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O cuidado de si de idosos que convivem com câncer em tratamento ambulatorial1 1 Artigo extraído da dissertação - Idosos convivendo com câncer: possibilidades para o cuidado de si, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGEnf) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 2011.

Resumos

Pesquisa qualitativa e descritiva, cujo objetivo foi analisar o cuidado de si de idosos que convivem com o câncer, em tratamento ambulatorial, na perspectiva de sua autonomia. Participaram da pesquisa 15 idosos que realizavam tratamento em um ambulatório de hemato-oncologia de um hospital universitário. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada em 2010. A independência e a capacidade do idoso para o autocuidado foram avaliadas com o uso das escalas de Katz e Lawton. Os dados foram submetidos à análise temática. Foram identificadas quatro categorias: manifestações do cuidado de si de idosos que convivem com câncer; o cuidado em família e sua dinâmica; a adaptação às limitações da doença; e a convivência com a finitude. Conclui-se que a autonomia para o cuidado de si dos idosos manifesta-se na preocupação com a alimentação, no conhecimento dos limites do corpo, nas mudanças impostas pela convivência com o câncer e no apoio da família.

Enfermagem; Autocuidado; Neoplasias; Saúde do idoso; Autonomia pessoal


This is a qualitative descriptive study with the aim to analyze the self-care of elderly cancer patients undergoing outpatient treatment, from the perspective of their autonomy. Fifteen elderly individuals undergoing treatment in a blood-oncology outpatient center of a university hospital participated in the research. Data were collected with semi-structured interviews conducted in 2010. Independence and ability for self-care by the elderly patients were evaluated using the Katz and Lawton scales. The data collected were submitted to thematic analysis. Four categories were identified: manifestations of self-care of elderly cancer patients; care in the family and its dynamics; adaptation to the limitations of the disease; and living with finiteness. In conclusion, the autonomy for self-care of the elderly patients is manifested in the concern with diet, knowing their bodies' limits, the changes imposed by living with cancer and family support.

Nursing; Self-care; Neoplasms; Health of the elderly; Personal autonomy


Investigación cualitativa y descriptiva cuyo objetivo fue analizar el autocuidado de ancianos que conviven con cáncer en tratamiento ambulatorio en la perspectiva de su autonomía. Participaron de la investigación 15 ancianos que realizaban tratamiento en un dispensario de hemato-oncología de un hospital universitario. Los datos fueron recolectados a través de entrevista semi-estructurada en 2010. La independencia de las personas mayores y la capacidad para el autocuidado se evaluó a través de las escalas de Katz y Lawton. Los datos fueron sometidos al análisis temático. Se identificaron cuatro categorías: manifestaciones del autocuidado de ancianos que conviven con cáncer; el cuidado en familia y su dinámica; la adaptación a las limitaciones de la enfermedad; la convivencia con la finitud. Se concluye que la autonomía para el autocuidado de los ancianos se manifiesta en: la preocupación con la alimentación, el conocimiento de los límites del cuerpo, los cambios impuestos por la convivencia con el cáncer y apoyo familiar.

Enfermería; Autocuidado; Neoplasias; Salud del anciano; Autonomía personal


INTRODUÇÃO

No Brasil e no mundo, na medida em que a população envelhece, são identificados problemas decorrentes do envelhecimento, entre eles o avanço das doenças crônicas. Há estimativas de que no ano 2020, 80% da carga de doenças nos países em desenvolvimento serão decorrentes de problemas de saúde crônicos.11. Organização Mundial da Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas: componentes estruturais de ação. Relatório mundial. Brasília (DF): MS; 2003. Entre as doenças crônicas em expansão está o câncer, que pode atingir qualquer pessoa em diferentes faixas etárias, porém sua incidência aumenta após os 60 anos.22. Instituto Nacional do Câncer. Estimativa 2008: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2007. Em 2008, no Estado do Rio Grande do Sul, esta doença foi considerada a segunda causa de morte em indivíduos com idade igual e superior a 60 anos, correspondendo a 22,1% do total de óbitos.33. Secretaria da Saúde (RS). Núcleo de Informações em Saúde. E52. Estatísticas de Saúde: mortalidade 2009 . Porto Alegre (RS): Secretaria da Saúde; 2010.

Ao longo da história, o câncer é concebido como uma doença fatal. Mesmo com os avanços tecnológicos e médicos na área da cirurgia, da farmacologia e da radioterapia direcionados a seu tratamento, essa doença ainda pressupõe a ideia de morte. Assim, o diagnóstico desta enfermidade traz em si a consciência da possibilidade de morte para o paciente. Essa experiência, geralmente, é acompanhada de angústia, desesperança, isolamento e temores que perpassam o desenrolar do tratamento para paciente e seus familiares.44. Borges ADVS, Silva EF, Toniollo PB, Mazer SM, Valle ERM, Santos MA. Percepção da morte pelo paciente oncológico ao longo do desenvolvimento. Psicol Estud. 2006 Mai-Ago; 11 (2):361-9.

