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Serviço Social no sociojurídico: requisições conservadoras e resistências na defesa de direitos* * Parte deste texto foi base de palestra em Plenária do XV Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, em Olinda (PE). Plenária compartilhada com a profa. dra. Sílvia Tejadas.

The Social Service in the social-juridical: conservative requisitions and resistances in the defense of rights

Resumo:

Este texto apresenta reflexões sobre requisições conservadoras para os profissionais do Serviço Social no sociojurídico, particularmente no Judiciário, e sinaliza para possibilidades de resistências. Destaca que essas requisições são múltiplas, complexas e desafiadoras e revelam o avanço da judicialização de expressões da questão social; discorre sobre disposições legislativas recentes que fazem avançar o controle do Estado burguês sobre a população trabalhadora, podendo, dentre suas variadas estratégias, fazer uso do trabalho cotidiano do assistente social.

Palavras-chave:
Serviço Social no sociojurídico; Práticas conservadoras; Judicialização das expressões da questão social; Intervenção profissional; Defesa de direitos

Abstract:

This text presents reflections about conservative requisitions for the professionals of the Social Service in the socio-juridical, particularly in the Judiciary, and points to possibilities of resistances. Highlighting that these requisitions are multiple, complex and challengers, and reveal the progress of the judicialization of expressions of the social issue, it deals with recent legislative provisions which advance the control of the bourgeois State over the working population, and are able, among its various strategies, to make use of the daily work of the social assistant.

Keywords:
Social Service in the socio-juridical; Conservative practices; Judicialization of the expressions of the social issue; Professional everyday; Defenseofrights

Introdução

As requisições conservadoras para o Serviço Social no sociojurídico na atualidade são múltiplas, complexas e desafiadoras, não sendo possível dar conta nos limites deste texto, do denso e tenso conteúdo que envolve o trabalho nessa área, bem como das possíveis práticas de resistência. Por isso, foram feitas algumas escolhas para essas reflexões, mais relacionadas ao cotidiano do Serviço Social no Judiciário.

O Serviço Social no sociojurídico compreende, além do Judiciário, a Defensoria Pública, o Ministério Público, os sistemas prisional e de segurança, as organizações que executam medidas socioeducativas com adolescentes, dentre outros (CFESS, 2014CFESS. Atuação de assistentes sociais no sociojurídico - subsídios para reflexão. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/CFESSsubsidios_sociojuridico2014.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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). Espaços propícios ao avanço de requisições conservadoras, devido às prerrogativas institucionais que lhes conferem poder de controle e de disciplinamento de conflitos individuais e sociais pelo Estado burguês, sobretudo numa conjuntura local e mundial em que a intolerância e a indiferença aos desejos, necessidades humano-sociais e direitos do outro (pessoas, profissões, instituições, classes sociais) revelam faces extremas, permeadas pela barbárie. Nesse cenário em que a criminalização dos pobres e a judicialização de expressões da questão social se acentuam e tendem a se ampliar, as práticas de resistência na direção da afirmação e defesa dos direitos humanos e de denúncia e rompimento com práticas disciplinadoras e punitivas se impõem como imprescindíveis e urgentes - na luta política coletiva e no exercício do trabalho cotidiano.

Nessa perspectiva, para além de particularidades da atuação dos assistentes sociais nos espaços sócio-ocupacionais do sociojurídico, faz-se necessária a reflexão sobre por que essa área de trabalho tem se ampliado significativamente - em especial no Judiciário -, em detrimento da efetivação de direitos sociais via políticas públicas, enquanto dever do Estado, com participação político/popular. Será que a regressão de direitos e a intensificação da judicialização das expressões da questão social estão levando os assistentes sociais a serem "gestores da barbárie, cúmplices da dominação burguesa, e não agentes de transformação", conforme Nogueira Neto (2012, p. 51)NOGUEIRA NETO, V. A judicialização da questão social - desafios e tensões na garantia de direitos. II Seminário Nacional: o Serviço Social no campo sociojurídico na perspectiva da concretização de direitos. Brasília: CFESS, 2012. alertava a categoria já no II Seminário Nacional do Serviço Social no Sociojurídico, em 2009?

Assim, debates e reflexões sobre requisições conservadores e práticas de resistência no exercício do trabalho do assistente social são urgentes, especialmente por estarmos vivenciando intensa precarização e banalização da formação profissional e das relações e condições de trabalho, no interior do processo político-econômico neoliberal de desmonte e descarte de direitos dos trabalhadores.

As requisições conservadoras nos espaços de trabalho do sociojurídico têm se objetivado, dentre outras, por meio de disposições legislativas e de projetos de lei que retrocedem em relação a direitos conquistados com e a partir da Constituição Federal de 1988 - muitos ainda não assegurados na prática -, e de normativas institucionais que rebatem no trabalho cotidiano com uma população em sua maioria apartada socialmente do acesso a direitos a bens e serviços essenciais à vida com dignidade.

Dentre essas requisições, algumas se materializam direta e indiretamente na área da Justiça da Infância e Juventude, demandando a atuação dos assistentes sociais, como as salas de inquirição de crianças, que têm como marco inicial o Depoimento sem Dano (DSD). Salas legalizadas com a aprovação no Congresso Nacional e sanção presidencial em abril de 2017, da Lei nº 13.4311 1 Projeto de lei de autoria da deputada Maria do Rosário e outros. (Brasil, 2017_______. PL nº 5.850/2016. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2092189>. Acesso em: 20 out. 2017.
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), que "estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990". Também na perspectiva conservadora, projetos de lei com vistas a facilitar a adoção de crianças e, consequentemente, agilizar a destituição do poder familiar em detrimento do investimento em ações que priorizem o direito à convivência com a família e a comunidade de origem tramitam no Congresso Nacional.

As requisições conservadoras que afetam o cotidiano de trabalho do assistente social no sociojurídico não se resumem a essas legislações ou projetos de lei evidentemente, mas neste texto será dado esse destaque em razão de sua atualidade e por serem emblemáticas do avanço conservador no país.

Nessa realidade, ações de resistência são necessárias e urgentes - no dia a dia de trabalho por meio do desenvolvimento, fundamentado, das competências teórico-metodológica, técnica e ética, nas relações com a instituição empregadora e a rede socioassistencial, bem como na luta política organizada.

