Resumos
Estudo transversal realizado em comunidade rural maranhense com objetivo de identificar os fatores associados à ocorrência de anemia por deficiência de ferro. A população foi representada por crianças entre seis e sessenta meses totalizando 371 crianças. Utilizou-se como referencial teórico o Modelo Campo de Saúde. Realizado exame de sangue, parasitológico de fezes e medidas antropométricas de todas as crianças, além de entrevista com os responsáveis. A associação da anemia foi significativa em relação à idade e às parasitoses intestinais (Elemento Biologia Humana), à freqüência da dieta infantil (Elemento Estilo de Vida) e ao número de cômodos da casa (Elemento Ambiente). Evidencia-se necessidade de atividades assistenciais de saúde e educação, subordinadas às características ambientais, biológicas e de estilo de vida, associadas, a ações curativas assentadas em um modelo educativo contínuo de cuidado à criança portadora de carência nutricional de ferro.
Anemia ferropriva; Deficiência de ferro; Nutrição da criança
This is a transversal study made in a rural maranhense community with the goal to identify the factors associated with the occurrance of anemia for lack of iron. The population of the study was represented by six to sixty months children totalizing 371 children. The theoretician referential was the Health Field Model. Beyond the interview with the children's parents, blood and excrement examinations were made and anthropometric data of the children was collected. The association of anemia was significant related to the age of the child and to intestinal parasitism (Human Element Biology), to the frequency of the infantile diet (Element Lifestyle) and to the number of rooms of the house (Element Environment). It is the necessity of assistance activities of health and education proven subordinated to the environmental, biological and lifestyle characteristics, associated cure actions based on a continuous educative model for the child carrying nutritional lack of iron.
Anemia-iron-deficiency; Iron deficiency; Child nutrition
Estudio transversal realizado en la comunidad rural maranhense con el objetivo de identificar cuales son los factores asociados a la presencia de la anemia por la carencia del fierro. La población fue representada por niños entre seis y sesenta meses, en un total de 371 niños. Se utilizó como referencial teórico el Modelo Campo de la Salud. Se realizó exámen de sangre, parasitológico de feces y medidas antropométricas de todos los niños, además de entrevista con los progenitores. La asociación de la anemia fue significativa en relación a la edad y a las parasitosis intestinales (Elemento Biología Humana), frecuencia de la dieta infantil (Elemento Estilo de Vida), número de cómodos de la casa (Elemento Ambiente). Se evidencia la necesidad de actividades asistenciales de salud y educación, sometidas a las características ambientales, biológicas y del estilo de vida asociadas a acciones curativas asentadas en un modelo educativo continuo de cuidado a niños portadores de carencia nutricional de fierro.
Anemia ferropénica; Deficiencia de fierro; Nutrición del niño
PESQUISA
Fatores de risco para carência nutricional de ferro em crianças de seis a sessenta meses na perspectiva do modelo campo de saúde1
Risk factors for nutritional lack of iron in six to sixty month old children in the perspective of the health field model
Factores de riesgo por la carencia nutricional de fierro en niños desde los seis hasta los sesenta meses según la perspectiva del modelo campo de salud
Francisca Georgina Macedo de SousaI; Thelma Leite de AraújoII
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora da Universidade Federal do Maranhão
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora da Universidade Federal do Ceará
Endereço Endereço: Francisca Georgina Macedo de Sousa Travessa Sousândrade, 12 65059-810 - Parque Universitário, São Luis-Ma E-mail: fgeorgina@bol.com.br
RESUMO
Estudo transversal realizado em comunidade rural maranhense com objetivo de identificar os fatores associados à ocorrência de anemia por deficiência de ferro. A população foi representada por crianças entre seis e sessenta meses totalizando 371 crianças. Utilizou-se como referencial teórico o Modelo Campo de Saúde. Realizado exame de sangue, parasitológico de fezes e medidas antropométricas de todas as crianças, além de entrevista com os responsáveis. A associação da anemia foi significativa em relação à idade e às parasitoses intestinais (Elemento Biologia Humana), à freqüência da dieta infantil (Elemento Estilo de Vida) e ao número de cômodos da casa (Elemento Ambiente). Evidencia-se necessidade de atividades assistenciais de saúde e educação, subordinadas às características ambientais, biológicas e de estilo de vida, associadas, a ações curativas assentadas em um modelo educativo contínuo de cuidado à criança portadora de carência nutricional de ferro.