O câncer é uma doença amedrontadora, assim como a velhice é vista como uma etapa da vida estigmatizada. Portanto, o atendimento aos idosos portadores de câncer torna-se altamente complexo. Nesse contexto, a enfermagem exerce papel relevante no decorrer do tratamento oncológico, acompanhando a condição física, psicológica e social dos idosos durante o processo de adoecimento.55. Machado SM, Sawada NO. Avaliação da qualidade de vida de pacientes oncológicos em tratamento quimioterápico adjuvante. Texto Contexto Enferm. 2008 Out-Dez; 17 (4):750-7.

No que tange aos impactos causados pelo tratamento, a terapêutica ambulatorial tem se mostrado uma excelente estratégia para amenizar o sofrimento dos pacientes, possibilitando maior autonomia quando comparado à internação hospitalar. A autonomia é compreendida como a capacidade de agir por si, de poder escolher e expor ideias, agir com responsabilidade. Refere-se ao direito do indivíduo de autogovernar-se, fazer suas escolhas, exercer a função de protagonista em seu processo de saúde e doença.66. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43ª ed. São Paulo (SP): Paz e Terra; 2011. - 77. Santin JR, Bettinelli LA, organizadores. Bioética e envelhecimento humano: inquietudes e reflexões. Passo Fundo (RS): UPF Editora; 2010.

Exercer a autonomia implica assumir a responsabilidade pela própria saúde. É direito do paciente oncológico ter conhecimento de seu diagnóstico, tratamento e prognóstico, para que tenha condições de decidir como vai conduzir os aspectos relativos ao cuidado de si nessa etapa da vida. Destaca-se que compreender a autonomia do paciente idoso com câncer é multifacetada e complexa, uma vez que o processo de adoecimento impõe limitações que dificultam o exercício desse direito.88. Visentin A, Labronici L, Lenardt MH. Autonomia do paciente idoso com câncer: o direito de saber o diagnóstico. Acta Paul Enferm. 2007 Out-Dez; 20 (4):509-13.

Destaca-se, ainda, que, comumente, os idosos possuem problemas crônicos de saúde e incapacidades, os quais se identificados tardiamente, dificultam as intervenções de caráter preventivo ou de minimização de suas complicações. Assim, é relevante manter a capacidade funcional e autonomia das pessoas idosas e, para isso, deve-se implantar ações de promoção da saúde, de prevenção e de controle dos fatores de risco que podem levar ao surgimento da condição de fragilidade nos idosos.99. Oliveira LPBA, Menezes RMP. Representações de fragilidade para idosos no contexto da estratégia saúde da família. Texto Contexto Enferm. 2011 Abr-Jun; 20(2):301-9.

A vulnerabilidade do idoso no âmbito social pode refletir em sua saúde. Em contrapartida, a decisão do próprio idoso quanto ao alcance de suas metas de saúde o fortalece, facilitando e incentivando a diminuição da dependência na relação profissional-cliente-família.1010. Gonçalves LHT, Scheir J. Grupo aqui e agora: uma tecnologia leve de ação sócio-educativa de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2005 Abr-Jun; 14(2):271-9. Nesse sentido, ressalta-se a importância da busca por estratégias que possam contribuir para que o idoso torne-se participativo e atuante na sociedade, a fim de garantir meios para a manifestação de sua autonomia. Uma possibilidade centra-se na prática dos fundamentos do cuidado de si.

O cuidado de si valoriza a subjetividade do ser humano e requer que a enfermagem auxilie o indivíduo no cuidado da sua saúde, tendo como objetivo a melhoria da qualidade de vida. No momento em que são utilizadas medidas para o cuidado de si, na prática dos enfermeiros, adota-se um comportamento ético pela vida, ao despertar a responsabilidade e a preocupação com o viver.1111. Silva IJ, Oliveira MFV, Silva SED, Polaro SHI, Radünz V, Santos EKA, et al. Cuidado, autocuidado e cuidado de si: uma compreensão paradigmática para o cuidado de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2009 Set; 43(3):697-703.

Assim, em vista do exposto, questiona-se: como idosos que convivem com o câncer em tratamento ambulatorial cuidam de sua saúde? Para responder esta questão, constitui-se objetivo deste estudo analisar o cuidado de si de idosos que convivem com o câncer em tratamento ambulatorial, na perspectiva de sua autonomia.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva, de abordagem qualitativa, desenvolvida com idosos portadores de diagnóstico de câncer em tratamento num ambulatório de hemato-oncologia de um hospital universitário do Rio Grande do Sul.

Os dados foram coletados por meio da entrevista semiestruturada aplicada entre os meses de fevereiro e abril de 2010. As entrevistas, gravadas em áudio e transcritas na íntegra, foram conduzidas utilizando-se dois eixos temáticos: os cuidados com a saúde realizados no dia a dia e as mudanças geradas na vida após o diagnóstico e tratamento do câncer.

As escalas de Katz e Lawton1212. Freitas EV, Miranda RD. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica ampla. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML. Tratado de geriatria e gerontologia. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2011. foram aplicadas para verificar as condições do idoso para o cuidado de si, no que tange a sua capacidade para o autocuidado e para levar uma vida independente dentro do seu ambiente social. A escala de Katz permite avaliar as Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD), atribuindo diferentes graus de independência funcional aos sujeitos nos atos de: banhar-se, vestir-se, usar o banheiro para eliminações, mobilizar-se da cama para a cadeira, ter continência das eliminações e alimentar-se. A versão brasileira adota a seguinte classificação: (0) independente em todas as funções; (1) dependente em uma função e independente em cinco funções; (2) dependente em duas funções e independente em quatro funções; (3) dependente em três funções e independente em três funções; (4) dependente em quatros funções e independente em duas funções; (5) dependente em cinco funções e independente em uma função; (6) dependente em todas as funções.1212. Freitas EV, Miranda RD. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica ampla. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML. Tratado de geriatria e gerontologia. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2011.

