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Serviço Social e universidade em tempos de ensino remoto emergencial

Social Work and university during emergency remote teaching period

Resumo:

Este artigo apresenta a experiência da comunidade acadêmica da Universidade Estadual do Ceará com a implantação do home office e do ensino remoto emergencial durante a pandemia. Fundamenta-se em pesquisa bibliográfica e de campo, com base em experiências das autoras na referida universidade, onde professores e estudantes vivenciam o acúmulo de atividades no ambiente doméstico, dificuldades de acesso à internet e experimentam os impactos da pandemia em suas condições de trabalho e de vida.

Palavras-chave:
Serviço social; Universidade; Ensino remoto emergencial

Abstract:

This paper presents Ceará’s State University academic community’s experience with home office and emergency remote teaching implementation during the pandemic. It is fundamented in bibliographic and field researches, based on the authors’ experiences in the referred university, where teachers and students have been living an accumulation of domestic activities, also having difficulties on accessing the internet and experimenting the impacts of the pandemic in their working and living conditions.

Keywords:
Social work; University; Emergency remote teaching

1. Crise do capital, pandemia e universidade

A pandemia do novo coronavírus trouxe um cenário de repentinas mudanças na sociedade, particularmente no mundo do trabalho e na esfera da educação, marcados por tendências como o home office (escritório em casa) e o ensino remoto, mediados pelas denominadas TICs - Tecnologias da Informação e Comunicação. Tais tendências da sociedade capitalista globalizada, em que o desenvolvimento dos transportes em larga escala contribui significativamente para a rápida propagação do vírus por todo o planeta, foram aceleradas pelas medidas de confinamento populacional impostas pelos Estados nacionais, que tiveram de enfrentar o conflito entre a razão sanitária e a razão econômica (Jappe et al., 2020JAPPE, Anselm et al. Capitalismo em quarentena: notas sobre a crise global. Tradução: João Gaspar, Pedro Henrique Resende, Pedro Pereira Barroso, Rachel Pach e Robson J. F. de Oliveira. São Paulo: Elefante, 2020. (Coleção Crise e crítica).).

No Brasil, além da perda lastimável de milhares de vidas humanas, enfrentamos, também, o crescimento do desemprego, da precarização do trabalho, da pobreza, da fome, da violência, entre tantas outras expressões da questão social agravadas pela pandemia. Esta última atinge, sobretudo, os segmentos historicamente mais vulneráveis e desprotegidos da população, que passam a demandar uma intervenção mais efetiva do Estado no atendimento às suas demandas por meio de políticas sociais como educação, saúde e assistência social. Desse modo,

Em uma sociedade marcada por profundas disparidades de classe, raça/etnia e de gênero, é evidente que essa crise não atingirá todos(as) da mesma maneira: novamente, os segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora, em geral negros e negras, LGBTQI +, serão aqueles que pagarão o preço mais alto. Para muitos, custou a própria vida ou a de seus familiares, mortos pela covid-19, pela fome ou pela violência decorrente desse caótico quadro social (Yazbek et al., 2021YAZBEK, Maria Carmelita et al. A conjuntura atual e o enfrentamento ao coronavírus: desafios ao Serviço Social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 140, p. 5-12, jan./abr. 2021., p. 7-8).

A pandemia tem revelado que estamos diante de uma crise que afeta toda a humanidade e põe em questão a viabilidade do sistema capitalista, cuja reprodução tem como consequências a destruição da natureza e os riscos cada vez maiores à sobrevivência humana (Mészáros, 2009MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. Tradução: Paulo César Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo/Editora da Unicamp, 2009.).

Para Jappe et al. (2020JAPPE, Anselm et al. Capitalismo em quarentena: notas sobre a crise global. Tradução: João Gaspar, Pedro Henrique Resende, Pedro Pereira Barroso, Rachel Pach e Robson J. F. de Oliveira. São Paulo: Elefante, 2020. (Coleção Crise e crítica)., p. 33), trata-se, portanto, de “uma pandemia socionatural ligada ao capitalismo”. De acordo com os autores, a crise do coronavírus é apenas um acelerador do processo de crise estrutural do capital, que se inicia nos anos 1960, quando o sistema passa a enfrentar seus limites históricos, como a crise do valor, a partir da substituição crescente do trabalho vivo pelo trabalho morto, e a ameaça do colapso ambiental, com a tendência ao esgotamento dos recursos naturais (Jappe et al., 2020JAPPE, Anselm et al. Capitalismo em quarentena: notas sobre a crise global. Tradução: João Gaspar, Pedro Henrique Resende, Pedro Pereira Barroso, Rachel Pach e Robson J. F. de Oliveira. São Paulo: Elefante, 2020. (Coleção Crise e crítica).). De fato, é a lógica expansionista e destrutiva do sistema sociometabólico do capital que está no cerne da crise que atravessa hoje a sociedade, com dimensões econômicas, políticas, sociais e ambientais.