Palavras-chave: Anemia ferropriva. Deficiência de ferro. Nutrição da criança.
ABSTRACT
This is a transversal study made in a rural maranhense community with the goal to identify the factors associated with the occurrance of anemia for lack of iron. The population of the study was represented by six to sixty months children totalizing 371 children. The theoretician referential was the Health Field Model. Beyond the interview with the children's parents, blood and excrement examinations were made and anthropometric data of the children was collected. The association of anemia was significant related to the age of the child and to intestinal parasitism (Human Element Biology), to the frequency of the infantile diet (Element Lifestyle) and to the number of rooms of the house (Element Environment). It is the necessity of assistance activities of health and education proven subordinated to the environmental, biological and lifestyle characteristics, associated cure actions based on a continuous educative model for the child carrying nutritional lack of iron.
Keywords: Anemia-iron-deficiency. Iron deficiency. Child nutrition.
RESUMEN
Estudio transversal realizado en la comunidad rural maranhense con el objetivo de identificar cuales son los factores asociados a la presencia de la anemia por la carencia del fierro. La población fue representada por niños entre seis y sesenta meses, en un total de 371 niños. Se utilizó como referencial teórico el Modelo Campo de la Salud. Se realizó exámen de sangre, parasitológico de feces y medidas antropométricas de todos los niños, además de entrevista con los progenitores. La asociación de la anemia fue significativa en relación a la edad y a las parasitosis intestinales (Elemento Biología Humana), frecuencia de la dieta infantil (Elemento Estilo de Vida), número de cómodos de la casa (Elemento Ambiente). Se evidencia la necesidad de actividades asistenciales de salud y educación, sometidas a las características ambientales, biológicas y del estilo de vida asociadas a acciones curativas asentadas en un modelo educativo continuo de cuidado a niños portadores de carencia nutricional de fierro.
Palabras clave: Anemia ferropénica. Deficiencia de fierro. Nutrición del niño.
INTRODUÇÃO
As carências nutricionais ocorrem quando a oferta, biodisponibilidade e a utilização dos nutrientes são insuficientes para promover o crescimento e o desenvolvimento das funções normais do organismo1.
Entre os problemas nutricionais destacam-se a desnutrição energético-protéica (DEP) e as anemias. Dentre estas, a anemia por deficiência de ferro é a de maior magnitude. Primeiro, porque representa 90% do total de casos no mundo2, segundo, pelas repercussões sobre o crescimento e desenvolvimento da criança, como conseqüência da resistência diminuída às infecções, e pela associação com a mortalidade infantil3-5.
A anemia é uma manifestação tardia e insidiosa da carência de ferro, que surge quando as reservas orgânicas se esgotam em virtude de um balanço negativo, isto é, uma disparidade entre a disponibilidade e a demanda do nutriente 6. O principal problema durante toda a infância é oferecer ferro nutricional suficiente às exigências relacionadas à velocidade de crescimento e, assegurar que uma proporção adequada desse ferro seja absorvida. A relação entre a biodisponibili-dade do ferro nos alimentos, e a absorção, é o que determina a probabilidade maior ou menor da deficiência de ferro4.
Destaca-se o período da complementação alimentar (período de transição na vida da criança durante o qual a dieta muda do aleitamento materno exclusivo, em torno do sexto mês, para o padrão habitual da alimentação familiar), como um período crítico para as doenças carenciais. O risco reside, justamente, porque é em torno do sexto mês que as reservas de ferro estão exaustas e a criança necessita de ingestão abundante de ferro na dieta 1,3. Os hábitos alimentares impróprios, representados por crenças e tabus alimentares, nutrição pobre em ferro, associados a uma baixa freqüência de refeições, são riscos apontados como determinantes para a deficiência de ferro3,7.
Mesmo assim, as influências culturais não são as responsáveis pela maior parte dos casos de má nutrição, embora, contribuam para tanto. As diversas formas de privação, isto é, a falta de alimentos disponíveis ou dos recursos para obtê-los são geralmente responsáveis pela maioria dos casos de subnutrição4.
Enfatiza-se, ainda, como fator de risco para os problemas carenciais de ferro, o acesso precário aos serviços de saúde, educação e saneamento. A escassez e a má distribuição desses serviços determinam práticas alimentares inadequadas e infestações parasitárias freqüentes, além de doenças infecciosas de repetição que comprometem a biodisponibilidade e a absorção do ferro nutricional5.
