Open-access Decolonialidade e Serviço Social: um debate emergente*

Decoloniality and Social Work: an emerging debate

Resumo:

Este artigo reflete acerca das contribuições do pensamento decolonial para o Serviço Social. Considera a colonialidade e a decolonialidade como ferramentas de análise e projeto ético e político, que oferecem alternativas de conhecimento e transformação social devido à diversidade epistêmica teórica, política e pedagógica. Propõe complexificar e questionar a lógica de produção de conhecimento moderna/ocidental, evidenciando categorias e conceitos úteis à prática e à produção científica da profissão.

Palavras-chave:  Colonialidade; Decolonialidade; Serviço Social; Transformação social

Abstract:

This article reflects on the contributions of decolonial thinking to social work. It considers coloniality and decoloniality as analysis tools and ethical and political projects that offer alternatives for knowledge and social transformation due to theoretical, political and pedagogical epistemic diversity. It proposes to make more complex and question the logic of modern/Western knowledge production, highlighting categories and concepts that are useful to the practice and scientific production of the profession.

Keywords:  Coloniality; Decoloniality; Social Work; Social transformation

1. Pós-moderno, pós-colonial e decolonial: notas introdutórias

As últimas três décadas foram marcadas por uma renovação nos pensamentos críticos latino-americano e caribenho como resposta à chamada crise da modernidade, ao avanço do capitalismo global e neoliberal, aos movimentos de diversidade e aos fenômenos sociais que desafiaram os cânones teóricos e explicativos das Ciências Sociais.

Na esteira desse movimento, em finais da década de 1980, o pensamento decolonial1 foi sistematizado como “corriente crítica de pensamiento, acción y experiencia social con activistas sociales e intelectuales de centros académicos, pero más que nada, comunidades, colectivos y pueblos diversos de Latinoamérica y el Caribe” (Gómez Hernández, 2018a).2 Também nomeado de “giro decolonial” (Castro-Gómez; Grosfoguel, 2007), vem se configurando em um projeto de deslocamento epistêmico na esfera social e no âmbito acadêmico distinto da crítica pós-moderna, pós-colonial e da teoria crítica, as quais consideram projetos de transformação que operam e operaram basicamente nas academias europeia e norte-americana.

Desde a década de 1990, se avolumam nas Ciências Sociais e Humanas os debates envolvendo matrizes marxistas, modernas e pós-coloniais que polarizam e impactam novas apropriações teórico-metodológicas e se refletem na produção científica do Serviço Social (Bartolovich; Lazarus, 2002). No campo teórico do Serviço Social, a influência de correntes do pensamento pós-moderno, identificado como “neoconservador”, vem sendo fortemente combatida (Netto, 1996), ainda que, segundo Yazbek (2009, p. 25), “a reafirmação das bases teóricas do projeto ético-político, teórico-metodológico e operacional, centrada na tradição marxista, não pode implicar a ausência de diálogo com outras matrizes do pensamento social”.

O pensamento pós-moderno ganhou destaque na década de 1970, impulsionado pela crítica empreendida pelo filósofo Lyotard (1984) e agrupando nomes como Foucault (2019), Giddens, (2002), Derrida (1978) e Baudrillard (1983). A crítica se estrutura no questionamento ao universalismo e às grandes narrativas da história unilinear, construídas sobre conceitos totalizantes e hierárquicos de progresso, desenvolvimento ou modernização. Refuta os projetos de transformação social e considera a emancipação um mito. Celebra a desconstrução e o relativismo com ênfase na fragmentação, nas margens ou periferias, na heterogeneidade e na pluralidade das subjetividades.

Segundo Boaventura Santos (2008), as crises do capitalismo e do socialismo dos países do Leste europeu na década de 1990 exigiram uma ampliação do conceito, tanto como um novo paradigma epistemológico quanto novo paradigma social e político. Para o autor, a própria designação pós-moderno é inadequada, pois sugere uma sequência temporal ligada à ideia de que o desenvolvimento tanto científico como social seriam homogêneos no mundo, o que reproduz uma visão eurocêntrica. Ainda assim, considera que as concepções pós-modernas e pós-estruturalistas, ao realizarem uma crítica ao universalismo e ao historicismo do Ocidente como centro do mundo, contribuíram para a emergência do pensamento pós-colonial e sua crítica que evidencia, teórica e politicamente, as relações de desigualdade entre o Norte e o Sul no mundo contemporâneo (Santos; Meneses, 2014).