Requisições conservadoras materializadas em proposições e marcos legais

Na análise dessa realidade de trabalho é importante a clareza de que as instituições do sociojurídico impõem pela coerção e pela impositividade da lei a defesa de interesses da classe dominante - que é a que detém o monopólio e o poder político, ideológico e econômico de impor seus interesses (CFESS, 2014CFESS. Atuação de assistentes sociais no sociojurídico - subsídios para reflexão. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/CFESSsubsidios_sociojuridico2014.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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), especialmente em momentos de desmobilização político-social. A esse respeito, documento do CFESS sobre o sociojurídico pontua que os

assistentes sociais devem ter clareza que o direito positivo, por possuir um caráter de classe, impõe a defesa dos interesses da classe dominante e, portanto, seja no acesso ao complexo aparelho de justiça burguês, e mesmo nos instrumentos de convencimento de seus operadores, a lógica da defesa da classe dominante se faz presente. Tal fundamento possui relevância determinante na vida das pessoas, uma vez que ao serem "julgadas por algum crime, ou por algum ato ilícito, estarão, no limite, à mercê dessa discricionariedade de classe, ainda que isso se dê com muitas e complexas mediações". (Borgianni, 2012, apud CFESS, 2014CFESS. Atuação de assistentes sociais no sociojurídico - subsídios para reflexão. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/CFESSsubsidios_sociojuridico2014.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
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, p. 18), apud Borgianni, 2012, p. 50)

Levando em conta essa perspectiva, seguem-se algumas das requisições que estão na pauta do debate atual ao demandarem a atuação do assistente social do sociojurídico, nem sempre em sintonia com suas atribuições e competências, conforme sinalizado. Uma delas, que mais viola suas prerrogativas profissionais, bem como pode violar direitos de crianças e de adolescentes, é a sua convocação à participação em inquirição ou "tomada de depoimento de crianças vítimas ou testemunhas de violência", por meio do procedimento originalmente denominado Depoimento sem Dano (DSD). E aqui não se está falando de prerrogativas corporativistas, no sentido pejorativo, conforme são tratadas pelo senso comum e, algumas vezes, por defensores de tal metodologia. Mas prerrogativas que têm, dentre seus princípios, a atuação na perspectiva dos direitos humano-sociais, traduzida, nesse caso, no dever de atuar na proteção de direitos de crianças e adolescentes. Desnecessário descrever esse procedimento, considerando que está disseminado institucional e publicamente como ele já vinha sendo executado, antes mesmo da aprovação da lei, bem como o desrespeito do Judiciário aos Conselhos Profissionais de Serviço Social e de Psicologia ao suspender resoluções que emitiram no sentido de que a atuação em DSD é incompatível com os referenciais e atribuições pertinentes a essas profissões.2 2 Resolução CFESS nº 554/2009 (CFESS, 2009) e Resolução CPF 10/10 (CFP, 2010), ambas suspensas pela 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, em maio de 2013.

Apostura do Judiciário, incluindo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a recomendação n. 33/2010 (CNJ, 2010CNJ. Recomendação nº 33/2010. Recomenda aos tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Depoimento especial. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=878>. Acesso em: 15 mar. 2017.
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), do Legislativo e de instituições e pessoas ou organizações interessadas em entrar no mercado de capacitação de pessoal (terceirizada) para esse tipo de inquirição, foi de impor esse procedimento, sem canais de diálogo com organizações que o questionaram durante a tramitação do PL e ainda o questionam. Instalado em 23 tribunais, num total de 124 salas de "audiência sem dano", antes mesmo da aprovação do PL,3 3 Em 2016, o país somava 124 salas de "audiência sem dano, também chamada de escuta especial", indicando aumento de 285% em relação a 2011, quando foram listadas quarenta unidades em dezesseis estados (CNJ, 2016). esse tipo de inquirição, após tramitar no Congresso Nacional em regime de urgência, tornou-se objeto de lei específica em abril de 2017.

Trata-se de marco legal sobre a inquirição de crianças, visando normatizar e organizar "o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência... (art. 1º)", e estabelecer disposições sobre a necessária proteção a crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, o que, evidentemente, não se questiona aqui. A justificativa, no entanto, pautou sua necessidade sobretudo em razão da violência institucional/ vitimização secundária e repetida pela ineficiência do Estado no trato da questão: "Crianças e adolescentes são expostos à vitimização secundária, produzida pela ineficiência no trato da questão, e à vitimização repetida, quando ocorre mais de um incidente delitivo, ou ação ineficiente do Estado, ao largo de um período determinado..." (Câmara dos Deputados, 2015).

Para fazer frente a essa violência, os proponentes explicam que "com essa preocupação, estivemos em contato com magistrados, promotores de justiça, advogados e demais especialistas em direito e justiça da infância e adolescência para construir uma proposição legislativa que contemplasse as recomendações baseadas em normativas internacionais e na prática de tomada de depoimentos especiais em distintos países" (Idem).

Ao mesmo tempo que reconhecem a "vitimização secundária", produzida pela ineficiência do Estado, foram chamados para a construção do PL, em sua maioria, representantes da magistratura, Ministério Público e advogados4 4 Os colaboradores da construção do PL são: oito da área do Direito (quatro juízes, um representante do Ministério Público, um delegado, dois advogados); dois representantes institucionais do Unicef, um da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), um da Childhood, um da área da Psicologia e um da área da Antropologia (que não representavam suas organizações profissionais). (que contam com profissionais que, muitas vezes, revitimizam por não terem como preocupação central a proteção, e sim a constituição de provas para a responsabilização penal), ignorando a representação de categorias profissionais que atuam diretamente com essa população infantojuvenil - assistentes sociais e psicólogos (na justiça, na assistência social, na saúde) -, bem como o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

A Lei n. 13.431/2017 dispõe sobre o uso da "tomada de depoimento" para todos os tipos de violência sofridos por criança e adolescente - física, psicológica, sexual e institucional. Portanto, possivelmente para a maioria das situações que tramitam na Justiça da Infância e da Juventude e na Justiça da Família. Em relação à violência institucional, indica ser aquela "praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gere revitimização" (art. 4º, IV). E aqui vale questionar: quem controlará a violência institucional do Judiciário, da Segurança e de outras organizações, como unidades de acolhimento institucional, por exemplo? Como se dará o controle de eventuais atitudes autoritárias e preconceituosas que venham a ser praticadas por integrantes dessas instituições?

A lei estabelece que a criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência será ouvida por meio de "escuta especializada e depoimento especial",5 5 "Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado esse relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua atribuição" (art. 7º). Depoimento especial, por sua vez, é o "procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária" (art. 8º) (Brasil, 2017). a ser realizada por especialistas (que, na prática, são, na grande parte dos locais, assistentes sociais e psicólogos componentes das equipes técnicas), ainda que disponha que se trata de depoimento "perante autoridade policial ou judiciária"6 6 Este e demais grifos são nossos. (art. 8º). O artigo 12º, inciso II, refere que "fica assegurada à criança ou adolescente a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos". Evidencia-se, portanto, que essa inquirição colocará a criança como responsável pela produção da prova judicial nas situações em que ela figura como vítima ou testemunha de crimes, com vistas à punição do suposto autor da violência, e o profissional como responsável pela extração "técnica" da "verdade dos fatos".