Visualiza-se neste estudo a possibilidade de avaliar o problema da anemia por deficiência de ferro não só na sua dimensão fisiológica, mas, também na sua dinâmica, enquanto uma questão social. As situações que envolvem as carências nutricionais e aqui, especificamente, a anemia por deficiência de ferro, exigem reflexões sobre a realidade das situações e condições que favoreçam o surgimento da mesma, determinando desafios para o enfrentamento do problema. A importância do estudo dos fatores associados à anemia ferropriva se expressa, ainda, pelo impacto negativo deste problema nutricional na saúde e nos indicadores de qualidade de vida da população infantil que, devem merecer dos serviços e dos profissionais de saúde atenção prioritária.
OBJETIVO
Relacionar os valores hematológicos encontrados com as variáveis do Modelo Campo de Saúde para identificar os fatores de risco para anemia ferropriva na população estudada.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, exploratório, realizado na comunidade rural de Vila São Pedro, Paço do Lumiar MA, no período de maio a outubro de 2002. Definiu-se a abordagem multicausal baseada no Modelo Campo de Saúde 8, para realizar esta pesquisa. Na estrutura do Modelo, a saúde é determinada por um conjunto de fatores agrupáveis em quatro elementos: Biologia Humana, Ambiente, Estilo de Vida e Organização do Cuidado à Saúde. A principal característica deste modelo é dirigir-se aos fatores físicos e biológicos, atingindo também, o contexto social, os políticos estruturais, econômicos e culturais. Somente quando essas ligações forem conhecidas será possível determinar em que proporção certos riscos têm valor e que esforços devem ser levados em conta para o enfrentamento dos mesmos 8.
O Elemento Biologia Humana, do Modelo Campo de Saúde, envolve todos os fatores que se manifestam como conseqüência da constituição orgânica do indivíduo incluindo a herança genética, os processos de maturação e envelhecimento, os sistemas esquelético, nervoso, cardiovascular, endócrino, digestivo entre outros. Para este estudo as variáveis estão agrupadas em duas categorias, as relacionadas à mãe e as relacionadas à criança. Na primeira categoria estão: idade materna, número de gestações, partos e abortos, número de filhos menores de cinco anos e mortalidade entre os filhos. Na segunda categoria tem-se: idade, sexo, posição de nascimento entre os irmãos, condições do nascimento, peso ao nascer, doenças apresentadas pela criança, história de internação, situação vacinal, avaliação nutricional, física e laboratorial da criança.
As variáveis do Elemento Ambiente agrupam os fatores externos ao organismo, sobre os quais o individuo exerce pouco ou nenhum controle 8. Para este elemento do Modelo, as variáveis selecionadas neste estudo foram: condições de moradia, saneamento e tamanho da família.
O Estilo de Vida, no Modelo Campo de Saúde, consiste na agregação de decisões individuais que afetam a saúde dos indivíduos no que se refere, por exemplo, às suas atividades de lazer e alimentação, sobre as quais eles têm maior ou menor controle. A importância das decisões pessoais e maus hábitos, sobre o ponto de vista da saúde, criam riscos impostos a si próprios. Quando estes riscos resultam em doença ou morte, o estilo de vida da vítima pode ser considerado contribuinte ou causador 8. As variáveis para este elemento constituíram-se da história alimentar da criança, alimentos usados na dieta da família, freqüência da alimentação infantil, conduta materna em caso de doença, pessoa que cuida da criança, escolaridade dos pais, ocupação dos pais, tipo de vinculo empregatício e renda familiar.
O Elemento Organização do Cuidado de Saúde diz respeito à disponibilidade, quantidade e qualidade dos recursos destinados aos cuidados com a saúde. É definido como o sistema de cuidado de saúde que consiste não só na quantidade e qualidade, mas, no compromisso, natureza e disponibilidade de pessoal e recursos para a provisão do cuidado. Inclui práticas médicas e de enfermagem, hospitais, ambulâncias, estrutura dos serviços de saúde públicos e comunitários8. Para este estudo, as variáveis que correspondem a este elemento foram: existência de convênio de saúde, realização de pré-natal pelas mães, local do pré-natal, início e número de consultas durante a gestação, exames laboratoriais realizados, suplemento de ferro na gestação, orientação profissional para alimentação da criança e serviços de saúde procurados em casos de doença.
