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Editorial

Em 2016 comemoramos 80 anos do Serviço Social brasileiro, um percurso marcado pela disputa de direção política na intervenção profissional, na produção acadêmica e na organização social da categoria.

A revista Serviço Social & Sociedade, neste número especial, presta sua homenagem às(aos) assistentes sociais brasileiras(os) que construíram com suas lutas a história da profissão e da área de conhecimento em nosso país.

No contexto desta trajetória, a revista tem um lugar importante de difusão da produção acadêmica e profissional, estimulando o debate plural e democrático de ideias, de concepções, de polêmicas teórico-metodológicas, num movimento constante de diálogo com a realidade. Como já nos ensinava o professor Florestan Fernandes,

Só com base nos resultados de investigações metódicas é possível evitar os riscos da improvisação ou do conhecimento imperfeito da realidade. Contudo, achamos que, em certas circunstâncias, é preferível romper o silêncio e discutir as coisas de modo subjetivo, a conservar a reflexão sociológica afastada dos problemas cruciais da atualidade. (Fernandes, 2008, p. 269)1 1 Fernandes, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. 4. ed. rev. São Paulo: Global, 2008.

No editorial de seu 1º número, em setembro de 1979, a revista já se assumia como aberta, crítica, geradora de debate, fundamentada mesmo no exercício democrático de liberdade [...] com a finalidade de contribuir para o fortalecimento da categoria profissional, incentivando a reflexão, a crítica e o confronto de ideias [...]

Nestas quase quatro décadas de existência, a revista vem cumprindo seus objetivos, ampliando ainda a interlocução internacional com a participação de autores e centros de pesquisa e formação latino-americanos, europeus, africanos, dentre outros.

Na trajetória histórica do Serviço Social brasileiro, a revista Serviço Social & Sociedade é, sem dúvida, um ator fundamental e estratégico. Os desafios continuam, e, numa arena de disputas cada vez mais presentes na sociedade, com reflexos importantes no meio acadêmico e profissional, veículos com as características de nossa revista têm de ser preservados e renovados, fortalecendo seu papel de difusor de um conhecimento crítico fundamentado e comprometido com as questões prementes do Serviço Social e da sociedade brasileira.

Para este número recebemos vários artigos que, sob eixos diferentes, reconstroem o processo histórico do Serviço Social brasileiro, desde suas origens até os diais atuais, enfatizando o caminho de ruptura com o conservadorismo.

Abrimos com reflexões provocativas da professora Potyara A. P. Pereira sobre "a performance da profissão na ordem burguesa, partindo dos países capitalistas que lhes serviram de berço". A autora chama a atenção sobre relação de ambivalência do Serviço Social com a lógica capitalista, "fazendo-o viver, constantemente, entre o fogo cruzado de concepções divergentes", iluminando a propensão da profissão de "remar, em qualquer contexto, contra os ditames do sistema que o engendrou".

Contribui nesta reflexão o artigo sobre os fundamentos e a gênese da questão social que revela os processos e contradições fundamentais da sociedade capitalista, nos quais coexistem e se completam mecanismos de exploração e opressão que aprofundam a acumulação do capital.

Na sequência selecionamos um conjunto de artigos que tratam de temas centrais na trajetória da profissão, como a formação, a docência, o trabalho profissional, as lutas e a organização da categoria, resgatando a direção social da profissão e a construção do projeto ético-político do Serviço Social.

A formação é abordada em três artigos. O primeiro, a partir a construção histórica da primeira Escola de Serviço Social (1936), revisita os currículos e projetos pedagógicos desde então, enfatizando as mudanças e inflexões políticas e pedagógicas na ruptura com o conservadorismo e sob a liderança da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS), atual Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Tais projetos foram iluminados por perspectivas ideopolíticas diferenciadas, desde a vinculação com o pensamento social da Igreja, a perspectiva modernizadora, até a ruptura com a tradição conservadora com a aproximação à tradição marxista e a opção pela teoria social crítica, numa perspectiva emancipatória.

Compõe ainda essa reflexão outro interessante artigo que recupera a trajetória acadêmica de professoras aposentadas do Serviço Social no estado do Ceará, que aponta as vinculações entre o exercício profissional e o magistério.

Um terceiro artigo focaliza a formação profissional a partir de investigação sobre a temática de gênero em currículos de cursos de Serviço Social em Instituições de Ensino Superior no estado do Rio de Janeiro, revelando a baixa presença deste conteúdo nos currículos e a incipiência da apreensão da centralidade do tema nas relações sociais na sociabilidade capitalista, bem como no exercício profissional.

Essas determinações estão, também, presentes nas análises sobre os caminhos da profissão, das suas origens até os desafios colocados ao trabalho profissional no século XXI.

Os marcos da organização e luta da categoria são destacados nos diferentes contextos sociopolíticos brasileiros, com destaque para a ruptura do Serviço Social brasileiro com as matrizes conservadoras e a construção do projeto profissional articulado ao projeto societário na direção estratégica emancipatória.

No século XXI, novos desafios se colocam para a profissão no plano teórico, formativo, interventivo e ético-político-organizativo. Destacam-se, entre os desafios na contemporaneidade, a precarização do trabalho no sistema capitalista e, em particular, os rebatimentos para o Serviço Social no Judiciário.

A trajetória de Dona Ivone Lara, uma das primeiras assistentes sociais negras do Brasil, no contexto do Serviço Social do Rio de Janeiro, que atuou como enfermeira e visitadora social na Escola Ana Nery, tendo concluído o curso de Serviço Social em 1947, é tema de reflexão sobre a laicização da profissão.

A revista traz ainda artigo crítico sobre o pensamento de Jeannine Verdès-Leroux e o Serviço Social, pesquisadora francesa que analisou, no final dos anos 1970, a atuação dos assistentes sociais franceses, abordando o contexto tradicional da profissão. O artigo contribui para a compreensão das fontes e influências que balizaram a produção do Serviço Social tradicional.

Terminamos este número da revista Serviço Social & Sociedade com uma homenagem especial à querida assistente social e professora da PUC-SP Maria Lúcia Carvalho da Silva, falecida em 1º de julho de 2016. Malu, como era chamada por todas e todos, pertencia à segunda geração de assistentes sociais brasileiras, e sua trajetória pessoal e profissional identifica-se com a construção do Serviço Social brasileiro e latino-americano.

  • 1
    Fernandes, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. 4. ed. rev. São Paulo: Global, 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016
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