O artigo 19 estabelece que "a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios poderão estabelecer, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Suas)", vários procedimentos, dentre eles a "elaboração de plano individual e familiar de atendimento, valorizando a participação da criança e do adolescente e, sempre que possível, a preservação dos vínculos familiares" (inciso I). Ao se tomar como pressuposto que as situações de violência seriam atendidas pelos Centros de Atendimento Especializado em Assistência Social (Creas), caberia aos profissionais que aí atuam articularem a elaboração desse plano? E fariam o atendimento de todas as pessoas/famílias envolvidas em situações de violência, independentemente da condição socioeconômica? Profissionais que, vale mencionar, atuam já no limite da capacidade das (poucas) unidades, com parcos recursos e, em grande parte dos municípios, com contratos de trabalho precarizado via terceirização de serviços.

O artigo 14 dispõe que "as políticas implementadas nos sistemas de justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde deverão adotar ações articuladas, coordenadas e efetivas, voltadas ao acolhimento e atendimento integral às vítimas de violência". E, ainda: "O poder público poderá criar programas, serviços ou equipamentos que proporcionem atenção e atendimento integral e interinstitucional às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, compostos por equipes multidisciplinares especializadas" (art. 16). Se for considerado que a quantidade e os recursos dos serviços socioassistenciais disponíveis não dão conta do atendimento com qualidade às demandas existentes e que esses serviços tendem a ser reduzidos em virtude da regressão dos direitos sociais em curso, qual o sentido dessa disposição? De quais serviços de fato se fala, onde estão, qual o horário de atendimento, que qualidade asseguram? E ainda: "Os programas, serviços ou equipamentos públicos poderão contar com delegacias especializadas, serviços de saúde, perícia médico-legal, serviços socioassistenciais, varas especializadas, Ministério Público e Defensoria Pública, entre outros possíveis de integração, e deverão estabelecer parcerias em caso de indisponibilidade de serviços de atendimento" (parágrafo único). Observa-se que o termo "poderão" permite que a integração nunca se efetive, além do mais, vale lembrar que após 27 anos de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Brasil, 1990BRASIL. Lei n. 8.069/1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.
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), a "integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Segurança Pública, Assistência Social, preferencialmente no mesmo local..." (disposto no inciso V/art. 88 do ECA), não recebeu, com raras exceções, investimentos para sua implementação e qualificação.

Sem desconsiderar a importância de políticas, programas e serviços apontados, voltados ao atendimento integral da criança, qual seria a efetiva preocupação em assegurá-los, se a necessidade desse atendimento já é objeto de várias legislações e normativas que poucos investimentos recebem para sua implementação, mas, ao contrário, tendem a ser minimizados com a atual regressão dos direitos sociais no país?

A esses avanços conservadores têm se colocado algumas resistências. Todavia, urge ainda a ampliação do debate e da mobilização frente às forças que avançam com esse e outros projetos de teor autoritário e de retrocesso de direitos. Durante o trâmite do PL, a Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AASPTJ-SP), alguns Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP), ainda que entendendo que ele deveria ser retirado, se empenharam em debates e embates tentando ao menos emplacar substitutivo ou emendas, visando assegurar em primeiro lugar a proteção de direitos de crianças e a proteção de direitos dos profissionais. Nesse sentido, mais de uma vez foi solicitado que a propositora do PL, e depois a relatora, organizassem audiências públicas para o debate, o que foi negado.

A psicóloga Esther Arantes (2016, p. 47 e 43)ARANTES, E. É suficiente recorrer à Convenção da ONU sobre os direitos da criança em detrimento da legislação nacional? Notas a propósito do Projeto de Lei nº 3.792, de 2015. Revista da Emerj, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 43-61, 2016. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista76/revista76.pdf> Acesso em: 3 abr. 2017.
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, em análise sobre o referido PL, inclusive junto ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), considerou que o depoimento especial visa instituir uma tecnologia de "extração da verdade", caindo "em inúmeros equívocos e incorreções conceituais, principalmente porque busca, a qualquer custo, colocar a criança como responsável pela produção de prova judicial, nos casos em que ela figura como vítima ou testemunha de crimes".

Uma das principais justificativas utilizadas pelos defensores do "depoimento especial" se apoia na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que estabelece em seu artigo 12 que: "Os estados partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente"; e que "será garantida a ela a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que a afete, quer diretamente, quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado" (Brasil, 1990a______. Decreto nº 99.710/1990. Brasília, 1990a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm>. Acesso em: 10 abr. 2017.
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). Ao analisar esse artigo e outros conteúdos da Convenção, verifica-se que ouvir a criança judicialmente é cabível sempre que ela queira fazê-lo, devendo ser avaliada em condições de idade e de maturidade para isso. E ser ouvida no processo judicial significa ser inquirida e/ou dar seu depoimento à autoridade judiciária (entenda-se, magistrado), que deve estar devidamente qualificada para fazê-lo. A procuradora de Justiça Maria Regina Azambuja, reportando-se a essa Convenção, observa que "o direito de participar e de ser ouvida são garantias da criança, o que não pode ser confundido com o dever de ser inquirida com o fim de produzir a prova de fato em que figura como vítima" (Azambuja, 2012AZAMBUJA, M. R. F. A interdisciplinaridade e o conteúdo dos laudos: instrumentos para a garantia da proteção da criança vítima da violência sexual. In: AASPTJ-SP e CRESS-SP (orgs). Violência sexual e escuta judicial de crianças e adolescentes: a proteção de direitos segundo especialistas. São Paulo: AASPTJSP/CRESS-SP, 2012., p. 27).

O promotor de Justiça Wanderlino Nogueira Neto, por sua vez, alerta que depoimento judicial é uma coisa e escuta profissional é outra: "A escuta judicial não existe para a categoria profissional [dos assistentes sociais e psicólogos], esta faz escuta profissional". Sua atuação não visa "extrair a verdade processual dos fatos", o que "cabe ao magistrado".7 7 Conforme pronunciamento realizado no V Encontro Estadual dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em novembro de 2012, em São Paulo (SP), promovido pela AASPTJ-SP.

Diante dessas argumentações e enfrentando a falsa dicotomia "a favor e contra" o "depoimento especial", cabe ao Serviço Social continuar defendendo e atuando na proteção de direitos de crianças e adolescentes vítimas de qualquer tipo de violência, avançando no trabalho cotidiano e em ações articuladas com outras áreas comprometidas com a proteção de direitos para que crianças e adolescentes recebam atenção em serviços de proteção devidamente instalados (nas áreas da saúde e da assistência social, por exemplo), por profissionais capacitados para lidar com a complexidade que envolve o fenômeno da violência, sem que necessitem ser inquiridos no espaço do Judiciário ou em outros espaços institucionais relacionados à "extração da verdade". Isso contribui, inclusive, para avaliar se a criança tem idade e maturidade para prestar depoimento judicial quando manifestar desejo de fazê-lo,8 8 Ver a respeito, Fávero, 2012. o que não significa ser contrário à responsabilização, que deve ser efetivada por meio da qualificação dos procedimentos investigativos policiais e judiciais, nos limites dos direitos humanos, conforme também alertou Wanderlino Nogueira Neto no referido evento.