De acordo com Costa (2006a), o prefixo “pós” de pós-colonial não oblitera os efeitos do colonialismo, ao contrário, considera sua atualidade nas situações de opressão diversas, definidas a partir de fronteiras de gênero, étnicas ou raciais. Como uma escola de pensamento, o pós-colonial não tem uma matriz teórica única, sendo associado aos trabalhos de teóricos como Césaire (2006), Fanon (2018), Memmi (1974), Said (2007) e Bhabha (1991; 1998). Como linha epistêmica, explora as fronteiras e produz uma reflexão para além da teoria, mediada por pelo menos três correntes ou escolas contemporâneas: o pós-estruturalismo e o caráter discursivo do social; o pós-moderno e a categoria empírica que descreve o descentramento das narrativas e dos sujeitos contemporâneos com centralidade na transformação social e no combate à opressão na agenda de investigação e, finalmente; os estudos culturais, do qual a distinção seria apenas cronológica, na medida em que, a partir de meados dos anos de 1980, Stuart Hall desloca sua atenção de questões ligadas à classe e ao marxismo para temas como racismo, etnicidades, gênero e identidades culturais (Escosteguy, 2010; Restrepo; Walsh; Vich, 2013).

A releitura pós-colonial da história moderna busca reinserir, reinscrever o colonizado na modernidade, não como o outro do Ocidente, sinônimo do atraso, do tradicional, da falta, mas como parte constitutiva essencial daquilo que foi construído, discursivamente, como moderno (Costa, 2006b, p. 121).

Na composição dos Estudos pós-coloniais, o grupo sul-asiático dos Estudos subalternos surge como um movimento epistêmico, intelectual e político reunindo teóricos/as como Chakrabarty (2009), Chatterjee (2006), Guha e Spivak (1988) e Spivak (2010). Sob sua inspiração, em 1992, um grupo de intelectuais latino-americanos e americanistas, liderados por Castro-Gómez e Mendieta (1998), fundou nos Estados Unidos o Grupo Latino-Americano dos Estudos Subalternos.

No mesmo ano, Mignolo (1998), apoiado na argumentação de que a trajetória da América Latina para o desenvolvimento do capitalismo mundial foi diferenciada, sendo a primeira a sofrer a violência do esquema colonial/imperial moderno, dirigiu uma crítica radical aos Estudos culturais, pós-coloniais e subalternos por não realizarem uma ruptura adequada com autores eurocêntricos. As divergências teóricas abriram caminho para a criação do Grupo Modernidade/Colonialidade,3 que impulsionou o “giro decolonial”. Como princípio, a decolonialidade não é compreendida pelo grupo como uma teoria única e explicativa do social, mas antes como uma opção que se articula e dialoga com diversas perspectivas críticas, entre elas a teoria da dependência, a filosofia da libertação, o sistema mundo moderno colonial, os marxismos, estudos pós-coloniais, culturais, subalternos e feministas, a educação popular e as metodologias participativas (Gómez Hernández; Sánchez, 2018b).

A genealogia do pensamento decolonial ultrapassou as fronteiras geopolíticas, imprimindo um novo rumo à leitura da história mundial, colocando a colonialidade do poder, conceito sistematizado por Aníbal Quijano, em 1989, como eixo fundamental de debates e propostas de se pensar os povos subalternizados, as heranças coloniais latino-americanas e as especificidades dos seus espaços territoriais. Geopoliticamente localizado, o pensamento decolonial evidencia as opressões compartilhadas e a racialização dos povos originários e de ascendência africana, que vivenciam cotidianamente as relações duradouras e as sequelas da colonização. Para Segato (2013, p. 17), as teorias decoloniais são uma das poucas “teorías originadas en el suelo latinoamericano que cruzaron en sentido contrario la Gran Frontera, es decir, la frontera que divide el mundo entre el Norte y el Sur geopolíticos, y alcanzaron impacto y permanencia en el pensamiento mundial”.4

Os debates e as apropriações das teorias decoloniais vêm se dando com intensidade distinta nas disciplinas, cursos de graduação e pós-graduação de áreas diversas no contexto brasileiro, segundo o estudo recente de Mizetti e Martello (2022).

Um breve estudo exploratório acerca das produções científicas, livros e artigos que problematizam as contribuições decoloniais para o Serviço Social, com recortes geopolíticos brasileiro e português, foi realizado entre 2021 e 2022 no âmbito do projeto de tese de doutorado, a partir do qual se constrói essa escrita.5 A pesquisa, realizada em duas plataformas de literatura acadêmica e numa base de dados de teses e dissertações,6 utilizou como ferramenta de busca as palavras: Serviço Social; Trabajo Social; Social Work; decolonialidade; decolonialidad; descolonialidade. De acordo com os resultados dessa busca restrita, as produções embasadas na teoria decolonial são incipientes no Brasil até 2018 e se configuram inexistentes em Portugal. Entre 2018 e 2022, houve um crescimento significativo de textos e teses que colocam em debate a decolonialidade e a questão social, principalmente as ligadas à questão racial e feminista, entre os quais merecem citação os trabalhos de Amoras e Pontes (2022); Barbosa et al. (2019); Silva et al. (2021); Oliveira (2022); Santos (2018); Silva (2022); e Brito et al. (2021). No mesmo período, em contexto português, manteve-se a ausência e não foi possível identificar produção científica, acadêmica nem pesquisas sobre o tema.

