganos e mentiras próprias de seu estado patológico.

Na abordagem científica e objetiva privilegiada por Kraepelin, os dados mais relevantes serão aqueles referentes ao entendimento das condições prévias ao surgimento da patologia. Como ele afirma:

Contudo, o mais importante nessa relação é descobrir o papel decisivo que cabe àquilo que é constitucional no próprio sujeito, principalmente as influências da hereditariedade (...) Fica claro, portanto, que a compreensão das manifestações patológicas deverá passar primordialmente pela pesquisa das disposições herdadas (2009, p. 174).

Assim, tanto para os teóricos da degeneração quanto para Kraepelin, a herança mórbida é aquilo que permite substituir a escuta das situações concretas de vida que provocam sofrimento.

Para citar um exemplo bem corriqueiro, quero lembrá-los das explicações, comuns em pacientes melancólicos, de que eles adoeceram apenas por causa deste ou daquele fracasso, ou por causa de uma mudança, ou que eles só estão preocupados com uma questão de ordem econômica, ou que apenas adoeceram de saudade por terem sido separados de seus entes queridos (...). Depois da cura, temos a oportunidade de acompanhar a correção dessas concepções errôneas. Mas quem poderá dizer a quantas conclusões enganosas estamos expostos, se tomarmos como verdadeiras as informações dos doentes cuja veracidade não é possível comprovar? (2009, p. 172).

Mas se a escuta atenta à fala do outro instala a dúvida e a incerteza, que argumentos nos autorizam a supor uma certeza objetiva e científica na observação dos antecedentes familiares, nos relatos de desvios e na herança patológica? Poderíamos perguntar: quem poderá dizer a quantas conclusões enganosas estamos expostos se em lugar de ouvir o paciente aceitamos padrões hereditários de repetição como verdadeiros, ainda que essa verdade seja impossível de comprovar? Ainda que essas perguntas permaneçam até hoje sem resposta, a aceitação da herança como verdade objetiva e inquestionável permitiu excluir as narrativas dos pacientes do campo da psiquiatria. E esse, como sabemos, será o maior ponto de confluência e identificação dos neokraepelinianos com seu mestre.

3 DE KRAEPELIN AOS NEOKRAEPELINIANOS

As observações apresentadas até aqui parecem indicar que Kraepelin era um homem que pertencia, quase inteiramente, ao século xix (Postel, 1987, p. 365). Então, deveremos perguntar-nos por que razão esse homem, que carrega todos os preconceitos e dificuldades próprias do conhecimento científico do século xix, foi elevado ao estatuto de pai da psiquiatria moderna nas últimas décadas do século xx? Como entender o ressurgimento desse modo de pensar o normal e o patológico, por décadas esquecido, e hoje considerado hegemônico? Para tentar compreender como ocorreu essa tardia recuperação dos princípios kraepelinianos da psiquiatria biológica a partir dos anos de 1980, deveremos fazer um breve relato dos acontecimentos que precederam a hegemonia dos neokraepelinianos.

Ainda que a morte de Kraepelin tenha ocorrido em 1926, ele ingressará no século xx em 1976 a partir da iniciativa de um grupo de cientistas que se identificam com o nome de neokraepelinianos. A influência inegável que esse grupo teve na elaboração do terceiro Manual de diagnóstico e estatística de doenças psiquiátricas (APA, 1980)2 2 Conforme Russo e Venâncio: "O DSM foi declarado um manual ateórico baseado em princípios de testabilidade e verificação a partir dos quais cada transtorno é identificado por critérios acessíveis à observação e à mensuração empírica. Fundamenta-se em uma crítica ao modo anterior de classificação, baseado em uma pretensa etiologia dos transtornos mentais, ou seja, em processos subjacentes, inferidos pelo clínico e não passíveis de uma observação empírica rigorosa. O pressuposto empirista implicado em uma posição ateórica, e por isso objetiva, tem afinidades evidentes com uma visão fisicalista da perturbação mental" (2006, p. 465). já foi destacada por diversos historiadores e pesquisadores (Amaral, 2004; Decker, 2007; Horwitz & Wakefield, 2007; Jablensky, 2007). É impossível desconsiderar a relevância que o DSM tem até hoje, assentando as bases do que será considerada uma referência obrigatória para a elaboração de diagnósticos de psiquiatras e médicos do mundo inteiro.