Na perspectiva de proteção de direitos de crianças e adolescentes, fundamental também a análise de projetos de lei que pretendem agilizar processos de adoção e de destituição do poder familiar, sem que se tenha efetivado o devido investimento no seu direito à convivência familiar e comunitária, com prioridade para a família de origem, conforme prevê o ECA- em especial após sua alteração pela Lei n. 12.010/2009 (Brasil, 2009______. Lei nº 12.010/2009. Dispõe sobre a adoção. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm>. Acesso em: 8 mar. 2017.
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), fruto de conquistas após embates históricos contra propostas de retrocessos.

A assistente social e pesquisadora Rita Oliveira (2015)OLIVEIRA, R. C. S. No melhor interesse da criança? A ênfase na adoção como garantia do direito à convivência familiar e comunitária. 2015. Tese (Doutorado). Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social-PUCSP, São Paulo, 2015. Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/17745>. Acesso em: 5 mar. 2017.
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, em tese de doutorado, identificou a tramitação de uma série de PLs tratando da adoção, vários deles retrocedendo ao disposto na lei atual, tais como: legalização da adoção direta; adoção tardia a partir de três anos de idade - com solicitação de mudança para dois anos pela relatoria; desburocratização e eliminação de "entraves ao processo de adoção" - justificando que a legislação atual teria entraves, como "certa fixação com questão da família natural", por isso propõe que em lugar da "manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família, terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que esta será incluída em programas de orientação e auxílio", passe a constar: "no caso de criança e adolescente em risco afastados de família desestruturada, será instaurado imediatamente o processo de destituição do poder familiar"; previsão de que a preparação de adotantes seja em um mês, o estágio de convivência com prazo máximo de três meses e o acolhimento institucional no máximo de um ano; perda automática dos direitos de guarda de "menor" ou incapaz com base em comprovação por laudo médico (insanidade mental, uso de drogas ilícitas, dependência de substâncias alcoólicas, de drogas lícitas e de substâncias alucinógenas) e prática de crime hediondo (projeto este retirado após parecer pela rejeição).

Oliveira identificou,9 9 Informação a nós repassada por Rita Oliveira. posteriormente à conclusão da tese, que entre 2013 e 2016 foram apresentados à Câmara vinte projetos de lei objetivando modificar o ECA no que se refere à adoção/direito à convivência familiar e comunitária. O que pode levar à hipótese de que pessoas e organizações que não aceitaram as mudanças conquistadas pela luta de movimentos sociais com relação aos projetos que culminaram na Lei nº 12.010/2009 (Brasil, 2009______. Lei nº 12.010/2009. Dispõe sobre a adoção. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm>. Acesso em: 8 mar. 2017.
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),10 10 Lei que modificou o ECA e cujo projeto inicial visava agilizar a adoção de crianças, mas após mobilizações em defesa de direitos da criança e de adolescentes, foi aprovada com a maior parte dos conteúdos voltada ao direito da criança à convivência familiar e comunitária, preferencialmente com a família e comunidade de origem, e excepcionalmente em família substituta ou acolhidos em instituições. têm fragmentado as propostas relativas ao investimento na adoção a qualquer custo, e não na proteção social com vistas à prioridade da convivência com a família de origem - talvez visando facilitar trâmites e dificultar a articulação de organizações de defesa de direitos de crianças e de adolescentes contra esses projetos (que foi o grande entrave em relação aos projetos nessa linha que antecederam a Lei nº 12.010/2009).

Analisando esses projetos, Oliveira (2015, p. 164-167)OLIVEIRA, R. C. S. No melhor interesse da criança? A ênfase na adoção como garantia do direito à convivência familiar e comunitária. 2015. Tese (Doutorado). Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social-PUCSP, São Paulo, 2015. Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/17745>. Acesso em: 5 mar. 2017.
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concluiu que a temática criança, adolescente e família

é fértil para as mais absurdas expressões do senso comum e, portanto, de preconceitos de classe social, raça, etnia, gênero, faixa etária etc., inclusive por parte daqueles - do Legislativo, Judiciário e Executivo -, que, em tese, deveriam ser os responsáveis por assegurar proteção, defesa e promoção de direitos humanos desse segmento da população.

No final de 2016, o Ministério da Justiça, alegando a intenção de reunir vários projetos de lei em trâmite, elaborou um anteprojeto de lei (APL) também visando alterar o ECA em relação à adoção (MJ, 2017MJ. Minuta anteprojeto de lei de adoção. Brasília, 2017. Disponível em: <http://pensando.mj.gov.br/wpcontent/uploads/2017/02/Minuta_Redacao_final_APL_Adocao_-13022017.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2017.
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)11 11 MJ lançou consulta pública virtual a esse respeito e no início de 2017 divulgou a sua possível versão final. Em São Paulo, organizações e profissionais comprometidos com a defesa de direitos de crianças, adolescentes e famílias, atendendo chamado do Neca (Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente) debateram o anteprojeto e organizaram importante contribuição, com vistas a manter conquistas nesse campo. Entretanto, a maioria dos conteúdos do documento elaborado e encaminhado como contribuição a essa consulta pública não foi incorporada pelo MJ no texto final do APL. . Mais uma vez buscou-se priorizar a adoção de crianças como política pública em detrimento do investimento na efetivação de políticas e serviços que assegurem direitos humano-sociais às famílias para que tenham condições de cuidar de seus filhos sempre que desejarem fazê-lo, conforme estabelecido pelos marcos legais.

Ainda que o APL tenha conteúdos voltados à proteção de crianças, o que não se questiona aqui, vários de seus parágrafos dão margem a interpretações com base no senso comum e juízos de valor em relação à família de origem da criança (nuclear ou extensa), sem levar em conta a complexidade da realidade social vivida por ela, na qual se inclui o acesso (ou não) aos direitos sociais. Assim, propôs alterar o parágrafo 3º do artigo 19 do ECA, enfatizando que "a manutenção ou a reintegração de criança ou adolescente em seu núcleo familiar ou em sua família extensa deve ocorrer quando comprovada ser esta a solução que melhor atende ao seu superior interesse".

