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A organização familiar para o cuidado à criança em condição crônica, egressa da unidade de terapia intensiva neonatal1 1 Artigo elaborado a partir da dissertação - A organização familiar para o cuidado à criança em condição crônica egressa da unidade de terapia intensiva neonatal, no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG), 2012

Resumos

Estudo de abordagem qualitativa, que teve como objetivo analisar a organização familiar para o cuidado à criança em condição crônica egressa da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Os sujeitos foram familiares de 12 crianças que apresentam condição crônica de saúde. Os dados foram coletados por meio do genograma, ecomapa e de entrevista com roteiro semiestruturado, elaborado com base no modelo teórico Family Management Style Framework e analisados pela técnica de análise de conteúdo temática. A organização das famílias está relacionada às demandas apresentadas pelas crianças em cada momento vivenciado, considerando o percurso do cuidado estabelecido no período imediatamente após a alta hospitalar até os dias de hoje. Identificou-se que para atender aos cuidados demandados, as famílias acessam as suas redes sociais.

Doença crônica; Família; Recém-nascido; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal


A qualitative study that aimed to examine family organization for the care of children with chronic conditions, discharged from the Neonatal Intensive Care Unit (NICU). The subjects were 12 relatives of children with chronic health conditions. Data were collected through genograms, ecomaps and semi-structured interviews, developed based on the Family Management Style Framework theoretical model and analyzed using thematic content analysis. The organization of families is related to the ongoing care requirements of the children, considering the routines of care established in the period immediately after discharge from the hospital and continuing up to the present. It was established that families access their social networks to handle the required care.

Chronic disease; Family; Infant, newborn; Intensive care units; Neonatal


Estudio de enfoque cualitativo realizado con el objetivo de analizar la organización familiar para el cuidado de niños con enfermedad crónica después del alta hospitalaria de la Unidad de Cuidados Intensivos Neonatales (UCIN). Los sujetos del estudio fueron familiares de los niños. Los datos se recolectaron a través del genograma, ecomapa y en entrevista con guión semiestructurado elaborado con base en el modelo teórico Family Management Style Framework; luego se analizaron según la técnica del Análisis de Contenido Temático. La organización de las familias está relacionada con la demanda de los niños en cada etapa, considerando la atención establecida para el período posterior al alta hospitalaria y hasta el presente. Se observó que para atender la solicitud de tales cuidados, las familias acceden a sus redes sociales.

Enfermedad crónica; Familia; Recién nacido; Unidades de Cuidado Intensiva Neonatal


INTRODUÇÃO

As condições crônicas, na infância, são aquelas de base biológica, psicológica ou cognitiva, que duraram ou têm potencial para durarem um ano, e que produzem sequelas como limitações de função, atividade ou de papel social, dependência de medicamentos, de alimentação especial, de dispositivo tecnológico ou de apoio, bem como necessidade de cuidados de saúde ou serviços relacionados e de serviços educacionais, acima do usual para crianças da mesma idade.11. Stein RE, Bauman LJ, Westbrook LE, Coupey MS, Ireys HT. Framework for identifying children who have chronic conditions: the case for a new definition. J Pediatr. 1993 Mar; 122(3):342-7.

Tem-se verificado que o aumento das condições crônicas, na infância, está relacionado à maior sobrevivência de recém-nascidos de alto risco, egressos da unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN), local com elevada concentração de tecnologia e especialização profissional.22. Duarte ED, Sena RR, Tavares TS. Práticas cuidadoras que favorecem a integralidade do cuidado ao recém-nascidos de alto risco: revisão sistemática. Rev Eletr Enferm. 2010; 57(3): 539-46. Verifica-se, também, que essas crianças, principalmente aquelas nascidas no limiar da viabilidade, apresentam risco aumentado de déficits de neurodesenvolvimento, incapacidades funcionais, além de asma, paralisia cerebral e deficiência visual,33. Hack M, Schluchter M, Andreias L, Margevicius S, Taylor HG, Drotar D, et al. Change in prevalence of chronic conditions between childhood and adolescence among extremely low-birth-weight children. JAMA. 2011 Jul; 306(4):394-401. - 44. Leversen KT, Sommerfelt K, Ronnestad A, Kaaresen PI, Farstad T, Skranes J, et al. Prediction of neurodevelopmental and sensory outcome at 5 years in Norwegian children born extremely preterm. Pediatrics. 2011 Mar; 127(3):630-8. configurando mudança no perfil epidemiológico da infância no Brasil.