Não é possível fazer aqui uma história detalhada dos eventos que se sucederam a partir de 1952, ano de criação do DSM I. O objetivo é compreender de que modo as bases epistemológicas de Kraepelin reaparecem no discurso dos neokraepelinianos. Trata-se de analisar as continuidades e diferenças entre esses discursos para tentar compreender as razões que levaram um grupo de pesquisadores de fins da década de 1970 a reconhecer como válidas as premissas construídas pela psiquiatria do século xix, que privilegia como matriz explicativa das patologias mentais a herança mórbida e a localização cerebral. Certamente os neokraepelinianos não serão simples seguidores das ideias do mestre, eles introduzem e inauguram um novo modo de pensar as patologias psiquiátricas que será rapidamente aceito pelos psiquiatras do mundo inteiro como referência. Para entender as razões dessa aceitação será necessário lembrar a história que antecede o DSM IV. O modo como a psiquiatria narra sua história recente nos permite compreender esses motivos.

Essa história leva a marca de Adolf Meyer (1866-1950), considerado referência fundamental para a psiquiatria americana no período pré e pós-guerra. Meyer se formou como professor de psiquiatria no Hospital Johns Hopkins nos anos de 1910 a 1941. Mas sua influência permaneceu intacta após a Segunda Guerra Mundial, pois vários de seus discípulos foram considerados figuras de liderança na psiquiatria de pós-guerra (Amaral, 2004; Decker, 2007; Horwitz & Wakefield, 2007; Jablensky,2007). Sua teoria das patologias mentais estava baseada na ideia de reação. Considerava que era indispensável observar, em cada situação precisa, o contexto em que surgem as patologias e entendê-las como reações a fatos externos. Ele apresenta uma abordagem que integra elementos da teoria freudiana sem rejeitar completamente as teorias biologistas. Por essa razão, considera-se que ele inicia a abordagem bio-psico-social de transtornos mentais. Meyer, que não aceitava a ideia de construir quadros nosológicos sem compreender os eventos da história de vida dos pacientes, influenciou profundamente a primeira tentativa de organizar uma classificação de transtornos mentais aceita pela comunidade científica americana.

Após a Segunda Guerra Mundial, os psiquiatras deviam enfrentar as sequelas sofridas pela guerra, que tinha deixado inúmeras vítimas de transtornos mentais, sem uma metodologia que pudesse ser considera adequada. Nesse marco histórico, ganharam terreno as teses defendidas pela psicanálise, difundida pelos numerosos profissionais que tinham emigrado da Europa fugindo da guerra. A ideia de construir uma classificação psiquiátrica exaustiva para as doenças mentais ficava fora de consideração para os psiquiatras da APA , então profundamente influenciados pelos sucessos terapêuticos da psicanálise nos pacientes que sofriam traumas de guerra.

Meyer e seus discípulos defendiam intervenções na comunidade e um entendimento do contexto social dos pacientes. Nesse momento surge o primeiro Manual de diagnóstico e estatística de doenças mentais (logo conhecido como DSM I), aprovado em 1952. Cria-se, então, a primeira classificação de doenças mentais a partir de critérios flexíveis que articulam as perspectivas biológica, psicanalítica e social dos transtornos mentais. Até esse momento, as pesquisas biológicas pareciam ter perdido o terreno conquistado no século xix.

Com poucas alterações será publicada, em 1968, a segunda edição conhecida como DSM II. Os historiadores da psiquiatria relatam a coexistência de alguns fatos que mudaram o olhar sobre as doenças mentais (Amaral, 2004; Decker, 2007; Horwitz & Wakefield, 2007; Russo & Venâncio, 2006). Os anos de 1970 foram marcados pelas críticas às instituições asilares, e, pouco a pouco, essas críticas se estenderam à psiquiatria. Os movimentos anticonfinamento transformam-se em movimentos antipsiquiátricos. Acumulam-se críticas levantadas por autores respeitados, como Thomas Szasz (1977), Michel Foucault (1961) ou Ervin Goffman (1961), contra o que consideravam o mito da doença mental. A essas críticas, que serão relatadas como ferozes e abusivas pelos historiadores da psiquiatria (Decker, 2007), somam-se outras feitas pelos movimentos feministas e movimentos de homossexuais, ao mesmo tempo em que as denúncias sobre os abusos cometidos nas instituições psiquiátricas se multiplicam (Amarante,1998 e 2000).