No contexto brasileiro, enfrentamos, ainda, o negacionismo da ciência pelo governo federal, o ataque às instituições democráticas e o retrocesso de direitos sociais, o que se reflete, inclusive, no processo tardio de imunização de nossa população. Conforme apontam Yazbek et al. (2021YAZBEK, Maria Carmelita et al. A conjuntura atual e o enfrentamento ao coronavírus: desafios ao Serviço Social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 140, p. 5-12, jan./abr. 2021., p. 6), “o país já vinha em uma escalada de acirramento de suas contradições mais profundas, decorrentes da crise do capital, agravada pela guinada à direita no âmbito da política, cuja objetivação mais eminente foi a eleição de Jair Messias Bolsonaro para o governo federal em 2018”.

A crise atual escancara o avanço da ofensiva neoliberal nas últimas décadas e seus resultados, por exemplo, no campo da saúde, como a redução de investimento estatal na medicina de emergência, a escassez de leitos hospitalares e a insuficiência de suprimentos e medicamentos diante do aumento do número de casos graves da covid-19. Segundo Harvey (2020HARVEY, David. Política anticapitalista em tempos de covid-19. In: DAVIS, Mike et al. Coronavírus e a luta de classes. [S. l.]: Terra sem Amos, 2020.), os riscos anteriores da SARS (síndrome respiratória aguda grave), do Ebola e de toda a classe de coronavírus conhecidos desde a década de 1960 forneceram abundantes avisos e convincentes lições sobre o que seria necessário fazer em uma situação de crise, como a que hoje acomete o chamado mundo civilizado. No entanto, sob o neoliberalismo, intensificaram-se a política de austeridade fiscal e os subsídios ao setor privado em detrimento do financiamento da saúde pública.

No âmbito da educação superior, a ofensiva neoliberal tem como resultados o aumento do número de instituições de ensino superior (IES) privadas, a privatização interna das IES públicas, o financiamento público indireto para o setor privado, a massificação da formação profissional, o estímulo ao produtivismo acadêmico e a intensificação do trabalho docente (Lima, 2013LIMA, Kátia. Expansão da educação superior brasileira na primeira década do novo século. In: PEREIRA, Larissa Dhamer; ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de (org.). Serviço Social e educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. (Coletânea Nova de Serviço Social).), para apontar alguns exemplos.

De fato, houve retrocessos no âmbito de todas as políticas públicas e direitos sociais, sobretudo no que diz respeito aos direitos trabalhistas, aos quais tem acesso uma parcela cada vez menor da classe trabalhadora. Esta última, conforme afirma Antunes (2020ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020.), diante do crescente desemprego e da quarentena imposta pela pandemia, viu-se sob “fogo cruzado”, entre a situação famélica e a contaminação virótica. A situação se mostrou ainda mais grave para os trabalhadores precários e informais, que, segundo Santos (2020SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.), constituem um grupo globalmente dominante que já vinha sofrendo ataques das políticas neoliberais aos direitos trabalhistas e sociais. Com a quarentena, tiveram de escolher entre manter o recomendado distanciamento social para proteger suas vidas ou trabalhar fora para garantir a própria sobrevivência e de sua família, ou seja: “Morrer de vírus ou morrer de fome, eis a opção” (Santos, 2020SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020., p. 17).

Entre os assalariados que mantêm o “privilégio da servidão” (Antunes, 2018ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.), muitos foram convocados ao home office, que utiliza o ambiente doméstico e outros espaços fora do ambiente laboral para realização de atividades profissionais. Essa modalidade de trabalho está entre aquelas que tendem a crescer significativamente após a pandemia, inclusive no serviço público.

Do ponto de vista das empresas capitalistas, o home office apresenta algumas vantagens quando comparado ao trabalho presencial: mais individualização; menos convívio social e coletivo no espaço de trabalho; distanciamento da organização sindical; redução de custos; fim da separação entre tempo de trabalho e tempo de vida; e intensificação da dupla jornada de trabalho (produtivo e reprodutivo), principalmente no caso das mulheres (Antunes, 2020ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020.; 2018ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.). Para os trabalhadores, por sua vez, o home office pode apresentar algumas vantagens, como mais liberdade de horários e economia de tempo e de gastos com deslocamentos, todavia as perdas podem ser maiores do que os ganhos, a exemplo da tendência à eliminação de direitos do trabalho e da seguridade social (Antunes, 2020ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020.; 2018ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.).