Na América Latina, merece nota a publicação Trabajo social y decolonialidad: epistemologías insurgentes para la intervención en lo social (Hermida; Meschini, 2017) e a revista Propuestas Críticas en Trabajo Social, publicada desde 2021, vinculada à Faculdade de Ciências Sociais da Universidade do Chile.

Ainda que até recentemente as teorias decoloniais se configurassem um tema pouco “atraente” para o Serviço Social no caso do Brasil e se mantenham assim em Portugal, é incontornável admitir que se trata de um debate emergente e consistente, que agrega uma diversidade de movimentos teóricos de caráter crítico, ético, político e metodológico que têm contribuições a oferecer, e que o aumento das produções acadêmicas e científicas aponta caminhos de apropriações teóricas.

No sentido de explorar as possibilidades, este ensaio distingue dois tópicos para abordar: (i) o enquadramento teórico da colonialidade e do pensamento decolonial; (ii) as possíveis apropriações dos conceitos decoloniais pelo Serviço Social. A título de conclusão, apresentam-se as articulações para fundamentar a práxis e as possíveis contribuições da produção científica da profissão para a temática decolonial.

2. Colonialidade, decolonialidade e o social: contexto teórico

O conceito colonialidade emerge do colonialismo7 e especifica um projeto particular: o da ideia da modernidade e do seu lado constitutivo e mais obscuro, que surgiu com a história das invasões europeias e a formação das Américas e Caribe, e o tráfico maciço de povos africanos escravizados. A colonialidade é um conceito decolonial, uma resposta específica à globalização e ao pensamento linear global. É um projeto que não pretende se tornar único, mas é uma opção particular entre as diversas opções decoloniais (Mignolo, 2017).

La colonialidad es uno de los elementos constitutivos y específicos del patrón mundial de poder capitalista. Se funda en la imposición de una clasificación racial/étnica de la población del mundo como piedra angular de dicho patrón de poder y opera en cada uno de los planos, ámbitos y dimensiones, materiales y subjetivas, de la existencia social cotidiana y a escala societal. Se origina y mundializa a partir de América (Quijano, 2000b, p. 342).8

A colonialidade/colonialidade do poder, sobre a qual assenta o pensamento decolonial, permite compreender a continuidade das formas coloniais de dominação após o fim das administrações coloniais produzidas pelas culturas coloniais e pelas estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/colonial (Grosfoguel; Mignolo, 2008). A colonialidade se configura em uma matriz colonial de poder complexa e de níveis entrelaçados, como o controle da economia, da autoridade, da natureza e dos recursos naturais, de gênero e da sexualidade, da subjetividade e do conhecimento. Nela, o trabalho, as subjetividades, os conhecimentos, os lugares e os seres humanos do planeta são hierarquizados e governados a partir de sua racialização9 (Wallerstein; Quijano, 1992).

A lógica da colonialidade opera em três níveis: “Colonialidad del poder (político y económico), Colonialidad del saber (epistémico, filosófico, científico y en la relación de las lenguas con el conocimiento), Colonialidad del ser (subjetividad, control de la sexualidad y de los roles atribuidos a los géneros, etc.)” (Mignolo, 2010, p. 12).10

Nesse sentido, a decolonialidade se volta para a reconstrução e a restituição de histórias silenciadas, subjetividades reprimidas, linguagens e conhecimentos subalternizados pela ideia de totalidade definida pela modernidade e racionalidade eurocêntrica (Quijano, 2000a). Segundo Wallerstein e Quijano (1992, p. 437): “La crítica del paradigma europeo de la racionalidad/colonialidad es indispensable. […] Es la instrumentalización de la razón por el poder colonial, en primero lugar, lo que produjo paradigmas distorsionados de conocimiento y malogró las promesas libertadoras de la modernidad”.11

O pensamento decolonial é um conjunto de conceitualizações, debates teóricos e intervenções epistêmicas que complexifica a análise da história e expõe os efeitos contemporâneos do colonialismo nas estruturas sociais. Como sequela, a colonialidade, produzida em ambos os extremos da relação colonial, segue desumanizando povos até os dias atuais.