Considerando que o ECA é claro quanto à preferência da convivência da criança com a família e a necessidade de que esta seja incluída em programas de proteção, apoio e promoção quando necessitar, de forma a não perder o poder familiar,12 12 Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. § 1º Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção. Nesse sentido, é importante atentar para a Nota Técnica nº 01/2016, conjunta entre MS/MDS, sobre "Diretrizes, fluxo e fluxograma para a atenção integral às mulheres e adolescentes em situação de rua e/ou usuárias de álcool e/ou crack/outras drogas e seus filhos recém-nascidos" (MDS/M. Saúde, 2016). o que foi reforçado pela Lei nº 13.257/2016 - sobre as políticas públicas para a primeira infância (Brasil, 2016_______. Lei nº 13.257/2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância. 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm#art25>. Acesso em: 8 abr. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
), que dispôs, dentre outros, que "a manutenção ou a reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em serviços e programas de proteção, apoio e promoção" -, a mudança proposta no APL sinaliza para mais um retrocesso em relação ao dever do Estado de implementar políticas voltadas para assegurar atenção e direitos sociais ao conjunto da população e, no caso, particularmente à gestante e à mãe.

Percebe-se em seu texto a preocupação com a aceleração dos processos de adoção,13 13 Estabelece prazo para o processo de adoção de 120 dias, prorrogável uma única vez, ou seja, um prazo máximo de oito meses. o que implica a aceleração dos processos de destituição do poder familiar, sem considerar que cada situação familiar é diferente da outra, uma podendo demandar mais tempo que a outra para que seja analisada, e a família, que deseja cuidar da criança, inserida em programas de proteção, os quais já têm alcance limitado e tendem a ser ainda mais minimizados numa conjuntura de desmonte de direitos - com a aprovação, em 2016, da emenda à Constituição Federal que limita os gastos públicos (o que reduz investimentos na saúde, educação, assistência social, salário mínimo e outros), da aprovação da terceirização de todas as atividades das empresas, do desmonte dos direitos trabalhistas e dos previdenciários em vias de se efetivar, entre tantos.

Busca-se assegurar, portanto, o "superior interesse da criança", sem deixar claro o conceito que o embasa e sem reconhecer que direitos sociais são negados por várias gerações à ampla maioria das famílias que perdem o poder sobre seus filhos, bem como sem levar em conta a clara impossibilidade de que num curto prazo de tempo seja possível aos profissionais de equipes técnicas realizarem trabalho competente e consequente em relação ao conhecimento da família de origem, incluindo a extensa, e à articulação com a limitada rede socioassistencial para apoio quando necessário.

É evidente também a intenção de agilizar os processos de adoção com o trabalho de peritos contratados isoladamente14 14 O anteprojeto prevê que "na ausência ou insuficiência de servidores públicos integrantes do Poder Judiciário responsáveis pela realização dos estudos psicossociais ou quaisquer outras espécies de avaliações técnicas exigidas por esta lei ou por determinação judicial, a autoridade judiciária poderá proceder à nomeação de perito, nos termos do art. 156, da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil". para as avaliações de pais, mães e interessados na adoção, o que dá margem ao desmonte do que assegura o ECA, no sentido de que o Judiciário deve contar com equipe técnica própria15 15 ECA, art. 150: "Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude". . Aqui, abre-se possibilidade de formalizar a terceirização e a precarização desses serviços, o que pode, inclusive, não assegurar a mínima qualidade às avaliações, considerando os limites da ação de profissionais que atuarão pontualmente sobre a situação, e sem conhecimento das particularidades que envolvem processos de adoção. Não se percebe, portanto, preocupação em assegurar a presença de equipe técnica, qualificada, em todos os juízos. Ao contrário, abre caminho para a extinção das existentes, já que desobriga o Judiciário de realizar concursos públicos para prover essas equipes.

Com alguns conteúdos similares a esse APL,16 16 Até o momento da redação deste texto não havia notícias de apresentação do APL na íntegra ao Congresso Nacional como PL, mas tramitavam vários e outros foram apresentados com conteúdos similares às suas propostas. foi aprovado na Câmara dos Deputados, em setembro de 2017, o PL nº 5.850/2016,17 17 Substitutivo do deputado Sóstenes Cavalcante (Brasil, 2017). dispondo, entre outros, sobre a redução do período para habilitação de pessoas para adoção, redução do estágio de convivência para a adoção, conclusão do prazo de destituição do poder familiar em 120 dias, possibilidade de atuação de peritos contratados, pontualmente, para as avaliações18 18 Em 18 de outubro de 2017 foi protocolado no Senado outro Projeto de Lei - nº 394/207 -, do senador Randolfe Rodrigues (elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM), que dispõe sobre o Estatuto da Adoção. O projeto pretende, entre outros pontos, dispor sobre a limitação da busca dos "pais biológicos", pelo Judiciário, "cabendo à família extensa procurar as crianças/adolescentes institucionalizados" (IBDFAM, 2017). Ao retirar do ECA a medida de proteção adoção, o PLS ignora o paradigma da proteção integral que sustenta essa legislação. .

Considerando que crianças institucionalizadas ou colocadas em adoção são, em sua grande maioria, filhos de famílias que vivem em situação de pobreza e às quais o Estado não assegurou nenhuma proteção social, conteúdos dispostos nesses projetos tendem, portanto, a respaldar a retirada de crianças de suas famílias, que arcarão com a "culpa" por não reunirem condições materiais para cuidar dos filhos. Pesquisa em autos processuais de destituição do poder familiar demonstrou a barbárie social vivida por famílias que perdem o poder sobre os filhos, expressa em diversas formas de violência: violência social (pela condição de apartação social e, muitas vezes, como consequência de degradação humana devido à ausência de segurança do trabalho, da moradia e da alimentação); violência doméstica e intrafamiliar (entre adultos e de adultos para com crianças, não raro em decorrência da precariedade da condição social vivida, uso problemático de drogas, especialmente o crack, distúrbios mentais como resultado dessa condição precária de existência e de degradação e sofrimento humano); violência criminal (por envolvimento em disputas ou como vítimas do crime organizado); violência institucional, revelada por ações e manifestações preconceituosas por parte de atores institucionais - que, em muitas situações, consideram apenas a aparência imediata do "fato" e realizam "julgamentos", sem a análise crítica da realidade social que o envolve e o constrói - na qual se inclui, ainda que nos limites da sociedade burguesa, o acesso ou não dessa população a direitos sociais no momento vivido ou no seu percurso de vida (Fávero, 2014______. Pesquisa Realidade social, direitos e perda do poder familiar: desproteção social × direito à convivência familiar e comunitária. In: ______. (Coord.). Relatório final. São Paulo, mar. 2014. Disponível em: <http://www.aasptjsp.org.br/livro/realidade-socialdireitos-e-perda-do-poder-familiar>. Acesso em: 28 jan. 2017.
http://www.aasptjsp.org.br/livro/realida...
). Portanto, essa trágica realidade de banalização da vida da população pobre tende a se ampliar frente a essa e a tantas outras regressões de direitos em curso. E, no caso do Serviço Social, corre-se o risco de que profissionais da área, ao serem requisitados para emitir opinião sobre situações que envolvam adoção e destituição do poder familiar, contribuam para respaldar decisões de retirada da criança de famílias que vivem em situação de pobreza e sem acesso a direitos sociais, desenvolverem ações (estudos sociais e registros em relatórios ou laudos) que sinalizem, direta ou indiretamente, para a culpabilização das famílias pela precariedade das condições materiais de existência, as quais, como a pesquisa acima também demonstra, muitas vezes são apontadas nesses registros, ou interpretadas pelo representante do Ministério Público ou pelo magistrado, como "negligência".