Finalmente, podem-se destacar dois fatos fundamentais para iniciar o processo de revisão da psiquiatria. Em 1973, após negociações com a comunidade e com o movimento de homossexuais, o DSM II retira a homossexualidade da lista de diagnósticos. Esse fato que indica um claro avanço dos direitos, ao mesmo tempo "deixava explícito que os diagnósticos psiquiátricos mantinham uma forte relação com a construção social de figuras desviantes" (Amaral, 2004, p. 36).

O segundo fato relevante foi a publicação do artigo de David Rosenhan "Being sane in insane place", na revista Science em 1973. Tratava-se de um estudo realizado por pessoas saudáveis que se declararam doentes para ingressar em um hospital psiquiátrico e que, no momento de sair da instituição, receberam o diagnóstico de "esquizofrenia em remissão" (Decker, 2007). Esses fatos, somados às críticas de intelectuais e de movimentos pelos direitos humanos reclamavam uma resposta do campo da psiquiatria. Porém, essa resposta chegou do modo mais inesperado. Longe de uma reflexão crítica dos postulados questionados pelos defensores de direitos, ocorreu uma radicalização e um retorno às velhas teses da psicologia biológica do século xix.

Nesse momento e após longos debates, será publicado o DSM III, em 1980, inaugurando um novo modo de entender a psiquiatria. Novo em relação aos manuais anteriormente existentes, mas profundamente clássico na recuperação das velhas ideias que a psiquiatria biológica tinha defendido por mais de um século e que pareciam abandonadas. No entanto, sabemos que a psiquiatria biológica continuava ativa e bem sucedida, não somente nos tratamentos aplicados nos hospitais psiquiátricos, mas também na incipiente procura por novos medicamentos psicotrópicos que sucede a descoberta da clorpromazina em 1952.

O certo é que a recuperação das teses de Kraepelin será iniciativa desse grupo de psiquiatras da Universidade de Washington que, desde o início dos anos de 1970, procurava recuperar a hegemonia perdida da psiquiatria biológica. Eles tentavam achar um modo de classificar as doenças psiquiátricas, que fosse objetivo e descritivo, e que pudesse ser aceito por todos e que tomasse como ponto de partida os procedimentos médicos utilizados para diagnosticar qualquer patologia biológica. Pretendiam excluir do âmbito da psiquiatria tudo aquilo que pudesse vinculá-la a discursos considerados pouco científicos, como a sociologia ou a psicanálise.

Diversos autores já exploraram a questão de até que ponto esse grupo de psiquiatras pode ser chamado, realmente, de kraepelinianos. Existem, em relação a essa questão, alguns pontos de vista contrários. Horwitz e Wakefield (2007), por exemplo, argumentam que não é possível falar de continuidade entre Kraepelin e os neokraepelinianos, pois estes desconsideram uma questão que foi central para o primeiro: as pesquisas etiológicas. Porém, existe coincidência na afirmação de que muitas das premissas da psiquiatria clínica de Kraepelin reaparecem nos postulados dos neokraepelinianos.

Por tratar-se de um debate atual onde existem controvérsias, tomamos como ponto de partida as teses apresentadas por Decker (2007) e por Jablensky (2007). Esses textos nos auxiliarão na tarefa de apresentar os fatos e os personagens que participaram na transformação que a psiquiatria sofreu com a publicação do DSM III.

Como já destacamos, o grupo de psiquiatras da Universidade de Washington compartilhava a certeza de que somente a partir de pesquisas psiquiátricas empíricas, focadas na biologia, poderiam ser encontradas as respostas para as incógnitas sobre as doenças mentais. Seria necessário deixar de lado as perguntas etiológicas, que introduziam confusões no campo, e limitar-se a descrever os sintomas, o curso das doenças e a prestar uma atenção especial às histórias familiares que, como no caso de Kraepelin, terão para eles um papel fundamental na determinação dos diagnósticos. Ao mesmo tempo, as pesquisas deveriam ser divulgadas entre colegas, criando uma comunicação mais fluida entre os psiquiatras. Os líderes desse grupo eram três figuras de destaque na Universidade de Saint Louis: Eli Robins (1921-1994), Samuel Guze (1924-2000) e George Winokur (1925-1996).