A população foi constituída por todas as crianças na faixa etária de seis a sessenta meses, residentes e domiciliadas na Vila São Pedro e cadastradas pelo Programa Saúde da Família (PSF). A delimitação da idade mínima para este estudo se justifica porque é a partir do sexto mês de vida que as reservas de ferro estão esgotadas, caracterizando o período como o de maior risco para desenvolver carência de ferro 1,3-4. O limite máximo, sessenta meses, foi determinado pela prioridade conferida para o desenvolvimento das Ações Básicas à criança dentro da política de saúde no Brasil 9.
Foram identificadas 380 crianças na faixa etária de seis a sessenta meses, e participaram do estudo 371 crianças. As perdas ocorreram por: não compareceram no dia agendado para a coleta (três crianças), não completaram a coleta (duas não colheram material para exame de fezes, e uma mãe recusou a coleta de sangue venoso, mesmo havendo, inicialmente, assinado o termo de consentimento), e por apresentarem processos infecciosos, representados por febre e gripe (três crianças), totalizando nove crianças.
Para a coleta de dados inicialmente foi realizado contato com as mães em reuniões na comunidade para explicar os objetivos da pesquisa e obter o consentimento informado para a participação dos filhos. A fase seguinte foi a coleta dos dados antropométricos representados pelo peso e altura, a coleta de sangue venoso e de material para exame parasitológico de fezes, para que assim fosse determinada a existência de anemia por deficiência de ferro na população estudada e posterior análise da associação desta carência com as variáveis do Modelo Campo de Saúde.
Os dados subjetivos foram obtidos em entrevista individual com cada mãe, utilizando-se um questionário baseado no modelo conceitual de Campo de Saúde, visando o alcance dos objetivos propostos. Para garantir a presença da mãe, as entrevistas foram realizadas aos sábados, nos dois turnos, no momento da entrega dos resultados dos exames e nos mesmos locais da coleta de sangue.
Com o propósito de devolver às mães ou responsáveis as informações referentes à saúde das crianças que participaram do estudo, foi fornecido além do laudo laboratorial dos exames de sangue e fezes, folheto explicativo, com o objetivo de orientar medidas terapêuticas e preventivas necessárias para o controle da anemia por deficiência de ferro. Enfatizou-se neste encontro, ainda, a necessidade de avaliação médica, e as crianças com alterações laboratoriais foram encaminhadas para atendimento ambulatorial. Aquelas que apresentaram quadro de anemia grave foram encaminhadas ao serviço médico do Centro de Hemoterapia e Hemotransfusão do Maranhão (HEMOMAR) para avaliação especializada.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) (protocolo nº 01162/02) em 28.02.02, em concordância com o que determina a Resolução nº 196 do Conselho Nacional de Saúde10.
Os dados coletados foram inicialmente digitados em planilha do Excel e, em seguida, analisados pelos programas estatísticos Epi-Info versão 6.01 e Statistica versão 4.3. Para análise estatística, foram utilizados o cálculo do risco relativo, o teste de associação do qui-quadrado e a razão de chances (odds ratio), para estimar as chances de ocorrência de problemas nutricionais por deficiência de ferro e expressar a associação entre as variáveis que compõem os quatro elementos do Modelo Campo de Saúde. Utilizou-se nível de significância de 5% para indicar uma associação estatisticamente significativa.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
As crianças portadoras de anemia ferropriva alcançaram percentual de 24,0%, e as ferrodeficientes 11,6%, totalizando 35,6% de crianças com problemas nutricionais por deficiência de ferro. A maior prevalência de anemia foi encontrada nas crianças entre 12 e 17 meses de idade com 55,9% enquanto que 22,2% das crianças ferrodeficientes encontravam-se na faixa etária de 48 a 53 meses.
A associação da anemia ferropriva e ferrodeficiência com as variáveis do Elemento Ambiente foi significativa com relação ao total de cômodos da casa (p< 0,05). As crianças que residiam em casa com três cômodos ou menos apresentaram risco 2,8 vezes maior de apresentar anemia do que as que residiam em casa com mais de três cômodos. A aglomeração de pessoas tem sido associada ao aumento de infecções e maior possibilidade na relação destas com a anemia ferropriva. As famílias que residem em casa com poucos cômodos são as mais pobres, as crianças adoecem mais facilmente, há menor nível de instrução básica e apresentam maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde11.
