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Educação e mídias: implicações contemporâneas no cotidiano acadêmico

Resumos

O desenvolvimento das tecnologias digitais e das redes interativas, indubitavelmente, redimensiona o perfil do sujeito neste século, pois cria demandas e redefine substancialmente o trabalho docente e discente na utilização de recursos midiáticos. O presente artigo identifica os pressupostos contemporâneos das Tecnologias de Informação e Comunicação e suas implicações didático-pedagógicas partindo de personagens mitológicos, utilizando recursos argumentativos e problematizando as visões reducionistas que abarcam as questões relacionadas à educação e tecnologia. A proposta é contribuir com a educação em enfermagem como forma de proporcionar posicionamentos conceituais para aplicação destas tecnologias, avaliando criticamente suas aproximações e distanciamentos.

Educação em enfermagem; Tecnologias; Hipermídia


Digital technology development and interactive networks have undoubtedly reshaped the profile of subject matter in this century, creating demands and substantially redefining teaching and students' work in the use of media resources. This article identifies the assumptions of contemporary information and communication technologies and their didactic and pedagogical implications starting from mythological characters as argumentative resources, and discusses reductionist views that encompass issues related to education and technology. The purpose is to contribute to education in nursing, providing conceptual positions for the application of these technologies, with a critical evaluation of convergences and divergences.

Nursing education; Technologies; Hypermedia


El desarrollo de la tecnología digital y las redes interactivas, sin duda, redimensiona el perfil del sujeto en este siglo, creando demandas y sustancialmente redefiniendo lo trabajo de los profesores y los estudiantes en el uso de los recursos mediáticos. El artículo identifica los supuestos de Tecnologías de la Información y contemporánea y sus implicaciones didácticas y pedagógicas partiendo de personajes mitológicos como los recursos argumentativos y discute visiones reduccionistas que abarcan temas relacionados con la educación y la tecnología. La propuesta es contribuir a la educación en Enfermería, ofreciendo colocaciones conceptuales para la aplicación de estas tecnologías, y la evaluación crítica de sus aproximaciones y distanciamentos.

Educación en enfermería; Tecnologías; Hipermedia


INTRODUÇÃO

O desenvolvimento vertiginoso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e suas implicações didático-pedagógicas têm gerado amplas mudanças na sociedade atual e, sobretudo, no meio acadêmico. Em tempos de Internet, Web, hipermídias, redes colaborativas entre outros recursos, a educação em enfermagem deve levar em conta tais emergências para, a partir delas, ressignificar o seu atual modus operandi. As possibilidades de informação e comunicação, consideravelmente móveis, baseadas em anytime, anywhere, anyhow, acenam para perspectivas multirreferenciais e criativas na aprendizagem, com seus dinâmicos, plurais e interativos recursos da tecnologia digital.

Neste sentido, não há como ficar indiferente às mudanças que se apresentam na educação com o advento das TICs, pois estas integram diferentes mídias, transcendem os limites da dimensão espacial, temporal, cultural e curricular, proporcionando interfaces entre sujeitos. É a era da interconectividade onde sobressaem interação/interatividade, a oportunidade de convivência com a diversidade de ideias, o diálogo, a cidadania e o trabalho de produção colaborativa. Portanto, é preciso que sejam criadas propostas pedagógicas que incorporem as potencialidades mediadoras trazidas pelas TICs e que sejam compreendidas as diferentes formas de comunicação propiciadas pelas tecnologias digitais disponíveis, pois estas exigem que se tenham habilidades, estratégias pedagógicas diferenciadas e a necessidade de flexibilização dos currículos, criando espaços e tempos de atuação docente e discente compatíveis com as demandas atuais.

Entretanto, é possível constatar um ideário de resistência no processo de adesão as TICs: os que defendem a faculdade emancipatória e beneficente destas na educação e os que temem a invasão "alienígena" da máquina, considerando o desenvolvimento tecnológico a fonte de diversos problemas sociais da contemporaneidade. Por um lado, o desejo de transcendência e, por outro, o medo da subjugação. O presente artigo consiste na análise crítico-reflexiva das TICs, suas implicações e apropriações no contexto educacional.

Trajetória: os desafios aos deuses

O mito, do grego mythos (conto), é um relato de feitos maravilhosos cujos personagens sobrenaturais (deuses, monstros) ou extraordinários (heróis) são utilizados para explicar o enigmático, o desconhecido. O mito é uma criação coletiva e histórica da própria sociedade e fornece um repositório de paradigmas para a interpretação da conduta humana. O mito não é mera ilusão ou fantasia. Este precisa ser examinado e refletido e, neste trabalho, duas figuras exemplares da tradição mitológico-literária do ocidente para a reflexão: Prometeu e Fausto.

