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Cadastro Único: identidade, teste de meios, direito de cidadania

Cadastro Único: identity, means of testing, citizenship rights

Resumo:

Em 2001, o Governo Federal instalou o Cadastro Único, banco nacional de dados de famílias pobres. Um membro da família comparece a um CRAS, ou similar, e realiza o cadastro. Está em curso o uso de aplicativo que permita ao cidadão cadastrar-se de modo remoto. Essa alteração, nominada de robotização, tem gerado fortes debates. Este artigo insere no debate argumentos sobre as funcionalidades do CadÚnico, relativos a direitos de cidadania e à gestão de políticas sociais.

Palavras-chave:
CadÚnico; Focalização; Teste de meios; Controle do pobre; Direito de cidadania

Abstract:

In 2001, the Federal Government installed the Cadastro Único, a national database of poor families. A family member comes to a CRAS, or similar, and performs the registration. The use of an application that allows citizens to register remotely is in progress. This change, called robotization, has generated strong debates. This article inserts into the debate arguments about the features of CadÚnico, related to citizenship rights and the management of social policies.

Keywords:
CadÚnico; Focalization; Means of testing; Control of the poor; Citizenship rights

1. Pontos de partida

A divulgação, pela mídia digital, de que a provisão de informações para o preenchimento do Cadastro Único (CadÚnico) - base de dados populacionais -se daria diretamente pelo cidadão por meio de um aplicativo ou site desencadeou fortes debates neste início de 2021. Reações, de diversos calibres, geraram muitas inquietações sem, contudo, deixar clara qual seria a potência desse banco de dados para a garantia de direitos dos cidadãos e para a qualificação de políticas sociais. Por certo, não seria correto afirmar que cidadãos, por conta de ser considerados de baixa renda, uma sujeição de classe social, estariam privados de acessar aplicativos ou sites. Os reclamos foram incidentes junto a coletivos ligados ao SUAS.

Argumentos queixosos quanto à necessidade de acolher as fragilidades do manuseio digital foram marcantes, percebendo-se a ausência de explicações sobre a funcionalidade do CadÚnico para os direitos sociais. Diga-se logo que ele é uma ferramenta direcionada à gestão estatal. Descrevê-lo é dizer de uma ferramenta destinada a focalizar famílias, pela sua renda per capita, distinguindo-as entre pobres miseráveis. Cadastrar-se oferece ao cidadão uma declaração de cadastrado, que pode usar como um documento. As manifestações pouco se ativeram a demonstrar a importância do CadÚnico para o cidadão (se é que assim a entendem). O ruído foi muito para pouca explicação quanto à alteração de forma na inserção de dados. A manifestação tinha, porém, total sentido quanto à unilateralidade da prática de alterações em processos assentados em relações federativas.

O que de fato estaria em questão? Por certo não seria só o uso da tecnologia. Ela já estava presente, era uma alternativa para manter o distanciamento social exigido como cuidado sanitário preventivo em face da pandemia do coronavírus - covid-19.

Em 2001, foi introduzido na burocracia federal um banco de dados direcionado à população de baixa renda, nominado Cadastro Único, operado com a Caixa Econômica Federal (CEF). Seu objetivo era gerar referências para políticas de superação de desigualdades sociais.

Contar com informes territorializados de demandas sociais, em todo o país, foi sempre uma potência do conteúdo do CadÚnico que, todavia, permaneceu em seus 20 anos de existência sob baixa visibilidade e aplicação pelas políticas sociais. Sua funcionalidade localizadora de demandas coletivas não recebeu tanto apoio quanto ao interesse governamental sobre o per capita dos membros de uma família. Após duas décadas, cabe a pergunta: quais são as políticas sociais que se apoiam nos dados coletados pelo CadÚnico e garantem direitos de cidadania?1 1 Atente-se que não se está indagando sobre quem procede a inserção de dados no CadÚnico. Essa é uma questão quanto ao modo de inserção de dados, se presencial ou remota, aqui se indaga quanto ao manuseio dos dados já inseridos no CadÚnico.

O CadÚnico, como um abrangente teste de meios, foi sempre valorizado, ainda que essa direção não seja o reconhecimento de direitos iguais de cidadania e sim uma forma de o Estado agir parcial e focalizadamente. O controle governamental, pautado na desconfiança dos pobres, associou ao CadÚnico uma política de austeridade, colocando regularmente as informações à prova pela comparação com outras bases de dados. Por consequência, provocando punições ao cidadão nos programas que o utilizam.

Esta reflexão extrapola o debate sobre a forma de inserção de dados no CadÚnico, direcionando-a para a presença da funcionalidade do Sistema Nacional do Cadastramento Único para Programas Sociais na afirmação de direitos sociais de cidadania.

Busca-se ampliar argumentos sobre o tema, com o apoio em análises e informações coletadas, em janeiro de 2021, por meio de intercâmbio digital com pesquisadores do NEPSAS (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social do PPGSS/PUC-SP.2 2 Pesquisadores e consultores contatados: Abigail Torres, Bruna Carnelossi, Maria do Rosario Salles Gomes, Luis Regules, Isaura de Mello Castanho. Equipe -Estudo de Campo: Mariana Santos, Felipe Gouveia, Paula Leão, Lucineia Souza, Lucivaine Saraiva, Alan Farley, Thérèse Messih, Antonia Oliveira, Raquel Costa, Thiago Lima, Henrique Silva, Fabiana Gianetti. Ressalte-se a colaboração de Raquel Costa e Thiago Lima na obtenção de informações sobre a gestão do CadÚnico para o desenvolvimento deste estudo.

2. Curtas memórias

Criado há duas décadas, em 24 de julho de 2001, pelo Decreto Presidencial n. 3.877 de Fernando Henrique Cardoso, o Cadastramento Único para Programas Sociais, popularizado como CadÚnico, desde seu nascer foi afirmado como uma ferramenta de focalização que, a partir da caracterização socioeconômica, identifica as famílias cujo per capita é de até ½ salário mínimo e o ganho familiar de até três salários mínimos, seriam as “famílias brasileiras de baixa renda”.3 3 Atente-se que a renda do agregado familiar não se identifica com a POF-IBGE, de âmbito urbano e amostral, que avalia as estruturas de consumo, de gastos, de rendimentos e variação patrimonial das famílias, oferecendo um perfil das condições de vida da população a partir da análise dos orçamentos domésticos. Note-se que esses valores consideram o ganho do agregado familiar, mas não levam em conta o orçamento familiar, isto é, as despesas da família. Dessa forma, o CadÚnico opera com uma hipótese que não leva em conta o custo de vida ou que a vida não tem custo para quem tem baixa renda.