Ainda em relação ao Elemento Ambiente, vale ressaltar que a análise química e bacteriológica da água utilizada para consumo pelas famílias da comunidade da Vila São Pedro foi adequada, no entanto, poderá sofrer modificações considerando-se a forma domiciliar de armazenamento. Em 87,3% dos domicílios a água é coletada fora de casa, em torneiras na área externa da casa, chafarizes e na vizinhança e, depois, mantidas em depósitos, que podem não atender às exigências para manutenção qualitativa da água. Adequadas condições de moradia e saneamento são fundamentais para o conforto e saúde da família e para a redução na incidência de doenças infecto-parasitárias que comprometem tanto a ingestão como a absorção de ferro11.
As demais variáveis do Elemento Ambiente apesar de indiscutivelmente, desempenharem papel importante na saúde da criança, não tiveram significado estatístico na associação com os problemas nutricionais por deficiência de ferro.
Não se mostraram como fatores de risco para a anemia, as variáveis do Elemento Biologia, relacionadas a antecedentes de saúde materna e reprodutiva (idade materna, realização de pré-natal, número de gestação e paridade), assim como em relação a óbitos entre os filhos menores de cinco anos.
No que diz respeito às variáveis, cuidados perinatais, a quase totalidade das mães realizaram pré-natal (87,9%), sendo que 58,5% haviam comparecido a menos de seis consultas. Esse fato, no entanto, não demonstrou associação com a anemia entre as crianças.
O sexo da criança e a ordem de nascimento não estiveram associados aos problemas nutricionais por carência de ferro (p > 0,05).
Do Elemento Biologia, a idade da criança foi a variável de associação mais significativa (p = 0,00). As crianças menores de dois anos apresentaram risco 6,4 vezes maior de terem anemia do que as maiores. A explicação para o fato é a maior velocidade de crescimento nessa faixa etária, alta prevalência de desmame precoce, atraso na introdução de alimentos ricos em ferro na dieta da criança e pela maior prevalência de doenças diarréicas e infecções respiratórias nos primeiros anos de vida12.
Não se mostraram como fatores de risco para anemia (p > 0,05) nas crianças estudadas, os antecedentes relacionados ao tipo de parto, peso ao nascer, doenças respiratórias, doenças diarréicas, internação hospitalar, situação vacinal e ordem de nascimento na população estudada.
Na literatura, o baixo peso ao nascer é tido como um dos fatores mais importantes que predispõem à anemia ferropriva 3,5,9,12. A ausência de associação com baixo peso de nascimento encontrada no presente estudo pode ser atribuída a dois fatores: inclusão de pequeno número de crianças abaixo de um ano de idade (6,7%), e a baixa prevalência de crianças com baixo peso (4,0%), o que pode ter dificultado a análise da relação entre essa variável e os problemas causados pela deficiência de ferro. No entanto, reconhecem-se as repercussões do baixo peso ao nascer sobre a saúde da criança, principalmente, no primeiro ano de vida.
Apesar de observada, neste estudo, prevalência de 42,8% de crianças com problemas nutricionais considerando os parâmetros A/I e P/A, variando entre desnutrido agudo, pregresso e crônico, não houve associação significativa com a anemia ferropriva. No entanto, a vigilância nutricional mantém-se, para as ações básicas de saúde infantil, excelente estratégia de controle e acompanhamento.
Ainda em relação ao Elemento Biologia, a segunda variável significativa na associação com a anemia foi o poliparasitismo, representado pela associação de helmintos e protozoários (p < 0,05). As crianças que apresentaram enteroparasitoses causada pela associação de helmintos e protozoários têm o risco 4,41 vezes maior de ter anemia do que as parasitadas com espécies isoladas. O mecanismo pelo qual estas infecções afetam o estado nutricional de ferro é a perda de sangue secundária à colite, redução do apetite e da absorção intestinal dos nutrientes4 .
As variáveis, que aqui compõem o Elemento Estilo de Vida (estado civil, escolaridade materna, escolaridade paterna, trabalho remunerado, tipo de vínculo e renda familiar), não apresentaram associação significativa (p > 0,05) com a carência de ferro.