Os estudos sobre o cuidado às crianças com condições crônicas têm buscado analisar sua sobrevida33. Hack M, Schluchter M, Andreias L, Margevicius S, Taylor HG, Drotar D, et al. Change in prevalence of chronic conditions between childhood and adolescence among extremely low-birth-weight children. JAMA. 2011 Jul; 306(4):394-401. - 44. Leversen KT, Sommerfelt K, Ronnestad A, Kaaresen PI, Farstad T, Skranes J, et al. Prediction of neurodevelopmental and sensory outcome at 5 years in Norwegian children born extremely preterm. Pediatrics. 2011 Mar; 127(3):630-8. e identificar as demandas de cuidados.33. Hack M, Schluchter M, Andreias L, Margevicius S, Taylor HG, Drotar D, et al. Change in prevalence of chronic conditions between childhood and adolescence among extremely low-birth-weight children. JAMA. 2011 Jul; 306(4):394-401. , 55. Nageswaran S, Silver EJ, Stein RE. Association of functional limitation with health care needs and experiences of children with special health care needs. Pediatrics. 2008 Mai; 121(5): 994-1001. - 66. Neves ET, Cabral IE. A fragilidade clínica e a vulnerabilidade social das crianças com necessidades especiais de saúde. Rev Gaúch Enferm. 2008 Jun; 29(2):182-90. Ainda, são voltados para a organização dos serviços de saúde no atendimento a esse grupo77. Vieira CS, Mello DF. O seguimento da saúde da criança pré-termo e de baixo peso egressa da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Texto Contexto Enferm. 2009 Jan-Mar; 18(1):74-82. e às repercussões do cuidado para as famílias.88. Leite MF, Gomes IP, Leite MF, Gonçalves RGO, Rosin J, Collet N. Condição crônica na infância durante a hospitalização: sofrimento do cuidador familiar. Ciênc Cuid Saúde. 2012 Jan-Mar; 11(1):51-7. - 99. Miller AR, Condin CJ, Mckellin WH, Shaw N, Klassen AF, Sheps S. Continuity of care for children with complex chronic health conditions: parent's perspectives. BMC Health Serv Res. 2009 Dec; 9(242):1-11.

Entretanto, assim como o modelo de cuidado voltado a essas crianças não está sistematizado, muitas vezes, o que se observa é que os profissionais ainda não sabem como essas famílias têm se organizado para o cuidado à no domicílio, em função do distanciamento entre esses profissionais e a criança e sua família.

Dada à persistência no tempo dos problemas crônicos, a condição crônica exige um cuidado contínuo e prolongado, o qual a família gerencia e realiza, em conjunto com as redes de cuidado por ela tecidas.1010. Bellato R, Araújo LFS, Faria APS, et al. Itinerários terapêuticos da famílias e redes para o cuidado na condição crônica: alguns pressupostos. IN: Pinheiro R, Martins PH (org.). Avaliação em saúde na perspectiva do usuário: abordagem multicêntrica. Rio de Janeiro (RJ). UERJ: Abrasco; 2011. Contudo, mesmo frente a essas constatações, tem-se verificado que as estratégias utilizadas para garantir esses cuidados ainda são insuficientes.

O cuidado, na maioria das vezes, não é produzido individualmente, mas sim no coletivo, quer por pessoas com laços de consanguinidade ou afetivos, ou por proximidade física. Assim, adotou-se a seguinte definição de família: "[...] a família é quem seus membros dizem que são" 11:48 Portanto, considera-se como família não somente as pessoas que estão unidas por laços de consanguinidade, ou por união civil, mas também as que estão vinculadas pelo sentimento de afetividade ou as que se sentem como pertencentes a um mesmo grupo.

Ao se reconhecer o potencial da família e sua responsabilização no cuidado à criança em condição crônica, alguns autores defendem a ideia de que nesse processo as práticas profissionais cuidadoras, demandadas, devem focalizar as necessidades da pessoa e de sua família.1010. Bellato R, Araújo LFS, Faria APS, et al. Itinerários terapêuticos da famílias e redes para o cuidado na condição crônica: alguns pressupostos. IN: Pinheiro R, Martins PH (org.). Avaliação em saúde na perspectiva do usuário: abordagem multicêntrica. Rio de Janeiro (RJ). UERJ: Abrasco; 2011.

O cuidado à criança em condição crônica pode interferir no cotidiano da família exigindo uma nova organização para o cuidado. A maneira como esse processo é vivenciado pode favorecer ou não esse cuidado à criança, uma vez que o suporte familiar é entendido como aquele que assegura, em primeira instância, a integralidade e a continuidade do cuidado.

Nesse contexto, tomou-se, como objeto de estudo, o cuidado à criança em condição crônica de saúde, no ambiente domiciliar, tendo como foco a organização da família. O objetivo do estudo foi analisar a organização familiar para o cuidado à criança em condição crônica egressa da unidade de terapia intensiva neonatal.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, sustentado no referencial teórico-metodológico da dialética. Tal referencial orientou a abordagem do fenômeno em estudo, por compreender a família inserida em um determinado tempo e espaço, com a sua dinamicidade e em um cotidiano de relações, possibilitando interações, transformações e produzindo novas realidades. Além disso, considera-se que a condição crônica, dentro do contexto familiar, transforma o modo de vida dessa família e, ao mesmo tempo, o modo como esses indivíduos se organizam para o cuidado à criança, também pode modificar o processo ou o curso do adoecimento.