Parece que o CadÚnico preserva uma posição neutra na coleta de dados que não ingressa nas condições objetivas reais de vida, não adjetiva a precariedade da família. Sob essa concepção, os programas sociais se distanciam do per capita de ½ salário mínimo per capita. O Programa Bolsa Família opera com 89 reais para miserabilidade e 178 reais para pobreza, isto é, 8% e 16% do salário mínimo. Considerando pela lei que o CadÚnico é base para os programas sociais, isso não poderia ocorrer.

Como se conclui, embora o CadÚnico considere para inserção como família de baixa renda o per capita de até ½ salário mínimo, e total de renda familiar de até 3 salários mínimos, os programas sociais não adotam tais valores como parâmetros aplicáveis. Reduzem esses valores referenciais ao delimitar seu alcance e se orientam para incluir tão só os miseráveis, ou os muito menos do que pobres, e muito distantes do que seriam os “não pobres”.

Para a CEF, o CadÚnico é um conjunto de informações sobre as famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza, ou dos que ganham até meio salário mínimo por pessoa, ou até três salários mínimos de renda mensal ​total.4 4 Um conjunto de normas regulamentadoras pode ser acessado em “Coletânea da Legislação Básica do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família”, disponível em: https://fpabramo.org.br/acervosocial/wp-content/uploads/sites/7/2017/08/508.pdf. Note-se que aqui a CEF não torna objetivo o que seria o ganho de uma família em situação de extrema pobreza.5 5 O estudo socioeconômico relativo a indivíduos e no âmbito do Estado sempre foi de trato específico de profissionais de Serviço Social que os assentavam em prontuários. Isso se baseia no fato de que realizar estudo socioeconômico é uma atribuição do profissional assistente social pelo Código de Regulamentação dessa profissão. Entende-se que essa expressão merece revisão, o correto seria estudo social, pois deve considerar despesas, condições do território onde vive, relação de dependência, exploração, discriminação e de desproteção social. Há, sem dúvida, uma contradição nesse conteúdo, pois o compromisso ético-político da profissão defende direitos humanos e sociais, o que implica acesso universal, o que se distancia de práticas compensatórias fundadas na pobreza. O CadÚnico introduziu um novo formato no trato de informações sociais, elas deveriam ser digitalizadas (o que não era usual, nos órgãos públicos) e inseridas em um sistema central comandado pela Caixa Econômica Federal (CEF). Sua guarda não seria mais em um arquivo de aço com prontuários localizados na sala de trabalho de um assistente social.

Note-se que não se previa ou normatizava, nesse dispositivo de 2001, a lógica de coleta de dados individuais, distinguindo em uma família o provedor e os dependentes, como opera a coleta de dados do Imposto de Renda Pessoa Física. O conceito familiar de “agregado pobre” iguala adultos, crianças, idosos, pessoas com deficiência, sãos e doentes na precariedade e não em direitos. Todos são tidos como provedores solidários que devem trabalhar e informar seu ganho. Não se destaca a razão de dependência entre os membros de um “agregado pobre”. A soma dos ganhos no mês é dividida entre todos, e o resultado6 6 Trata-se de uma medida de mercado que mede consumo, e não bem-estar dos membros de uma família. Esse reconhecimento e enquadramento por per capita familiar e não por necessidade têm sido continuamente judicializados no acesso ao benefício do BPC. Esse modo de classificação impede a leitura de direitos, por exemplo, de crianças e adolescentes, de idosos, de pessoas com deficiência, entre outros. é o per capita familiar. É necessário considerar a descontinuidade de renda em face da ausência do assalariamento e a descontinuidade do trabalho informal, de modo a calcular a razão de dependência, e de provisão, entre os membros de uma mesma família. Esta passa a ser identificada pelo seu per capita. O CadÚnico fortaleceu essa leitura da cotização.7 7 A redução do significado de cada membro da família pode ser verificada ainda na própria distribuição de benefícios do Programa Bolsa Família, ele não reconhece os direitos de cada membro e estabelece um dado número de benefícios a conceder por família.

Foi o Decreto n. 6.135, de 26 de junho de 2007, 8 8 Em 24 de outubro de 2001, novo Decreto (sem número) estabeleceu um Grupo de Trabalho Interministerial, junto à Casa Civil, para orientar os municípios como deveriam proceder para a coleta de dados. Os dois Decretos de 2001, o de n. 3.877 e o sem número, foram revogados pelo Decreto n. 6.135, de 26 de junho de 2007, primeiro ano do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. que estabeleceu os limites de renda para o CadÚnico em seu art. 4º, inciso II, designando família pobre como: “a) aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo; ou, b) a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos. 9 9 A partir de 2011, o CadÚnico recebe pelo MDS uma sucessão de portarias reguladoras: Portaria n. 177, de 16 de junho de 2011, que detalha a gestão do CadÚnico; Portaria n. 10 de 30 de janeiro de 2012, que disciplina os critérios e procedimentos para a disponibilização e a utilização de informações contidas no CadÚnico; e Portaria n. 94 de 4 de setembro de 2013, que dispõe sobre o processo de averiguação das informações cadastrais.

O modo de conceber a funcionalidade do CadÚnico pela esfera federal é por meio de um banco de dados, sendo estes colhidos junto aos cidadãos, de forma presencial, por trabalhadores municipais do SUAS. Na concepção de órgãos do governo federal que operam o CadÚnico, ele é uma ferramenta para selecionar pré-requisitos para uma família ser incluída em um benefício ou atenção federal. A Coordenação Nacional do CadÚnico e do Programa Bolsa Família (CCUPBF) o define como um instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, que pode ser utilizado para diversas políticas e programas sociais voltados a esse público. No caso, uma funcionalidade seletiva similar a moldes bancários: seleciona requerentes por meio de fórmulas operadas pelo sistema que deles extrai os traços homogêneos.

É importante recordar e sublinhar que ter o CadÚnico, como é usual em programas sociais, embora seja uma exigência para entrar, não garante o acesso à atenção. Assim, o CadÚnico se torna uma fonte de informação sobre o represamento de demandas, ou o número territorializado de cadastrados, mas não incluídos. Nessa passagem de condição de agregados familiares a uma coletividade, o CadÚnico pode ser uma fonte de informações sobre a população de um território.

A operação federal do CadÚnico não caracteriza necessidades, mas agregados familiares com baixo per capita, há um suposto de homogeneidade que não inclui especificidades do viver de cada família. No caso do Programa Bolsa Família, fica patente esse descolamento da necessidade. Os benefícios são dirigidos a alguns membros das famílias. A focalização se centra em avaliação de renda para consumo-padrão no mercado.