Um jovem psiquiatra que trabalhava sob orientação desses pesquisadores será o eixo articulador com o DSM III. Seu nome é John Feighner. Ele publicou em 1970 (Feighner et. al., 1972) um artigo que terá enorme repercussão na comunidade científica. Esse texto assinado por Feighner e por seus três mestres assentará as bases do que logo será a classificação de doenças mentais do DSM III. Era uma classificação fundamentada em dados empíricos, que não deixava lugar para avaliações subjetivas dos psiquiatras. A metodologia proposta era a revisão de um imenso número de artigos (mil, exatamente) para, a partir dos dados apresentados, deduzir critérios para estabelecer os diagnósticos de diversas desordens afetivas. Desse modo, foram construídos critérios de diagnóstico para 16 doenças psiquiátricas, dentre elas a esquizofrenia.

O grupo considerava que para desenvolver uma classificação válida de doenças psiquiátricas, deveriam ser respeitados cinco critérios fundamentais: (1) uma descrição clínica ; (2) estudos de laboratório; (3) critérios de exclusão de outras doenças; (4) estudar o curso da doença; (5) estudos referentes à família dos doentes (Decker, 2007, p. 347).

Em 1978, um psiquiatra da Universidade Harvard chamado Gerald Klerman deu a esse grupo o nome de neokraepelinianos, pois achava que as teses por eles apresentadas implicavam uma recuperação e afirmação das antigas teses de Kraepelin, ao mesmo tempo em que evidenciavam o declínio das ideias de Freud e Meyer. Klerman (1977) sintetiza as ideias dos neokraepelinianos em nove itens que configuram algo assim como o credo que os unifica. Essas ideias são:

(1) A psiquiatria é um ramo da medicina;

(2) A psiquiatria deve utilizar metodologias científicas modernas e estar baseada em conhecimentos científicos;

(3) A psiquiatria trata pessoas que estão doentes e que requerem tratamento para doenças mentais;

(4) Existe uma fronteira ou limite entre normalidade e doença;

(5) As doenças mentais não são mitos. Existem muitas doenças mentais. A tarefa da psiquiatria científica, como especialidade médica, é pesquisar as causas, o diagnóstico e o tratamento das doenças mentais;

(6) O alvo da psiquiatria deve estar, particularmente, nos aspectos biológicos das doenças mentais;

(7) Deve existir uma preocupação explícita com o diagnóstico e a classificação;

(8) Os critérios de diagnósticos devem ser codificados e deve existir uma área de pesquisa para validar esses critérios com diversas técnicas. Os departamentos de psiquiatria nas escolas médicas devem ensinar esses critérios, e não depreciá-los;

(9) Com a finalidade de aumentar a validade dos diagnósticos e das classificações, as técnicas estatísticas devem ser utilizadas (Decker, 2007, p. 348).

Esses critérios metodológicos definem o modo como a psiquiatria deveria proceder para ser considerada científica, desde 1978 até hoje. Cada um desses critérios seria bem aceito por Kraepelin e pode-se dizer que as oito versões de seu Manual de psiquiatria clínica tentaram aperfeiçoar as classificações psiquiátricas a partir exatamente desses mesmos postulados, isto é, integrando os estudos realizados em outros ramos da biologia; pesquisando as causas, o diagnóstico e a terapêutica de cada doença psiquiátrica; reproduzindo os mesmos procedimentos da medicina; centrando as pesquisas e os diagnósticos no campo da biologia; utilizando estudos estatísticos e comparativos.

