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Consultoria empresarial de Serviço Social: expressões da precarização e da terceirização profissional

Social Service business consulting: expressions of professional precariousness and outsourcing

Resumos

O presente artigo é resultado da minha dissertação de mestrado que teve por finalidade apreender a consultoria empresarial de Serviço Social em face da reestruturação produtiva e da expansão da precarização das relações de trabalho, cuja terceirização é uma de suas expressões. Assim, utilizo cinco eixos de análise para identificar expressões de precarização a partir da terceirização ocorrida nesse espaço sócio-ocupacional do Serviço Social.

Precarização; Consultoria empresarial; Serviço Social


This article originated in my master degree dissertation whose aim was to explain Social Service business consulting in view of production restructuring and expansion of the precariousness in work relations, being outsourcing one of its results. Thus, I use five axes of analysis to identify expressions of precariousness from the outsourcing in this Social Service practice.

Precariousness; Business consulting; Social Service


ARTIGOS

Consultoria empresarial de Serviço Social: expressões da precarização e da terceirização profissional* * Este artigo reproduz parte da dissertação de mestrado defendida em maio de 2013, intitulada "Consultoria empresarial: o Serviço Social posto à prova", no Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da prof. dra. Rosangela Paz. Agradeço as observações da profa. dra. Raquel Raichelis na banca de defesa e sua colaboração inestimável para a redação deste artigo.

Social Service business consulting: expressions of professional precariousness and outsourcing

Fernanda Caldas de Azevedo

Assistente social graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Veiga de Almeida/RJ e mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. Bolsista CNPq e docente na cidade de São Paulo. E-mail: azevedo.fernanda@ymail.com

RESUMO

O presente artigo é resultado da minha dissertação de mestrado que teve por finalidade apreender a consultoria empresarial de Serviço Social em face da reestruturação produtiva e da expansão da precarização das relações de trabalho, cuja terceirização é uma de suas expressões. Assim, utilizo cinco eixos de análise para identificar expressões de precarização a partir da terceirização ocorrida nesse espaço sócio-ocupacional do Serviço Social.

Palavras-chave: Precarização. Consultoria empresarial. Serviço Social.

ABSTRACT

This article originated in my master degree dissertation whose aim was to explain Social Service business consulting in view of production restructuring and expansion of the precariousness in work relations, being outsourcing one of its results. Thus, I use five axes of analysis to identify expressions of precariousness from the outsourcing in this Social Service practice.

Keywords: Precariousness. Business consulting. Social Service.

Introdução

"Pensar é abrir caminho"

(Arruda, 2011, p. 14)

O presente artigo é um desdobramento da minha dissertação de mestrado que teve como objeto de estudo a consultoria empresarial de Serviço Social, datada historicamente a partir do processo de reestruturação produtiva do capital, que amplia a precarização das relações de trabalho e redefine os espaços sócio-ocupacionais do assistente social nos quais a terceirização se faz presente.

Trabalho, portanto a relação entre as categorias precarização e terceirização, considerando o espaço sócio-ocupacional das consultorias empresariais.

Considero a área de atuação da consultoria empresarial não como uma evolução direta da prática do Serviço Social em empresas, mas como uma prática datada historicamente a partir da reestruturação produtiva que se desencadeia no Brasil a partir dos anos 1990, se sustenta em experiências positivas/negativas nas suas relações com outros clientes-empresas e que comercializa pacotes de serviços, dentre eles o Serviço Social, de maneira a suplantar as expectativas e as necessidades desses clientes-empresa. Já o consultor-assistente social é um profissional externo responsável por tarefas pontuais dos serviços de consultoria.

Segundo Antunes (2010), com destrutividade que o próprio capital protagoniza como alternativa para sair da crise estrutural que o assolou nas décadas de 1970 e 1980, a precarização é a lógica da reconstrução a partir do desmonte de tudo que "gerou problema", inclusive os direitos conquistados pelos trabalhadores.

Como uma das expressões relacionadas diretamente com o espaço das consultorias empresariais, a terceirização pode ser compreendida, segundo Antunes (2012), como uma das manifestações da informalidade entendida como ruptura com os laços formais de contratação e regulação da força de trabalho, o que explicita a precariedade do mundo do trabalho, gerando um enfraquecimento da "classe-que-vive-do-trabalho".

A partir de Druck (2009), por meio de pesquisa de campo, utilizo como eixos de análise para as expressões da precarização no espaço sócio-ocupacional de consultorias empresariais: as formas de mercantilização da força de trabalho; o processo de construção das identidades individual e coletiva; a organização e as condições de trabalho; as condições de segurança do trabalho, acrescidas das condições de participação nos espaços coletivos da categoria profissional.

A finalidade está em fundamentar algumas das implicações que a reestruturação produtiva imprimiu e refletiu no mercado de trabalho e às condições de trabalho do assistente social consultor empresarial, a partir do olhar dos próprios profissionais que ocupam esse espaço.

Terceirização: uma expressão da precarização do trabalho

O sentido da categoria precarização decorre, segundo Antunes (2012), da lógica do desmonte de tudo que "gerou problema" até o presente momento, considerando também os direitos dos trabalhadores.

De acordo com Druck (2012), essa lógica destrutiva permeia os modos de gestão do trabalho, apoiada centralmente em uma nova configuração do Estado, que, desregulamentando uma série de relações, principalmente do trabalho, favorece a precarização da força de trabalho. Portanto, a luta coletiva também se fragiliza com a atomização e a individualização dos sujeitos.

A terceirização como um tipo de informalidade aponta a ruptura com os laços formais de contratação e regulação da força de trabalho, sendo passagem para a condição de precariedade.

Segundo Alves (2010), no Brasil, principalmente a partir dos anos 1990 a terceirização surge como procedimento estratégico das corporações transnacionais para recompor os circuitos de valorização, desenvolvendo novas redes de subcontratação incentivadas pelas recentes tecnologias de comunicação e pelo transporte, que permitem a otimização da produção.