Do ponto de vista do SUAS e da PNAS-04, cabe indagar: os dados coletados nos formulários do CadÚnico permitem conhecer as necessidades de proteção social de uma família? Caso não tenha tal funcionalidade, o modelo de CADÚnico não interessa ao SUAS. Assistência Social, política de seguridade social, é garantia de proteção social e não mitigação de miséria. Sua perspectiva é a garantia de direitos sociais.10 10 A análise do conteúdo do CadÚnico para proteção social é de significativa importância, caso contrário, ele seria uma ferramenta que levaria a termo a condição restritiva da política de assistência social, conduzida para o pobre e indigente, afastando os serviços socioassistenciais da provisão universal. Nessa perspectiva, não há sentido exigir de usuários de serviços socioassistenciais a inserção no CadÚnico. Interessante notar que os serviços de convivência ao idoso têm posição claramente contrária a essa exigência.

Resta indagar: quais informações extraídas do CadÚnico sustentam ação de vigilância da demanda e para quais políticas?

O Sistema CadÚnico está concentrado na União, no Ministério da Cidadania (MC), que processa com a Caixa Econômica Federal todos os dados, mantendo-os em formato familiar. Esses dados têm vigência de dois anos, devendo ser atualizados pela família bienalmente; caso não faça, é penalizada com exclusão do CAD e perda do benefício.

O Decreto n. 10.357, de 20 de maio de 2020, instalou no MC a Secretaria Nacional do CadÚnico, separando sua gestão da SENARC (Secretaria Nacional de Renda de Cidadania). Esse ato mostrou a orientação do governo Bolsonaro em institucionalizar a independência de gestão do CadÚnico do Programa Bolsa Família (PBF). Distancia-se do Orçamento Federal da Assistência Social ao se afastar da burocracia do PBF. Há 10 meses foi instalada silenciosamente no Governo Federal a Secretaria de CadÚnico. Não foram ouvidas manifestações, favoráveis ou contrárias, tudo se passou no interior da burocracia estatal federal. O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) ou os demais conselhos e coletivos de gestores estaduais e municipais da política de assistência social não se manifestaram.11 11 Coube ao novo órgão: a) estimular o uso do CadÚnico por outros órgãos e entidades federais, estaduais, distritais e municipais, principalmente nos processos de planejamento, de gestão e de implementação de programas sociais voltados à população de baixa renda; b) incentivar os entes federativos a atualizar continuamente os registros cadastrais e a gerir o Cadastro Único em seu âmbito de atuação; c) desenvolver e implementar metodologias de auditoria do Cadastro Único.

Cabe ressalvar que o texto do novo decreto reitera a inclusão do CadÚnico junto aos povos tradicionais e às populações vulneráveis, todavia, não particulariza a população em situação de rua, e as crianças e os adolescentes em situação de trabalho. Não se têm aplicativos do CadÚnico que façam com que seu dados se transformem em indicadores da rede de proteção social, de modo a articular iniciativas em todos os âmbitos da federação de caráter similar.

A seleção do CadÚnico não opera a escolha de dados relacionais, sua funcionalidade é a de um teste de meios aplicado para grande escala populacional. O vínculo do CadÚnico com a gestão municipal da assistência social precisa ganhar visibilidade e unidade de trato quanto à sua funcionalidade para a gestão municipal do SUAS.

O processo de materialização do cadastramento de informações envolve alguns sujeitos (ou mesmo sujeitados) na hierarquia federativa. Inicia-se em um bairro, em um espaço físico relacionado à Prefeitura, em geral um CRAS, uma unidade do SUAS, onde um trabalhador de nível médio (servidor, contratado, terceirizado) atende um(a) cidadão(ã) e dele(a) coleta e digitaliza um conjunto de informações.

A escolha das informações a serem coletadas deriva do interesse do governo federal, que as discrimina em formulários, assim o questionário não é afetado pela particularidade do motivo que leva o requerente a solicitar o cadastramento. A inserção no CadÚnico já é a porta de entrada para o Benefício Bolsa Família. Mas, como se viu, não alcança as desproteções familiares. Inseridas as informações do requerente no sistema nacional, ele recebe duas páginas impressas nominadas “comprovante de cadastro” e “folha resumo” - caso não tenha o NIS (Número de Identificação Social) - e deverá retirar a última em 24 horas - na qual constam os dados de identificação das pessoas da família.

Torne-se claro que todo esse procedimento foi descrito a partir de dados quanto à homogeneidade preponderante na incidência de procedimentos e, ainda, sob condições de normalidade e não de pandemia. Tratou-se de procedimento presencial e não remoto, em que a digitalização de informações no Sistema CadÚnico é mediada por um operador e não pelo próprio requerente.

Como se pode notar, na hierarquia federativa não está delegada ao município inserir qualquer manifestação quanto à intenção do requerente do CadÚnico. Sabe-se ainda que todos os Estados da federação mantêm uma função de coordenação de Cadastro Único e do Programa Bolsa Família, embora, não se saiba bem, o que lhes compete.

3. Evidências

Evidência 1 - A primeira, e óbvia evidência, é a constatação de que a coleta de informações das famílias é organizada em cinco tipos de formulários, o que permite considerar que o CadÚnico capta muitas informações de interesse do governo federal, e seu preenchimento remoto direto pelo interessado pode levar à frequência de erros pelo volume de dados solicitados e pelas especificações requeridas e linguagem utilizada. Todos os formulários são identificados com o nome do entrevistador e, ao final, apresentam um termo de adesão e o comprovante de inscrição cadastral.

Não foram encontrados informes sobre a aplicação e o uso das informações do CadÚnico e sobre o quanto elas respondem, de fato, às necessidades dos requerentes. Há aqui uma indagação sobre a qualidade e a aplicabilidade dos dados do CadÚnico: seriam dados segregados? Seus dados são reconhecidos como fidedignos? Eles poderiam ser comparados a outras plataformas, inclusive para complementação?

Os dados do CadÚnico são aplicados fortemente pela instância federal, para controle estatal dos beneficiários e seleção de cidadãos requerentes de benefícios. Para a gestão municipal, parece que o controle coletivo ou individual tem baixa aplicabilidade no CadÚnico, mas é alto o controle de condicionalidades do Programa Bolsa Família.

Fica uma inquietação a ser explorada no exame de evidências. O material coletado no CadÚnico é regularmente analisado e sintetizado em relatórios, até então pela SENARC. Todavia, embora seja passível de execução, não é hábito da gestão municipal e dos seus trabalhadores proceder a análises territoriais. Por exemplo, os trabalhadores de um CRAS poderiam construir estratégias de ação com base na quantificação das características das famílias que vivem em sua área de abrangência.