Com isso não se pretende sacralizar as famílias, que em várias situações também podem violar os direitos das crianças, mas sinalizar que priorizar a adoção é desconhecer ou propositadamente ignorar a histórica apartação social que se amplia no país como a maior responsável pela entrega ou retirada de crianças de suas famílias, bem como afirmar que disposições já previstas no ECA sobre adoção e convivência familiar, bem como legislações afins, se recebessem investimentos para sua devida implementação, assegurariam a proteção de direitos de crianças, adolescentes e famílias, tanto a de origem como a substituta, se necessário. Porém isso depende de vontade política, orçamento adequado e efetivo compromisso com a proteção de direitos no marco dos direitos humanos. A título de exemplo: porque não investir na qualificação das equipes das unidades de acolhimento de crianças que carregam a maior responsabilidade no trabalho social com as famílias? Qualificação que inclua capacitação, remuneração e condições de trabalho dignas, evitando a rotatividade de profissionais e precarização do atendimento - cuja qualidade depende mais do esforço pessoal dos que lá atuam do que do real investimento, planejado e continuado, das administrações públicas/órgãos de assistência social do Estado.

Resistir à avalanche de retrocessos que o capital vem impondo à população trabalhadora em relação às conquistas sociais históricas (ainda que boa parte não implementadas), dentre as quais as apontadas neste texto, é dever ético dos assistentes sociais - no exercício do trabalho cotidiano e na luta política organizada, sob o risco de que a profissão venha a ser engolida por eles e se torne uma "fazedora de tarefas" determinadas pelo poder burguês em suas várias instâncias, sem qualquer perspectiva crítica e sem autonomia para direcionar o trabalho com base nas diretrizes e princípios que dão suporte ao projeto ético-político da profissão na atualidade.

A necessária resistência no trabalho cotidiano e na luta coletiva

Postas as questões anteriores, que já chegam ou poderão vir a chegar como demandas nos espaços de trabalho do sociojurídico, e tomando por suposto o entendimento da dimensão central da "natureza" coercitiva e impositiva do Judiciário, a serviço de interesses dominantes, faz-se necessária a reflexão sobre possibilidades de resistências.

A direção social que o assistente social imprime ao seu trabalho, particularmente no Judiciário, alinha-se a um projeto profissional conectado com a ética, a democracia, a justiça social? Ou aos interesses dessa instituição estatal, que detém o poder de decisão e de garantia de direitos - e pode ser acionada pela população trabalhadora para acessá-los -, mas, e sobretudo, detém o poder de coerção, de julgamento, de responsabilização penal? Ele tem clareza - nos atendimentos e avaliações que realiza, na opinião profissional que emite verbalmente ou em relatórios, laudos, pareceres - dos processos ideológicos e culturais que formam e conformam a postura profissional, bem como das relações de forças e de saber/poder que permeiam o cotidiano de trabalho nesse espaço sócio-ocupacional?

É sabido que a responsabilização e a culpabilização de indivíduos e famílias por situações de desproteção social e de "risco"19 19 Entende-se, usualmente, como "situação de risco" aquela em que o(s) sujeito(s) tem(têm) direitos violados, no plano das diversas expressões da violência e/ou da desproteção social. vividos têm se acentuado e tendem a ser ampliadas na atual conjuntura de desmonte de direitos e de banalização da vida humana, levando a que cada vez mais se requeiram avaliações sociais para subsidiar decisões judiciais no âmbito da Justiça da infância e juventude, da família, de idosos, da violência doméstica, da área criminal. Requisições que vão para além desses espaços do Judiciário, pois tem sido cada vez mais frequente a solicitação, quando não a determinação judicial da realização de "vistorias/visitas/constatações" a serviços vinculados à área da assistência social, como Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS etc., para que seus profissionais realizem estudos sociais e remetam relatórios ao Judiciário (em situações de acolhimento de crianças, adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, violência contra idosos etc.)20 20 Devido a questionamentos acerca do que se entendeu como ingerência do Poder Judiciário na esfera da definição e execução de serviços da Política de Assistência Social, foi realizada e divulgada pesquisa, no âmbito federal, expondo tal situação. Ver: As relações entre o Sistema Único de Assistência Social - Suas e o Sistema de Justiça. (MJ/Ipea, 2015). A SNAS/MDS também emitiu a Nota Técnica nº 02/2016, tratando do assunto (SNAS/MDS, 2016). .

Diante das expressões concretas de barbárie social que se manifestam no dia a dia sob variadas faces, não é possível ao assistente social dar conta isoladamente de enfrentá-las - o que exige, entre outros, a ação política e profissional coletiva. Mas cabe a ele, no trabalho cotidiano, assumir a dimensão investigativa da profissão; estabelecer relação entre a expressão concreta da questão social com a qual se depara no dia a dia e sua construção histórico-social, inserindo-a no campo dos direitos humanos.

Frente aos avanços da judicialização das expressões da questão social, o estudo social - e suas várias traduções, como perícia social, parecer social, avaliação social etc. - tem sido recurso demandado institucionalmente ou proposto pelos assistentes sociais para subsidiar acesso a direitos ou para, contraditoriamente ao projeto profissional, revelar a "verdade dos fatos" com vistas à constituição de "provas" para ancorar punições a potenciais violadores de direitos. O documento do CFESS, ''Atuação de assistentes sociais no sociojurídico'', ao sistematizar informações trazidas pelos assistentes sociais de diversos espaços que compõem essa área, observa que "o estudo social é, historicamente, a maior demanda de atribuição ao/à assistente social no sociojurídico" (CFESS, 2014CFESS. Atuação de assistentes sociais no sociojurídico - subsídios para reflexão. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/CFESSsubsidios_sociojuridico2014.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2017.
http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs...
, p. 24), ou seja, "a avaliação e a perícia em Serviço Social" é a atribuição mais presente em todas as regiões do país e na maioria desses espaços sociocupacionais, com maior concentração no Judiciário.

Por meio da construção desse estudo, coloca-se uma das possibilidades de concretizar práticas de resistência nesses espaços, numa atuação com competência teórica, metodológica e técnica que contribua para acessar e assegurar direitos, em sintonia com os princípios éticos que alicerçam o projeto profissional hegemônico no Serviço Social na atualidade. Ou, contrariamente, podem ser reforçadas requisições conservadoras de controle e de disciplinamento moralizador da vida privada da população, a serviço da ordem capitalista, que alicerçaram originalmente as bases e as práticas desse estudo.