Como uma proposta de deslocamento epistêmico, demarca um momento de quebra e de fratura com as dicotomias naturalizadas pela modernidade. Segundo Castro-Gómez e Grosfoguel (2007, p. 30), “es la apertura y la liberdad del pensamiento y de formas de vida-otras (economías-otras, teorías políticas-otras) […] el desprendimiento de la retórica de la modernidad y de su imaginario imperial”.12 Nesse sentido, configura-se num movimento indissociavelmente teórico, ético e político que questiona as pretensões de neutralidade e objetividade do conhecimento científico dos últimos séculos no campo das Ciências Sociais, que se constituíram como discursos legitimadores de opções político-econômico-ideológicas, tornando uma experiência particular de modernidade em padrão universal incontestado (Castro-Gómez, 2000).

O desafio ético-político-epistemológico trazido pelo pensamento decolonial é o de construir uma consciência a partir da geopolítica do conhecimento, de onde se questione a crença iluminista na transparência da linguagem, privilegiando a fratura epistemológica capaz de inserir uma perspectiva nova e libertadora, tanto no campo discursivo como na esfera da ação. Busca transcender historicamente a colonialidade com um projeto de complexidade e profundidade para subverter o padrão de poder colonial, afirmando que a colonialidade é o “lado obscuro” da modernidade, ou seja, não há modernidade sem colonialidade e esta, por sua vez, supõe a modernidade. Como matriz teórica, o conceito de colonialidade e sua abordagem decolonial se inserem em um conjunto de diferentes tradições e resistências que se constituíram ao longo do século XX sob o rótulo das Epistemologias do Sul frente à lógica da geopolítica colonial e neoliberal (Santos; Meneses, 2014).

A reflexão continuada sobre a realidade cultural e política, que inclui o conhecimento subalternizado dos grupos explorados e oprimidos, é uma forte característica do pensamento decolonial. Nesse sentido, propõe pensar desde as fronteiras para questionar o poder, o ser e o conhecimento das sociedades hegemônicas modernas, e promover sociedades, povos e etnias que foram invisibilizados, discriminados e negados.

Como um projeto acadêmico, social e político, reivindica outras formas de conhecer, relacionar, compreender e interagir apoiadas na revisão e no questionamento da narrativa hegemônica eurocêntrica, que nega outros modos de conhecer e viver. Para tanto, analisa criticamente a matriz colonial e evidencia os processos de racialização, que atribuem a cada povo uma condição racial diferente acompanhada de um lugar em uma escala de hierarquias, em que o mais alto grau de humanidade é mantido pelos héteros, brancos e europeus. Como virada epistêmica, é capaz de contaminar todas as áreas do conhecimento, da arte e da cultura, instigando o repensar das relações entre a Europa e a América, a Europa e o resto do mundo, bem como a urgente dissolução das dicotomias Norte/Sul, Primeiro/Terceiro Mundo.

No campo disciplinar ligado ao social, é necessária a articulação da decolonialidade com o Serviço Social, uma vez que a história da profissão está profundamente enredada em estruturas eurocêntricas e fundada em relações de poder, privilégio, branquitude e opressão de gênero. No cotidiano, no qual se efetivam as intervenções junto a pessoas e grupos diversos, gestando relações intersubjetivas e estruturais, o enfoque sobre a diversidade deve fazer parte da práxis com ênfase na descolonização. Nesse sentido, a ação necessita promover processos que articulem os cenários micro, meso e macrossociais (Gómez Hernández; Sánchez, 2018b).

Considerando uma análise da colonialidade, sistema a partir do qual funciona o Serviço Social, a interseccionalidade13 surge como uma alternativa estratégica para decodificar o cotidiano de intervenção em que o discurso é dominante e opressivo, favorecendo a compreensão das variáveis que aprofundam a subalternidade.14

Na esteira desse debate, Gómez et al. (2018b), ao analisarem as categorias questão social colonial, diferença colonial, imaginários coloniais, colonialidade do saber, poder e do ser, propõem que o Serviço Social se some a esses estudos e contribua com eles, acrescentando a categoria “colonialidade de atuar”.

3. Epistemologias decoloniais e/no Serviço Social

No campo dos saberes, as humanidades e as ciências, através das suas práticas e postulados, não deixaram de adotar um modo de pensar o conhecimento, de transmiti-lo e de aplicá-lo como modelo de progresso e de crescimento. As Ciências Sociais ocidentais da segunda etapa da expansão colonial estabeleceram maneiras particulares de conhecer e representar os lugares dominados em benefício do Ocidente e como forma de justificar sua atuação política e econômica. Em ambas as etapas da modernidade, o conhecimento foi sempre uma ferramenta indispensável da justificativa ideológica de colonização (Mignolo, 2010). Assim, a ciência moderna produziu objetos de conhecimento, como “América”, “Índias Ocidentais”, “América Latina” ou “Terceiro Mundo”, que permanecem funcionando como estratégias coloniais de subalternização (Castro-Gómez; Grosfoguel, 2007; Said, 2007). Segundo Quijano (2000b), a “colonialidade do saber” expressa na produção de conhecimento moderno consiste em elaborar e formalizar maneiras que satisfaçam as necessidades do capitalismo. Nesse sentido, a crítica à legitimação do conhecimento a partir da modernidade requer o reconhecimento de que todo o conhecimento é válido, situado histórica, corporal e geopoliticamente (Lander, 2011).