Talvez os entes federativos devessem ter uma ação articulada nessa direção. Dados de grandes abrangências tipificam características a serem adotadas na ação em um território delimitado. O SUAS poderia (e deveria) demandar que fosse mantida produção regular, pelo sistema, de relatório de dados das famílias coletados por área de abrangência dos mais de oito mil CRAS existentes no país. Ou, ainda, referir o trânsito da população, entre um município e outro avizinhado, para educação, cuidados de saúde, entre outros.

Evidência 2 - O volume de famílias inscritas no CadÚnico, no período de 2012 a 2020, teve seu ápice em 2014 quando superou a marca de 88 milhões de famílias. Em 2018, esse número caiu para 73,6 milhões e, em setembro de 2020, registrou 77 milhões de famílias, com o menor percentual frente à população total, que baixou de 44% para 36%.

Essa queda de inserção no CadÚnico indica uma redução de sua demanda causada, por exemplo, pela ausência de oferta de programas sociais. Outro fator diz respeito à defasagem de valores e às restrições aplicadas aos beneficiários na operação Programa Bolsa Família. São movimentos de restrição à inclusão de novos beneficiários e cortes de famílias já beneficiadas.

Evidência 3 - Há distintos significados atribuídos ao CadÚnico entre as instâncias federativas. Para a instância federal, o efeito do CadÚnico é o de um guardião de informações. Ele zela pela austeridade das informações dos brasileiros de baixa renda, de modo que sejam devidamente identificados pela insignificância de sua renda per capita individual ou familiar. Como já assinalado, o CadÚnico toma caminho diverso ao adotado pelo IRPF. Desse modo, concebe que renda para as essas famílias equivale a um fundo de participação coletiva de possíveis ganhos e despesas. No caso, baseia-se em uma concepção de classe que considera que a família de baixa renda deve ter, por demanda de sobrevivência, o comportamento solidário de consumo, perdas e ganhos comunitariamente geridos.

Baseia-se na noção de economia doméstica fundada na sobrevivência cotidiana. Lucio Kowarick,12 12 Kowarick, Lucio. Escravos, párias e proletários: uma contribuição para o estudo de formação do capitalismo no Brasil. 1981. Tese (Livre-docência) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1981. ao caracterizar os homens livres, afirmava que viviam da mão para a boca. A economia de sobrevivência não distingue faixa etária, agrega os membros da família como uma unidade de ganhos e gastos em uma operação de média aritmética. Não há idade de trabalho ou tipo de ganho em questão. Esse modo de agregação da força de trabalho é desprovido de idade ou de condições protetivas. Nesse modo de leitura não há direitos humanos, não há o que se proteger.13 13 Exemplo é o fato de que o Programa Bolsa Família não acolha todos os filhos de uma família, só um dado número dentre eles é beneficiado outros não. O Imposto de Renda Pessoa Física inclui como dependentes crianças, adolescentes, jovens até 21 anos (se estudante, até 24 anos), idosos, pessoas com deficiência e outras situações justificadas. Todos, de modo individual, recebem um crédito fiscal, para cobertura de despesas de educação e saúde.

Há, portanto, na transição do CadÚnico para o Programa Bolsa Família uma conduta divergente: para cálculo de renda per capita da família, contam-se todos, mas, no momento do alcance do benefício, alguns são descartados. Trata-se de um processo de excludência para a baixa renda que não ocorre para quem declara renda no IRPF.

Na instância municipal, o CadÚnico demanda uma atenção do SUAS para qualidade de provimento de dados. Em uma cidade, é avaliado pelo governo federal: a qualidade do preenchimento, a quantidade de novos cadastros, os cadastros atualizados, as ações de cumprimento de condiconalidades pelas famílias beneficiárias. A recompensa pelo sucesso é operada pela transferência de recursos financeiros pelo IGD-PBF (Índice de Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família). Aqui reside um dos medos municipais: estaria a gestão federal ao alterar o modo de preenchimento do CadÚnico retirando o repasse do IGD-PBF?

O lugar do município está delimitado a ser uma força de trabalho para inserir dados no CadÚnico. O SUAS municipal não tem voz, presença, aproximação com as decisões e operação entre o CadÚnico e os programas federais, principalmente o Programa Bolsa Família e o BPC. Instâncias federais se relacionam com a atenção ao cidadão somente por quantitativos.

Evidência 4 - Esta evidência tem por orientação verificar como a PNAS-04 e o SUAS acolhem, em seus dispositivos e ações, o CadÚnico. Tomou-se, inicialmente, como informante o Censo SUAS. Os Censos de 2017, 2018 e 2019 inserem o CadÚnico trazendo informações sobre o modo de o SUAS prestar tal serviço à população. Além da descrição, foram localizadas informações sobre o modo pelo qual a gestão local se acerca e se utiliza do CadÚnico.

Pode-se registrar, pelos dados do Censo SUAS, que, em 2019, foi reduzido o número de CRAS respondentes no quesito CadÚnico (em 2017 eram 8.685 e, em 2018, 8.360). Entre 2017 e 2019, foram menos 327 CRAS (de 8.685 para 8.358) que se posicionaram na questão, uma queda de cerca de 4%. Sobre essa queda, não se tem notícia se ela revela que o serviço não foi prestado, ou que houve omissão de resposta, ou mesmo de fechamento de unidades de CRAS no período. Examinados os dados, verifica-se que a maior queda de presença de CRAS se deu nas metrópoles, com redução de 51% das informações prestadas ou, até mesmo, de fechamento de CRAS. Os resultados dos três censos mostram que, embora em poucos graus, o percentual de CRAS que não realiza o CadÚnico em suas instalações vem regredindo: entre 2017, 2018 e 2019, com 32,8%, 30,5% e 20,1%. O uso do mesmo espaço físico não significa a extinção de equipe específica de nível médio para operar o CadÚnico.

A coleta de dados sobre o CadÚnico no Censo SUAS 2019 foi direcionada para os CRAS e, assim, se indagou se era neles que o CadÚnico se realizava. Como resposta foi mostrado que 70% das gestões localizam o CadÚnico nas dependências do CRAS, todavia distinguem o modo do exercício da funcionalidade nesse espaço das demais atenções prestadas.14 14 Nota-se que é nos municípios de menor porte, onde a funcionalidade CadÚnico não se situa no CRAS. Entende-se que isso decorre de uma explicação territorial, em geral, os CRAS não abrangem a totalidade das áreas dos municípios e, nem sempre, há uma unidade situada na sede do município. Isso leva à escolha em sediar o preenchimento do CadÚnico em local central, de fácil acesso a toda população, como em sedes de outros órgãos públicos ou no paço municipal. Metrópoles e grandes municípios têm maior número de unidades de CRAS, em áreas periféricas e de melhor acesso à população.