Articulam-se dimensões "modernas" e "arcaicas" não só nas relações de trabalho, mas também no processo de trabalho e na base tecnológica que colaboram na constituição de um novo trabalhador vinculado a um "novo e precário mundo do trabalho" (Alves, 2010).

A terceirização assumiu no Brasil (década de 1980) uma dimensão nacional, tendo como objetivos norteadores, entre outros, a minimização dos custos relativos ao trabalho e a intensificação/precarização da produtividade do trabalhador. Formou-se uma rede de empresas especializadas ou subcontratadas para desenvolver tarefas e serviços que antes eram executados no interior das empresas.

Segundo Thébaud-Mony e Druck (2007), a caracterização da terceirização como fenômeno novo decorre da amplitude (disseminação para todos os tipos de atividades/setores), da natureza e da centralidade que assume no contexto de flexibilização e precarização do trabalho. Isto se efetiva no contexto do capitalismo mundializado ou da "acumulação flexível", em que a terceirização se torna prática-chave para a flexibilização produtiva nas empresas, transformando-se na principal via de precarização dos contratos e do emprego.

Essa nova centralidade da terceirização evoluiu de forma acelerada conformando um novo quadro do trabalho e do emprego no Brasil, embasado em novas técnicas de gestão e organização da produção, tendendo a racionalizar a produção capitalista na cadeia produtiva.

Segundo Druck (1999), a terceirização é a principal política de gestão e organização do trabalho no interior da reestruturação produtiva, forma mais visível da flexibilização do trabalho, pois permite concretizar contratos flexíveis, bem como transferência de custos trabalhistas e responsabilidades de gestão.

Ainda segundo Druck (2002, p. 136),

a terceirização é uma das expressões mais significativas do processo de flexibilização do trabalho e de sua consequência principal: a precarização. São homens e mulheres "que vivem do trabalho" e que se tornam cada vez mais descartáveis, flexíveis (adaptáveis) ou jogados a uma condição de "subemprego". A terceirização se generalizou, difundindo-se para todo o tipo de atividade e levou consigo — como marca fundamental — a perda de direitos, a instabilidade, a insegurança dos trabalhadores.

Segundo Pochmann (2012), a terceirização tem sido a expressão maior no modo de produção e distribuição nas economias capitalistas desde o último terço do século XX, porém esse não é um movimento homogêneo entre os países. Em função disso, a terceirização representou a contratação de trabalhadores com remuneração e condições de trabalho inferiores aos postos de trabalho anteriormente existentes.

Dentre as vantagens da terceirização para o capital (e somente para ele) estão a redução dos custos administrativos, maior concentração em atividades estratégicas e maior possibilidade de controle da gestão da produção, inclusive o controle da força de trabalho, reduzindo potenciais de luta entre capital e trabalho assalariado em virtude da menor concentração dos trabalhadores, dificultando a sua organização sindical.

Tal prática encontra respaldo em vários mecanismos limitadores da regulação do mercado de trabalho, cuja flexibilização ocorre no sentido de restringir o papel do Estado e de fortalecer a liberdade de ação empresarial. Apesar das diferenças e especificidades, é uma transformação de caráter internacional, pois se inscreve em um movimento mundial do capital, de flexibilização e de precarização do mundo do trabalho.

No caso do Brasil, que conta com um mercado de trabalho histórico e estruturalmente precário, as conjunturas políticas criadas a partir das lutas operárias fizeram retroceder algumas condições e chegaram a conquistar novos direitos. Foi o que ocorreu com a retomada do movimento sindical no final dos anos 1970 e com a luta pela democracia no país, que pôs fim à ditadura militar instalada em 1964 e culminou na nova Constituição federal em 1988, ampliando direitos, especialmente no campo da proteção social.

No início dos anos 1990, o resultado eleitoral para a presidência do país expressava a vitória do projeto neoliberal, de aplicação e de consolidação das políticas econômicas neoliberais que implementaram mudanças significativas na legislação trabalhista para serem sustentadas no âmbito das relações de trabalho.

Segundo Thébaud-Mony e Druck (2007, p. 41),

a lógica que guiou as alterações foi a de garantir maior liberdade às empresas para admitir e demitir os trabalhadores conforme suas necessidades de produção. Ou seja, tal dinâmica da flexibilização será fundamentada através do recurso da terceirização, demonstrado pelo seu expressivo crescimento e ampliação na década [...].

Para Carelli (2007), o histórico da legislação sobre a terceirização gira em torno dos seguintes instrumentos legais: Código Civil de 1916,1 1 . Artigos 610 a 626 dispõem sobre contratos de subempreitadas. Consolidação das Leis Trabalhistas de 1/5/1943,2 2 . Artigo 443 dispõe sobre a contratação de mão de obra por tempo determinado e artigo 445 trata de contratos de subempreitadas. Decreto-lei n. 200/67 que vigora até os dias de hoje e aponta sobre a terceirização no serviço público;3 3 . Especialmente o artigo 10 trata sobre a organização da administração federal estabelecendo diretrizes para a reforma administrativa. Lei n. 6.019, de 3/1/1974,4 4 . Dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas. Lei n. 8.987, de 13/2/1995,5 5 . Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo da Constituição Federal e dá outras providências. Lei n. 9.472/97,6 6 . Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e o funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional n. 8, de 1995 (especialmente o art. 94). Enunciado n. 2567 7 . Consolida a jurisprudência sobre mão de obra temporária. do Tribunal Superior do Trabalho, passando por revisão a partir do Enunciado n. 3318 8 . Dispõe sobre contrato de prestação de serviços. do Tribunal Superior do Trabalho, Lei n. 7.102,9 9 . Alterada pelas Leis n. 8.863, de 1994, e n. 9.017, de 1995, que dispõem sobre segurança para estabelecimentos financeiros; estabelecem normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores. de 20/6/1983, e da Organização Internacional do Trabalho, 2006, Recomendação n. 198.10 10 . Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/content/relativa-%C3%A0-rela%C3%A7%C3%A3o-de-trabalho>. Acesso em: 25 maio 2012.