A identidade parece ainda mais evidente se observamos os trabalhos realizados pelos psiquiatras de Washington que iniciaram a recuperação desses princípios, que por cinquenta anos tinham ficado no esquecimento. Como afirma Decker (2007, p. 350), a introdução dos psicofármacos oferecia novas oportunidades de pesquisa, e os neokraepelinianos dedicaram-se a esse campo, que o próprio Kraepelin imaginava promissor. Por outro lado, no fim dos anos de 1970, surge um interesse crescente pelos estudos da genética. Samuel Guze foi um dos primeiros psiquiatras americanos que realizou estudos com gêmeos para identificar o papel da herança nas doenças psiquiátricas, além de publicar diversos estudos dedicados a destacar a necessidade de remedicalizar a psiquiatria, defendendo a preeminência do modelo médico para compreender as doenças mentais. Feighner e Winokur (1979) centraram seu trabalho nos transtornos afetivos e na esquizofrenia e escreveram um estudo sobre psicose maníacodepressiva que mostra claramente a influência de Kraepelin. Está baseado nos dados extraídos das histórias familiares de pacientes, destacando a importância da herança de caracteres patológicos.

Tendo fundamentalmente um duplo interesse em genética e em transtornos afetivos, Winokur estuda articulações genéticas de marcadores genéticos conhecidos com supostos genes de transtornos afetivos. Em seu trabalho clínico, notificou um conjunto de casos nos quais pai e filho sofrem de transtorno bipolar. Também outros tipos de transmissões pai-filho eram apresentados como comuns. Essa ideia estimulou um grande número de pesquisas que continuaram até o século xxi. Continuando o interesse em estudos da evolução das doenças dos neokraepelinianos, Winokur faz parte de um grupo de pesquisadores que realizam um estudo longitudinal (de seguimento por 30 a 40 anos) de pacientes diagnosticados com esquizofrenia e transtorno bipolar (Decker, 2007, p. 349).

Esses psiquiatras farão parte do grupo de tarefa que organiza o DSM III, no qual Feighner terá um papel de destaque. A APA designa Robert Spitzer como diretor do grupo de tarefas que elaborará o DSM III. Spitzer (Spitzer & Forman, 1979) publica trabalhos com os neokraepelinianos, desenvolve pesquisas conjuntamente e aceita, em linhas gerais, o modo de classificar as doenças proposto por Feighner, Robins, Guze e Winokur em seu estudo de 1970 (Feighner et al., 1972). Assim, ainda que Spitzer prefira não aceitar a denominação de neokraepeliniano, fica claro que os pesquisadores da Universidade de Washington tiveram um papel mais que destacado na elaboração do DSM. Cada um dos postulados definidos por Klerman foram integrados à sua elaboração e são considerados ainda como um marco de referência para os estudos de psiquiatria (Jablensky, 2007).

4 OS AVATARES DA DEGENERAÇÃO

A continuidade entre o discurso de Kraepelin e o dos neokraepelinianos parece evidenciar a permanência das velhas preocupações dos degeneracionistas. É certo que estamos longe do desvio patológico do homem normal criado à imagem de Deus de Morel, e dos estigmas e síndromes de degeneração que tanto preocupavam Magnan.

Degeneracionistas e kraepelinianos compartilhavam a preocupação em criar uma classificação confiável e objetiva de doenças mentais, baseada nos postulados das ciências biológicas e médicas. Queriam construir um saber tão seguro quanto a anatomoclínica. Almejavam poder determinar, a partir de um conjunto de sintomas, a causa exata, o diagnóstico e a terapêutica das doenças mentais, com tanta precisão quanto a de uma doença infecciosa. Eles tinham clareza do alcance limitado das pesquisas biológicas, neurológicas ou de anatomopatologia cerebral realizadas até esse momento, porém, imaginavam um futuro no qual a ciência biológica seria capaz de desvendar os segredos do cérebro para finalmente conhecer as causas das patologias psíquicas.

Para classificar essas patologias, os teóricos da degeneração partiam de uma matriz explicativa que integrava as últimas conquistas das ciências biomédicas realizadas no campo da neurologia, cujos modelos eram os trabalhos de Charcot, com os estudos sobre hereditariedade mórbida para os quais coletavam informações médicas a partir das histórias familiares dos pacientes. Essa mesma rede explicativa reaparece em Kraepelin, que mantém a mesma esperança nos avanços da neurologia, além do mesmo interesse em coletar histórias familiares articulando-as com estudos genéticos pré-mendelianos. Tanto os degeneracionistas quanto Kraepelin vinculam essas explicações endógenas, consideradas não conclusivas, à descrição e agrupamento de sintomas ou estigmas. Ambos realizaram estudos estatísticos e comparativos, conjuntamente com descrições do curso ou da evolução das patologias, para obter "um conhecimento não somente do estado atual, mas da completa evolução da doença" (Kraepelin, 2007 [1908], p. 117).