Na Universidade Estadual do Ceará (UECE),1 1 A UECE é uma instituição pública de ensino superior multicampi, criada há mais de 40 anos por meio do Decreto n. 11.233/1975. Atualmente, oferta diversos cursos de graduação e de pós-graduação lato e stricto sensu, com campi localizados na capital Fortaleza e em municípios do interior do estado do Ceará. Grande parte dos cursos de graduação da universidade é voltada para a formação de professores (licenciaturas), mas há, também, diversificada oferta de cursos de bacharelado, incluindo o de Serviço Social. Em mais de 20 municípios, a universidade oferta, ainda, cursos na modalidade a distância, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB). o home office, adotado como forma de prevenção da contaminação pelo coronavírus, se, por um lado, permitiu a preservação do emprego de grande parte dos servidores docentes e técnico-administrativos, por outro, ocasionou perdas salariais e redução de direitos trabalhistas e sociais, além das dificuldades de adaptação do ambiente doméstico às atividades laborais, a exigir a utilização de recursos próprios dos servidores (energia, internet, equipamentos, materiais de consumo etc.) para atender às demandas do trabalho, antes realizado nos espaços da instituição. Ressalta-se que muitos dos servidores técnico-administrativos da universidade são trabalhadores terceirizados, que fazem parte de um precário mercado de trabalho. Este último, além da terceirização, adere cada vez mais a contratos por tempo determinado, jornadas em tempo parcial, teletrabalho, trabalho em domicílio, trabalho por tarefa, cooperativas de trabalho e relações de emprego disfarçadas como contratação com pessoa jurídica (PJ), a chamada pejotização (Alves, 2013ALVES, Giovanni. Dimensões da precarização do trabalho: ensaios de Sociologia do Trabalho. Bauru: Canal 6, 2013. (Projeto Editorial Práxis).).

Os professores substitutos e temporários, os quais, segundo informações fornecidas pelo Departamento de Gestão de Pessoas (DEGEP/UECE), representam mais de 30% do corpo docente da universidade, também constituem a crescente parcela da classe trabalhadora que trabalha em condições de instabilidade e insegurança, apesar de ter carteira assinada e uma série de direitos trabalhistas. Esses professores, que recebem salários inferiores aos dos docentes efetivos e muitas vezes têm de assumir mais de um vínculo empregatício para compor a renda familiar, estão em constante rotatividade e enfrentam, a cada fim de contrato, a ameaça do desemprego.

Embora os servidores e os docentes que exercem funções de gestão tenham retornado às atividades presenciais, seguindo protocolos de saúde e segurança, a maioria dos professores, efetivos, substitutos ou temporários, ainda segue em home office, trabalhando de forma remota, com uso das tecnologias da informação e comunicação.

Ao analisar os impactos do home office, também chamado de teletrabalho, nos espaços sócio-ocupacionais em que o Serviço Social está inserido, inclusive no âmbito da educação superior, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)2 2 Disponível em: www.cfess.org.br. Acesso em: out. 2021. aponta o fato de que essa modalidade não se apresenta da mesma forma em todos esses espaços, sendo que em alguns ela sequer chegou a ser colocada como possibilidade, uma vez que foram adotadas outras medidas de prevenção do contágio, como a organização de rodízios e a redução da jornada presencial. Nesse contexto,

Identificamos que, nas políticas de assistência social e saúde, a principal questão tem sido assegurar condições de trabalho frente à precariedade, à ausência de EPIs, à intensificação das demandas e à fragilidade dos vínculos de trabalho decorrentes das contratações temporárias e urgentes. Nos serviços presenciais, algumas atividades foram consideradas não essenciais e, desse modo, foram suspensas. Já no trabalho remoto, as principais demandas advêm dos Tribunais de Justiça (TJs), Ministério Público (MP), Defensorias Públicas, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e educação (CEFESS, 2020CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Teletrabalho e Teleperícia: orientações para assistentes sociais no contexto da pandemia. Brasília (DF), 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.cfess.org.br . Acesso em: 22 out. 2021.
http://www.cfess.org.br...
, p. 3).

Em nota conjunta com entidades que compõem a executiva do Fórum Nacional em Defesa da Formação e do Trabalho com Qualidade em Serviço Social, o CFESS se posiciona a respeito do trabalho e do ensino remoto no contexto da pandemia do novo coronavírus:

[...] com diferentes nomenclaturas e narrativas, as propostas de Ensino Remoto Emergencial (ERE) apresentadas nas universidades do Brasil possuem visíveis fragilidades, em suas bases legais e em seus pressupostos pedagógicos e de planejamento das atividades de ensino, acentuando as tendências à improvisação e à desqualificação do processo, responsabilizando individualmente docentes e discentes por garantir o processo de aprendizagem (CFESS, ABEPSS, ENESSO e CRESS-RJ, 2020CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS); EXECUTIVA NACIONAL DE ESTUDANTES DE SERVIÇO SOCIAL (ENESSO); CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL DO RIO DE JANEIRO (CRESS-RJ). Trabalho e ensino remoto emergencial. Brasília (DF), 23 de junho de 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.cfess.org.br . Acesso em: out. 2021.
http://www.cfess.org.br...
, p. 2).