Os sujeitos do estudo foram 12 famílias de crianças egressas da UTIN, que apresentam condição crônica de saúde, conforme critérios determinados anteriormente.11. Stein RE, Bauman LJ, Westbrook LE, Coupey MS, Ireys HT. Framework for identifying children who have chronic conditions: the case for a new definition. J Pediatr. 1993 Mar; 122(3):342-7. A coleta de dados foi no domicílio das crianças. Como instrumentos, foram adotados o genograma, o ecomapa e a entrevista, com roteiro semiestruturado, elaborado com base no modelo teórico Family Management Style Framework (FMSF).1212. Knafl K, Deatrick JA. Further refinement of the family management style framework. J Family Nurs. 2003 Ago; 9(2):232-56. A entrevista foi feita, simultaneamente, com as pessoas às quais o responsável pela criança considerava integrantes da família, sendo eles consanguíneos ou não.

A coleta de dados foi realizada no período de abril a julho de 2012. As entrevistas foram gravadas, posteriormente, transcritas e submetidas à análise de conteúdo temática1313. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo (SP): Editora 70; 2008. objetivando-se identificar os temas comuns no conjunto do material empírico, que relacionados entre si, permitiram a explicação do fenômeno, a organização familiar para o cuidado à criança em condição crônica. Os genogramas e ecomapas, construídos para cada uma das famílias, foram utilizados de forma complementar, contribuindo para a compreensão da dinâmica familiar, das relações estabelecidas entre os seus membros e a rede social, sendo os dados, fornecidos pelos informantes, incorporados aos temas correspondentes durante a análise.

Na apresentação dos resultados, foram exemplificados alguns trechos dos discursos transcritos após a entrevista. Foram adotados como codificação dos trechos: o registro da função do membro, responsável pela informação, no núcleo familiar, a identificação numérica atribuída a cada uma das crianças e a ordem de aparecimento do trecho na entrevista (Ex.: Mãe: 1-5).

Para melhor compreensão dos genogramas e ecomapas, procedeu-se à identificação com os nomes fictícios das crianças. Utilizou-se também abreviatura dos nomes fictícios para os familiares.

Os serviços de saúde mencionados pela família foram codificados por letras em sequência alfabética, de acordo com a ordem do seu aparecimento nas entrevistas, e categorizados como Hospitais Públicos, Hospitais Privados, Serviços de Atendimento Especializado, Serviços de Reabilitação, APAE e Centros de Saúde.

Todas as etapas da pesquisa foram realizadas em consonância com as diretrizes regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, tendo sido o projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), CAAE de n. 0616.0.203.000-11. Os participantes foram informados sobre objetivos e finalidades do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Os resultados permitiram apreender que os familiares demarcaram aspectos relacionados à organização da família para o cuidado à criança em condição crônica, em diferentes momentos vivenciados por eles, considerando o percurso do cuidado estabelecido no período imediatamente após a alta hospitalar até os dias de hoje. As estratégias utilizadas consistiam em uma possibilidade de atender às necessidades das crianças naquele momento e engendrar novos modos de seguir suas próprias vidas.

O período que sucedeu à alta hospitalar foi considerado pelos familiares um momento difícil e as demandas apresentadas pelas crianças estavam relacionadas à amamentação, à administração de fármacos e à necessidade de acompanhamento médico constante: [...] manter esse leite [materno], ficar ordenhando, meu peito ficou até ferido, aonde eu apertava, ficou roxo. Não foi fácil não. (Mãe: 2-13; 14).

[...] então eu tinha acabado de deitar pra dormir e estava faltando uma hora para ele tomar alguma medicação. Aí aquela preocupação com medicação. (Mãe: 10-40.1).

Esse momento foi permeado por sentimentos como medo e insegurança, pelo receio de alguma intercorrência em casa e de a criança não receber o cuidado necessário: [...] eu fiquei dois dias sem dormir, depois que ela veio para casa, com medo de não saber cuidar dela. Então, eu fiquei doidinha... dois dias com medo dela morrer sufocada ou outra coisa. (Mãe: 1-14).

Ficou evidente que os ajustes iniciais para a adaptação das famílias incorreram em maior mudança em seu cotidiano e demandaram um envolvimento intenso, especialmente da mãe, no cuidado. Em alguns casos, as mães relataram a presença de pessoas com quem podiam contar para lhes auxiliarem no que fosse necessário, como um vizinho: [...] a minha mãe não mora perto, não tenho, então, mãe, irmão, pai. Tem um vizinho que vem, tal, que dá aquele apoio, às vezes faz alguma coisa. Mas o trabalho, igual, se eu não desse conta, lavar uma roupa... eu arrumava alguém e pagava. (Mãe: 10-44).

Os dados referentes ao ecomapa da família da Mãe: 10 reafirmam que os vizinhos são considerados fontes de apoio e mantêm uma relação forte com a família em função desse apoio.

A ocorrência de agravos, muitas vezes, levou à necessidade de reinternação de algumas crianças, o que impôs aos familiares uma nova alteração na rotina da família que, após a alta hospitalar, já começara a se conformar. Aí, depois de uns sete dias... começou vazar [a válvula]. Aí a gente ficou internado, mais um bom tempo, mais praticamente dois meses. (Mãe: 6-7).

Foi possível verificar em alguns casos a demanda de menor número de atendimentos pelos profissionais de saúde, com o passar do tempo, assim como dos serviços de pronto atendimento. Porque agora, graças a Deus, até que melhorou muito... porque no começo, era assim... ele gripava muito e tinha que correr com ele para o hospital... toda vez era pneumonia [...]. (Mãe: 8-27).