Temos ainda a Súmula n. 256,11 11 . Dispõe sobre a contratação de trabalhadores por empresas interpostas. do Tribunal Superior do Trabalho, Decreto n. 89.056, de 1983,12 12 . Dispõe sobre a segurança para estabelecimentos financeiros; estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores e dá outras providências e regulamenta a Lei n. 7.012, de 1983. Lei n. 8.036, de 11/5/1990 (art. 15, §§ 1º e 2º),13 13 . Dispõe sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Nesses artigos, há a definição de empregador pessoa física ou jurídica; fornecedor ou tomador de mão de obra e trabalhadores que prestam serviço. Lei n. 8.863,14 14 . Dispõe sobre a terceirização de vigilância que foi ampliada para a vigilância patrimonial, pública ou privada, inclusive para pessoa física. de 1994, que altera a Lei n. 7.102, de 20/6/1983, Lei n. 8.949 de 1994,15 15 . Acrescenta parágrafo ao artigo 422 da Consolidação das Leis Trabalhistas, para declarar a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados. Lei n. 5.645, de 1970,16 16 . Estabelece diretrizes para a classificação de cargos do serviço civil da União e das autarquias federais. e Lei n. 8.666,17 17 . Regulamenta o artigo n. 37, inciso XXI da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da administração pública. de 21/6/1993.

O aprofundamento dessas questões revela que o Projeto de Lei n. 4.330/200418 18 . Atualmente o Projeto de Lei encontra-se sujeito à apreciação do Plenário. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841>. Acesso em: 30 mar. 2014. propõe derrubar todas as frágeis limitações existentes à terceirização, a exemplo do Enunciado n. 31 do Tribunal Superior do Trabalho, que impede a terceirização da atividade-fim da empresa, admite a quarteirização e descarta qualquer vínculo empregatício entre os trabalhadores terceirizados e as empresas contratantes que regulamente a terceirização.

Atrelado a isso, o desmonte da legislação social e protetora do trabalho aponta para um aumento de mecanismos de extração de sobretrabalho, ampliação das formas de precarização e destruição dos direitos sociais, que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora durante as décadas de 1930 e 1940, culminando na Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943.

Pesquisas no campo da saúde do trabalhador vêm constatando as relações entre precarização do trabalho e adoecimento físico e mental dos trabalhadores. Para Franco, Druck e Seligman-Silva (2010), profissionais impedidos de exercer sua ética profissional adoecem de fato. Trata-se de uma dinâmica institucional que desencadeia desgaste e adoecimento.

Dentro dessa lógica e no sentido de se desobrigar dos custos e das responsabilidades de gestão do trabalho, a terceirização passa a ocupar, cada vez mais, um lugar central na organização do trabalho, reunindo o que há de pior em termos de deterioração das relações e condições de trabalho.

Essa conjuntura rebate na realidade profissional de assistentes sociais de diversas áreas de atuação, como, por exemplo, as consultorias empresariais, que são uma das expressões dessa forma de terceirização profissional de assistentes sociais sob a forma de consultoria externa.

Raichelis (2013, p. 626), em sua reflexão sobre a minha dissertação de mestrado, observa que, "sob o pretexto da 'consultoria externa', o que ocorre de fato é a terceirização camuflada do trabalho social que deveria ser executado pelos assistentes sociais contratados diretamente pelas empresas".

Consultoria empresarial: conceituação e caracterização

A consultoria é entendida como um dos produtos dessa terceirização que não esgota o seu ajuste nessa prática, ou seja, há outras representações trabalhistas que a exemplificam. A conceituação de consultoria empresarial a partir de referências do Serviço Social compreende o ato de consultar como ação de dar ou apresentar parecer sobre assunto de sua especialidade (Matos, 2009).

A responsabilidade de auxiliar as pessoas, típica do consultor, deve ser entendida como um compromisso desse profissional para com a empresa-cliente e o seu público-alvo.

São elementos importantes da área de consultoria empresarial: 1) a necessidade da prestação desse serviço deve representar demanda da equipe; 2) por se tratar de um profissional externo que presta esse serviço acaba sendo mais valorizado pela equipe que o recebe; 3) é uma possibilidade de articulação entre teoria e prática; 4) as estratégias profissionais no processo de consultoria se organizam para alcançar resultados positivos; 5) cabe aos profissionais consultores produzir conhecimentos, a partir da sistematização e da socialização de sua prática profissional.

Oliveira (2004) justifica o crescimento do segmento de prestação de serviço de consultoria a partir das seguintes tendências: forma de enfrentar a globalização da economia; consolidação de suas vantagens competitivas via mercado; consequência dos processos de terceirização; processo de melhoria contínua sustentada; fusões entre empresas de consultoria; internacionalização dos serviços de consultoria e aumento do número de professores e de universidades que realizam serviços de consultoria.

Cabe acrescentar que as estratégias adotadas pelo capital diante de suas crises e na sua busca incessante de lucros se voltam sistematicamente para a redução dos custos da força de trabalho, com corte de pessoal interno nas empresas e, no atual contexto de reestruturação produtiva, pelo aprofundamento das práticas de terceirização e também de quarteirização.

No Serviço Social, o debate sobre o trabalho no âmbito empresarial historicamente foi objeto de controvérsias que, de certa forma, dificultaram a reflexão mais ampliada da intervenção profissional nesta área. Mais recentemente, observa-se que esse mercado de trabalho vem sofrendo os influxos das transformações contemporâneas do mundo do trabalho, com redefinições nas atribuições demandadas aos assistentes sociais e até mesmo redução de postos de trabalho em alguns casos, que carecem de pesquisas e estudos mais aprofundados.