A escala de Lawton possibilita examinar o desempenho funcional para a realização das Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD). Incluem usar o telefone, utilizar algum meio de transporte, fazer compras, preparar refeições, arrumar a casa, lavar roupa, tomar remédios e administrar suas finanças. Esta escala apresenta sete domínios, e cada um apresenta três itens que recebem uma das seguintes pontuações: (1) dependente, (2) necessita de assistência e (3) independente. Seu escore total varia de 7 a 21, em que quanto menor o valor obtido pelo paciente, maior o grau de comprometimento do idoso para levar uma vida comunitária independente.1212. Freitas EV, Miranda RD. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica ampla. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML. Tratado de geriatria e gerontologia. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2011.

Os critérios de inclusão para o estudo foram: ser idoso (60 anos ou mais), vivenciar o câncer, estar realizando tratamento por um período mínimo de três meses, apresentar capacidade de compreensão e de comunicação verbal e conhecer o seu diagnóstico de câncer. O critério temporal de tratamento foi estabelecido ao se adotar um tempo-limite inicial para os idosos vivenciarem o diagnóstico e a sua nova condição de vida.

A seleção dos sujeitos do estudo ocorreu a partir da análise do prontuário. Os sujeitos que se adequaram aos critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa. Foram entrevistados 15 idosos. A determinação deste número levou em consideração o critério de saturação dos dados.1313. Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saúde Pública. 2008 Jan; 24 (1):17-7.

Os dados qualitativos foram submetidos à análise temática, modalidade específica de análise de conteúdo.1414. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2010. Operacionalmente, de acordo com o referencial utilizado, a análise temática desenvolveu-se nas seguintes etapas: a pré-análise, compreendendo a etapa de leitura flutuante de todo o material, constituição do corpus e formulação de hipóteses e objetivos; exploração do material com a identificação das diferentes ideias e sentidos contidos em cada resposta fornecida pelos sujeitos com a classificação e agregação dos dados; e, tratamento dos resultados obtidos e interpretação com a descrição dos principais significados atribuídos pelos idosos em suas respostas referentes ao fato de ser idoso e vivenciar o câncer com o constante viés do cuidado de si. Foi utilizada a estatística descritiva simples para tratamento dos dados relativos a caracterização dos sujeitos do estudo.

A pesquisa seguiu os princípios éticos da Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,1515. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos . Brasília (DF): MS; 1996. aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n. 0317.0.243.000-09. Todos os sujeitos envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram elucidados quanto ao objetivo e implicações de sua participação na pesquisa, sendo-lhes garantido o sigilo e o anonimato. A identidade dos participantes foi preservada, registrando-se as falas dos identificar-se os entrevistados com a letra I, de idoso, seguido de número arábico não correspondente à ordem das entrevistas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Fizeram parte do estudo 15 idosos, oito do sexo feminino e sete do sexo masculino. A idade variou de 61 a 84 anos. Em relação à escolaridade, dois não eram alfabetizados, 12 com ensino fundamental incompleto e um com o ensino médio completo. Quanto ao estado civil, dez eram casados, três viúvos e dois divorciados. Estudo sobre o perfil epidemiológico do câncer evidenciou que a maior parte era do sexo feminino (60,2%), possuíam o ensino médio completo (37,3%), eram aposentados ou pensionistas (39,8%), com renda de um a três salários mínimos (67,4%) e pertenciam a faixa etária igual ou superior a 55 anos (74,7%).1616. Rodrigues JSM, Ferreira NMLA. Caracterização do perfil epidemiológico do câncer em uma cidade do interior paulista: conhecer para intervir. Rev Bras Cancerol. 2010 Out-Dez; 56 (4):431-41.

Em relação à renda, a totalidade dos idosos foi composta por aposentados com renda fixa entre um a quatro salários mínimos. Prevaleceu entre os participantes a independência financeira, já que este é um dos fatores essenciais para autonomia e que influencia positivamente na qualidade de vida. Entre os idosos, dois deles declaram-se incapazes de administrar seu próprio recurso financeiro. Todos os idosos viviam em residência própria.

Em relação à localização, seis idosos realizavam tratamento para câncer de mama; cinco para câncer de próstata; um para câncer de cólon; um para câncer de pulmão; um para câncer de pele e um para câncer de pâncreas. Pesquisa evidenciou que os mais incidentes continuam sendo os cânceres de próstata no sexo masculino e de mama no sexo feminino.1616. Rodrigues JSM, Ferreira NMLA. Caracterização do perfil epidemiológico do câncer em uma cidade do interior paulista: conhecer para intervir. Rev Bras Cancerol. 2010 Out-Dez; 56 (4):431-41.