Algumas mães pareceram proteger seus filhos na tentativa de reduzir riscos. Só fico olhando, ai meu Deus, a cabeça! Mas a cabeça nem é tanto cuidado assim, o médico já me explicou isso, mas isso é coisa da gente mesmo para proteger, sabe? (Mãe: 6-35).

A gente cuida demais. E, às vezes, a gente cuidar demais atrapalha. Atrapalha um pouco. [...] Eu não colocava brinquedo assim na mão dele. Eu não colocava ele pra andar... Eu não dava nada para ele brincar. (Mãe: 2-6).

Quanto aos cuidados exigidos pelas crianças até hoje, os familiares apontaram aqueles referentes à ida ao serviço de saúde, ao uso de medicação e à oferta de alimento, aos quais se associaram as adaptações ambientais e a necessidade de estimulação por meio da brincadeira. Comida para ele tem que ser bem amassadinha. [...] Então a gente tem que ter o máximo de cuidado com a comida dele. Ele engasga demais. (Avó: 12-5).

[...] Às vezes eu demoro um pouco mais com alguma coisa, Porque eu quero tanto estimular, cuidar, dar liberdade para ele. (Mãe: 10-64).

A ida aos serviços de saúde ocorre em instituições hospitalares, para acompanhamento ambulatorial com profissionais de saúde, e em serviços de reabilitação. Com relação ao uso de fármacos, a Mãe: 8 informa ser necessário, devido às afecções respiratórias.

[...] eu saio direto. Ontem começou a hidroterapia particular, a gente está pagando, para ver se ele melhora a questão motora. (Mãe: 8-14).

Além desses cuidados, também foram relatados pelos familiares a necessidade de sempre estarem atentos à criança. Mas a gente tenta sempre gerenciar... Todos nós aqui, cuidamos dele. Sempre tem alguém olhando, alguém cuidando... desde novinho, até hoje... (Mãe: 6-65).

Alguns aspectos, no tocante às facilidades para o cuidado com a criança, foram apontados pelos informantes. Os resultados sinalizaram que o crescimento e o desenvolvimento da criança, a mudança de comportamento e a estabilidade momentânea da condição influenciaram na maneira de perceber o cuidado. Agora, quando vai no médico, eu já estou conseguindo ir com ele sozinha.... Ele vai na caderinha atrás, mas ele já me fala alguma coisa. Então é mais fácil. (Mãe: 6-70).

[...] Ele faz tratamento com fono, também, que era para poder alimentar. Porque antes, ele não abria a boca para comer, de jeito nenhum. [...] Agora, ele já abre a boca, para poder comer... Antes, o banho era muito difícil, porque eu punha ele na banheira, e ele endurecia o corpo todinho, querendo sair da banheira. Hoje eu dou banho nele sentado na banheira, eu dou banho nele em pé. [...] Já não engasga mais igual era antigamente. Dava água, tudo que dava, ele engasgava. Hoje, você pode dar água, tranqüilo, que ele já não engasga. Ele já come sem engasgar. Melhorou muito. [...] Está muito mais fácil de lidar com ele. (Mãe: 8-32).

Dentre os informantes, alguns consideram que, com a chegada de uma criança com condição crônica, não ocorreram mudanças na rotina, enquanto outros deixam explícitas essas mudanças.

Nos depoimentos das famílias, que reconhecem não haver mudança na rotina, percebemos que elas associam essa situação a alguns fatores: à experiência prévia em cuidar de crianças, ao fato de considerarem que a criança demanda cuidados como outra criança qualquer, à existência de união da família, contribuindo para a realização dos cuidados e do enfrentamento da condição, e à presença das avós das crianças para auxiliarem no cuidado. Além disso, foi destacado o fato dos pais não trabalharem fora de casa. [...] Para mim é a mesma coisa. Eu já cheguei a olhar quinze meninos. Eu, agora, hoje eu estou com quatro só. (Avó: 7-38).

Não atrapalha muito, não. Porque igual eu falo, o que eu não posso fazer na casa minha mãe faz. (Mãe: 12-25).

Mas essa alteração [na rotina da família] não tem, porque nós dois não trabalhamos fora. (Mãe: 10-80).

O cuidados dispensados às crianças 7 e 12 são realizados por suas mães e demais familiares, principalmente as avós. Os genogramas dessas famílias, bem como de outras participantes do estudo, evidenciam que a formação delas não se configura pela presença dos pais e do filho, conjuntamente. Essas mães não têm um relacionamento conjugal com os pais das crianças e, por isso, residem com os familiares, que assumiram o cuidado das crianças com elas.

Alguns familiares foram enfáticos ao afirmar as mudanças na rotina familiar. A impossibilidade de trabalhar fora emergiu na fala de alguns entrevistados, já que a criança passa a ser prioridade. Dentre os sujeitos entrevistados, percebeu-se que as mulheres assumiram os cuidados com as crianças, sendo elas as mães, tias ou avós, o que determinou mudanças em suas vidas. Eu saía pra trabalhar de manhã, de lá eu ia para a aula e ficava até de noite. [...] levava uma vida como acho que muita gente leva. Trabalhar, estudar, e voltar para casa, para rotina. (Mãe: 2-31). [...] eu mesmo tive que sair do serviço pra acompanhar ele, porque a mãe dele não tem tanta paciência. (Pai: 11-12).