Ter equipe exclusiva é uma opção para a maioria dos municípios. A equipe específica do CadÚnico que opera sua funcionalidade no espaço de um CRAS ou fora dele é formada por trabalhadores de nível médio - cadastradores - com domínio de informática (alguns relatam a presença de estagiários). Na maioria dos municípios, a função não é atribuída a um trabalhador de nível universitário. O grau de envolvimento de um trabalhador do SUAS-CRAS na execução ou supervisão não é rotina.

Chama atenção que os documentos federais, ao fazer referência ao CRAS e nele ao CadÚnico, utilizam a figura de um Posto do CAD.15 15 É entendido como Posto de CAD um conjunto de possibilidades como casas, prédio, anexos de locais de provisão de documentos ou qualquer local utilizado para realizar a inclusão ou a atualização cadastral. Essa concepção divulgada pelo governo federal não vincula a provisão do CadÚnico no espaço de um CRAS, parece até que sua perspectiva é a de fortalecer sua autonomia administrativa como um posto - ou unidade - específico.16 16 O instrumental do Censo SUAS 2020 criou, pela primeira vez, um Caderno de Informações específicas que nomina de Posto do Cadastro. Ao que parece, quem preparou esse instrumental teve o objetivo de alterar a relação inicialmente estabelecida entre o CadÚnico e o SUAS pela operação dos CRAS, o que mostra uma condição esgarçada. Atente-se que o formulário do SUAS foi enviado a todos os municípios e, ao que consta, eles receberam essas questões com naturalidade ou não se manifestaram. Atente-se que o gestor do SUAS, pelo Censo, se tornou um informante sobre uma função que não mais lhe está atribuída, e tudo está se passando como um informe de localização.

Note-se que a descrição posta nos documentos federais não toca em vínculo com o SUAS. Pode-se ler que não possui vinculação restrita da coleta de dados do CadÚnico com o SUAS ou o CRAS. Sendo operado pelo governo federal, como um documento administrativo, não lhe faz falta qualquer indagação sobre o vínculo do CadÚnico com um estudo social que permita analisar as efetivas condições de sobrevivência das famílias cadastradas. Essa condução de fato faz com que o cotidiano das famílias permaneça invisível, como se constatou o destrato do CadÚnico na pandemia como registro de condições sanitárias de vida.

Evidência 5 - Há uma discussão sobre a relação SUAS-CadÚnico que precisa ser abordada, pois diz respeito tanto à relação que ele estabelece com os cidadãos/usuários como no que concerne ao SUAS Municipal. A instância federal estaria envolvida com o crescimento do CadÚnico e com ações que ampliem sua qualidade para o beneficiário? A instância federal demonstra preocupação em ampliar a aplicação dos dados do CadÚnico no aprimoramento dos processos e resultados do SUAS municipal?

O Decreto n. 10.357/2020, ao criar a Secretaria Nacional do Cadastro Único, no Ministério da Cidadania, parece já contar com uma rede de postos em todo o Brasil que pode superar o número de CRAS.

Evidência 6 - Em busca de uma aproximação sobre o real, foi preparado e aplicado um questionário com seis questões a participantes do NEPSAS. As respostas alcançaram a operação do CadÚnico em 17 cidades paulistas de diversos portes. A evidência geral encontrada é a de que não há homogeneidade no exercício da funcionalidade CadÚnico na dinâmica do SUAS e de cada CRAS. A funcionalidade extrapola um CRAS, suas atividades e responsabilidades.

A modalidade da realização do preenchimento do CadÚnico no CRAS foi incidente nos municípios consultados. Todavia, isso não significou a adoção de um só modelo ou tipo de desenvolvimento da ação. O CRAS pode ter um Setor de Cadastro, mas ele pode estar instalado em unidades como o Centro POP, o CREAS, como postos avançados do próprio CRAS. Ao informar o CRAS, a referência não é a um só lugar ou um só modo de atuar. A informação de que o atendimento se dá em um CRAS não significa que é ali a unidade que presta a atenção ao cidadão. Interessante a proposta do Guarujá onde a atenção do CRAS prepara para a ida do cidadão à Casa de Assistência Integrada (CAI), na qual fará sua inscrição no CAD. A escolha da sede da Secretaria, da sede da Prefeitura (o Paço Municipal), da Central de Cadastro apareceu. Esse pequeno conjunto de municípios mostrou a heterogeneidade que marca o trato do CadÚnico na esfera municipal.

Não se pode afirmar que o CadÚnico seja atribuição do CRAS, embora, em sua dinâmica de atenção, ele possa informar a qualquer cidadão ou munícipe como e onde proceder a seu CadÚnico.

O exercício da funcionalidade CadÚnico foi bastante alterado durante o ano de 2020, em razão da pandemia da covid-19, quando parte dos CRAS permaneceu de portas fechadas e as operacionalidades de gestão do CadÚnico ficaram suspensas. As concessões de benefícios foram realizadas pelo Auxílio Emergencial, que dispensou o CadÚnico, não aplicou penalidades pelo descumprimento de condicionalidades ou não atualização do CadÚnico. Não ocorreram novas inserções no Programa Bolsa Família que foi suspenso, também.

A funcionalidade CadÚnico, como outras ações, pode implicar demandas de orientação e eventuais providências para proteção social que podem ser de várias ordens, como para preenchimento dos formulários. Essa hipótese de ocorrência implica considerar que há uma possível dinâmica que extrapola a ação administrativa e poderia, ou não, exigir uma ação relacional imediata ou, mesmo, um encaminhamento à atenção social de um CRAS.

Nesses casos, podem ocorrer a combinação da ação de referência e a orientação do CRAS, que sai da linha de frente e passa a atuar na direção de resolução de situações problemáticas. Caso não seja articulada a ação administrativa com o trabalho social do CRAS, vai ocorrer a precarização da atenção ao cidadão e a constituição de barreiras para que tenha acesso a seus direitos.

No levantamento realizado pelo NEPSAS, foram localizados três modelos de referência para operação do CadÚnico:

  • Modelo 1 - O CRAS executa o CadÚnico a pleno, o que inclui atuar como linha de frente e constituir-se em uma Ouvidoria; proceder ao deslocamento para recolher os dados do CadÚnico na moradia do cidadão com problemas de locomoção; e realizar ações estimuladoras da aplicação e atualização do CadÚnico, como o exercício da busca ativa.

  • Modelo 2 - O CRAS não executa o CadÚnico. Um posto de atendimento da gestão municipal opera o cadastramento. Pode aqui se desdobrar em 2.1 - mantém relação de retaguarda com CRAS; 2.2 - não mantém relação de retaguarda com o CRAS.