Nesse contexto, algumas problematizações são fundamentais para uma articulação entre o pensamento decolonial e o Serviço Social.

Um diálogo entre as matrizes teóricas e metodológicas da profissão e o arcabouço teórico decolonial deve buscar responder: (i) Como a decolonialidade pode contribuir para descolonizar o Serviço Social? (ii) O conceito de colonialidade é uma ferramenta aplicável para analisar a questão social e construir metodologias para a práxis profissional? (iii) Como as teorias decoloniais contribuem na produção científica crítica do Serviço Social?

Assim como as Ciências Sociais, o Serviço Social protagonizou um papel significativo na sobrevivência da colonialidade do poder, do saber e do ser. Sua descolonização e transição para a decolonialidade são fundamentais, tendo em vista serem geradoras de conhecimentos, teorias e métodos de intervenção. Para Gómez Hernández (2018a),

Sí la génesis del Trabajo Social se ubica en la modernidad, entonces, está fuertemente permeada por las instituciones políticas, económicas, sociales y culturales que le son afines. Esto conlleva, a que en su ser identitario profesional y disciplinar existan herencias coloniales que deben ser revisadas, discutidas y ojalá descolonizadas. Justamente, por el impacto en personas, grupos, colectivos, comunidades y pueblos, que tienen otras apuestas de vida y se movilizan desde sus reivindicaciones, diferencias, diversidades y heterogeneidades, para ser partícipes de procesos de transformación y liberación social desde lo más cotidiano.15

Como parte de um processo contínuo, a descolonização do Serviço Social deve contaminar a formação, pois requer um esforço concentrado para desconstruir as estruturas das heranças coloniais, a fim de reimaginar e mudar a educação e a prática de Serviço Social.

Santos (2018) percorre o itinerário da definição global do Serviço Social e observa que há um forte sentido que convoca para a profissão um papel de agente ativo da justiça social, dos direitos humanos, da responsabilidade coletiva e do respeito pela diversidade, adotando a mudança social como um meio para o alcançar. Contudo, observa que, embora essa definição remeta para uma identidade política da profissão, há pouca consciência dessa dimensão por parte das/os profissionais.

A reflexão crítica a partir do conceito “colonialidade” pode contribuir para a complexificação da análise e da intervenção, uma vez que convoca para o cenário profissional, como protagonistas, os sujeitos invisibilizados historicamente, numa perspectiva de longa duração histórica (Braudel, 1958). A opção decolonial fortalece o Serviço Social quando ressignifica sua história, epistemologias, metodologias, pedagogias e aportes éticos, ao mesmo tempo que amplia o pensamento crítico ao reconhecer a diversidade como estratégia de ação emancipatória. Centra-se numa abordagem social mais complexa, que questiona posturas conservadoras de investigação e intervenção, presas a teorias sociais e métodos científicos de correntes positivistas, funcionalistas, estruturalistas, materialistas de influência cristã, liberal e marxistas que, via de regra, mantiveram distante e não reconheceram os saberes tradicionais, ancestrais nem populares, os quais foram considerados não válidos pelos cânones acadêmicos. Tais posturas seguem reproduzindo a colonialidade do saber através das práticas colonizadoras que reforçam as heranças coloniais. Por outro lado, o conhecimento situado, pleiteado pelo pensamento decolonial, não é a negação absoluta dos conhecimentos produzidos a partir da realidade e provenientes da Europa e dos Estados Unidos; também não significa a construção de um conhecimento apartado deles. Trata-se de reconhecer a existência de um conhecimento proveniente da colonização, que faz parte da diferença e da herança colonial, instaurado com as invasões e com a colonização. Trata-se da responsabilização com a recuperação, o reconhecimento e a valorização das identidades de origens ancestrais que foram apagadas da nossa história (Gómez-Hernández, 2017).

A perspectiva crítica decolonial e intercultural instrumentaliza um Serviço Social comprometido em questionar e interpelar os discursos hegemônicos, etno/eurocêntricos, racistas, sexistas, heteronormativos, homofóbicos e xenofóbicos que subalternizam, discriminam, deslegitimam e invisibilizam outras formas de viver, criar e gerir subjetividades, vida social e produção de conhecimento.