Assim como foi necessário, para alguns familiares, abandonar seus empregos, as tarefas de casa, muitas vezes, também foram deixadas de lado e estabelecidas mudanças nos horários para atender às crianças. Mas eu acho que a minha e a da B. [sogra] parou mesmo. Tem dia também que ela nem arruma casa, não. Ela fica o dia inteirinho aqui com ele. (Mãe: 2-34; 35). É porque agora acabou. Aquele negócio de sair, tudo tem que ter horário. (Mãe: 8-38).

Algumas famílias, apesar das mudanças ocasionadas no cotidiano, já veem a possibilidade de retorno às tarefas do dia a dia, visto que se adaptaram aos cuidados. [...] muita coisa eu faço com ela mesmo, já acostumei. Aprendi. Aprendi a fazer as coisas com ela. (Mãe: 1-37). É, parece que agora está normalizando... [o dia a dia da família]. (Avó: 6-79).

Apreende-se, também, que uma maneira de organização para o cuidado consiste em controlar a parte financeira. A família deixa de realizar algumas atividades, como um passeio, compras, pensando na possibilidade de necessitar do dinheiro para a aquisição de medicamentos, uma consulta, por exemplo. Se pode fazer isso pode, se não pode... aquilo não faz falta. A gente quer fazer um passeio, a gente sabe que não tem condições, que não pode fazer gasto, despesas além do orçamento. Porque pode, de repente, precisar de comprar um remédio, uma consulta fora de horário. (Mãe: 10-60).

Os depoimentos dos entrevistados apontaram para o modo como a família se organiza, no que diz respeito às tarefas da casa, a fim de acompanhar a criança nos serviços de saúde e como conseguem conciliar trabalho ao próprio cuidado que a criança demanda em casa, como banho e alimentação.

Quanto às tarefas domésticas e ao acompanhamento nos serviços de saúde, percebe-se que essas atividades são compartilhadas entre os pais e alguns familiares e amigos. Tal fato também ocorre em situações em que um dos pais trabalha fora. Às vezes, quando eu preciso de fazer alguma coisa que eu não dou conta, ou quando ele cansa de ficar no berço, aí eu peço para minha tia que saiu. Levo lá na casa dela, deixo lá com ela um pouquinho e venho fazer correndo. (Mãe: 8-34).

[...] quem vai levar [serviço de saúde], são as duas [a avó e a tia], quando uma não puder a outra vai. (Mãe: 7-32).

Então, a gente trabalha sempre assim, aos sábados, é a minha mãe que fica praticamente por conta dele. Então se precisar é ela e meu pai que o levam no médico. E, fora essa pessoas, tem muitas outras que acompanharam todo o processo e se precisar. (Mãe: 6-93).

Por meio do ecomapa da família da Mãe: 6 (Figura 1) foi possível verificar essas fontes de apoio mencionadas pelos familiares.

Figura 1
Genograma e ecomapa - Pedro, 2012

No que diz respeito aos cuidados como banho, alimentação, os familiares dividem as tarefas entre si. Geralmente, durante o dia, sou eu e a minha mãe. A noite, a gente solta ela na mão do vovô. (Mãe: 5-24).

[...] se ela [a mãe da criança] está fazendo alguma coisa, eu cuido, se eu estou fazendo alguma coisa, ela cuida. (Avó: 12-21).

Destaca-se o apoio dos avós, da tia e do primo, normalmente pessoas que residem no mesmo domicílio em que a mãe e o filho. Essa forma de organização parece estar relacionada à estrutura das famílias deste estudo.

Percebe-se que essa estrutura vem sofrendo transformações, em função das mudanças ocorridas na sociedade. Por meio da análise dos genogramas das famílias participantes deste estudo, é possível verificar que o modelo tradicional formado pelo casal e pelos filhos não foi prevalente. Assim, observa-se uma multiplicidade de organização das famílias. Algumas formadas por um dos pais e seus descendentes, sem a presença do outro genitor, como apresentado na figura1, por exemplo, além de mães solteiras ou divorciadas, e até casais que moram em casas separadas. Além disso, muitas famílias são formadas por membros da família extensa, como os pais, avós e outros parentes próximos. Com relação às funções dos membros das famílias, algumas mulheres são as responsáveis pela renda familiar ou, ainda, contribuem para ela. Em outra situação, um pai é responsável por assumir o cuidado do filho e as tarefas domésticas, enquanto a mãe trabalha.

DISCUSSÃO

Verifica-se que a organização das famílias está relacionada às demandas apresentadas pelas crianças em cada momento vivenciado. A partir do estudo, apreendeu-se como se deram a organização e a estruturação familiar frente às demandas iniciais e como foram se ajustando com o passar do tempo e com a mudança do quadro clínico.