Nem sempre a associação entre renda familiar e anemia é observada, principalmente em populações consideradas como de baixa renda, uma vez que praticamente toda a população se encontra no mesmo nível de renda e que o aumento da renda não garante a diminuição da prevalência de anemia, uma vez que esta carência também é encontrada em populações de níveis socioeconômicos elevados 12. Ressalta-se que, 51,0% das famílias pesquisadas possuíam renda inferior a um salário mínimo e 35,3% das mesmas, entre um e dois salários mínimos.
Ainda ao analisar o Elemento Estilo de Vida, não foi encontrada associação entre anemia e o tempo de aleitamento materno, idade de introdução do leite artificial, introdução de mingau de cereal, introdução de sopa, frutas e refeição da família (p > 0,05). Com relação ao aleitamento materno, 96,2% das crianças foram amamentadas, sendo que 55,2% em um período de um até quatro meses de idade e 18,8% ainda mamavam no peito. A prevalência de aleitamento materno exclusivo foi baixa, pois 91,4% das crianças receberam chás, água e leite artificial entre a primeira semana e o terceiro mês de vida. O aleitamento materno nos primeiros seis meses de vida é, sem dúvida, fator de proteção para a anemia, principalmente se exclusivo. No presente estudo não houve associação entre tempo de aleitamento materno e anemia (p > 0,05). O delineamento desse estudo pode não ter sido o mais adequado para estudar essa associação, por se tratar de um dado retrospectivo com relação à prática da amamentação. Além disso, estes resultados não invalidam o fato já bastante comprovado de que o leite materno presente na alimentação do lactente é fundamental para atender às necessidades de ferro 12.
Encontrou-se correlação significativa entre anemia e freqüência com que a criança é alimentada (p<0,05). As crianças com baixa freqüência alimentar (< 5 refeições diárias) apresentaram risco 2,88 vezes maior de ter anemia do que as que receberam alimentos com maior freqüência. As crianças menores de um ano devem receber oito refeições diárias e, entre um e cinco anos, cinco ou seis refeições diárias, incluindo duas de sal complementadas por lanches nutritivos 13. Para garantir um consumo adequado de alimentos, a freqüência na ingestão dos mesmos é um fator importante que poderá afetar positivamente ou negativamente o estado nutricional de ferro e que por apresentarem capacidade gástrica relativamente pequena, necessitam de refeições freqüentes e ricas em energia e nutrientes 14.
No tocante ao Elemento Cuidado de Saúde, considera-se que a falta de assistência adequada ficou evidenciada neste estudo, considerando que 12,1% das mães não realizaram pré-natal; 55,0% das que realizaram o fizeram fora da Vila, sendo a falta e rotatividade dos profissionais o principal motivo (39,7%); 42,3% realizaram menos de seis consultas pré-natais; 32,5% não realizaram exames laboratoriais; 43,7% usaram inadequadamente a suplementação com ferro oral e 77,9% das mães não receberam apoio para o aleitamento materno. Os problemas de saúde das crianças são atendidos e resolvidos no próprio município em 55,5% dos casos e em 25,9% fora dele.
A assistência pré-natal e ao parto devem ser eficientes no sentido de evitar, minimizar e corrigir os problemas relacionados à saúde e nutrição da gestante, o que poderá aumentar as chances de nascimento de crianças saudáveis. Por outro lado, a proximidade, interação e comunicação entre os profissionais de saúde e as mães são elementos necessários para habilitá-las a fornecer melhores cuidados e nutrição para suas crianças 4. No entanto, as variáveis do Elemento Cuidado de Saúde não apresentaram associação significativa com a anemia ferropriva.
Os cuidados médicos são ainda eminentemente curativos, porém, os problemas nutricionais por deficiência de ferro requerem uma abordagem mais social e nutricional do que médica e medicamentosa. Na Atenção Básica de Saúde, as ações de promoção da saúde têm seu foco em orientações e informações para uma vida saudável onde o usuário exerce papel passivo de receptor, fato que compromete o vinculo profissional-cliente-serviço15. Emerge daí a necessidade de fortalecer a família como unidade de cuidado16.
Neste contexto, a assistência à saúde deverá objetivar a promoção individual e/ou coletiva de condições as mais satisfatórias possíveis e oferecer práticas e mecanismos de cuidado que garantam e promovam a saúde da criança.
As variáveis, idade da criança, freqüência da dieta infantil, número de cômodos da casa e as enteroparasitoses, após avaliação estatística por regressão logística, permaneceram como fatores de risco para a anemia ferropriva na população estudada.
