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Editorial

Editorial

Este número inicia a publicação do quinto volume de Scientiæ udia dedicado, em seus artigos, a questões epistemológicas e historiográficas sobre as chamadas "ciências da vida". Enquanto os dois primeiros artigos buscam inserir-se nas discussões epistemológicas recentes concernentes ao caráter da pesquisa biológica, o terceiro, a partir de uma reavaliação histórica dos fatos ligados ao caso da febre puerperal, propõe-se a retomar a crítica da imagem positivista do desenvolvimento da ciência, marcada por uma concepção individualista e heróica do papel do cientista no desenrolar da pesquisa. No documento científico, Scientiæ udia publica um texto central da investigação inacabada de Leibniz sobre a classificação das ciências, em vista da elaboração de uma enciclopédia científica, projeto que é considerado por muitos como precursor da Encyclopédie iluminista. Conclui o número um conjunto de considerações sobre os desafios impostos ao design – forma atualíssima de desenvolvimento de projetos, produtos e mercadorias na era tecnológica – por exigências e restrições ecológicas em virtude da urgência da preservação ambiental.

Abre o número de Scientiæ udia o artigo de Gustavo Caponi que mostra como a noção de "ideal de ordem natural" – segundo a qual um ideal não é uma afirmação (descrição) sobre a realidade, mas é antes uma espécie de parâmetro para a natureza dos problemas que nossas teorias devem enfrentar e para as soluções admissíveis no interior desse ideal – permite caracterizar com maior precisão o afastamento da perspectiva evolutiva desenvolvimentista (evo-devo) com relação à perspectiva do darwinismo ortodoxo, no que diz respeito aos fundamentos da chamada nova síntese da biologia evolucionista. O autor identifica, a seguir, a modificação na relação entre ontogenia e filogenia que decorre da modificação no ideal de ordem natural, de certo modo, como evidência de que se toma agora uma ordem diferente de fatos a serem explicados, propondo então a conjectura de que houve um deslocamento do ideal do darwinismo ortodoxo, que dava ênfase à divergência das formas, para o novo ideal da evo-devo, atento aos limites e padrões a que se ajusta a divergência das formas. No segundo artigo, Santiago Ginnobili e Daniel Blanco realizam um exercício epistemológico de elucidação das críticas feitas por Stephen Gould e Richard Lewontin ao chamado programa adaptacionista, que propõe como heurística, para o biólogo preocupado em aplicar a teoria da evolução por seleção natural, a procura por aquelas características cuja fixação em uma população é explicada por seleção natural. Os autores discriminam os diversos tipos de objeções – empíricas, metodológicas, conceituais e pragmáticas – levantadas por Gould e Lewontin, discutindo o alcance dessas elucidações conceituais para a filosofia da biologia. Finalmente, Marcos Barbosa de Oliveira e Brena Paula Magno Fernandez discutem a reconstrução histórica que Carl Gustav Hempel realiza do episódio de descoberta, pelo médico húngaro Samuel Sammelweis, da causa da febre puerperal e de um procedimento eficaz de prevenção dessa moléstia, que produziu altas taxas de mortalidade entre as parturientes no início da organização do sistema hospitalar moderno durante o século xix. Os autores apresentam as omissões do relato hempeliano, nas quais descobrem as discrepâncias com relação à imagem positivista da ciência, centrada nos processos de elaboração e justificação de teorias. Discutem também, na apresentação das omissões e discrepâncias, três tipos de críticas à historiografia positivista – a kuhniana, a pós-moderna e a engajada vpara mostrar a relevância da perspectiva crítica engajada não só na consideração do caso histórico em pauta, mas também na consideração das pesquisas médicas hodiernas.

Scientiæ zudia publica, no documento científico deste número, a tradução de Jorge Alberto Molina e Edgar Affonso Hoffmann de um opúsculo em latim de Gottfried Wilhelm Leibniz, no qual é elaborado o projeto de uma enciclopédia, tendo em vista produzir um inventário organizado e sistemático dos avanços científicos realizados pelo século xvii, tanto no conhecimento matemático, como no conhecimento da natureza. Na introdução ao texto traduzido, Jorge Alberto Molina e Edgar Affonso Hoffmann discutem as várias tentativas, dispersas na obra leibniziana, de estipular as condições de ordenação e classificação das disciplinas em vista da elaboração de uma enciclopédia, mostrando a centralidade do texto traduzido para a procura de uma classificação das ciências que incorporasse desenvolvimentos tais como o cálculo infinitesimal de Cavalieri, a álgebra de Viète, a geometria analítica de Descartes e a ciência da natureza, matematizada e mecanicista, de Galileu, Kepler e Gilbert. Com essa discussão, os autores mostram a preferência de Leibniz por uma enciclopédia baseada em uma arquitetônica da produção (invenção) de conhecimentos, mais do que na organização dos resultados alcançados e consolidados.

Encerra este número de Scientiæ udia a nota crítica de Jean-Jacques Salomon, na qual é apresentada a gradativa emergência da associação entre arte e marketing como ingrediente indispensável para o sucesso das inovações técnicas, primeiramente na produção de massa dos Estados Unidos após a Primeira Grande Guerra nos anos 1930 e, depois, na expansão da sociedade de consumo na Europa após a Segunda Grande Guerra a partir dos anos 1950. Na exposição da emergência da nova profissão de designer, de projetista industrial, na qual se realiza uma fusão particular entre arte, funcionalidade e simplicidade do objeto técnico, o autor considera uma plêiade de aspectos importantes: como a sociedade de consumo possibilitou a expansão do design; como se estabeleceu o objeto descartável (o objeto belo, feito para durar pouco e ser jogado no lixo) enquanto símbolo da sociedade de consumo; como as exigências ecológicas – diante da acumulação dos dejetos descartáveis e da poluição, do esgotamento das fontes de energia não-renováveis e, mais recentemente, da ameaça do aquecimento global – conduziram à concepção e ao desenvolvimento, primeiro, do objeto reciclável e, finalmente, do objeto reutilizável, que abre a possibilidade de reconciliação da máquina com os imperativos da conservação ambiental.

Pablo Rubén Mariconda

editor responsável

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 2007
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