Os postulados que guiam o trabalho dos neokraepelinianos parecem indicar uma atualização e uma continuidade desse esforço em definir, a partir das últimas descobertas da neurofisiologia cerebral, da estatística e da genética, classificações confiáveis para as patologias mentais. A coleção de dados a partir dos quais será construída a classificação de doenças mentais proposta pelos neokraepelinianos responde hoje praticamente aos mesmos critérios de inclusão e exclusão dos tempos de Kraepelin. Seguindo os postulados de Klerman, serão incluídos estudos biológicos e excluídos outros, como os sociológicos, por exemplo. Os estudos escolhidos deverão seguir os padrões de pesquisa das ciências biológicas e médicas, de acordo com os postulados (5) (6) e (8) de Klerman.

Parece assim que uma mesma matriz epistemológica possibilitou o surgimento de novas síndromes de degeneração no século xix e a emergência de um novo modo de classificar as patologias mentais nas últimas décadas do século xx. Dessa matriz epistemológica, os degeneracionistas privilegiaram os estudos sobre herança mórbida; Kraepelin, a reconstrução biológica de histórias familiares, e os neokraepelinianos Guze e Winokur, os estudos sobre marcadores genéticos de patologias mentais. Todos continuaram procurando nas lesões cerebrais ou nos desequilíbrios dos neurotransmissores a etiologia das doenças. Eles compartilham, enfim, uma mesma matriz centrada em explicações endógenas, hereditárias ou cerebrais, das patologias. Uma matriz que se afirmava na exclusão de tudo aquilo que não podia ser considerado biológico. Os sofrimentos individuais, os vínculos afetivos, a precariedade do trabalho, os fracassos, as histórias de vida (plenas de situações que nada têm a ver com patologias) foram explicitamente excluídas das classificações patológicas dos degeneracionistas, de Kraepelin e dos neokraepelinianos.

Os teóricos da degeneração eram otimistas a respeito do avanço que as pesquisas biológicas poderiam trazer para identificar a causa das doenças mentais, tanto quanto hoje a psiquiatria continua otimista com o poder explicativo das neurociências, da genética, das imagens cerebrais e dos psicofármacos.3 3 Somente os fármacos permitiram criar estratégias explicativas para as doenças mentais a partir do que Pignarre (2001) denomina a inversão explicativa das patologias psiquiátricas iniciada com a clorpromazina.

Sabemos que todas as hipóteses explicativas de sofrimentos humanos construídas até hoje sobre bases exclusivamente biológicas continuam aguardando com otimismo pesquisas futuras. No entanto, a confiança explicitada por Kraepelin em 1920 ainda permanece: "Parece-me que as perspectivas que esse tipo de reflexão oferece são bastante promissoras, apesar da pobreza de nosso conhecimento atual: elas poderiam contribuir para facilitar nossa tão difícil missão de compreensão clínica das formas de doença" (Kraepelin, 2009, p. 194).

A preocupação com a herança mórbida, que podemos fazer aqui extensiva à preocupação com a localização cerebral de patologias mentais, foi definida por Koll como o grande mistério da medicina mental. Ele o denominou o "oráculo de Delfos da psiquiatria" (Koll apud Postel, 2007, p. 319), por se tratar de um mistério que deve ser admitido sem que possamos ter nenhuma compreensão clara sobre ele. Essas "mitologias da herança" (Coffin, 2003, p. 255) fizeram parte da história da psiquiatria ao longo de todo o século xix, para ressuscitar com força inesperada nas últimas décadas do século xx e no início do século xxi. Pois, como sabemos, "na era da genética, a convicção do caráter hereditário de comportamentos e de problemas mentais será ainda mais pronunciada" (Coffin, 2003, p. 256).