Quanto à avaliação da capacidade funcional dos idosos, por meio da escala de Katz,1212. Freitas EV, Miranda RD. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica ampla. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML. Tratado de geriatria e gerontologia. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2011. verificou-se que 13 foram classificados como independentes para todas as atividades básicas de vida diária. Dois idosos (I:1 e I:6) foram avaliados dependentes para uma atividade, em função do item continência. Tal item obteve este resultado pelas alterações fisiológicas decorrentes da vivência com o câncer. O idoso (I:1) apresentava incontinência fecal em decorrência do tratamento cirúrgico do câncer de cólon e o idoso (I:6) apresentava incontinência urinária em decorrência do tratamento cirúrgico do câncer de próstata. Destaca-se que nem todos os quimioterápicos ocasionam efeitos indesejáveis, porém eles existem e os mais comuns são os hematológicos, gastrointestinais, cardíacos, hepáticos, pulmonares, neurológicos, entre outros.22. Instituto Nacional do Câncer. Estimativa 2008: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2007.

No que tange às atividades instrumentais de vida diária, avaliada pela escala de Lawton,1212. Freitas EV, Miranda RD. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica ampla. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML. Tratado de geriatria e gerontologia. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2011. 10 idosos foram classificados como independentes, três necessitavam de ajuda e dois eram dependentes. Os idosos que precisavam de ajuda (I:4, I:5 e I:7), assim foram considerados em função da necessidade de auxílio para realização de atividades domésticas, muito mais pela delegação de tais atividades à família do que pela incapacidade propriamente dita de realizá-las. Os dois idosos considerados dependentes expressaram incapacidade para realização das tarefas instrumentais de vida diária, em decorrência de quadro clínico de depressão, um (I:9) em função da separação do cônjuge e outro (I:12) pela não aceitação da doença, situações estas que os levaram a uma condição de isolamento social.

No que diz respeito a essa condição, investigação que buscou avaliar a capacidade funcional em idosos na comunidade, identificou que 58,1% dos idosos eram dependentes em uma ou mais atividades instrumentais da vida diária. Isto expressa que a maior parte das pessoas idosas podem cuidar de si no domicílio, porém não conseguem viver de modo independente no ambiente externo.1717. Nakatani AYK, Silva LB, Bachion MM, Nunes DP. Capacidade funcional em idosos na comunidade e propostas de intervenções pela equipe de saúde. Rev Eletr Enf [Internet]. 2009 [acesso 23 Jun 2012]; 11(1):144-50. Disponivel em: http://www.fen.ufg.br/revista/v11/n1/v11n1a18.htm
Disponivel em: http://www.fen.ufg.br/rev...

O cuidado de si está presente no cotidiano de cada ser de modo natural e particular. Os idosos participantes do estudo manifestaram essa prática de maneiras diversas. Assim, a partir da análise temática emergiram as categorias: manifestações do cuidado de si de idosos que convivem com o câncer; o cuidado em família e a sua dinâmica; a adaptação às limitações da doença; a convivência com a finitude.

Manifestações do cuidado de si de idosos que convivem com o câncer

Em relação a manifestação do cuidado de si dos idosos, as falas revelaram que a concepção de cuidado está vinculada às práticas alimentares: os cuidados que eu tenho em casa são com a alimentação. A alimentação é muito importante, tipo quando a gente faz uma batata ou uma massa a gente tira o arroz. Eu vivo mais com salada, são quatro, cinco tipos por dia. Eu me cuido basicamente na alimentação (I:2).

Vivenciar o câncer implica mudanças e adaptações na alimentação dos idosos, sobretudo no que diz respeito ao modo de preparar os alimentos a serem consumidos: cozinhar mais que duas horas não pode, tem que fazer e comer. Coisa verde não é para comer, tem que passar tudo no micro-ondas. Esses cuidados eu tenho. Até suco, essas coisas, tudo eu passo lá [micro-ondas] (I:5).

Os idosos do estudo apontam que incorporaram em seu cotidiano de cuidados a preocupação com a forma de preparo dos alimentos. Nesse sentido, trata-se de uma forma de cuidado de si que, entre outras, expressa uma ideia positiva do indivíduo sobre as questões com as quais deve se preocupar, a fim de alcançar o bem viver pleno.1818. Foucault M. História da sexualidade III: o cuidado de si. São Paulo (SP): Graal; 2009.

Para ocupar-se de si é fundamental conhecer a si. Nesse sentido, cabe um retornar para si e remeter-se a atos de conhecimento, referindo-se à atenção, ao olhar e à percepção. Assim, é necessário tornar-se e retornar-se a si mesmo, para saber o que convém constituir-se em próprios cuidados e o que não convém.1818. Foucault M. História da sexualidade III: o cuidado de si. São Paulo (SP): Graal; 2009.

Nesse sentido, os idosos que vivenciam o adoecimento por câncer, determinam limites entre o que devem ou não fazer a partir do conhecimento de si, de suas particularidades, dos sintomas da doença e da reação do corpo ao tratamento. Eu me cuido, não pego sol, não caminho muito, não forcejo. Tem certas lidas que eu não posso fazer [...] eu faço minhas lidinhas, devagarinho. Só não faço aquelas coisas que não é possível fazer, que vão me prejudicar (I:7).