Las luchas sociales de nuestro tiempo tienen en común la confrontación del capitalismo global y la modernidad en su sello racial, como sistema de clasificación social que mantiene intactas las estructuras coloniales de poder, generando identidades históricas. […] Son expresiones de la herida colonial que sigue abierta, que esclaviza material y subjetivamente y confina a sobrevivir en un orden social dualista que subdivide la vida. De ahí la importancia de optar por otro orden social, que genere un lazo intercultural crítico y necesario para nuestros tiempos (Gómez Hernández; Sánchez, 2018b, p. 141-142).16

A construção de uma base teórica de tradição crítica que dá contorno à cultura profissional comprometida com o projeto de liberdade e igualdade ao lado da classe trabalhadora no Brasil desde os anos 1970 e a busca por trilhar o mesmo caminho em solo português, ainda hoje, se ancoram numa ontologia marxiana do ser social. No tempo presente, a análise das relações de opressão-exploração da modernidade colonial demanda reflexões que articulem teoria, método e história numa perspectiva de historicidade, totalidade e dialética, capaz de desvelar os fundamentos histórico-concretos e estruturais das relações sociais. “Isso significa dizer que as categorias marxianas têm uma história e uma dinamicidade, e, por serem no presente mais complexas, exigem ser saturadas de novas determinações” (Marinho, 2022, p. 353).

O arcabouço teórico do pensamento decolonial amplia o espectro conceitual necessário para analisar a questão social e coloca em debate novos enfoques sobre antigas questões invisibilizadas historicamente, promovendo articulações complexas sobre classe, raça, gênero e sexualidade. Como projeto ético-político, a decolonialidade interpela o projeto hegemônico colonial/moderno/patriarcal/capitalista/sexista/racista como alternativa emancipatória anti-imperialista, antissexista, antipatriarcal, anticapitalista, antirracista, anti-homofóbica,

A complexidade da práxis profissional demanda que as/os profissionais se situem a partir dessas articulações numa perspectiva intercultural, na qual “todo ser negado en su plenitud humana no solo ha tenido padecimientos sino que, historicamente, colectivamente ha creado formas de regenerar y recrear la existencia” (Gómez Hernández, 2017, p. 146).17 Assim, “optar por lo decolonial implica situarse desde las alternativas de vida de personas, colectivos, pueblos y comunidades que no solo han resistido, sino que durante su lucha histórica, han recreado sus existencias y modos de vida (Gómez Hernández; Sánchez, 2018b, p. 141).18

No âmbito da produção científica, o Serviço Social se beneficia do privilégio da sua identidade interventiva, que se constitui em um campo amplo de vivência, investigação e participação social. A reconfiguração da profissão na perspectiva crítica decolonial deve se voltar para a construção de outras formas de dialogar com as Ciências Sociais a partir de aportes oriundos de construções do social, humana e política que acolham saberes diversos e subalternos. Nesse sentido, Meschini e Dahul (2017) afirmam que é necessário reconceitualizar a sistematização, entendendo-a como estratégia fundamental para avançar na reflexão crítica dos processos de produção de conhecimento a partir da própria intervenção social. Esse movimento permite complexificar a análise, superando o senso comum, o aparente e o naturalizado pela modernidade para identificar ideologias de classe, patriarcais, eurocentradas, individualistas, racistas e religiosas.

La sistematización de la intervención en lo social posibilita aprender de ella, conceptualizarla y potenciarla, apoyando reflexiva y argumentadamente el desempeño profesional comprometido con la transformación de condiciones de inequidad, injusticia, discriminación, pobreza, para, como propone Cifuentes (1998), darle contenido, claridad, profundidad, relevancia social y proyección política a nuestras intervenciones, diálogos y propuestas (Meschini; Dahul, 2017, p. 279).19

Gómez Hernández e Sánchez (2018b, p. 151) argumentam acerca da necessidade de gestar processos de construção coletiva de conhecimentos, no sentido de descolonizar a ação social, ou seja, promover também nessa área de intervenção profissional uma desconstrução radical da colonialidade do poder. Assumindo o “compromiso para contribuir a cambiar este sistema capitalista, antropocéntrico, androcéntrico y heteronormativo, oculto en la modernidad, que mantiene la colonialidad en la cotidianidad, donde trascurre y se construyen los sueños, las relaciones y la vida social (Gómez Hernández; Sánchez, 2018b, p. 151).20

Conclusões

A intenção deste ensaio foi esboçar aproximações entre o pensamento decolonial e o Serviço Social a partir de produções que se voltam para esse debate emergente.