No que se refere às atividades de consultoria ou assessoria no Serviço Social, tem sido mais comum que sejam prestadas por docentes e setores das universidades a órgãos públicos em diferentes políticas sociais.

Para fins desta análise, considero consultoria empresarial de Serviço Social uma forma de terceirização especializada em assuntos específicos dentro de uma área de conhecimento, com a venda de um serviço ou pacotes de serviços (dentre eles o Serviço Social) que possam ser oferecidos, em processo de trabalho interativo e/ou sequencial, de acordo com a demanda da empresa-cliente. O consultor externo deve realizar ações e trocas com o ambiente empresarial, responsabilizando-se pelo apoio a pessoas ou setores, e por tarefas pontuais que, na maioria das vezes, poderiam ser desempenhadas por funcionários/profissionais contratados pela própria empresa.

Desvendando as expressões da precarização na consultoria empresarial

Identificando a terceirização profissional de consultorias empresariais de Serviço Social em São Paulo, analiso o processo de precarização do trabalho, com foco nas consultorias, a partir de entrevistas realizadas com consultoras/assistentes sociais, que serão identificadas por letras do alfabeto. Os trechos das entrevistas apontam representações do trabalho no espaço da consultoria empresarial pela visão dessas profissionais.

As análises da pesquisa empírica foram embasadas em Druck (2009), de quem, dos cinco tipos de precarização que apresenta, utilizo três: as formas de mercantilização da força de trabalho, o processo de construção das identidades individual e coletiva, a organização e as condições de trabalho. Acrescento a participação nos espaços coletivos da categoria profissional.

Druck (2009) aponta que no processo de reestruturação produtiva aparece aos nossos olhos um mercado de trabalho heterogêneo e marcado por uma vulnerabilidade estrutural que pode ser visualizada a partir das formas precárias de inserção dos trabalhadores em relações de assalariamento e de exploração explícita ou disfarçada. Segundo Seligmann-Silva (2011), muitos chegam a confundir o novo paradigma de flexibilização com a ilusão de uma liberdade total.

A partir das entrevistas, percebemos uma aproximação da ideia de positividade da flexibilidade contratual, pelo uso de expressões como "características inovadoras da nova fase"; certa interação entre o capital e o trabalho, transmitindo a ideia de superação das contradições entre ambos, como se a humanização do capital fosse algo tendencial no mercado e possível de acontecer. "O trabalho terceirizado é expertise, ele tem vários focos de atuação, ele é forte no mercado, é uma tendência de mercado, inclusive te obriga a estudar mais, a interagir mais" (B) "Isso faz parte do mundo globalizado, quando eles contratam um grupo de pessoas terceirizadas, eles estão contratando uma empresa, uma equipe" (A).

De acordo com três das quatro profissionais entrevistadas, a consultoria é identificada como um trabalho terceirizado. Apenas uma profissional discordou dessa visão, considerando a mesma de forma negativa, e por isso, não aceitando caracterizar a sua atuação como terceirizada. "Vejo esse trabalho como assessoria, em focos que a empresa não consegue ter perna para atender. Eu não vejo como terceirização da área" (B). Esse posicionamento a diferencia das demais profissionais que identificam a terceirização positivamente e de forma necessária para acompanhar a conjuntura atual que, ao adentrar o espaço do Serviço Social, seus profissionais devem "aproveitar e se preparar para ocupar esse espaço" como uma grande oportunidade.

As entrevistadas identificam a terceirização a partir de uma visão naturalizada do processo, que demorou a ocorrer no Brasil, como necessidade de um trabalho especializado e por isso, com qualidade. "Vejo como positiva a terceirização [...] Acho que é um espaço maior e que cada vez mais se abre no mercado de trabalho [...] que a assistente social tem que começar cada vez mais a preencher estes espaços [...] se abrir para o novo, porque se não, não vai acompanhar o mercado. Não vejo precarização [...] acho que o profissional moderno e [porque o Serviço Social também é] uma profissão liberal tem essa possibilidade [...]" (C).

Constata-se também a falta de percepção, por parte das profissionais, dos constrangimentos em seu trabalho, que, como os demais trabalhadores, sofrem os rebatimentos da precarização do mundo do trabalho, que terminam por favorecer o empregador. A ideia é: ser moderno é ser liberal e ser liberal parece expressar a ideia (ilusória) de liberdade e autodeterminação plena no trabalho.

As entrevistadas apresentam a noção de qualidade diretamente relacionada à terceirização e não problematizam que a terceirização é uma das portas de entrada da precarização profissional. Apresentam uma ilusão de maior autonomia profissional na medida em que a profissional se vê alocada em espaço de trabalho exterior à empresa, supostamente à margem dos seus interesses e determinações. Quando na verdade a autonomia profissional torna-se limitada e isso pode ser percebido através do discurso de que a consultora precisa ter "cuidado" para não se indispor com o cliente que representa a empresa, requerendo um perfil profissional estratégico.

Os salários variáveis ficam explícitos na fala de uma das entrevistadas que, além do contrato terceirizado, recebe eventualmente, quando está como plantonista do atendimento 24 horas por telefone, não havendo identificação de invasão do espaço privado. "Ele é um aparelho de Nextel que fica com a Assistente Social que reveza a cada 15 dias [...] tocou, atendeu, vamos embora... é assim direto, ele toca muito. As profissionais recebem R$ 180,00 pelo plantão e caso precisem estar in loco recebem R$ 50,00 por hora de trabalho" (D).