O cuidado que o idoso tem consigo, com o seu corpo, evidencia-se no respeito às limitações físicas decorrentes da doença e do processo de envelhecimento. Porém, as limitações não o afastaram de suas tarefas diárias, pois o trabalho é uma forma de manter-se ativo e produtivo. Em casa eu me cuido. Eu faço tudo! Se eu precisar de alguma coisa, as gurias fazem, mas nunca preciso de nada. Desde roupa eu lavo sozinho, às vezes espero que elas liguem a máquina para eu lavar. A máquina fica perto do lugarzinho onde eu tomo meu chimarrão, daí liga a máquina e ela faz tudo sozinha e eu tomando o meu chimarrão. Limpar ao redor da casa, eu limpo seguido, o dia que eu me revolto faço uma limpezinha melhor (I:14).

O envelhecimento associado à situação de uma doença crônica não é sinônimo de inutilidade ou de dependência. A família nestas circunstâncias exerce papel fundamental, pois pode reforçar o cuidado de si dos idosos que convivem com câncer na medida em que permite o exercício de sua autonomia.

Embora tenha ocorrido alterações no modelo familiar ao longo dos anos, isto ainda não afetou de modo significativo a forma de cuidar, pois a família se mantém como principal suporte informal ao idoso. Contudo, nos domicílios em que houveram modificações da estrutura familiar, passando a conviver apenas os cônjuges, sem filhos ou outro familiar que possa colaborar, as possibilidades de cuidado ficam mais restritas.1919. Pedreira LC, Oliveira MAS. Cuidadores de idosos dependentes no domicílio: mudanças nas relações familiares. Rev Bras Enferm. 2012 Set-Out; 65(5):730-6.

Nesse sentido, pode ser gratificante ao idoso poder cuidar de si e ainda contribuir para o cuidado das pessoas que com ele vivem. Eu me cuido e cuido da minha esposa. Ela sempre foi muito doente, desde nova. Eu que criei meus filhos [...]. Eu que faço a comida. Faço os cuidados que o médico me falou, me cuido bem e da mulher também (I:3).

As equipes da Estratégia Saúde da Família devem propor ações que mantém e potencializem as funções cognitivas em idosos. Também, desenvolver ações de promoção de convívio social e maior envolvimento da família da pessoa idosa. Isto porque as limitações e as adaptações para a realização de atividades pelos idosos podem ser resultado do processo de envelhecimento ou da evolução de doenças crônicodegenerativas.1717. Nakatani AYK, Silva LB, Bachion MM, Nunes DP. Capacidade funcional em idosos na comunidade e propostas de intervenções pela equipe de saúde. Rev Eletr Enf [Internet]. 2009 [acesso 23 Jun 2012]; 11(1):144-50. Disponivel em: http://www.fen.ufg.br/revista/v11/n1/v11n1a18.htm
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Cuidar é um modo de ser do ser humano, manifesto em sua natureza e constituição, dessa forma obedece à essência humana. Não existe o ser sem o cuidado, para sobreviver o indivíduo deve receber ou dar cuidado. Assim, é possível afirmar que o cuidado emerge quando a existência de alguém é significativa para outrem e este se dispõe a cuidar dela.2020. Araújo C, Scalon C. Gênero e a distância entre a intenção e o gesto. Rev Bras Cienc Soc. 2006 Out; 21(62):45-68. Cuidar de si é mais do que propiciar condições para a continuidade da vida. Para os idosos deste estudo, também perpassa a responsabilidade pelo cuidado do outro.

O cuidado em família e a sua dinâmica

Historicamente identifica-se uma divisão de trabalho no âmbito familiar, em que as mulheres assumem as tarefas de cuidar e os homens se responsabilizam pelo sustento econômico. Na atualidade, observam-se crescentes mudanças nos papéis de gênero, decorrentes do ingresso das mulheres no mercado de trabalho, permitindo maior igualdade no desempenho desses papéis. Contudo, as mulheres de diferentes níveis educacionais e gerações, que trabalham fora ou não, compartilham a experiência da assimetria das tarefas domésticas.2121. Gomes R, Nascimento EF, Araújo FC. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad Saúde Pública. 2007 Mar; 23(3):565-74.

Essa divisão nem sempre ocorre dessa forma, conforme verificou-se no estudo: para cuidar da casa hoje eu tenho uma pessoa. Eu não tenho mais condições de cuidar. [...] Os serviços de rua eu não faço mais, agora o meu guri faz. Meu marido nunca trabalhou fora, ele tem problema de visão de nascença, então ele é meu empregado da casa. Eu sempre trabalhei fora e daí eu chegava em casa estava tudo pronto. Também, ele nunca trabalhou! O serviço de casa alguém tinha que fazer: invertemos os papéis (I:2).

Os hábitos de cuidar da saúde são tidos como características associadas ao universo feminino. Cuidar de outrem, em especial, de um familiar e no espaço doméstico, tem se constituído em um acontecimento feminino, complexo e sujeito a variáveis intervenientes, entre as quais as atribuições social e culturalmente construídas para os sexos, que são vivenciadas como atributos naturais, quando na realidade são construções sociais que visam regular as relações de poder entre os gêneros.2222. Rondini CA, Justo JS, Teixeira Filho FS, Lucca JAC, Oliveira PA. Análise das relações entre qualidade de vida e sobrecarga de cuidadoras de idosos de Assis, SP. Estud Pesq Psicol. 2011; 11(3):796-820. Contudo, em alguns casos observa-se nas famílias uma inversão dos papéis culturalmente definidos: a mulher assumindo o sustento financeiro e, o esposo, os cuidados do lar.