Ainda que de forma preliminar, foi possível identificar que há um movimento crescente e consistente na academia e na prática que vem problematizando o campo profissional na perspectiva decolonial. Observa-se que, assim como se originaram na América Latina a sistematização da colonialidade como conceito analítico e o desenvolvimento das teorias decoloniais como projeto ético, político e humano, têm sido também a partir desse continente as produções de maior volume e consistência que se voltam para um Serviço Social decolonial.

As produções teóricas evidenciam que categorias e conceitos decoloniais são apropriáveis e úteis para a profissão, no campo da prática e da produção científica de viés crítico. Em articulação, este conjunto de ferramentas possibilita desvelar a colonialidade onipresente desde o poder, saber, ser e fazer capaz de gerar potenciais processos de transformação nas práticas profissionais, na produção científica e na sociedade.

A partir das reflexões apresentadas, considera-se que o Serviço Social, como uma profissão de intervenção social, com potencial para transgredir a convencionalidade colonialista e explicativa do social, não apenas deve se beneficiar do pensamento decolonial, como também tem muito a contribuir para a ampliação e a complexificação dessa epistemologia, pois reúne condições para sistematizar cientificamente uma prática que impulsione a decolonialidade de atuar na ação social. Uma prática que acolha a diversidade, a interculturalidade, os saberes tradicionais e ancestrais sob uma perspectiva de luta por liberdade e justiça, num mundo onde cabem muitos mundos.