A fala a seguir demonstra o quanto o trabalhador, que passa pelo menos um terço de cada dia de sua vida no ambiente de trabalho, tem dificuldades de desacelerar o seu ritmo, ressignificando seus espaços e sua dinâmica de vida. "Eu ficaria dias aqui com você. É fogo né, porque quando você gosta, parece que fica impregnada, não consegue ficar sem, até no dia em que está de folga você pensa: Ui, meu Deus! O que que está rolando lá? Eu tenho esse defeito... a gente vai ficando velha e fica pior" (A).

Segundo Seligman-Silva (2011), o processo do trabalho se intensifica e normalmente se estende para além dos espaços de trabalho, roubando o "tempo livre" dos trabalhadores. Isso constitui um mascaramento para a superexploração e invasão do espaço privado do trabalhador, como é o caso da prestação do atendimento 24 horas pelo plantão telefônico quinzenal. A análise de Antunes (1999, p. 172) chama a atenção para a interpenetração dos tempos de trabalho e de vida: "Pode-se articular a ação contra o controle opressivo do capital no tempo de trabalho e contra o controle opressivo do capital no tempo de vida".

Segundo Antunes (2010), é impossível compatibilizar uma vida desprovida de sentido no trabalho com uma vida cheia de sentido fora do trabalho. Esse aspecto aparece nas falas das entrevistadas. O trabalho ocupa uma dimensão central na vida dos sujeitos, fazendo com que sofram enquanto trabalham (mesmo que isso seja oculto) ou sintam-se culpados pelo ócio. Essa relação traduz diretamente o quanto a subjetividade foi atingida pelo mundo do trabalho.

Por outro lado, há um suporte legal ao mundo do trabalho que permite passar da terceirização à quarteirização. "O afrouxamento e a variabilidade ou flexibilidade das regras é que permitiram a desregulamentação dos contratos de trabalho" (Seligmann-Silva, 2011, p. 472). Essa dimensão pode ser observada no espaço das consultorias empresariais pelos cadastros via site nacional. "Hoje temos cadastradas no Brasil todo, quase 2.500 profissionais de Psicologia, e acho que assistentes sociais temos 3.500. Eu aciono a profissional na região, ela atende lá e ganha o horário dela. Elas são pagas por hora de serviço" (B).

Para Antunes (1999), o maior desafio da classe trabalhadora, no mundo atual e sob as condições tratadas, é soldar os laços de pertencimento de classe existentes entre os diversos segmentos que compreendem o mundo do trabalho, e isso ficou explícito na fala das profissionais entrevistadas quando não percebem a relação desigual que se estabelece no mundo do trabalho quando se é parte da classe trabalhadora.

Alves (2010) trabalha a noção de "captura da subjetividade" do trabalhador apontando o caráter manipulatório e o respectivo poder da ideologia no atual estágio do capitalismo, com os seus rebatimentos sociais para a classe trabalhadora como um todo.

As empresas-clientes da consultoria oferecem aos seus funcionários atendimento 24 horas por telefone (quando eles precisarem e em situações emergenciais). É o discurso de que "nos preocupamos com vocês, mesmo quando estamos fora do horário de trabalho". Sempre há alguém por trás desse atendimento atrelado às relações flexíveis da contratação da força de trabalho, e esse alguém no caso é uma assistente social.

O sistema de supervisão ou reuniões da consultoria, apontado pelas entrevistadas, permite que as consultoras contestem e discutam os problemas mais frequentemente encontrados, propondo soluções que podem ou não ser adotadas pela consultoria. Porém o objetivo das empresas é o de minimizar a dimensão dos conflitos e buscar aproveitar as divergências como potencial criativo para a elevação da produtividade. É a captura da subjetividade do trabalhador na aparência do discurso de comprometimento total, são novas ideologias fabricadas, é um processo de persuasão e sedução, de disciplina no trabalho.

Pinto (2010) aponta que a alocação dos trabalhadores entre variadas atividades provoca-lhes sucessivas crises de adaptação, pois exigem habilidades diversas sempre em mutação. Essa dimensão fica clara na fala das entrevistadas. "Por exemplo, ele está atendendo uma empresa X que tem um tipo de produto e ele também é responsável por outro cliente que tem outro mix de serviços, então o consultor precisa 'plugar e desplugar', precisa ter bom senso, equilíbrio emocional, conhecimento técnico muito específico para todas as empresas que atende e o genérico também [...] acho que de todos os pontos, ele deve ser flexível" (B). "O perfil do consultor é diferente do assistente social de outro espaço, porque ele tem que ter uma preparação, na empresa, é diferente. A demanda é imensa, tem de tudo" (C).

É interessante observar os termos utilizados para caracterizar o perfil de consultoras empresariais. São usados os termos "plugar e desplugar", o que identifica o trabalhador com a máquina. Estabelece-se um tipo ideal de trabalhador. Exige-se habilidade profissional para refazer o seu perfil de trabalhadora capaz de adentrar realidades e demandas diferentes, cartelas de serviço e formas de atuação múltiplas. Trata-se da exigência de polivalência e do exercício de multiatividades, característicos das novas formas de gestão do trabalho.

A instabilidade profissional pode ser observada, entre outros aspectos, pelo tipo de contratação, pelo tempo disponível para estabelecer experiências e relações duráveis por parte do trabalhador e pelo perfil das consultoras. "A diferença é que damos um foco maior no que o cliente quer. Ele fecha um pacote de serviço conosco. As consultoras estão preparadas para atender todas as demandas, mas ela desenvolve no cliente o que ele solicitou de serviço" (B). "Hoje acho que tenho umas oito consultoras sob a minha responsabilidade [...] temos mais ou menos quinze clientes, entre fixos e eventuais [eventuais são aqueles que entram em contato para atendimentos pontuais]. Os eventuais têm procurado com mais frequência a consultoria [...] temos clientes de diversas atividades, é logística, é agronomia, produtos de vendas, de serviço, é importante também que a gente analise isso, porque cada cliente tem um perfil, e a isso também a profissional deve estar atenta" (A).