5 AO MODO DE CONCLUSÃO: SINTOMAS, HERANÇA E LOCALIZAÇÃO CEREBRAL

Permanecer aferrado a essa mitologia pode ter consequências profundas para uma classificação de patologias mentais que se pretenda universal e objetiva, pois nem os estudos de localização cerebral nem os estudos genéticos permitiram, até hoje, cumprir as promessas dos degeneracionistas ou dos neokraepelinianos de construir um fundamento biológico sólido para legitimar as classificações realizadas pela psiquiatria.

Enquanto as conquistas da biomedicina permanecem misteriosas, as classificações de patologias mentais devem ser construídas tendo como único parâmetro de validação os agrupamentos de sintomas, estratégia que se consolida a partir do DSM III. Porém, existe um risco nesse tipo de classificação que já foi identificado por Kraepelin em 1907:

O método mais popular para classificar as patologias mentais é o método denominado clínico de classificação. O grave problema aqui radica em que pode existir uma sobrevalorização de um determinado sintoma, resultando na acumulação em um grupo de todos os casos que têm em comum esse sintoma (Kraepelin, 1907, p. 117).

O que Kraepelin é obrigado a desconsiderar é que a sobrevalorização de um ou outro sintoma é um fato ao mesmo tempo médico e social, que pode variar conforme variam os contextos nos quais se realiza a escolha. Assim, comportamentos socialmente indesejados podem se transformar em sintomas indicativos de uma patologia mental, tal como ocorreu com a síndrome dos antivivissecionistas, com a homossexualidade ou com a onomatomania criada por Magnan. Do mesmo modo, comportamentos que hoje poderiam ser avaliados como formas de resistência ou contestação à autoridade podem transformar-se em sintoma de um 'transtorno opositor desafiador'. Tudo parece indicar que a referência exclusiva a agrupamentos de sintomas permite construir uma quantidade indefinida e socialmente variável de patologias psiquiátricas.

Isso é possível porque os agrupamentos sintomáticos, como o próprio Kraepelin afirma, constituem um critério frágil para demarcar as fronteiras entre normalidade e patologia psíquica.

Perante a ausência de referências aos relatos de experiências de vida, considerados irrelevantes para o diagnóstico, e perante a fragilidade de estudos biomédicos que permitam validar as classificações, como desejavam degeneracionistas e neokraepelinianos, o único registro de validade que resta é o sintoma. Esse indicador ambíguo, que em tempos de Morel era ocupado pelos estigmas físicos e psíquicos, abre uma possibilidade indefinida de ampliação de transtornos psiquiátricos.

Para os teóricos da degeneração, o que permitia demarcar a fronteira entre o normal e o patológico eram os estigmas físicos e psíquicos (Postel, 1997, p. 460). O tamanho das orelhas, as medidas do crânio, o estrabismo ou a altura do paciente, associados a estigmas psíquicos, como o medo, a escassa capacidade intelectual, a tendência a repetir palavras obscenas, dentre outros, podiam ser dados suficientes para declarar uma doença mental específica, por exemplo, a onomatomania. Hoje o que estabelece a distância entre o normal e o patológico deixou de ser uma coleção de estigmas para passar a ser um agrupamento sintomático; porém, as dificuldades para delimitar essa fronteira permanecem idênticas. Uma dessas dificuldades é reconhecida por Robert Spitzer, diretor do grupo de tarefas que elaborou os DSM III e IV. Ele afirma:

O critério estabelecido pelo DSM especifica os sintomas que devem estar presentes para justificar um determinado diagnóstico, mas ignora qualquer referência ao contexto no qual eles se desenvolvem. Ao fazer isso, permite que respostas normais a situações de estresse sejam caracterizadas como sintomas de uma patologia (Spitzer, 2007, p. ix).

Excluída qualquer referência ao contexto em que aparece o sintoma e excluídos os parâmetros biológicos, o que permanece é uma possibilidade infinita de agrupamentos sintomáticos, que permite uma ingerência infinita da psiquiatria nos assuntos humanos (Foucault, 1999).

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  • 1
    Ver "
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  • 3
    Somente os fármacos permitiram criar estratégias explicativas para as doenças mentais a partir do que Pignarre (2001) denomina a inversão explicativa das patologias psiquiátricas iniciada com a clorpromazina.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      2011
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