Vejamos a seguir as estratégias de adaptação da comunidade acadêmica da UECE, especialmente de professores e estudantes, ao ensino remoto emergencial.

2. A adaptação da comunidade acadêmica da UECE ao ensino remoto emergencial

De acordo com Antunes (2020ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020.), entre as saídas para a crise atual apresentadas pelo capital globalizado, destaca-se a flexibilização das relações de trabalho, com uma tendência cada vez maior ao trabalho informal, à terceirização, ao teletrabalho e/ou home office e a outras modalidades que compõem a nova morfologia do trabalho.

No campo educacional, a grande tendência é o ensino a distância (EaD), o qual tem sido amplamente adotado, sobretudo pelo setor privado, como estratégia de certificação em larga escala (Lima, 2013LIMA, Kátia. Expansão da educação superior brasileira na primeira década do novo século. In: PEREIRA, Larissa Dhamer; ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de (org.). Serviço Social e educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. (Coletânea Nova de Serviço Social).). Segundo Antunes (2020ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 23), convertidas em “grandes conglomerados privados ‘educacionais’”, as faculdades privadas têm se utilizado do EaD para reduzir o corpo docente, intensificar o labor e aumentar lucros, relegando e até desprezando o rigor, a ciência e a pesquisa.

Durante a pandemia, com a substituição emergencial do ensino presencial pelo ensino remoto, essa tendência veio a ser acelerada, causando muita preocupação e resistência entre aqueles que acreditam que não se pode assegurar uma formação inicial de qualidade no âmbito da educação a distância. O Serviço Social foi um dos cursos de graduação da UECE que questionaram a utilização do ensino remoto como forma de dar continuidade às aulas no período pandêmico, considerando o fato de que, historicamente, a profissão vem lutando “por uma educação pública, de qualidade, presencial e gratuita” em todos os níveis, capaz de garantir a “abertura de vagas públicas em cursos presenciais por todo o país, nas capitais e no interior, de forma qualificada e responsável com a qualidade do processo formativo” (CFESS, 2014CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Sobre a incompatibilidade entre graduação a distância e Serviço Social. Brasília: CFESS, 2014, v. 2., p. 35).

O fato é que, de repente, docentes e discentes tiveram de se adaptar às aulas mediadas por tecnologias da informação e comunicação, sem dispor dos recursos humanos, didático-pedagógicos e de infraestrutura adequados, o que levou muitos a afirmar que se trata de uma forma precarizada de EaD.

Em reuniões de colegiado do curso de Serviço Social da UECE, é comum ouvirmos relatos de experiências de professores e, principalmente, de professoras que passaram a acumular, no ambiente domiciliar, atividades docentes (planejamento, aulas, orientações, avaliação de trabalhos, coordenação de projetos etc.) com tarefas domésticas, o que teria aumentado consideravelmente os níveis de estresse e de ansiedade. Por parte de estudantes, as queixas relacionadas ao ensino remoto também são frequentes, entre as quais se destacam a falta de acesso a uma conexão de qualidade e equipamentos adequados; a dificuldade de conciliar trabalho com estudos; além dos sofrimentos psíquicos e dos problemas financeiros decorrentes da pandemia.

Diante desse contexto, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UECE aprovou a Resolução n. 4.544/2020UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Resolução n. 4.544/2020 - CEPE, de 24 de setembro de 2020. Fortaleza, 2020., a qual regulamenta, em caráter excepcional, a oferta especial de disciplinas e outros componentes curriculares da graduação no semestre 2020.1 por meio do ensino remoto, isto é: “aquele que ocorre em condições de distanciamento físico entre professor(a) e estudante, mediado por plataformas e tecnologias digitais ou outros meios de comunicação, incluindo atividades síncronas e assíncronas” (artigo 2o da Resolução n. 4.544/2020 do CEPE/UECEUNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Resolução n. 4.544/2020 - CEPE, de 24 de setembro de 2020. Fortaleza, 2020.).

A partir de iniciativas da Pró-reitoria de Graduação (PROGRAD), em parceria com a Secretaria de Apoio às Tecnologias Educacionais (SATE), a universidade promoveu atividades de formação pedagógica para professores(as), tendo em vista capacitar o corpo docente ao uso de plataformas e ferramentas digitais na condução das aulas remotas.

No que se refere às condições de realização do trabalho docente, a Resolução estabeleceu três horas de atividades de planejamento para cada hora de aula, alterando a proporção prevista no Plano de Atividade Docente (PAD) antes da pandemia, que era de uma hora de planejamento para cada hora de aula. Foi incluída, ainda, uma hora semanal para cada quatro horas de atividades de formação pedagógica em temas relacionados às tecnologias educacionais, o que antes não era contabilizado no PAD. Além disso, a duração mínima das aulas síncronas passou de 50 minutos para 30 minutos enquanto perdurar o ensino remoto.