As entrevistadas, de maneira geral, tiveram mais dificuldades em responder questões que envolvem o conhecimento das condições de trabalho dos usuários, isto é, os trabalhadores das empresas. Isso ficou evidenciado a partir de reações como repetir a pergunta mais baixo para si mesma várias vezes, dizer que precisava pensar ou ainda, perguntas do tipo Como assim? O que você quer saber? Em que aspecto?... "Acho que as empresas têm investido muito na questão da segurança, devido à legislação, brasileiro só trabalha sobre coação e legislação, isso reduziu o número de acidentes de trabalho e assédio" (B).

Sobre as atuais condições de trabalho como consultoras, as entrevistadas reduziram a análise ao suporte que a consultoria fornece a elas. "Eu vejo uma valorização muito boa enquanto consultora, você tem respeito mediante ao que expõe, ao que é exposto a você [...] em outros lugares você não tem o reconhecimento tanto quanto você tem quando é consultora" (D).

Duas consultoras não conseguem perceber que o que foi identificado como benefícios para o trabalhador traduz mais uma forma de rebaixar o salário e exercer maior controle sobre o mesmo: "Acho que hoje o trabalhador é muito mais protegido, óbvio não tanto quanto a gente gostaria ainda, mas ele é muito mais protegido por legislação, não por conscientização ainda, mas por legislação [...]" (B). "[...] se comparada há alguns anos atrás, porque a gama de benefícios que esses funcionários têm dentro da empresa, nem em sonho eu imaginava que eles teriam, tantos benefícios assim [...]" (A).

Quando perguntadas sobre a sua dinâmica de trabalho, em momento algum houve reconhecimento da precarização do trabalho. Pelo contrário, as falas destacam os aspectos positivos e "prazerosos" do trabalho de consultoria. "A dinâmica é extremamente dinâmica... eu gosto muito, porque eu gosto de novidade, não gosto de rotina [...]" (A). "É assim bem corrido essa dinâmica de trabalho porque você tem que atender, dar um retorno, a questão de ser terceirizado tem uma cobrança maior, porque você não faz parte daquele grupo de trabalho..." (C).

As entrevistadas identificam a necessidade de dinamicidade e adaptabilidade aos clientes durante o fazer profissional, mas não problematizam o alto índice de atendimentos diários que revela processos de intensificação do trabalho. Essa dinamicidade é apresentada como positiva.

Na elaboração de Druck (2009), a precarização das organizações e das condições de trabalho se expressa na intensificação do trabalho, na restrição da autonomia, nas metas, pressões, extensão da jornada, polivalência, rotatividade etc. Nossa pesquisa aponta elementos que corroboram essa tese na medida em que esses aspectos ficaram explícitos nas falas das entrevistadas e nas suas análises.

Ainda segundo a autora, a fragilização das condições de segurança (treinamento, informação sobre riscos, medidas preventivas coletivas etc) e diluição das responsabilidades entre estáveis e instáveis, amalgamados à precarização das condições de organização e condições de trabalho implicam maior exposição aos riscos e, dada a perda de estatuto dos trabalhadores, ocorre maior sujeição às condições aviltantes e (in)suportáveis — a exemplo de metas e ritmos acelerados que levam aos "atalhos" e manobras para aumentar a produtividade e fragilizam a segurança e a saúde no trabalho. Configura-se assim a precarização da saúde e da segurança no trabalho.

Pinto (2010) aponta que foi criado um sistema de "gerência pelo estresse", em que cada setor é responsável pelo cumprimento de metas estabelecidas pela gerência, decidindo, com isso, como distribuir as atividades de trabalho internamente entre os membros.

A partir desse movimento, a prática do assédio moral19 19 . A cartilha elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego sobre Relações de Trabalho (Brasil 2009, p. 15) define assédio moral como "atos cruéis e desumanos que caracterizam uma atitude violenta e sem ética nas relações de trabalho praticados por um ou mais chefes contra seus subordinados. Trata-se da exposição de trabalhadoras e trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função. É o que chamamos de violência moral. Esses atos visam humilhar, desqualificar e desestabilizar emocionalmente a relação da vítima com a organização e o ambiente de trabalho, o que põe em risco a saúde, a própria vida da vítima e seu emprego. A violência moral ocasiona desordens emocionais, atinge a dignidade e a identidade da pessoa humana, altera valores, causa danos psíquicos (mentais), interfere negativamente na saúde, na qualidade de vida e pode até levar à morte". passou a fazer parte do cotidiano dos trabalhadores e apareceu na fala de duas dentre as quatro entrevistadas e algumas vezes na defesa enfática da empresa-cliente para que o resultado atinja os trabalhadores indiretamente. Não há problematização sobre os prejuízos gerados ao trabalhador que foi exposto a uma situação de assédio moral.

Tais práticas evidenciam-se em relações hierárquicas autoritárias, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e antiéticas de longa duração, de um ou mais chefes, dirigidas a um ou mais subordinados, ou entre colegas, de forma a desestabilizar a vítima.

Seligmann-Silva (2011) aponta o assédio moral como um elemento de vulnerabilização dos trabalhadores, sendo caracterizado por uma rejeição, que pode ser deliberada ou sistemática, tornando-se importante fator de origem e/ou desencadeamento de problema psíquico, a partir de uma agressão à dignidade, levando a quadros mais profundos de distúrbios psicológicos ou físicos.

Uma forma de resistência a esses aspectos seria a participação nos debates coletivos da categoria profissional, como um dos mecanismos de fortalecimento do trabalhador vítima de assédio moral no trabalho, pela percepção de que se trata de uma prática coletiva exercida nas empresas e organizações sociais, mesmo que os seus efeitos sejam sentidos pessoalmente por cada trabalhador.