Somada à divisão de tarefas entre seus membros, a família emergiu como uma importante fonte de suporte ao idoso que convive com o câncer. Seja por meio da demonstração de preocupação e apoio ou na prestação de cuidados diretos. Agora eu posso me cuidar sozinho, mas antes, quando eu não podia, a filha, a mulher e até os guris me ajudaram. Aqui no hospital sempre tive acompanhante, quando não era a mulher, era a filha. Os filhos, é uma união, é difícil família assim. A minha família me cuida muito. Oh, demais! Ai de mim se eu vou trabalhar! Ai de mim se eu pego sol (I:5).

A família é um sistema no qual se conjugam valores, crenças, conhecimentos e práticas, formando um modelo explicativo de saúde e doença, por meio do qual se desenvolve uma dinâmica de funcionamento próprio, que promove a saúde, previne e trata a doença de seus membros. A partir da família, constrói-se uma rede de apoio ao doente pela integração extra e intrafamiliar.2323. Hoffmann FS, Müller MC, Rubin R. A mulher com câncer de mama: apoio social e espiritualidade. Mudanças Psicol Saúde. 2006 Jul-Dez; 14(2):143-50. A vivência de uma doença como o câncer pode comprometer a qualidade de vida do idoso nos diferentes aspectos, daí a importância da família como fonte de apoio e conforto: Essa é minha filha [entra a filha na sala] ela fez quimio também, terminou essa semana, está bem faceira [contente]. Eu tenho o meu netinho, também, que está fazendo quimio, ele tem nove anos, mas ele tem coragem, mais do que eu, ele dá conselhos para mim. Ele diz: 'vai ficar boa vovó'. Tudo que acontece com ele acontece comigo também. Quando caiu meu cabelo, ele ficou bem faceiro que eu fiquei igual a ele, agora não era só ele (I:9).

O tratamento do câncer, na maioria das vezes é longo, invasivo e agressivo, gera desgaste emocional e físico, e exige esforço, ânimo e paciência do paciente e daqueles que o cercam. A família constitui-se o espaço em que se compartilha e convive com o dilema e o impacto da doença. É também o lugar onde se pode encontrar forças para enfrentar as adversidades, estímulo para lutar pela vida e superar a enfermidade, a partir da potencialização de ações que favoreçam o cuidado de si de cada um de seus membros.

A adaptação às limitações da doença

O câncer ainda está entre as doenças que mais provocam medo e preocupações na população. Porém, a doença tem um significado próprio para cada pessoa, dependendo das manifestações, da presença de nódulos, das alterações na imagem corporal e do tratamento ao qual o indivíduo será submetido. Tais aspectos tornam o idoso mais suscetível às limitações e a necessidade de adaptação impostas pela doença. Mudou, porque terminou a minha liberdade... Não posso comer o que eu desejo e gosto de comer, não posso sair, passear, por causa do problema da bolsa [colostomia]. Fica tudo assim... Eu gosto então de ficar em casa. A gente acaba ficando mais isolado. Perdi a liberdade de sair, para sair é ruim, tem que trocar a bolsa, tenho que andar sempre com uma bolsa na mala (I:1).

O isolamento social pode ser uma das consequências que o câncer impõe ao idoso. De maneira geral, o isolamento é perceptível, devido à interiorização do processo de perdas: perda da imagem física, de pessoas próximas, do trabalho e da saúde2424. Brilhante AC, Lima MDC, Marreiro CM, Sousa BA, Aguiar MFM, Fonseca RC. Prostatectomia radical por via perineal (PRVP) em hospital não universitário: estudo de 13 casos. Rev Para Med. 2007 Dez; 21(4):43-6. e que inclui também a perda, muitas vezes, da autonomia.

Outro ponto relacionado às adaptações impostas pelo câncer na vida dos idosos diz respeito ao afastamento de atividades cotidianas e ao sentimento de culpa, por se considerar um fardo aos familiares que se preocupam com seu estado de saúde. Mudou bastante porque eu era acostumado a ir para a lavoura trabalhar. Ficar em casa agora cansa. Fazer o que? A mudança foi essa. Eu vejo os filhos preocupados comigo, porque eu estava bem, mas agora não querem que eu morra. Agora a gente não trabalha, fica ali, não posso! Então, fico praticamente sozinho. Um sempre fica em casa, a filha ou a mulher, os filhos vão para a lavoura, daí o dia parece que não passa (I:5).

O cuidado de si fica expresso pela necessidade de conformar-se e procurar adaptar-se a uma nova condição de vida frente às limitações impostas pela doença, privando-se de atividades laborais desenvolvidas e do convívio com o grupo familiar.

Dentre as limitações enfrentadas pelos idosos destaca-se também, a necessidade de conviver com os efeitos adversos ao tratamento antineoplásico, em maior ou menor intensidade: já tinha feito a cirurgia [mastectomia], daí quando comecei a 'quimio' senti náusea, vômito, parou o intestino, perdi o cabelo, depois em seguida me deu desarranjo [diarreia], tudo depois da 'quimio' (I:9).