As disciplinas com conteúdo prático puderam ser realizadas de forma presencial, desde que cumpridos os protocolos de segurança estabelecidos pela universidade e os decretos governamentais vigentes, observando-se a disponibilidade de insumos de limpeza e de equipamentos de proteção individual (EPIs). O período de trancamento de disciplinas foi flexibilizado, de modo a não prejudicar estudantes que não conseguiram apresentar desempenho satisfatório, os quais puderam solicitar o procedimento ao final do semestre, evitando-se, assim, reprovações.

Ademais, nos últimos semestres, após negociações com o governo estadual, por meio da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (SECITECE), a UECE disponibilizou mais de 3.500 chips com pacotes de dados de internet entre os estudantes matriculados nos cursos de graduação (cerca de 18.000 mil por semestre), além de garantir o pagamento de aproximadamente 1.200 bolsas de permanência universitária por ano para aqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica, com recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP), por meio da Pró-reitoria de Políticas Estudantis (PRAE). As bolsas de estudo pagas com recursos do Tesouro Estadual (destinadas a estudantes participantes de projetos de monitoria, pesquisa, extensão etc.) também foram mantidas, de modo a garantir a permanência e a qualidade da formação profissional dos estudantes em tempos de pandemia.

No semestre 2020.2, regulamentado pela Resolução n. 4.597/2021 do CEPE/UECEUNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Resolução n. 4.597/2021 - CEPE, de 15 de fevereiro de 2021. Fortaleza, 2021a., foi mantida a carga horária atribuída ao planejamento das aulas, na proporção de três para cada hora/aula. Já no semestre 2021.1, regulamentado pela Resolução n. 4.635/2021 do CEPE/UECEUNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Resolução n. 4.635 /2021 - CEPE, de 20 de julho de 2021. Fortaleza, 2021b., a maioria das determinações das resoluções anteriormente citadas foi mantida, reduzindo-se, todavia, a carga horária destinada ao planejamento de três para duas horas. Ao tomar essa decisão, o CEPE considerou, entre outros aspectos, a necessidade de aumentar a oferta de disciplinas aos estudantes interessados, principalmente os ingressantes (calouros) e os concludentes; assim como a maior capacitação do corpo docente para lidar com as tecnologias digitais, comparada à situação dos professores nos semestres anteriores.

Diversas atividades acadêmicas, como aquelas desenvolvidas pelo Programa de Educação Tutorial (PET),3 3 Instituído pela Lei n. 11.180, de 23 de setembro de 2005, o Programa de Educação Tutorial (PET) é desenvolvido por grupos de estudantes de diversas Instituições de Ensino Superior brasileiras, orientados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, sob a orientação de um docente chamado de tutor. O Programa tem por objetivo contribuir para a formação acadêmico-profissional, ética e cidadã de estudantes bolsistas de cursos de graduação, mediante o desenvolvimento de atividades extracurriculares de acordo com padrões de qualidade. foram executadas por meio remoto nos últimos semestres, entre as quais destacamos, no presente artigo, a atividade PET Tutoria, desenvolvida pelo PET do curso de Serviço Social. Trata-se de uma atividade que ocorre a cada início de semestre letivo, mediante rodas de conversa com estudantes calouros, tendo em vista aproximá-los da universidade e do curso, abordando temas basilares para sua formação acadêmico-profissional, por exemplo, projeto ético-político da profissão, projeto pedagógico de curso, áreas e campos de atuação profissionais etc. No segundo semestre do ano de 2020, devido ao contexto pandêmico, a atividade foi desenvolvida por meio remoto, através da plataforma Google Meet. Na ocasião, os estudantes que participaram das rodas de conversa do PET Tutoria foram convidados a participar da pesquisa sobre “os impactos do distanciamento social advindo da pandemia da covid-19 para os(as) estudantes do 1o semestre do curso”.

A pesquisa objetivou apreender comportamentos, percepções, práticas e condições educacionais dos estudantes ingressantes no curso de Serviço Social durante a pandemia. Importa destacar que, do total de 80 estudantes matriculados no primeiro semestre do curso (40 no turno diurno e 40 no turno noturno), 44 participaram da atividade e da pesquisa, sendo 22 do turno da manhã e 22 do turno da noite.

A participação dos estudantes na pesquisa, cujos resultados serão apresentados a seguir, foi voluntária, com possibilidade de desistência a qualquer momento, sendo sua identidade preservada.