A necessidade de realizar os cuidados no domicílio, após a alta hospitalar, gerou, nas mães, ansiedade. Elas se sentiam inseguras e com medo, apesar da vivência e do aprendizado propiciado ainda no ambiente hospitalar. Os achados de alguns teóricos fortalecem a assertiva referente à insegurança dos pais no domicílio, ao reafirmarem a existência de um sentimento de medo e insegurança com a ida da criança para a casa, o que pode demandar apoio para enfrentar essa realidade.1414. Guerini IC, Cordeiro PKS, Osta SZ, Ribeiro EM. Percepção de familiares sobre estressores decorrentes das demandas de cuidado de criança e adolescente dependentes de tecnologias. Texto Contexto Enferm. 2012 Abr-Jun; 21(2):348-55.

Assim, pode-se inferir que a mudança de ambiente pode implicar, também, em reaprender a cuidar. Sinaliza-se, pois, para a importância de que no período que antecede à alta hospitalar os familiares sejam preparados para o cuidado no domicílio, considerando o seu contexto, o que pode demandar, além do diálogo honesto com a família, a fim de compreender a sua realidade, a visita domiciliar de um profissional. Tais ações são essenciais para a continuidade do cuidado no domicílio.

O enfermeiro envolvido no cuidado a essas famílias tem importante atuação nesse momento, uma vez que deve minimizar as consequências ocasionadas pelo cuidado à criança no domicílio e propiciar uma atenção voltada às necessidades desses sujeitos. Além disso, deve estimular mecanismos de enfrentamento da família.1515. Vieira CS, Mello DF, Oliveira BRG. O seguimento do prematuro e baixo peso ao nascer egresso da terapia intensiva neonatal na família: uma revisão de literatura. OBJN. 2008; 7(3):74-82.

Considerando a própria característica da condição crônica, a ocorrência de eventos agudos leva a família a conviver com a possibilidade de uma internação, o que influenciou sobremaneira na forma como os familiares ofereciam o cuidado. Talvez em razão dessa fragilidade a que as crianças que apresentam condição crônica estão expostas, e também dependendo da história de vida de cada criança e do entendimento da mãe acerca da condição do filho, tem-se uma proteção aumentada no cuidado ofertado por alguns familiares, possivelmente, na tentativa de redução dos possíveis riscos. Porém, alguns teóricos revelam que, apesar de a superproteção também caracterizar uma forma de cuidado realizado pelas famílias, muitas vezes essa conduta pode levar ao isolamento social e a restrições quanto à maneira de viver a infância como outras crianças.1616. Silveira A, Neves ET. Crianças com necessidades especiais em saúde: cuidado familiar na preservação da vida. Cienc Cuid Saúde. 2012 Jan-Mar; 11(1):74-80.

É, então, necessário que as famílias das crianças sejam consideradas em suas singularidades, pois cada uma delas pode vivenciar de uma maneira o adoecimento e a agudização da condição da criança.88. Leite MF, Gomes IP, Leite MF, Gonçalves RGO, Rosin J, Collet N. Condição crônica na infância durante a hospitalização: sofrimento do cuidador familiar. Ciênc Cuid Saúde. 2012 Jan-Mar; 11(1):51-7. Nesse sentido, tem sido crescente o interesse em avaliar a habilidade dos pais de cada criança, a fim de favorecer a continuidade do cuidado à criança em condição crônica.99. Miller AR, Condin CJ, Mckellin WH, Shaw N, Klassen AF, Sheps S. Continuity of care for children with complex chronic health conditions: parent's perspectives. BMC Health Serv Res. 2009 Dec; 9(242):1-11.

Verificou-se que, passado o momento inicial, o cuidado acabou se diferenciando de uma criança para outra. Essa diferença relatada pelos familiares pode estar relacionada às patologias de base das crianças, pois algumas tendem à estabilização e outras não. Por outro lado, é possível, também, que algumas famílias tenham adquirido maior controle sobre a condição da criança e consigam gerenciar melhor a procura por serviços de saúde.

Ressalta-se que, embora alguns cuidados dispensados às crianças em condições crônicas tenham sido pontuados pelos familiares, eles são, por vezes, necessários a qualquer criança. Porém, alguns deles, como àqueles relacionados à alimentação, às adaptações no domicílio, à necessidade de estimular a criança, além da necessidade constante de cuidados profissionais e a dependência de medicamentos, estão inseridos no conceito de condição crônica adotado neste estudo. Estudos revelam que o uso de medicamentos é o cuidado mais comum para compensar ou minimizar as limitações funcionais em crianças que necessitam de cuidados especiais,33. Hack M, Schluchter M, Andreias L, Margevicius S, Taylor HG, Drotar D, et al. Change in prevalence of chronic conditions between childhood and adolescence among extremely low-birth-weight children. JAMA. 2011 Jul; 306(4):394-401. , 55. Nageswaran S, Silver EJ, Stein RE. Association of functional limitation with health care needs and experiences of children with special health care needs. Pediatrics. 2008 Mai; 121(5): 994-1001. sendo os fármacos para asma os mais utilizados.1717. Farooqi A, Hagglof B, Sedin G, Gothefors L, Serenius F. Chronic conditions, functional limitations, and special health care needs in 10- to 12-year-old children born at 23 to 25 weeks' gestation in the 1990s: a Swedish national prospective follow-up study. Pediatrics. 2006 Nov; 118(5):1466-77. - 1818. Hack M, Taylor HG, Drotar D, Schluchter M, Cartar R, Andreias L, et al. Chronic conditions, functional limitations, and special health care needs of school-aged children born with extremely low-birth-weight in the 1990s. JAMA. 2005 Jul; 94(3):318-25.