Os efeitos adversos são considerados uma das principais limitações do tratamento e uma condição de difícil adaptação. Identificou-se que as náuseas e os vômitos são os efeitos colaterais mais frequentes entre os entrevistados, causando-lhes grande desgaste, tanto no que se refere ao aspecto fisiológico como o emocional. Quanto à terapêutica cirúrgica, no caso de um idoso submetido à prostatectomia, obteve-se o seguinte relato: mesmo depois da cirurgia continua escapando um pouquinho de urina, sempre tenho que ter um forrinho. Depois que eu fiz a cirurgia não consegui mais brincar com a mulher, mas tranquilo, fazer o quê? Eu ficando bom... (I:6)

A prostatectomia radical representa uma das modalidades preferenciais de tratamento do câncer de próstata em função dos elevados índices de cura. Contudo, há um alto percentual de complicações tardias. Entre elas, as mais significativas são incontinência urinária e impotência sexual.2424. Brilhante AC, Lima MDC, Marreiro CM, Sousa BA, Aguiar MFM, Fonseca RC. Prostatectomia radical por via perineal (PRVP) em hospital não universitário: estudo de 13 casos. Rev Para Med. 2007 Dez; 21(4):43-6. Salienta-se que a satisfação com a vida sexual e o controle das eliminações reflete diretamente na (in)satisfação do idoso com a vida de forma geral e no cuidado de si, pois a perda de uma ou de ambas capacidades podem causar efeitos devastadores na qualidade de vida.

Em contrapartida, o tratamento antineoplásico pode trazer efeitos benéficos, ou estes superarem os efeitos adversos das drogas utilizadas ou, então, não causar nenhuma alteração. Depois que eu comecei a fazer as 'quimio' eu não sinto mais dor. Sinto uns enjoos e febre, mas aquilo é só um dia, depois passa (I:4). Não mudou nada, nada, nada, porque eu sempre fui uma pessoa muito saudável, não mudei nada. Não fiquei inchada, não fiquei amarela, levei tudo na brincadeira, não levei a sério (I:10).

A dor é uma experiência perceptiva, sensorial e emocionalmente desagradável, cuja interpretação relaciona-se a fatores culturais, emocionais e sensitivos, que só podem ser compartilhados a partir do relato de quem a sente.2525. Lorencetti A, Simonetti JP. As estratégias de enfrentamento de pacientes durante o tratamento de radioterapia. Rev Latino Am Enfermagem. 2005 Nov-Dez; 13(6):944-50. A dor incapacita o paciente acarretando danos no âmbito orgânico, emocional, comportamental e social, daí a importância atribuída pelo idoso do estudo ao fato de ter sua dor sanada ou aliviada com o tratamento a que está sendo submetido. Nesse sentido, cabe destacar que a presença da dor pode ser um fator limitante da autonomia e comprometer o cuidado de si.

Observa-se que, adaptar-se ou não a um dado acontecimento, como o tratamento do câncer, depende de inúmeros fatores, que englobam aspectos culturais, emocionais, vivências anteriores e características pessoais para enfrentar situações semelhantes de forma diferente.2525. Lorencetti A, Simonetti JP. As estratégias de enfrentamento de pacientes durante o tratamento de radioterapia. Rev Latino Am Enfermagem. 2005 Nov-Dez; 13(6):944-50. Essas características, por sua vez, também vão influenciar no modo como o idoso assume o cuidado de si.

A convivência com a finitude

No imaginário social, o envelhecimento está associado ao fim de uma etapa, como sinônimo de sofrimento, solidão, doença e morte. Dificilmente está ligado a algum prazer de viver essa fase da vida.2626. Jardim VCFS, Medeiros BF, Brito AM. Um olhar sobre o processo do envelhecimento: a percepção de idosos sobre a velhice. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2006 Mai-Ago; 9(2):25-34. É no âmbito dessa reflexão que os idosos que convivem com câncer enfrentam o processo de envelhecimento. As reações à experiência do adoecimento por câncer na maturidade contemplaram tanto a negação como a resistência e a aceitação do processo.

O medo da morte está associado ao sofrimento pessoal, isto é, à possibilidade de sofrerem dor física.2727. Araújo LP, Helmer DS, Gomes L, Fukuda CC, Freitas MH. Medo à morte e ao morrer em idosas institucionalizadas e não institucionalizadas. Acta Sci Human Soc Sciences. 2009; 31 (2):213-8. Os idosos demonstraram preocupação com a finitude, relacionando-a com a situação do envelhecimento e com a situação de vivenciar o câncer. Minha filha se preocupa muito conosco. Ela quis me levar para lá, mas eu tenho os filhos que moram todos em volta por aí. Ah, já estou velho, amanhã ou depois eu, tu sabe..., fica velho... tu está sujeito... Quando vê, de uma hora para outra, tu pode ir [...] Agora eu tenho esse desvio [colostomia]. Já estou bem adaptado. Falei com esse doutor daqui [...] está querendo colocar no lugar de novo, mas eu acho que vou deixar assim. Já estou velho mesmo (I:1).