No desenvolvimento do estudo social se faz necessário o entendimento, pelo profissional, de que na intervenção não lhe cabem atribuições inquisitoriais, com vistas à confissão ou à "verdade" do "fato" gerador do processo para, no caso do Judiciário, subsidiar eventual punição ao acusado de um crime, ou a garantia ou não de um direito. O registro desse estudo em relatórios ou laudos é demandado pela instituição judiciária geralmente como mais uma "prova" (pericial) para subsidiar a análise da situação pelo promotor, defensor e magistrado, podendo servir de base para a decisão a ser tomada por este em relação à ação em análise ou julgamento. Essa é uma questão polêmica, pois essa atuação não tem - ou não deveria ter - a intenção de constituir "prova" (isto é, se algum "fato" aconteceu ou não, se o sujeito é "culpado ou não", se diz ou não a "verdade" etc.) para a ação judicial. Mas o relatório ou laudo social é assim visto pelos chamados operadores do Direito21 21 Denominam-se usualmente como operadores do Direito o magistrado, o defensor, o promotor, estritamente em virtude de sua formação na área do Direito e suas atuações nos espaços do Sistema de Justiça. . Então, existe a demanda e a intencionalidade institucional, bem como a postura e a intencionalidade profissional. É certo que essas últimas, devidamente fundamentadas, devem prevalecer no direcionamento da ação profissional. Isso é, o assistente social necessita ater-se às particularidades de sua área de formação no desenvolvimento de seu trabalho, não se colocando em posição subalterna ao mandante institucional (em grande parte das vezes seu superior hierárquico/administrativo). Nesse sentido, a discussão da subalternidade profissional do assistente social nessa área também merece atenção, levando em conta os fatores histórico-culturais que a (retro)alimentam e que na instituição judiciária se apresentam com lente ampliada pela sua função precípua de manutenção da ordem social burguesa, ausência de previsão de organizações de controle social em relação a ela, e prerrogativas decisórias em relação à vida das pessoas, o que lhe confere autoridade não raro traduzida em autoritarismo. Assim, articuladas às reflexões sobre subalternidade, a questão ideológica e a (re)produção de valores que fomentam relações de mando e obediência,22 22 Chauí, em Brasil: mito fundador e sociedade autoritária (2000), discute a hierarquização e a verticalização da sociedade brasileira, uma sociedade autoritária, perpassada por relações de mando e obediência. afinados com os ditames neoliberais, se colocam como fundamentais para pensar o trabalho nessa área e respaldar intervenções e ações de resistência.

Diante da complexidade das experiências de vida dos sujeitos com os quais o assistente social trabalha, a intervenção profissional consequente e competente - teórico-metodológica, ético-política e técnica - pode contribuir para a viabilização de direitos, mas, de maneira isolada não dá conta, evidentemente, de sua ampla dimensão. Isso exige que os profissionais não sejam ingênuos frente às potencialidades do seu trabalho, tampouco messiânicos ou fatalistas, se colocando, - nesse cotidiano em que predominam a barbárie vivida pelos sujeitos e geralmente condições de trabalho precárias -, como "salvadores" de crianças, ou então, que "nada podem fazer".

O enfrentamento das requisições conservadoras frente à não efetivação de direitos e sua evidente regressão, com uma direção dada por princípios compromissados com a defesa dos direitos humanos (numa perspectiva emancipatória), exige um fazer no meio judiciário que se proponha a ir além dos ritos processuais, integrando ações interdisciplinares e em rede e ações coletivas no campo da luta política - por meio de organizações representativas da categoria e em articulação com outras organizações coletivas de trabalhadores, de maneira a fazer contraponto radical à produção e reprodução da barbárie social e de banalização da vida humana.

Assim como é fundamental investir na produção de conhecimentos com base nas demandas e nas práticas do cotidiano, é imprescindível a inserção dessa dimensão investigativa no trabalho cotidiano, inserindo a pesquisa como parte dos processos de trabalho e socializando seus resultados, contribuindo com avanços qualitativos no exercício profissional e como suporte à luta política. É importante que a universidade viabilize pesquisas e estudos críticos sobre essa área. Mas, além da academia, é possível organizar estudos e debates críticos nos espaços de atuação, como parte do trabalho cotidiano.

Nos tempos atuais, falar em direitos humanos e em uma nova ordem societária, sem exploração de classe, gênero e etnia, como defende o Serviço Social, tem gerado cada vez mais reações preconceituosas, agressivas e violentas. Daí a necessidade do redobrado cuidado com o desenvolvimento de ações fundamentadas, tanto profissionais como no âmbito das lutas sociais coletivas, que de fato contribuam para assegurar voz, como sinônimo de participação, aos sujeitos sociais com quem o assistente social trabalha - sem a pretensão de substituí-las.

Mais do que nunca é necessário estabelecer estratégias para não só levar a bandeira, mas efetivar ações com qualidade profissional e política contra o desmonte da seguridade social (no seu sentido amplo), contra a barbárie e a banalização da vida humana. E, como indica o documento CFESS Manifesta, de 26/8/16, é imprescindível que o assistente social não perca de vista a busca do "desenvolvimento do trabalho profissional na perspectiva de fortalecer, junto aos/às usuários/as, a noção de direito social, e a necessidade da ação coletiva em sua defesa" (CFESS, 2016______. CFESS Manifesta - contra o desmonte da Seguridade Social. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/2016-CfessManifesta-NaoAoDesmonteSeguridade.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2017.
http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs...
).