3. Impactos das medidas de distanciamento social e do ensino remoto para estudantes participantes do PET Tutoria

É evidente que a pandemia da covid-19 impactou drasticamente a educação brasileira, visto que a maioria dos estudantes permaneceu sem aula por um longo período até que as instituições de ensino da educação básica, profissional, tecnológica e superior organizassem a oferta do ensino remoto. Além disso, a inexistência de recursos tecnológicos nas residências de milhares de estudantes corroborou para a ampliação da exclusão educacional.

Visando contribuir com os estudos sobre a temática, apresentaremos os principais achados da pesquisa realizada pelo PET de Serviço Social da UECE com estudantes de primeiro semestre participantes da atividade PET Tutoria. Inicialmente, ao ser indagada sobre a importância das medidas de distanciamento social adotadas pelo governo estadual, a totalidade dos estudantes participantes (44) respondeu que tais medidas eram importantes. Por sua vez, quando questionados se, de fato, estavam praticando o distanciamento social, 24 (54,54%) informaram que o praticavam totalmente e 20 (45,45%) que o praticavam parcialmente, sendo estes últimos, em sua maioria, estudantes do turno da noite que, em geral, trabalham durante o dia, provavelmente em serviços considerados essenciais,4 4 Os serviços essenciais que funcionaram durante o lockdown em Fortaleza foram: transporte público, transporte por aplicativo, mototáxi, supermercados, farmácias, padarias, mercadinhos, bancos, lotéricas, clínicas veterinárias (Diário do Nordeste, 2021). que permaneceram funcionando durante a quarentena. Outro fator que pode ter contribuído para o cumprimento apenas parcial do distanciamento social por parte de estudantes foi a proliferação de notícias falsas sobre a situação pandêmica no país, levando ao relaxamento e/ou descumprimento das necessárias medidas de prevenção.

Em seguida, indagados sobre a gravidade da pandemia da covid-19 no Brasil, 36 dos estudantes participantes (81,81%) avaliaram a situação como muito grave; sete (15,90%) a avaliaram como sendo grave; e apenas um estudante (2,27%) avaliou a situação como pouco grave. Diante disso, podemos questionar o que levaria um estudante universitário a considerar pouco grave a pandemia de covid-19 no país. Tal compreensão pode estar associada à presença da lógica neoliberal e do discurso negacionista no Brasil. Segundo Morel (2021MOREL, Ana Paula Massadar. Negacionismo da covid-19 e educação popular em saúde: para além da necropolítica. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19, e00315147, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-7746- sol0031. Acesso em: 17 jul. 2021.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, p. 4):

Ao negar a gravidade da pandemia e, consequentemente, os cuidados quanto a ela, intensificou-se a “política de morte”, descrita por Mbembe, voltada contra aqueles que sofrem com a precarização das suas vidas - negros, pobres, idosos, povos indígenas, mulheres. Essas populações seriam, portanto, um contingente de corpos descartáveis dentro da lógica do sacrifício inerente ao neoliberalismo, também chamado pelo autor de necroliberalismo.

Ao serem questionados sobre os impactos do distanciamento social sobre os seus hábitos pessoais, considerando os aspectos indicados no questionário da pesquisa, os estudantes revelaram que tiveram alterações no sono (90,9%), consumiram mais alimentos (90,9%) e assumiram mais obrigações domésticas/familiares do que o habitual (72,7%), bem como fizeram mais uso das mídias tradicionais e digitais para diversão, lazer e para buscar informações do contexto social (93,2%).

O fato é que a pandemia de covid-19 mudou completamente a rotina da população, principalmente em termos de privação do convívio social, advinda do medo de contágio da doença, que, aliado à ansiedade, favoreceu alterações no sono, na alimentação e nas emoções, repercutindo, consequentemente, no humor e na concentração dos jovens estudantes.

Quando questionados sobre o acesso à internet, podendo marcar mais de uma opção, 40 estudantes (90,90%) revelaram que acessavam a internet através do Wi-Fi residencial, 13 disseram que acessavam a internet por meio do plano de dados do celular e seis disseram ter dificuldade de acesso ou não ter acesso à internet, sobretudo estudantes matriculados no turno da noite. Na sequência, os estudantes foram indagados sobre os recursos tecnológicos de que dispunham para acessar a internet. Nesse aspecto, 42 estudantes (95,45%) responderam que dispunham de telefone celular, 25 (56,81%) que utilizavam notebook, oito que possuíam computador e dois responderam que usavam tablet.

É importante ressaltar que não se trata de um caso isolado, pois, de acordo com estudo realizado por Nascimento et al. (2020NASCIMENTO, Paulo Meyer et al. Acesso domiciliar à internet e ensino remoto durante a pandemia. Brasília: Ipea, 2020. 16 p. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10228 . Acesso em: 23 dez. 2020.
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
, p. 16):

[...] uma parcela considerável dos estudantes brasileiros de instituições públicas de ensino não possui as condições necessárias para acompanhar as atividades de ensino remoto propostas durante o período de isolamento social que ocorre durante a pandemia da Covid-19. Uma parte destes alunos não pode participar das atividades por não terem acesso aos equipamentos necessários para a transmissão de dados. Outros não têm acesso a mecanismos de transmissão, como a internet e ao sinal de TV digital.