  • Modelo 3 - O CRAS executa a primeira atenção ao cidadão e o encaminha, com orientações de procedimentos e documentos, para um Posto do CadÚnico. Há, neste modelo, uma diversidade de funcionamento desses postos, dentre as quais se pode destacar que, em algumas vezes, o CRAS realiza uma pré-avaliação do mérito e, em outras, pode contribuir com a compreensão da dinâmica relacional de dependência de renda e partilha de gastos familiar, evitando prejuízos na composição da renda que interdite o acesso ao benefício.

Evidência 7 - É unânime a presença do trabalhador de nível médio (administrativo - cadastrador) para operar o CadÚnico e diretamente inserir os dados no Sistema. Só uma das experiências informa que o cadastrador pode encaminhar o cidadão ao assistente social, caso precise de alguma atenção especial. Há, nas cidades verificadas, a presença de pessoal terceirizado para a realização desse trabalho. Não são concursados necessariamente. A tendência é a de que, mesmo localizado no CRAS, o CadÚnico tenha equipe própria.

Quanto à aplicação dos dados coletados pelo CadÚnico, a informação dos respondentes ao questionário é do seu uso pela gestão do SUAS municipal. Há nessas solicitações um bom grau de credibilidade nos dados obtidos pelo CadÚnico. Foi ressaltada a demanda de dados para prover elaboração dos planos decenais.

O uso de dados do CadÚnico para a estruturação da Vigilância Socioassistencial foi reforçado, embora não especificado como isso contribuiria com o todo da gestão do SUAS no município, a exemplo, a sistematização das demandas de proteção social básica. Duas entrevistadas disseram não ter informação quanto ao uso do CadÚnico pela Assistência Social; uma terceira considerou que não tem sido utilizado o CadÚnico para análises territorializadas em territórios de cada CRAS.

Uma informação coletada é a do diálogo, existente ou não, entre o CadÚnico e o Prontuário SUAS. Não há informações sobre o uso do Prontuário nacional do SUAS pelos CRAS/CREAS e demais serviços socioassistenciais, mas existem informes em que a ficha do CadÚnico é arquivada no Prontuário da família, podendo-se supor ser um Prontuário de uso no SUAS. Resta indagar se tais prontuários são mantidos por meio de processos digitais ou manuais, bem como quanto ao efetivo uso do Prontuário nacional do SUAS pelas unidades.

A operação do CadÚnico, a partir de 2020 em razão da pandemia, só tem operado, majoritariamente, por agendamento e de forma remota. Poucas são as situações em que ainda há o atendimento espontâneo. Todos descrevem que o CAD tem um lugar próprio de funcionamento. Em uma das situações, há um acolhimento institucional para os que desejam se cadastrar.

O tempo estabelecido para o cidadão realizar seu cadastro é diverso. Pelo que se coletou, ele pode ocorrer desde sem espera, ou quase de imediato à chegada ao local, ou pendente de aguardo que pode ser de um mês. Há boa frequência entre dois, três ou dez dias de aguardo. Em uma das cidades, o agendamento ocorre por WhatsApp quando o interessado é informado sobre todos os documentos que deverá portar para realizar o CadÚnico.

Alguns relatam que o procedimento conclui com a entrega de uma folha resumo do CadÚnico para o requerente e que seus dados seguem para o Prontuário da família. Essa dimensão, quanto ao modo de arquivo das informações coletadas em cada CRAS, não parece estar clara ou uniformizada.

O cidadão inscrito não tem modo de acesso para seguir o andamento dos informes que lhe dizem respeito por meio do aplicativo Meu CAD, CadÚnico Caixa, da Caixa Econômica Federal. Os profissionais do SUAS têm acessos variados às informações do CadÚnico mediante autorização pelo CPF e senha.

Evidência 8 - Outra evidência a ser destacada quanto à aplicação dos dados do CadÚnico não provém dos relatos dos respondentes ao levantamento realizado, mas da busca de um dos pesquisadores do NEPSAS sobre as informações abertas que o Governo Federal ainda produz com os dados do CadÚnico.

Ficam disponíveis em relatórios no ambiente “aplicações MDS” que fornecem dados municipais, tais como: o número de cadastrados, o número de beneficiários do PBF, total de gasto com benefícios, quantificação por tipo de benefício, cobertura com relação à estimativa de famílias pobres, dados da gestão do cadastro único e do IGD-M. Também, neste site, é possível ter informações sobre a série história do CAD e do PBF no município, acesso a informes, entre outros.17 17 CECAD - Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico (https://cecad.cidadania.gov.br/painel03.php) ferramenta que permite conhecer as características socioeconômicas das famílias e pessoas incluídas no Cadastro Único (domicílio, faixa etária, trabalho, renda etc.), bem como saber quais famílias são beneficiárias do Programa Bolsa Família. Na aba Painel do CadÚnico, podem ser consultadas informações sobre a quantidade de famílias cadastradas, como a renda per capita das famílias; MOPS-(https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/mops/index.php?e=1) Mapas Estratégicos para Políticas de Cidadania é um portal de acesso livre que reúne e organiza informações sobre a disponibilidade de serviços, equipamentos públicos e programas sociais identificados em municípios, microrregiões e estados no país. Nesta ferramenta, é possível visualizar a localização e o contato das unidades da assistência social, obter relatórios socioterritoriais com base nas informações do Cadastro Único e do Censo Demográfico, e gerar cartogramas personalizados; VIS DATA - sistema de gerenciamento e visualização de diversos programas, ações e serviços do Ministério da Cidadania (MC). Por meio dele é possível acessar dados de um ou mais indicadores em um determinado período e local selecionados, destacam-se aqui os dados sobre a quantidade de Pessoas com Deficiência (PCD) atendidas pela Renda Mensal Vitalícia (RMV) por município pagador, famílias inscritas no Cadastro Único, valor total pago às famílias por meio do Programa Bolsa Família e tantos outros; RELATÓRIO DE INFORMAÇÕES SOCIAIS (RI) - (https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php) contém dados que formam um banco de dados de alta performance, com informações sobre o Bolsa Família, ações e serviços de assistência social, segurança alimentar e nutricional e inclusão produtiva realizados pelo MDS no Distrito Federal, estados e municípios; MICRODADOS - (https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/index.php?grupo=165) disponibilizado pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI/MC) para livre download, microdados não identificados das Pesquisas de Avaliação e Estudos - em formato texto, principalmente dados sobre o CadÚnico; PORTAL BOLSA FAMÍLIA - (https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/bolsafamília/) informações necessárias para fazer a gestão do Programa Bolsa Família e do Cadastro Único no município, como conhecer o perfil da população inserida no CadÚnico, deste os mais pobres, como sua faixa etária, sexo, situação habitacional e outros dados importantíssimos para atuar frente às diversas expressões de desproteções sociais vivenciadas pelos sujeitos cidadãos usuários do SUAS; PORTAL TAB SOCIAL - (https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/index.php?grupo=86) reúne bases de dados das áreas de atuação do Ministério da Cidadania, provenientes de pesquisas primárias, registros de programas e cadastros públicos, dispondo também de ferramentas para tabulação, análise e extração de informações.