Quando perguntadas se participam de algum espaço de discussão da categoria profissional, todas respondem que não.

Contudo, é interessante salientar que as temáticas do trabalho do assistente social em empresa e de consultoria empresarial não têm sido tratadas pelas entidades e encontros coletivos. Da mesma forma, cabe pontuar a importância do tratamento coletivo a esses temas que reverberam no nosso fazer e no espaço de atuação profissional. Alguns pontos descritos pelas entrevistadas poderiam ser resguardados pela introdução de novos direitos aos trabalhadores pela revisão da legislação ou pelo suporte da categoria profissional e das entidades representativas.

Em relação à ética profissional, todas as consultoras a reduzem ao sigilo, quando, na verdade, o sigilo é um componente da ética profissional. "A gente trabalha com muita lisura. Na maioria dos casos a empresa não fica sabendo o nome, é tudo tratado com muito sigilo, só levo para empresa casos que coloquem em risco a empresa [...]" (B). "No meu ponto de vista eu acredito que nós trabalhamos com a questão da ética, porque cada assunto, cada história que a gente trata e resolve, fica tudo ali com os profissionais, isso não sai..." (D).

Quando questionadas sobre o choque entre ética profissional e ética empresarial, partem em defesa da categoria profissional, porém a atuação profissional do consultor encontra-se limitada pelo contrato assinado entre a consultoria e a empresa-cliente, a exemplo de qualquer relação assalariada, que neste caso é traduzida por um pacote de serviços. Também o atendimento ao usuário à distância demandaria novos estudos no sentido de aprofundar os efeitos da ausência do contato face a face no exercício profissional do assistente social nesse campo.

A partir das entrevistas, alguns aspectos devem ser destacados: o trabalho é centralizado na demanda apresentada, não havendo por parte das consultorias uma ação proativa no sentido de induzir a viabilização de novos projetos; as demandas são identificadas no espaço micro, e a nossa pesquisa não identificou a realização de diagnósticos mais amplos que contemplassem as necessidades sociais dos trabalhadores das empresas e que pudessem subsidiar propostas que atendessem demandas do trabalho, na dinâmica contraditória que caracteriza as relações empresariais.

Aponto também a diferenciação realizada pelas próprias entrevistadas entre o trabalho em consultoria e outros campos de atuação, destacando o glamour que o espaço empresarial parece oferecer ao assistente social quando este é intitulado consultor.

As falas das entrevistadas traduzem que apenas no espaço de atendimento da consultoria empresarial os profissionais de Serviço Social se relacionam com o trabalhador inserido na produção, não identificando que essa condição de trabalhador permeia qualquer espaço de atuação profissional. O Serviço Social atua diretamente com a força de trabalho, no seu processo de produção e reprodução social. Primeiro, na história profissional, como forma de coerção e consenso. Atualmente, na direção do comprometimento com essa força de trabalho, na e pela ampliação de seus direitos numa perspectiva emancipatória.

Na visão das entrevistadas, há um processo de expansão das consultorias empresariais no âmbito do Serviço Social. Contudo, apesar de expressarem verbalmente que não acreditam na substituição dos assistentes sociais internos às empresas por consultorias externas, quando apontam o movimento do mercado, a partir de suas vivências, acabam justificando o contrário. Ou seja, é possível supor que empresas que nunca tiveram assistentes sociais em seus quadros funcionais, ao contratarem consultorias, não farão necessariamente um movimento posterior de contratação direta desses profissionais.

Na medida em que as empresas optam pela contratação de consultorias externas, e estas terceirizam de forma autônoma as profissionais, temos dois movimentos: o de não expansão de contratação de assistentes sociais diretamente pelas empresas e a ampliação da contratação pela via da precarização, sob as formas de terceirização e de quarteirização, tendo em vista o quadro de cadastros de assistentes sociais e psicólogos que a consultoria possui, conforme abordado.

Quando perguntadas sobre as melhorias para o próprio ambiente de trabalho, as respostas apareceram vinculadas à contratação de mais profissionais. Apesar de as entrevistadas não problematizarem, o aumento da contratação de profissionais nessa área representa uma expansão da terceirização. A luta do Serviço Social deveria ser, portanto, pela ampliação da contratação direta de assistentes sociais por parte das empresas, o que levaria à redefinição das consultorias empresariais no sentido de realizarem apenas trabalhos pontuais não passíveis de serem assumidos internamente, como é próprio, e não que substituíssem o trabalho dos profissionais das empresas.

Avançar com os espaços de consultoria empresarial, tal como se configuram hoje, é avançar com o processo de terceirização e quarteirização, é uma capilarização da informalidade. Segundo Santos (2010), a flexibilidade não pode ser a solução para aumentar os índices de ocupação, o que seria uma grande ilusão, quando se percebe o significado substantivo de perdas para o trabalhador.

Em suma, a flexibilização das relações de trabalho, apesar de encarada como alternativa do capital para combater o desemprego, traz outros significados que, na verdade, representam a liberdade do capital das amarras legais e de proteção do trabalhador. Torna-se necessária, portanto, a desmistificação desse tipo de relação trabalhista, como meio de resistência a mais uma das investidas do capital contra o trabalho.

Considerações finais

A precarização que assola o mundo do trabalho a partir da reestruturação produtiva abre espaço para a informalidade do mercado de trabalho, aumentando a terceirização profissional e, como uma de suas expressões, a consultoria empresarial de Serviço Social. Os vieses da precarização aparecem mistificados aos olhos dos trabalhadores e apontam para o aumento de mecanismos de extração do sobretrabalho.

Compreender os desafios institucionais com os quais lidamos no nosso cotidiano de trabalho permite explicitar que a autonomia relativa do profissional, no espaço sócio-ocupacional da consultoria empresarial, é regulada pelos ditames de quem a contrata, da mesma forma que ocorre com as demais instituições nas quais os assistentes vendem a sua força de trabalho.