  • *
    Parte deste texto foi base de palestra em Plenária do XV Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, em Olinda (PE). Plenária compartilhada com a profa. dra. Sílvia Tejadas.
  • 1
    Projeto de lei de autoria da deputada Maria do Rosário e outros.
  • 2
    Resolução CFESS nº 554/2009 (CFESS, 2009CFESS. Resolução CFESS nº 554/2009. Dispõe sobre o não reconhecimento da inquirição das vítimas crianças e adolescentes no processo judicial, sob a metodologia do depoimento sem dano como sendo atribuição ou competência do profissional assistente social. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/Resolucao_CFESS_554-2009.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2017.
    http://www.cfess.org.br/js/library/pdfjs...
    ) e Resolução CPF 10/10 (CFP, 2010CFP. Resolução CPF n. 10/10. Institui a regulamentação da escuta psicológica de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência, na Rede de Proteção. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2010/07/resolucao2010_010.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2017.
    http://site.cfp.org.br/wp-content/upload...
    ), ambas suspensas pela 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, em maio de 2013.
  • 3
    Em 2016, o país somava 124 salas de "audiência sem dano, também chamada de escuta especial", indicando aumento de 285% em relação a 2011, quando foram listadas quarenta unidades em dezesseis estados (CNJ, 2016______. Salas especiais para ouvir crianças e adolescentes chegam a 23 tribunais. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82952-salas-especiais-paraouvir-criancas-e-adolescentes-chegam-a-23-tribunais>. Acesso em: 2 fev. 2017.
    http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82952...
    ).
  • 4
    Os colaboradores da construção do PL são: oito da área do Direito (quatro juízes, um representante do Ministério Público, um delegado, dois advogados); dois representantes institucionais do Unicef, um da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), um da Childhood, um da área da Psicologia e um da área da Antropologia (que não representavam suas organizações profissionais).
  • 5
    "Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado esse relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua atribuição" (art. 7º). Depoimento especial, por sua vez, é o "procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária" (art. 8º) (Brasil, 2017_______. Lei nº 13.431/2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência; altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e dá outras providências. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm>. Acesso em: 18 out. 2017.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ).
  • 6
    Este e demais grifos são nossos.
  • 7
    Conforme pronunciamento realizado no V Encontro Estadual dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em novembro de 2012, em São Paulo (SP), promovido pela AASPTJ-SP.
  • 8
    Ver a respeito, Fávero, 2012FÁVERO, E. Serviço Social e proteção de direitos de crianças vítimas de violência sexual: considerações sobre a escuta profissional e o depoimento judicial. Revista Conexão Geraes, Belo Horizonte, nº 02, ano 1, 2012. Disponível em: <http://www.cress-mg.org.br/arquivos/Revista-2.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2017.
    http://www.cress-mg.org.br/arquivos/Revi...
    .
  • 9
    Informação a nós repassada por Rita Oliveira.
  • 10
    Lei que modificou o ECA e cujo projeto inicial visava agilizar a adoção de crianças, mas após mobilizações em defesa de direitos da criança e de adolescentes, foi aprovada com a maior parte dos conteúdos voltada ao direito da criança à convivência familiar e comunitária, preferencialmente com a família e comunidade de origem, e excepcionalmente em família substituta ou acolhidos em instituições.
  • 11
    MJ lançou consulta pública virtual a esse respeito e no início de 2017 divulgou a sua possível versão final. Em São Paulo, organizações e profissionais comprometidos com a defesa de direitos de crianças, adolescentes e famílias, atendendo chamado do Neca (Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente) debateram o anteprojeto e organizaram importante contribuição, com vistas a manter conquistas nesse campo. Entretanto, a maioria dos conteúdos do documento elaborado e encaminhado como contribuição a essa consulta pública não foi incorporada pelo MJ no texto final do APL.
  • 12
    Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. § 1º Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção. Nesse sentido, é importante atentar para a Nota Técnica nº 01/2016, conjunta entre MS/MDS, sobre "Diretrizes, fluxo e fluxograma para a atenção integral às mulheres e adolescentes em situação de rua e/ou usuárias de álcool e/ou crack/outras drogas e seus filhos recém-nascidos" (MDS/M. Saúde, 2016MDS/MSAÚDE. Nota técnica nº 01/2016. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/legislacao/bolsa_familia/nota_tecnica/nt_conjunta_01_MDS_msaude.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2017.
    http://www.mds.gov.br/webarquivos/legisl...
    ).
  • 13
    Estabelece prazo para o processo de adoção de 120 dias, prorrogável uma única vez, ou seja, um prazo máximo de oito meses.
  • 14
    O anteprojeto prevê que "na ausência ou insuficiência de servidores públicos integrantes do Poder Judiciário responsáveis pela realização dos estudos psicossociais ou quaisquer outras espécies de avaliações técnicas exigidas por esta lei ou por determinação judicial, a autoridade judiciária poderá proceder à nomeação de perito, nos termos do art. 156, da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil".
  • 15
    ECA, art. 150: "Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude".
  • 16
    Até o momento da redação deste texto não havia notícias de apresentação do APL na íntegra ao Congresso Nacional como PL, mas tramitavam vários e outros foram apresentados com conteúdos similares às suas propostas.
  • 17
    Substitutivo do deputado Sóstenes Cavalcante (Brasil, 2017_______. Lei nº 13.431/2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência; altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e dá outras providências. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13431.htm>. Acesso em: 18 out. 2017.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ).
  • 18
    Em 18 de outubro de 2017 foi protocolado no Senado outro Projeto de Lei - nº 394/207 -, do senador Randolfe Rodrigues (elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM), que dispõe sobre o Estatuto da Adoção. O projeto pretende, entre outros pontos, dispor sobre a limitação da busca dos "pais biológicos", pelo Judiciário, "cabendo à família extensa procurar as crianças/adolescentes institucionalizados" (IBDFAM, 2017IBDFAM. Projeto de lei que dispõe sobre o Estatuto daAdoção, idealizado pelo IBDFAM, protocolado no Senado Federal. 2017. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6471/Projeto+de+Lei+que+disp%C3%B5e+sobre+o+Estatuto+da+Ado%C3%A7%C3%A3o%2C+idealizado+pelo+IBDFAM%2C+%C3%A9+protocolado+no+Senado+Federal#.We3VRCec1lA.email>. Acesso em: 23 out. 2017.
    http://www.ibdfam.org.br/noticias/6471/P...
    ). Ao retirar do ECA a medida de proteção adoção, o PLS ignora o paradigma da proteção integral que sustenta essa legislação.
  • 19
    Entende-se, usualmente, como "situação de risco" aquela em que o(s) sujeito(s) tem(têm) direitos violados, no plano das diversas expressões da violência e/ou da desproteção social.
  • 20
    Devido a questionamentos acerca do que se entendeu como ingerência do Poder Judiciário na esfera da definição e execução de serviços da Política de Assistência Social, foi realizada e divulgada pesquisa, no âmbito federal, expondo tal situação. Ver: As relações entre o Sistema Único de Assistência Social - Suas e o Sistema de Justiça. (MJ/Ipea, 2015MJ/IPEA. As relações entre o Sistema Único de Assistência Social - Suas e o Sistema de Justiça. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) Ipea, 2015. (Pensando o Direito, 58).). A SNAS/MDS também emitiu a Nota Técnica nº 02/2016, tratando do assunto (SNAS/MDS, 2016SNAS/MDS. Nota técnica nº 02/2016. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/NotaTecnica_SUAS_Sistema%20de%20Justica_2016.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2017.
    http://www.mds.gov.br/webarquivos/public...
    ).
  • 21
    Denominam-se usualmente como operadores do Direito o magistrado, o defensor, o promotor, estritamente em virtude de sua formação na área do Direito e suas atuações nos espaços do Sistema de Justiça.
  • 22
    Chauí, em Brasil: mito fundador e sociedade autoritária (2000), discute a hierarquização e a verticalização da sociedade brasileira, uma sociedade autoritária, perpassada por relações de mando e obediência.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2017
  • Aceito
    17 Out 2017
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