Em nota elaborada de forma conjunta, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO)5 5 Disponível em: www.cfess.org.br. Acesso em: out. 2021. chamam atenção para o fato de que estudantes e docentes nem sempre vivem em ambientes adequados ao desenvolvimento de atividades de formação profissional que permitam a necessária concentração, já que a dinâmica familiar implica, muitas vezes, cuidados com crianças, pessoas idosas e adoecidas. Ademais, nem todos os estudantes têm acesso a computadores e à internet, o que dificulta e/ou inviabiliza o ensino retorno emergencial (ERE). Quanto às condições do trabalho docente, a referida nota aponta que muitos(as) professores(as) não estão familiarizados(as) com tecnologias da informação e comunicação, o que faz com que improvisem planos pedagógicos às pressas, correndo o risco de serem responsabilizados(as) pelo insucesso desse modelo de ensino.

As dificuldades de acesso à internet e às novas tecnologias de informação e comunicação contribuem para a ampliação das desigualdades sociais no presente e no futuro, afetando principalmente estudantes que se encontram em condições econômicas e sociais piores do que as de estudantes com acesso a tais tecnologias. Antes de relacionar essa problemática ao aumento das obrigações domésticas e familiares indicadas pelos estudantes pesquisados, importa destacar que estes estão em um curso composto majoritariamente por mulheres. De certa forma, apesar de as mulheres vivenciarem historicamente uma dupla jornada de trabalho, incluindo as atividades do trabalho profissional e as atividades familiares, em uma situação de isolamento social devido à pandemia, ambas passam a ocupar o mesmo espaço e, muitas vezes, sendo executadas ao mesmo tempo. A título de contribuição, Araújo e Iracema (2021ARAÚJO, Tânia Maria de; IRACEMA, Lua. O trabalho mudou-se para casa: trabalho remoto no contexto da pandemia de covid-19. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, n. 26, e27, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2317-6369000030720. Acesso em: 10 jul. 2021.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, p. 7) inferem que:

[...] a conciliação entre o trabalho familiar e profissional está particularmente afetada durante a pandemia, seja pelo fechamento de escolas e creches, pela suspensão das atividades das cuidadoras profissionais (diaristas, trabalhadoras domésticas e babás) ou pelo distanciamento de parentes, amigos e/ou vizinhos que auxiliavam como cuidadores informais. Sem surpresa, esse trabalho doméstico extra, produzido pela pandemia, recaiu sobre as mulheres, exacerbando as desigualdades de gênero na divisão do trabalho doméstico nas famílias.

Ao abordarmos os impactos do distanciamento social para as atividades acadêmicas dos participantes da pesquisa, observamos que apenas dois estudantes afirmaram que mantiveram a produtividade de sempre e dois aumentaram a produtividade, enquanto 33 (75%) disseram que diminuíram a produtividade e sete não responderam a essa questão. Para os estudantes que indicaram ter diminuído a produtividade, solicitamos que assinalassem as possíveis causas do problema entre as opções elencadas na questão, e a maioria das respostas indicou que as condições psicológicas e emocionais interferem no desenvolvimento de suas atividades de trabalho e de estudo. Isso aponta, diante de um contexto de pandemia e de aulas remotas, a relevância da criação e/ou ampliação, por parte da administração superior da UECE, de canais de comunicação com a comunidade acadêmica, com o intuito de identificar e acolher as demandas por serviços de apoio psicossocial voltados não apenas para estudantes, mas também para professores universitários.

Indagados sobre os conhecimentos apreendidos por meio de atividades remotas, 36 dos estudantes (81,81%) informaram que aprenderam menos do que no ensino presencial; quatro (9,09%) informaram que aprenderam do mesmo modo; um (2,27%) afirmou que aprendeu mais no ensino remoto; e três (6,81%) não souberam responder à questão. Os resultados indicam que o ensino remoto emergencial (ERE) não tem contribuído satisfatoriamente para a formação profissional dos estudantes. Essa realidade não se limita a estudantes e professores da UECE. Segundo ressaltam Amaral e Polydoro (2020AMARAL, Eliana; POLYDORO, Soely. Os desafios da mudança para o ensino remoto emergencial na graduação na Unicamp - Brasil. Linha Mestra, n. 41A, p. 52-62, set. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.34112/1980-9026a2020n41ap52-62. Acesso em: 10 jul. 2021.
https://doi.org/https://doi.org/10.34112...
, p. 55-56):

A garantia de uma infraestrutura de rede confiável é um dos elementos principais para o ERE, a fim de garantir participação nos momentos síncronos, usar recursos em tempo real, assistir a vídeos, baixar materiais, fazer upload, trabalhar com colegas em produções colaborativas (HUANG et al., 2020). Além disso, alguns cuidados também deveriam ser considerados para que os estudantes pudessem gerenciar de forma mais autônoma sua aprendizagem, sem contato presencial com colegas e equipe acadêmica (SANDARS et al., 2020). Em acréscimo, Meyer (2014) alerta que o estudante pode não dispor de tempo suficiente para as atividades, não ter experiência prévia com a aprendizagem on-line e não saber como agir, ter dificuldade em autorregular seu próprio comportamento, ser menos disposto a metodologia ativa ou preferir abordagens face a face.