Por isso, compreender o trabalho como esfera de luta requer assumir atitudes defensivas, de resistência e de oposição às formas de dominação instauradas. Daí a importância de uma atuação não apenas no nível imediato, mas na construção de mediações políticas articuladas às lutas gerais da classe trabalhadora pela desprecarização do trabalho, defesa dos direitos e preservação das conquistas historicamente acumuladas.

Concluindo nossas reflexões, seguem alguns apontamentos para o espaço sócio-ocupacional da consultoria empresarial, os quais devem ser problematizados pelo conjunto da categoria.

Uma estratégia de fortalecimento seria as consultorias não substituírem o trabalho dos assistentes sociais das empresas, contribuindo para a redução deste mercado de trabalho profissional. Mas, ao contrário, deveriam conjugaar as atribuições e competências profissionais, reafirmando o Código de Ética Profissional, Projeto Ético-Político do Serviço Social e a Lei de Regulamentação da Profissão, que definem a atividade de consultoria como uma competência profissional compartilhada com outras áreas.

Uma luta importante a ser assumida pela categoria profissional e entidades representativas seria a definição de estratégias de qualificação dos profissionais para atuar em empresas e lutar pela contratação direta de assistentes sociais, no sentido de enfrentar a ampliação das consultorias que encobrem a terceirização.

Outro aspecto seria trazer o debate das consultorias empresarias para os espaços coletivos da categoria profissional, socializando os desafios enfrentados e permitindo maior visibilidade desse espaço sócio-ocupacional para que o mesmo possa ser redefinido na perspectiva do projeto ético-politico, contando com a participação ativa das consultorias hoje existentes. O incentivo de produção teórica relacionado ao fazer profissional nesse espaço é relevante para tornar visível o que se encontra oculto e analisá-lo de maneira a problematizá-lo coletivamente.

Esse movimento permitirá aos conselhos regionais acompanhar mais de perto as empresas e suas estratégias que ocultam a terceirização sob o manto das consultorias externas no âmbito do Serviço Social.

Em suma, todo esse movimento nos apresenta que o capitalismo esgotou suas possibilidades civilizatórias, o que se explicita pela sua "produção destrutiva" nas relações sociais e nas trabalhistas. Esse pode ser um movimento, uma ponta de esperança para a construção de um novo projeto societário, que precisa ser debatido coletivamente na categoria profissional e junto aos usuários dos serviços.

Recebido em 15/1/2014

Aprovado em 17/3/2014

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  • *
    Este artigo reproduz parte da dissertação de mestrado defendida em maio de 2013, intitulada "Consultoria empresarial: o Serviço Social posto à prova", no Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da prof. dra. Rosangela Paz. Agradeço as observações da profa. dra. Raquel Raichelis na banca de defesa e sua colaboração inestimável para a redação deste artigo.
  • 1
    . Artigos 610 a 626 dispõem sobre contratos de subempreitadas.
  • 2
    . Artigo 443 dispõe sobre a contratação de mão de obra por tempo determinado e artigo 445 trata de contratos de subempreitadas.
  • 3
    . Especialmente o artigo 10 trata sobre a organização da administração federal estabelecendo diretrizes para a reforma administrativa.
  • 4
    . Dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas.
  • 5
    . Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo da Constituição Federal e dá outras providências.
  • 6
    . Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e o funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional n. 8, de 1995 (especialmente o art. 94).
  • 7
    . Consolida a jurisprudência sobre mão de obra temporária.
  • 8
    . Dispõe sobre contrato de prestação de serviços.
  • 9
    . Alterada pelas Leis n. 8.863, de 1994, e n. 9.017, de 1995, que dispõem sobre segurança para estabelecimentos financeiros; estabelecem normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores.
  • 10
    . Disponível em: <
  • 11
    . Dispõe sobre a contratação de trabalhadores por empresas interpostas.
  • 12
    . Dispõe sobre a segurança para estabelecimentos financeiros; estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores e dá outras providências e regulamenta a Lei n. 7.012, de 1983.
  • 13
    . Dispõe sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Nesses artigos, há a definição de empregador pessoa física ou jurídica; fornecedor ou tomador de mão de obra e trabalhadores que prestam serviço.
  • 14
    . Dispõe sobre a terceirização de vigilância que foi ampliada para a vigilância patrimonial, pública ou privada, inclusive para pessoa física.
  • 15
    . Acrescenta parágrafo ao artigo 422 da Consolidação das Leis Trabalhistas, para declarar a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados.
  • 16
    . Estabelece diretrizes para a classificação de cargos do serviço civil da União e das autarquias federais.
  • 17
    . Regulamenta o artigo n. 37, inciso XXI da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da administração pública.
  • 18
    . Atualmente o Projeto de Lei encontra-se sujeito à apreciação do Plenário. Disponível em: <
  • 19
    . A cartilha elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego sobre Relações de Trabalho (Brasil 2009, p. 15) define assédio moral como "atos cruéis e desumanos que caracterizam uma atitude violenta e sem ética nas relações de trabalho praticados por um ou mais chefes contra seus subordinados. Trata-se da exposição de trabalhadoras e trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função. É o que chamamos de violência moral. Esses atos visam humilhar, desqualificar e desestabilizar emocionalmente a relação da vítima com a organização e o ambiente de trabalho, o que põe em risco a saúde, a própria vida da vítima e seu emprego. A violência moral ocasiona desordens emocionais, atinge a dignidade e a identidade da pessoa humana, altera valores, causa danos psíquicos (mentais), interfere negativamente na saúde, na qualidade de vida e pode até levar à morte".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      15 Jan 2014
    • Aceito
      17 Mar 2014
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