CONCLUSÃO
Ao analisar os fatores causais para a anemia ferropriva, encontrou-se associação significativa com a idade da criança (Elemento Biologia), freqüência das dietas infantis (Elemento Estilo de Vida), números de cômodos da casa (Elemento Biologia). Entre as variáveis dos Elementos do Modelo Campo de Saúde, destaca-se a idade menor de dois anos como o fator de maior risco para anemia ferropriva.
Dá-se ênfase, ainda, ao Elemento Estilo de Vida, no que diz respeito aos hábitos alimentares local. Apesar da existência na comunidade de alimentos com alta biodisponibilidade em ferro, estes não são utilizados na dieta infantil. Os mingaus de farinha de macaxeira, o atraso ou a não introdução de frutas, verduras, leguminosas e carnes, caracterizam a dieta infantil das crianças estudadas evidenciando uma dieta monótona e pouco nutritiva.
A Atenção Básica, atualmente assentada no Programa Saúde da Família, pressupõe a saúde como direito de cidadania, exige serviços resolutivos, integrais e humanizados, elegem a família como núcleo para abordagem à saúde e intervenção sobre os fatores de risco aos quais a população está exposta. Dessa forma, a assistência deve ter como objetivos contribuir para a melhoria de vida, educar o indíviduo e a família para o autocuidado, levando-os a assumirem atitudes de promoção para a saúde.
Nesse sentido, a intervenção, no que diz respeito aos problemas nutricionais de ferro deve estar subordinada às necessidades ambientais, biológicas e de estilo de vida da população infantil da Vila São Pedro assentadas na educação, visando o alcance da transformação social.
Os fatores que contribuem para o estabelecimento da anemia ferropriva, mesmo aqueles em que a associação estatística não foi significativa, e os não pesquisados, certamente não atuam de forma isolada, mas interagem uns com os outros, tornando-se muitas vezes difícies de serem mensurados. Apesar da utilização de um referencial teórico abrangente o Modelo Campo de Saúde não se conseguiu abranger a pluralidade de fatores que permeiam a ocorrência dos problemas nutricionais por deficiência de ferro. Por outro lado, não se ousa aqui esgotar as relações multicausais e, sim, estabelecer possibilidades para que outros estudos sejam realizados, a fim de definir estratégias de controle e prevenção da anemia ferropriva na população infantil.
Várias estratégias poderão ser efetivas no combate a esta carência, o que nos faz refutar medidas isoladas. Entre elas aponta-se:
a) medidas de apoio e educação às mães no redirecionamento ao cuidado à criança, capacitando-as a adotarem um estilo saudável de cuidar;
b) recomendações dietéticas direcionadas às mães para que seja melhorada a biodisponibili-dade do ferro na dieta infantil: aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida e, a partir daí, a introdução gradativa na dieta de nutrientes que contenham ferro;
c) a orientação nutricional deve ser realizada no sentido de modificar hábitos alimentares, melhorar o aproveitamento de alimentos regionais, utilizando alternativas mais acessíveis sob o ponto de vista econômico e aceitas pela comunidade;
d)estimular o uso de agentes facilitadores da absorção de ferro na dieta como sucos de laranja, limão, acerola, caju e outros;
e) suplementação medicamentosa de ferro em gestantes, por pelo menos três meses de duração iniciando nos dois primeiros trimestres da gestação;
f) suplementação medicamentosa de ferro a crianças a partir do sexto mês de vida;
g) acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança, priorizando, além da avaliação antropométrica e de desenvolvimento, medidas de apoio à nutrição;
h) incentivar nas famílias e na comunidade, práticas adequadas de higiene, pois estas são, sem dúvida, medidas efetivas e de baixo custo para a prevenção de doenças, principalmente as diarréicas e as parasitárias.
Aos enfermeiros, cabe compreender a dimensão de educar/cuidar, como instrumento transformador da prática de saúde, envolvendo tudo o que se torna indispensável no sentido de diminuir riscos sociais, ambientais e de estilos de vida, visando manter e estimular a qualidade de vida da criança e de sua família.
Recebido em: 15 de fevereiro de 2004
Aprovação final: 26 de junho de 2004
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Mar 2011 -
Data do Fascículo
Set 2004
Histórico
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Recebido
15 Fev 2004 -
Aceito
26 Jun 2004