Enfim, diversos são os problemas e as dificuldades vivenciados pelos estudantes com o ensino remoto, desde a ansiedade e a falta de acesso a equipamentos digitais e conexão de qualidade até a incapacidade de prover a própria subsistência ou de conciliar os estudos com trabalhos precários e domésticos, passando por prejuízos, sofrimentos e perdas de toda sorte, que afetam significativamente sua saúde física e mental: perda de trabalho e renda, perda de direitos, perda de parentes e amigos levados pela doença, entre outras.

No atual contexto pandêmico, a comunidade acadêmica da UECE e, particularmente, o curso de Serviço Social vêm buscando adaptar-se ao ensino remoto, enfrentando as dificuldades, os desafios e as contradições acentuadas pela crise atual, sem perder de vista, no entanto, o retorno ao ensino presencial com qualidade.

Considerações finais

A substituição, em caráter emergencial, do ensino presencial pelo ensino remoto foi a saída encontrada pelas escolas e pelas instituições de ensino superior, a exemplo da UECE, para garantir a continuidade das aulas durante o período de distanciamento social decorrente da pandemia e, assim, evitar prejuízos maiores à educação.

Todavia, professores(as) e estudantes enfrentaram muitas dificuldades e desafios no processo de adaptação às aulas mediadas por novas tecnologias de informação e comunicação. Além da falta de acesso universal à internet e de equipamentos digitais adequados ao acompanhamento das atividades acadêmicas remotas, foi preciso adaptar o ambiente doméstico à rotina intensa de trabalho e de estudos, combinada às tarefas domiciliares e às responsabilidades familiares, num contexto marcado, ainda, por forte recessão econômica, desemprego, pobreza, aumento da inflação e redução do poder aquisitivo da população.

Diante desse contexto, o adoecimento psíquico se tornou recorrente na comunidade acadêmica, particularmente na universidade pública, onde houve certa resistência ao home office e ao ensino remoto, devido às preocupações com o futuro da educação superior e do trabalho docente, quando tais modalidades tendem a atender cada vez mais às necessidades de reprodução do capital, em detrimento das interações humanas, da formação profissional crítica e da organização política da classe trabalhadora.

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  • 1
    A UECE é uma instituição pública de ensino superior multicampi, criada há mais de 40 anos por meio do Decreto n. 11.233/1975. Atualmente, oferta diversos cursos de graduação e de pós-graduação lato e stricto sensu, com campi localizados na capital Fortaleza e em municípios do interior do estado do Ceará. Grande parte dos cursos de graduação da universidade é voltada para a formação de professores (licenciaturas), mas há, também, diversificada oferta de cursos de bacharelado, incluindo o de Serviço Social. Em mais de 20 municípios, a universidade oferta, ainda, cursos na modalidade a distância, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB).
  • 2
    Disponível em: www.cfess.org.br. Acesso em: out. 2021.
  • 3
    Instituído pela Lei n. 11.180, de 23 de setembro de 2005, o Programa de Educação Tutorial (PET) é desenvolvido por grupos de estudantes de diversas Instituições de Ensino Superior brasileiras, orientados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, sob a orientação de um docente chamado de tutor. O Programa tem por objetivo contribuir para a formação acadêmico-profissional, ética e cidadã de estudantes bolsistas de cursos de graduação, mediante o desenvolvimento de atividades extracurriculares de acordo com padrões de qualidade.
  • 4
    Os serviços essenciais que funcionaram durante o lockdown em Fortaleza foram: transporte público, transporte por aplicativo, mototáxi, supermercados, farmácias, padarias, mercadinhos, bancos, lotéricas, clínicas veterinárias (Diário do Nordeste, 2021DIÁRIO DO NORDESTE. O que muda em Fortaleza no primeiro dia de lockdown. Fortaleza, 19 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/metro/o-que-muda-em-fortaleza-no-primeiro-dia-de-lockdown-1.2243269 . Acesso em: 22 jul. 2021.
    https://diariodonordeste.verdesmares.com...
    ).
  • 5
    Disponível em: www.cfess.org.br. Acesso em: out. 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2021
  • Aceito
    08 Fev 2022
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