O envelhecimento e a convivência com o câncer levam o idoso a refletir sobre a sua finitude. Frente a este contexto, o idoso parece inclinado a não alterar a sua dinâmica de vida, evitando riscos, como a exposição a um novo procedimento. Sente-se adaptado as exigências da sua nova condição de saúde/doença. Mesmo convivendo com a proximidade da morte, percebe-se sentimentos positivos frente esta fase da vida: [...] eu tinha muito medo da velhice, mas eu estou gostando [...]. A gente é respeitado, bem tratado, não sei se é por causa da idade, ou o que é (I:1).

A percepção positiva desta fase da vida vem em contraposição aos estudos acerca do envelhecimento que trazem outros atores falando pelo idoso, enfocando o envelhecimento como algo negativo, pois, de modo geral, os atores envolvidos são carregados de estereótipos que impedem a construção de uma identidade positiva do idoso.2828. Minayo MCS, Coimbra JR CEA. Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio de Janeiro (RJ): Editora Fiocruz; 2002.

Quando o assunto é especificamente o câncer, identifica-se um discurso baseado em figuras de linguagem, como forma de evitar a referência direta à doença, devido ao estigma no qual ela está envolta. Diante do seu significado, torna-se difícil até mesmo pronunciar o nome. Às vezes, dá até vontade de parar com essas 'quimios', porque eu acho que não tenho mais nada pela minha disposição. Acho que eu não tenho doença ruim, minha disposição é boa, para casa, para o serviço, para tudo, não sinto dor nenhuma (I:1).

Nesse sentido, busca-se continuamente estimular as pessoas a lutarem pela sobrevivência, em vez de se limitar a esperar a morte. Essa nova visão da doença possibilita o conhecimento, por parte dos pacientes, do próprio corpo e a tratar os sofrimentos subjetivos. Além disso, há valorização do acompanhamento e o suporte social e familiar aos pacientes e familiares, visando o enfrentamento a estigmas e preconceitos anteriores.2929. Xavier BB, Gentilli RML. Afetos e cooperação familiar como coadjuvantes do tratamento de câncer de mama em mulheres. Serv Soc Rev. 2012 Jan-Jun; 14 (2):73-95.

Por isso, a própria aceitação da doença por parte do idoso e sua família é um desafio a ser superado. Se eu não tivesse fé com a minha primeira cruz já caía. Quando veio os exames e confirmaram, foi o médico mesmo que disse: 'olha é câncer'. Eu, na hora, me deu uma fraqueza...Eu disse: 'Deus é maior que tudo, eu tenho uma proteção divina!' E foi mesmo (I:8).

A espiritualidade apareceu como uma estratégia utilizada pelo idoso no enfrentamento da doença, fortalecendo o seu vínculo com Deus e a aceitação da situação de uma forma mais branda. Assim, suportar a doença e o tratamento exigem da pessoa que vivencia o câncer força e perseverança. A crença na existência de um Ser Superior auxilia e potencializa energias benéficas para a cura3030. Ferreira NML, Dupas G, Costa DB, Sanchez KOL. Câncer e família: compreendendo os significados simbólicos. Cienc Cuid Saude. 2010 Abr-Jun; 9 (2):269-77. e para que o idoso possa implementar ações de forma autônoma e focadas no cuidado de si.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cuidado de si manifesta-se de maneira diversa para os idosos que convivem com câncer em tratamento ambulatorial. Uma delas está relacionada à alimentação, que emergiu como necessidade nutricional para um viver saudável, modificada em função de aspectos relacionados ao processo de envelhecimento e à vivência com o câncer.

O cuidado de si dos idosos também esteve presente por meio do conhecimento de si. Nessa questão, os idosos sinalizaram os limites de seus corpos, tanto no que tange as reações após a terapia antineoplásica, quanto na manutenção de atividades laborais. O fato de estarem em condições físicas e psicológicas para exercerem o cuidado de si foi motivo de satisfação entre os idosos que tem interesse de estender esse cuidado também a seus familiares.

Adaptar-se ao processo de envelhecimento, bem como às mudanças impostas pela vivência do adoecimento por câncer, também se constituiu em uma forma de cuidar de si, do ponto de vista dos idosos. Isso porque, a convivência com o envelhecer e com o câncer pode causar efeitos diversos na vida do indivíduo se não souber utilizar adequadamente estratégias de enfrentamento. A adaptação, ou não, à situação vivida depende de aspectos culturais, emocionais, vivências anteriores e das características pessoais do idoso em questão.

Na divisão de tarefas, no apoio emocional ao idoso que convive com o câncer, a família mostrou-se uma importante ferramenta tanto de viabilização quanto de inviabilização do cuidado de si, dependendo do posicionamento tomado no que tange os princípios de autonomia e beneficência. Outro fator que contribuiu no cuidado de si dos idosos frente à vivência foi a manifestação da espiritualidade, na crença em um Ser Superior, que conforta nos momentos de angústia e aflição.

Quanto aos resultados desta pesquisa, acredita-se que poderão contribuir para aprofundar as questões relacionadas ao cuidado de si dos idosos, colaborando para o desenvolvimento de outros estudos pertinentes a essa temática pela Enfermagem.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2012
  • Aceito
    08 Fev 2013
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