Apreende-se que os cuidados realizados pelos familiares parecem estar relacionados ao modo como o cuidador percebe a criança e suas potencialidades. Verifica-se que é na relação de cuidado que as pessoas vão criando formas de cuidar das crianças.

Ficou evidente que a organização das famílias para o cuidado à criança em condição crônica está relacionada à maneira como percebem o cuidado, suas facilidades e o impacto na rotina. Embora a chegada de um novo membro na família exija rearranjos, constata-se que mediante a condição de saúde das crianças e as situações limite nas quais viviam essas famílias, torna-se mais complicado empreender rearranjos, sem sentir tão fortemente as interferências em suas vidas. Essa assertiva vai ao encontro dos achados de estudo realizados com familiares de crianças submetidas ao transplante hepático.1919. Mendes-Castilho AMC. Manejo familiar no transplante hepático da criança. [Tese] São Paulo (SP): Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem; 2011.

Percebe-se que as mulheres assumiram os cuidados, sendo elas as mães, tias ou avós, o que determinou mudanças em suas vidas. Situação semelhante foi revelada em outros estudos que evidenciaram o abandono total ou parcial do emprego, na maioria das vezes, por parte da mãe, para cuidar dos filhos.1414. Guerini IC, Cordeiro PKS, Osta SZ, Ribeiro EM. Percepção de familiares sobre estressores decorrentes das demandas de cuidado de criança e adolescente dependentes de tecnologias. Texto Contexto Enferm. 2012 Abr-Jun; 21(2):348-55. , 2020. Silva R, Collet N, Silva KL, Moura FM. Cotidiano da família no enfrentamento da condição crônica na infância. Acta Paul Enferm. 2010; 23(3):359-65. - 2121. Milbrath VM, Cecagno D, Soares DC, Amestoy SC, Siqueira HCH. Ser mulher mãe de uma criança portadora de paralisia cerebral. Acta Paul Enferm. 2008; 21(3):427-31. Os pais, normalmente, colaboram menos com os cuidados dos filhos, sobretudo com aqueles relacionados aos dispositivos tecnológicos.1414. Guerini IC, Cordeiro PKS, Osta SZ, Ribeiro EM. Percepção de familiares sobre estressores decorrentes das demandas de cuidado de criança e adolescente dependentes de tecnologias. Texto Contexto Enferm. 2012 Abr-Jun; 21(2):348-55.

Apesar de na maioria dos casos as mães assumirem os cuidados,2222. Vrijmoet-Wiersma CMJ, Van Klink JMM, Kolk AM, Koopman HM, Ball LM, Egeler R.M. Assesment of parental psyschological stress in pediatric cancer: a review. J Pediatr Pshychol. 2008 Aug; 33(7):694-706. é notável a presença constante de outros familiares e, em alguns momentos, de amigos e vizinhos, para o auxílio no cuidado à criança em condição crônica, achados também identificados em outros estudos.1616. Silveira A, Neves ET. Crianças com necessidades especiais em saúde: cuidado familiar na preservação da vida. Cienc Cuid Saúde. 2012 Jan-Mar; 11(1):74-80. , 2121. Milbrath VM, Cecagno D, Soares DC, Amestoy SC, Siqueira HCH. Ser mulher mãe de uma criança portadora de paralisia cerebral. Acta Paul Enferm. 2008; 21(3):427-31. Os membros da família e essas pessoas que se encontram mais próximas são os que tecem as redes de cuidado, na busca por condições para atender às necessidades das crianças, o que amplia o potencial de cuidado da família.2323. Nepomuceno MAS, Bellato R, Araújo LFS, Mufato LF. Modos de tessitura de redes para o cuidado pela família que vivencia a condição crônica por adrenoleucodistrofia. Cienc Cuid Saude. 2012; 11(1):156-65.

A partir dos discursos, foi possível conhecer alterações ocorridas no dia a dia da família ao cuidar de uma criança portadora de condição crônica. Dentre as alterações apresentadas, destacam-se o abandono do emprego, a necessidade de conciliar as tarefas de casa com o cuidado, as modificações nos horários e no ambiente domiciliar e as dificuldades relacionadas ao lazer. A literatura indica que a necessidade de estruturação do modo de vida leva os familiares a abrirem mão de atividades antes desenvolvidas por eles, como o trabalho, o estudo, a vida social, o lazer, e seu autocuidado, podendo ocasionar implicações em sua saúde física e mental.88. Leite MF, Gomes IP, Leite MF, Gonçalves RGO, Rosin J, Collet N. Condição crônica na infância durante a hospitalização: sofrimento do cuidador familiar. Ciênc Cuid Saúde. 2012 Jan-Mar; 11(1):51-7. Nesse sentido, estudos, cujo enfoque é a rotina de cuidados dessas famílias e as alterações ocorridas.1111. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 2ª ed. São Paulo (SP): Roca; 2009. , 2424. Denham SA. Relationships between family ritual, family routines and health. J. Fam Nursing. 2003 Ago; 9(3):305-30.