Considerações para debate

Uma primeira afirmação a partir desta reflexão e de suas evidências refere-se à identidade do informante que é construída perante o Estado. A insistência em construir uma síntese de dados constituída pela renda per capita familiar, abstraída das condições efetivas de vida da família, não configura uma identidade de cidadania, mas a identidade de um agregado familiar perante o mercado, isto é, sua capacidade de consumo. O CadÚnico não tem coleta sobre as condições de proteção social, a relação entre provedor e dependentes.

Considerando ainda que as condições de vida se alteram a partir do lugar onde se vive, seria preciso que o CadÚnico desse medidas dessa relação também. É preciso incorporar que solicitar informações sobre a vida do cidadão deve ter por finalidade construir um significado sobre o real. Há que se ter compromisso ético de gerar respostas efetivas, ainda que sejam, em princípio, o trato dos dados e sua disseminação para avançar em direitos.

A segunda afirmação é a de que a funcionalidade mais potente do CadÚnico reside no seu uso como uma ferramenta que contém informes coletivos, atualizados e potentes, e permite a eficiente operação focalizada do teste de meios. Esse uso permite que o governo estabeleça parâmetros e linhas de corte para inclusão em atenções. Quanto mais restrito, menor a linha de corte aplicada, menor o número de atenções a prestar e menor o volume de recursos a aplicar. Essa lógica restritiva é a maior explicação para a contínua redução do usuário principal do CadÚnico, o Programa Bolsa Família. Trata-se de um registro de dados que vem sendo utilizado para distinguir níveis de sub-renda familiar. Todo estudo socioeconômico supõe um balanço entre ganhos e despesas. A utilização dos dados do CadÚnico não preza a relação entre dependentes e provedores.

Terceira afirmação: o CadÚnico tem uma neutralidade na entrega dos dados e precisaria utilizar parâmetros de dignidade e cidadania na classificação do per capita das famílias. As vítimas mais incisivas desse processo são as crianças e os adolescentes que não são identificados como demandantes de proteção social integral.

Uma quarta afirmação é de que, sem dúvida, a principal questão a debater não é o formato de coleta, mas sim, com o que é que tem sido feito com os dados do CadÚnico. Será que os gestores do CadÚnico são somente uma empilhadeira de informações, sem preocupação com seu destino? Será que não poderiam e deveriam se envolver com sua utilização? Considerar o CadÚnico como um mero sistema de organizador de quantidades e limitá-lo a ser um organizador de fila de espera sem dar qualquer satisfação para quem fica esperando.

Quinta afirmação: sobre a coleta de dados, não há dúvida de que deve ser adotado um sistema misto, que combine o presencial com o remoto. O remoto já tem sido aplicado na atenção de CRAS e CREAS, o formulário do CadÚnico foi a primeira experiência no SUAS em realizar um atendimento mediado pela digitação.

Fica-se, ao final, com a quase certeza de que a questão principal em debate não seria o modo pelo qual os dados do cidadão são inseridos no sistema, mas sobre qual é a utilização desses dados pelo governo, e qual é, de fato, sua aplicação na garantia de direitos sociais. Uma segunda questão: qual função que o CadÚnico desempenha e o que ele tem potência de desempenhar na dinâmica da gestão do SUAS nos municípios?