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  • *
    Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito dos Projetos “UIDP/04624/2020” - “UI/BD/151071/2021”.
  • 1
    O uso do termo “decolonial” e “decolonialidade” e “descolonial” e “descolonialidade” não é unânime entre os teóricos decoloniais (Mignolo, 2010, p. 19). Adoto as expressões decolonial e decolonialidade como distinção analítica para evidenciar sua diferenciação com os processos de descolonização.
  • 2
    “corrente crítica de pensamento, ação e experiência social com ativistas sociais e intelectuais de centro académicos, mas sobretudo comunidades, coletivos e povos diversos da América Latina e Caribe” (Gómez Hernández, 2018a, tradução nossa).
  • 3
    O Grupo Modernidade/Colonialidade é considerado um programa de investigação. O grupo compartilha noções, raciocínios e conceitos que lhe conferem uma identidade e um vocabulário próprio, contribuindo para a renovação analítica e utópica das ciências sociais latino-americanas do século XXI. O leque de influências e trânsitos do grupo é bastante amplo: Estudos subalternos, Estudos culturais, literários, pós-modernos e críticos latino-americanos, pós-estruturais, pós-marxistas, feministas. Ele foi responsável por inserir a América Latina no debate pós-colonial, marcando suas diferenças com o projeto asiático (Escobar, 2003, p. 53).
  • 4
    “teorias com origem em solo latino-americano que atravessaram na direção oposta à Grande Fronteira, ou seja, a fronteira que divide o mundo entre o Norte e o Sul geopolítico, e alcançaram impacto e permanência no pensamento mundial” (Segato, 2013, p. 17, tradução nossa).
  • 5
    Doutorado em Serviço Social, Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa - ISSSL, Universidade Lusíada de Lisboa - UL (2021-2024). Projeto de tese intitulado: Serviço Social decolonial: um estudo sobre os debates teóricos emergentes e a formação em Serviço Social nos contextos português e brasileiro.
  • 6
    Plataformas de busca: https://www.b-on.pt/; https://scholar.google.com.br/; https://bdtd.ibict.br/vufind/.
  • 7
    O termo “colonialismo” faz referência aos processos históricos que produzem a subordinação política, cultural e econômica de uma sociedade em relação à metrópole; “colonialidade” se refere ao padrão de poder que emerge na relação com o colonialismo moderno e que perdura, inclusive, uma vez que a relação de submissão (explícita) desaparece. Por conseguinte, a colonialidade é aquilo que ainda hoje sobrevive como efeito de inscrição do poder colonial sobre os corpos e das narrativas (De Oto, 2009).
  • 8
    “A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial de poder capitalista. Funda-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo como pedra angular do dito padrão de poder e opera em cada um dos planos, âmbitos e dimensões materiais e subjetivas, da existência social cotidiana e da escala social. Origina-se e mundializa-se a partir da América” (Quijano, 2000b, p. 342, tradução nossa).
  • 9
    A racialização, pensada como um processo, refere-se a condições objetivas que possibilitam definições de classificação racial traduzidas em dadas sociedades no plano ideológico, e geradoras de tensões econômicas, políticas e culturais. Produz dinâmicas em que as condições objetivas fomentam posturas ideológicas que reproduzem, modelam e cristalizam posições estruturais (Silvério, 1999).
  • 10
    “Colonialidade do poder (política e económica), Colonialidade do saber (epistêmica, filosófica, científica e na relação entre línguas e conhecimentos), Colonialidade do ser (subjetividade, controle da sexualidade e papéis de gênero, etc.) (Mignolo, 2010, p. 12, tradução nossa).
  • 11
    “A crítica do paradigma europeu de racionalidade/colonialidade é indispensável. [...] É a instrumentalização da razão pelo poder colonial, em primeiro lugar, que produziu paradigmas de conhecimento distorcidos e frustrou as promessas libertadoras da modernidade (Wallerstein; Quijano, 1992, p. 437, tradução nossa).
  • 12
    “é a abertura e liberdade de pensamento e outras formas de vida (outras economias, outras teorias políticas) [...] o desapego à retórica da modernidade e ao seu imaginário imperial” (Castro-Gómez; Grosfoguel, (2007, p. 30, tradução nossa).
  • 13
    A “interseccionalidade”, conceito que se origina no feminismo negro, tem sido apropriada pelas Ciências Sociais devido a sua abrangência para investigar como as relações de poder que se cruzam influenciam as relações sociais em diversas sociedades, bem como as experiências individuais na vida cotidiana. Como uma ferramenta analítica, articula as categorias de raça, classe, gênero, sexualidade, nação, habilidade, etnia e idade - entre outras -, como inter-relacionadas e mutuamente moldando umas às outras. A interseccionalidade é uma forma de compreender e explicar a complexidade do mundo, das pessoas e das experiências humanas (Collins; Bilge, 2020, cap. 1, tradução nossa).
  • 14
    O termo “subalterno”, na perspectiva dos Estudos subalternos, se refere a grupos marginalizados que não possuem voz ou representatividade em decorrência de seu status social de classe, casta, idade, gênero e trabalho. Diz respeito a pessoas de regiões e grupos que estão à margem na disputa por poder da estrutura hegemônica (Beverley, 2004, p. 337).
  • 15
    “Se a gênese do Serviço Social está localizada na modernidade, então é fortemente permeada pelas instituições políticas, econômicas, sociais e culturais que estão relacionadas a ele. Isto significa que em sua identidade profissional e disciplinar existem legados coloniais que precisam ser revisados, discutidos e, espera-se, descolonizados. Justamente devido ao impacto sobre as pessoas, grupos, coletivos, comunidades e povos, que têm outros interesses e se mobilizam a partir de suas demandas, diferenças, diversidades e heterogeneidades, para serem participantes de processos de transformação e libertação social da vida cotidiana” (Gómez Hernández, 2018a, tradução nossa).
  • 16
    “As lutas sociais de nosso tempo têm em comum o enfrentamento do capitalismo global e da modernidade em seu cunho racial, como um sistema de classificação social que mantém intactas as estruturas coloniais de poder, gerando identidades históricas. [...] São expressões da ferida colonial ainda aberta, que escraviza material e subjetivamente e nos confina para sobreviver em uma ordem social dualista que subdivide a vida. Daí a importância de optar por outra ordem social, uma ordem que gere um vínculo intercultural crítico, necessário para o nosso tempo” (Gómez Hernández; Sánchez, 2018b, p. 141-142, tradução nossa)
  • 17
    “todo ser a quem é negada sua plenitude humana não apenas sofreu, mas, historicamente, criou coletivamente maneiras de regenerar e recriar a existência” (Gómez Hernández, 2017, p. 146, tradução nossa).
  • 18
    “optar pelo decolonial implica situar-se a partir das alternativas de vida dos indivíduos, coletivos, povos e comunidades que não só resistiram, mas que, durante sua luta histórica, recriaram suas existências e modos de vida” (Gómez Hernández; Sánchez, 2018b, p. 141, tradução nossa).
  • 19
    A sistematização da intervenção social permite aprender com ela, conceitualizá-la e valorizá-la, apoiando uma atuação profissional reflexiva e argumentativa comprometida com a transformação das condições de desigualdade, injustiça, discriminação, pobreza, a fim de, como proposto por Cifuentes (1998), dar conteúdo, clareza, profundidade, relevância social e projeção política às nossas intervenções, diálogos e propostas (Meschini; Dahul, 2017, p. 279, tradução nossa).
  • 20
    “compromisso de contribuir para mudar este sistema capitalista, antropocêntrico, androcêntrico e heteronormativo, oculto na modernidade, que mantém a colonialidade na vida cotidiana, onde os sonhos, as relações e a vida social acontecem e são construídos” (Gómez Hernández; Sánchez, 2018b, p. 151, tradução nossa).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2022
  • Aceito
    16 Set 2022
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