Em função das mudanças na rotina da família, é necessária uma redefinição nos papéis familiares, e uma articulação entre seus membros, para que o cuidado seja realizado. Essa articulação acontece de maneira dinâmica e constitui-se a partir das demandas que surgem. Acredita-se que, apesar das conformações das famílias, todas passam por eventos difíceis que provocam mudanças desencadeadoras de reorganização dos papéis e das regras estabelecidas antes do adoecimento.1111. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 2ª ed. São Paulo (SP): Roca; 2009. , 1919. Mendes-Castilho AMC. Manejo familiar no transplante hepático da criança. [Tese] São Paulo (SP): Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem; 2011. , 2424. Denham SA. Relationships between family ritual, family routines and health. J. Fam Nursing. 2003 Ago; 9(3):305-30.

Isso impõe aos profissionais de saúde, envolvidos no cuidado à criança, diferentes modos de cuidar dessas famílias e o auxílio no sentido de mobilizarem os recursos disponíveis para o enfrentamento da condição e adaptação.1919. Mendes-Castilho AMC. Manejo familiar no transplante hepático da criança. [Tese] São Paulo (SP): Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem; 2011. , 20 20. Silva R, Collet N, Silva KL, Moura FM. Cotidiano da família no enfrentamento da condição crônica na infância. Acta Paul Enferm. 2010; 23(3):359-65.Tem-se verificado a importância de os profissionais se inserirem no contexto familiar, a fim de conhecer a sua estrutura, a rede social dessa família e identificar as necessidades desse grupo, para que possam, assim, planejar a assistência e prestar um cuidado integral a todos os membros. Esse apoio é responsável pela manutenção do equilíbrio e da dinâmica familiar e, o profissional, pode auxiliar a família a ampliá-lo.77. Vieira CS, Mello DF. O seguimento da saúde da criança pré-termo e de baixo peso egressa da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Texto Contexto Enferm. 2009 Jan-Mar; 18(1):74-82. , 1919. Mendes-Castilho AMC. Manejo familiar no transplante hepático da criança. [Tese] São Paulo (SP): Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem; 2011.

Ao se deslocar o lócus do cuidado dispensado pelo hospital, em direção ao espaço da vida cotidiana das pessoas, surge a possibilidade da retomada do cuidado a partir de outros vínculos que não o profissional-usuário, como as distintas redes de vinculações que esse espaço possibilita. Esses vínculos podem estimular um relacionamento de corresponsabilidade com os profissionais de saúde, permitindo novas significações para os agentes do cuidado.2525. Carvalho M, Gomes MASM. A mortalidade do prematuro extremo em nosso meio: realidade e desafios. J Pediatr. 2005; 81(1):111-7.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Adaptações são necessárias para a realização do cuidado no domicílio, engendrando um novo modo de cuidar da criança em condição crônica, pelas famílias. Diante disso, fica explícita a importância da atuação dos profissionais no preparo da família para essa nova fase, visto que essa transição representa um momento crítico para aqueles que a vivenciam, período de maior desgaste, de centralidade dos cuidados da mãe e de uma maior organização. Tal fato aponta para a necessidade de os familiares participarem do cuidado, antes da alta hospitalar, para que estejam aptos a desenvolvê-lo, sem que se crie dependência da figura materna.

Os cuidados apontados pelos familiares como necessários à criança apresentam pontos convergentes, se comparados aos cuidados iniciais exigidos no domicílio, determinando alterações no modo de vida dos cuidadores em diferentes dimensões, os quais contam com a colaboração da rede social. O suporte dos familiares se materializa por meio da divisão de tarefas domésticas e cuidados com a criança, dos recursos materiais e do suporte afetivo.

Apesar do envolvimento da família, o papel de cuidadora é delegado às mães e às avós das crianças e, por essa razão, o impacto na rotina pareceu ser mais intenso em suas vidas. Apesar das diferentes conformações das famílias, para viabilizar esse cuidado, percebeu-se a presença constante de fontes de apoio social, representadas pelos membros da família extensa, amigos e vizinhos. As interações sociais que acontecem entre as famílias e as fontes de apoio estão relacionadas à maneira como seus membros se estruturam. Tais constatações foram percebidas por intermédio do genograma e do ecomapa, que permitiram apreender os indicadores de como as famílias têm se organizado.

Este estudo foi um recorte desse contexto e se considera essencial aprofundar o conhecimento no que diz respeito a essas famílias, pois são elas que viabilizam o cuidado. Por essa razão, é importante enxergá-las como sujeitos desse processo e estimular práticas voltadas para o seu cuidado, promovendo maior visibilidade a esse grupo de pessoas de modo a contribuir para a continuidade do cuidado à criança em condição crônica de saúde. Nesse sentido, é importante repensar o modelo assistencial que tem orientado o cuidado a essas crianças e suas famílias, bem como a formação do profissional de saúde inserido nesse contexto.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

  • 1
    Artigo elaborado a partir da dissertação - A organização familiar para o cuidado à criança em condição crônica egressa da unidade de terapia intensiva neonatal, no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG), 2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2013
  • Aceito
    25 Mar 2014
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