  • 1
    Atente-se que não se está indagando sobre quem procede a inserção de dados no CadÚnico. Essa é uma questão quanto ao modo de inserção de dados, se presencial ou remota, aqui se indaga quanto ao manuseio dos dados já inseridos no CadÚnico.
  • 2
    Pesquisadores e consultores contatados: Abigail Torres, Bruna Carnelossi, Maria do Rosario Salles Gomes, Luis Regules, Isaura de Mello Castanho. Equipe -Estudo de Campo: Mariana Santos, Felipe Gouveia, Paula Leão, Lucineia Souza, Lucivaine Saraiva, Alan Farley, Thérèse Messih, Antonia Oliveira, Raquel Costa, Thiago Lima, Henrique Silva, Fabiana Gianetti. Ressalte-se a colaboração de Raquel Costa e Thiago Lima na obtenção de informações sobre a gestão do CadÚnico para o desenvolvimento deste estudo.
  • 3
    Atente-se que a renda do agregado familiar não se identifica com a POF-IBGE, de âmbito urbano e amostral, que avalia as estruturas de consumo, de gastos, de rendimentos e variação patrimonial das famílias, oferecendo um perfil das condições de vida da população a partir da análise dos orçamentos domésticos.
  • 4
    Um conjunto de normas regulamentadoras pode ser acessado em “Coletânea da Legislação Básica do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família”, disponível em: https://fpabramo.org.br/acervosocial/wp-content/uploads/sites/7/2017/08/508.pdf.
  • 5
    O estudo socioeconômico relativo a indivíduos e no âmbito do Estado sempre foi de trato específico de profissionais de Serviço Social que os assentavam em prontuários. Isso se baseia no fato de que realizar estudo socioeconômico é uma atribuição do profissional assistente social pelo Código de Regulamentação dessa profissão. Entende-se que essa expressão merece revisão, o correto seria estudo social, pois deve considerar despesas, condições do território onde vive, relação de dependência, exploração, discriminação e de desproteção social. Há, sem dúvida, uma contradição nesse conteúdo, pois o compromisso ético-político da profissão defende direitos humanos e sociais, o que implica acesso universal, o que se distancia de práticas compensatórias fundadas na pobreza.
  • 6
    Trata-se de uma medida de mercado que mede consumo, e não bem-estar dos membros de uma família. Esse reconhecimento e enquadramento por per capita familiar e não por necessidade têm sido continuamente judicializados no acesso ao benefício do BPC. Esse modo de classificação impede a leitura de direitos, por exemplo, de crianças e adolescentes, de idosos, de pessoas com deficiência, entre outros.
  • 7
    A redução do significado de cada membro da família pode ser verificada ainda na própria distribuição de benefícios do Programa Bolsa Família, ele não reconhece os direitos de cada membro e estabelece um dado número de benefícios a conceder por família.
  • 8
    Em 24 de outubro de 2001, novo Decreto (sem número) estabeleceu um Grupo de Trabalho Interministerial, junto à Casa Civil, para orientar os municípios como deveriam proceder para a coleta de dados. Os dois Decretos de 2001, o de n. 3.877 e o sem número, foram revogados pelo Decreto n. 6.135, de 26 de junho de 2007, primeiro ano do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
  • 9
    A partir de 2011, o CadÚnico recebe pelo MDS uma sucessão de portarias reguladoras: Portaria n. 177, de 16 de junho de 2011, que detalha a gestão do CadÚnico; Portaria n. 10 de 30 de janeiro de 2012, que disciplina os critérios e procedimentos para a disponibilização e a utilização de informações contidas no CadÚnico; e Portaria n. 94 de 4 de setembro de 2013, que dispõe sobre o processo de averiguação das informações cadastrais.
  • 10
    A análise do conteúdo do CadÚnico para proteção social é de significativa importância, caso contrário, ele seria uma ferramenta que levaria a termo a condição restritiva da política de assistência social, conduzida para o pobre e indigente, afastando os serviços socioassistenciais da provisão universal. Nessa perspectiva, não há sentido exigir de usuários de serviços socioassistenciais a inserção no CadÚnico. Interessante notar que os serviços de convivência ao idoso têm posição claramente contrária a essa exigência.
  • 11
    Coube ao novo órgão: a) estimular o uso do CadÚnico por outros órgãos e entidades federais, estaduais, distritais e municipais, principalmente nos processos de planejamento, de gestão e de implementação de programas sociais voltados à população de baixa renda; b) incentivar os entes federativos a atualizar continuamente os registros cadastrais e a gerir o Cadastro Único em seu âmbito de atuação; c) desenvolver e implementar metodologias de auditoria do Cadastro Único.
  • 12
    Kowarick, Lucio. Escravos, párias e proletários: uma contribuição para o estudo de formação do capitalismo no Brasil. 1981KOWARICK, Lucio. Escravos, párias e proletários: uma contribuição para o estudo de formação do capitalismo no Brasil. 1981. Tese (Livre-docência) — Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1981.. Tese (Livre-docência) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1981.
  • 13
    Exemplo é o fato de que o Programa Bolsa Família não acolha todos os filhos de uma família, só um dado número dentre eles é beneficiado outros não. O Imposto de Renda Pessoa Física inclui como dependentes crianças, adolescentes, jovens até 21 anos (se estudante, até 24 anos), idosos, pessoas com deficiência e outras situações justificadas. Todos, de modo individual, recebem um crédito fiscal, para cobertura de despesas de educação e saúde.
  • 14
    Nota-se que é nos municípios de menor porte, onde a funcionalidade CadÚnico não se situa no CRAS. Entende-se que isso decorre de uma explicação territorial, em geral, os CRAS não abrangem a totalidade das áreas dos municípios e, nem sempre, há uma unidade situada na sede do município. Isso leva à escolha em sediar o preenchimento do CadÚnico em local central, de fácil acesso a toda população, como em sedes de outros órgãos públicos ou no paço municipal. Metrópoles e grandes municípios têm maior número de unidades de CRAS, em áreas periféricas e de melhor acesso à população.
  • 15
    É entendido como Posto de CAD um conjunto de possibilidades como casas, prédio, anexos de locais de provisão de documentos ou qualquer local utilizado para realizar a inclusão ou a atualização cadastral.
  • 16
    O instrumental do Censo SUAS 2020 criou, pela primeira vez, um Caderno de Informações específicas que nomina de Posto do Cadastro. Ao que parece, quem preparou esse instrumental teve o objetivo de alterar a relação inicialmente estabelecida entre o CadÚnico e o SUAS pela operação dos CRAS, o que mostra uma condição esgarçada. Atente-se que o formulário do SUAS foi enviado a todos os municípios e, ao que consta, eles receberam essas questões com naturalidade ou não se manifestaram. Atente-se que o gestor do SUAS, pelo Censo, se tornou um informante sobre uma função que não mais lhe está atribuída, e tudo está se passando como um informe de localização.
  • 17
    CECAD - Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico (https://cecad.cidadania.gov.br/painel03.php) ferramenta que permite conhecer as características socioeconômicas das famílias e pessoas incluídas no Cadastro Único (domicílio, faixa etária, trabalho, renda etc.), bem como saber quais famílias são beneficiárias do Programa Bolsa Família. Na aba Painel do CadÚnico, podem ser consultadas informações sobre a quantidade de famílias cadastradas, como a renda per capita das famílias; MOPS-(https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/mops/index.php?e=1) Mapas Estratégicos para Políticas de Cidadania é um portal de acesso livre que reúne e organiza informações sobre a disponibilidade de serviços, equipamentos públicos e programas sociais identificados em municípios, microrregiões e estados no país. Nesta ferramenta, é possível visualizar a localização e o contato das unidades da assistência social, obter relatórios socioterritoriais com base nas informações do Cadastro Único e do Censo Demográfico, e gerar cartogramas personalizados; VIS DATA - sistema de gerenciamento e visualização de diversos programas, ações e serviços do Ministério da Cidadania (MC). Por meio dele é possível acessar dados de um ou mais indicadores em um determinado período e local selecionados, destacam-se aqui os dados sobre a quantidade de Pessoas com Deficiência (PCD) atendidas pela Renda Mensal Vitalícia (RMV) por município pagador, famílias inscritas no Cadastro Único, valor total pago às famílias por meio do Programa Bolsa Família e tantos outros; RELATÓRIO DE INFORMAÇÕES SOCIAIS (RI) - (https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php) contém dados que formam um banco de dados de alta performance, com informações sobre o Bolsa Família, ações e serviços de assistência social, segurança alimentar e nutricional e inclusão produtiva realizados pelo MDS no Distrito Federal, estados e municípios; MICRODADOS - (https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/index.php?grupo=165) disponibilizado pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI/MC) para livre download, microdados não identificados das Pesquisas de Avaliação e Estudos - em formato texto, principalmente dados sobre o CadÚnico; PORTAL BOLSA FAMÍLIA - (https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/bolsafamília/) informações necessárias para fazer a gestão do Programa Bolsa Família e do Cadastro Único no município, como conhecer o perfil da população inserida no CadÚnico, deste os mais pobres, como sua faixa etária, sexo, situação habitacional e outros dados importantíssimos para atuar frente às diversas expressões de desproteções sociais vivenciadas pelos sujeitos cidadãos usuários do SUAS; PORTAL TAB SOCIAL - (https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/index.php?grupo=86) reúne bases de dados das áreas de atuação do Ministério da Cidadania, provenientes de pesquisas primárias, registros de programas e cadastros públicos, dispondo também de ferramentas para tabulação, análise e extração de informações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2021
  • Aceito
    15 Mar 2021
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