Na mitologia grega, Prometeu foi responsável por roubar o fogo de Zeus e o dar aos mortais, possibilitando a sabedoria e a capacidade de dominar a técnica. Zeus, contrariado, tramou no Olimpo a sua vingança, acorrentando o titã em um despenhadeiro do monte Cáucaso. Mandou, ainda, uma águia para devorar diariamente o seu fígado que, sendo ele um titã, este órgão sempre se regenerava, logo, o ciclo destrutivo se reiniciava a cada dia.

Seu sofrimento durou por numerosas eras, até que o herói grego Héracles (o Hércules romano) abateria a águia com uma flecha certeira e libertaria Prometeu de suas correntes. O mito foi abordado por diversas fontes antigas, nas quais Prometeu é creditado ou culpado, pois incitado a um saber desafiador, acaba por ser dominado e preso, como resultado da arrogância de usurpar as prerrogativas divinas.1Hesiodo. Teogonia: a origem dos deuses. Werner C, tradutor. São Paulo (SP): Hedras; 2013.

O mito de Fausto, originado na Alemanha, serviu de inspiração para várias obras literárias de nacionalidades e épocas diferentes, das quais a mais conhecida é a do escritor alemão e pensador, que também fez incursões pelo campo da ciência, Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832). Fausto insatisfeito com os conhecimentos de sua época, aceita a danação ao trocar, num pacto com o demônio Mefistófeles, a alma por uma nova vida. Absorve, então, toda energia satânica insufladora da paixão pela técnica e pelo progresso a fim de avançar nas suas descobertas e adquirir vida eterna.

Contudo, no afã de tudo dominar, Fausto passa a ser assombrado pelo resto da sua vida. O mito fáustico e suas marcas intertextuais adquirem significado universal, um símbolo cultural da modernidade, por materializar o mito do homem que, na busca do poder, tende a fugir do controle e, assim, a pôr em perigo a própria condição humana ao converter-se em forma de heteronímia. Na visão fáustica, o domínio tecnológico da natureza carece de qualquer justificação humana que não seja a própria expressão do poder tecnológico e, consequentemente não tem qualquer limite.2Goethe WJ. Fausto II. Segall JK, tradutor. São Paulo (SP): Editora 34: 2011.

A utilização das metáforas prometeica e fáustica serve para identificar duas tendências que podem ser detectadas na base do desenvolvimento da tecnociência. Entretanto, no discurso entre a tecnotopia, caudatária da promessa salvífica, e tecnofobia, o temor escatológico distópico, não se pretende estabelecer uma dicotomia entre as duas tendências, pois estas se dissolvem em várias teorias quando o assunto é tratado, salientando as indefinições quanto às previsões.3Martins H. Experimentum humanum: civilização tecnológica e condição humana. Lisboa (PT): Relógio D'Água Editores; 2011. As respectivas identificações são realizadas em termos de tensões em determinado contexto e, neste artigo, o contexto educacional e as inter-relações com as TICs contemporâneas.

A caixa de Pandora high-tech

A relação entre tecnologia e sociedade tem sido motivo de amplos debates e controvérsias. Por séculos, historiadores e filósofos têm discernido e debatido sobre o papel da tecnologia na formação da civilização. Para esta reflexão, é preciso considerar o processo de transformação que nasce a partir da inauguração dos tempos modernos até a contemporaneidade, os quais se impuseram em oposição à lógica tradicional que predominava no ocidente na Idade Média. Neste processo de transformação, demarcado pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial, instauram-se a lógica, o antropocentrismo, a racionalidade e os ideais de progresso e de liberdade na ciência e na tecnologia.

A ciência moderna instalada adota a Matemática com seus instrumentos da lógica e modelo de representação da matéria. Conhecer significava quantificar, proporcionando a base que fundamentou o pensamento positivista. Este é baseado no mecanicismo moderno de Newton, no qual era possível conhecer, dominar e explorar a natureza. Pelas limitações desse modelo científico, o paradigma tradicional começa a ser questionado, mostrando-se insuficiente para lidar com as contradições insuperáveis, a desordem e a incerteza por ele mesmo detectados.4 Santos BS. Um discurso sobre as ciências. 7(a) ed. São Paulo (SP): Cortez; 2010.

A visão cristalizada do paradigma dominante da ciência moderna depara-se, a seguir, com amplos abalos em sua estrutura a partir de pesquisas em diversas áreas das ciências: pluralidade de condições teóricas, práticas e sociais acabam por mudar o todo. Nesta perspectiva: "Em vez de eternidade, a história; em vez de determinismo, a imprevisibilidade; em vez de mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez de reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução e em vez da necessidade, a criatividade e o acidente".4:48

Os desafios apresentados levam ao reconhecimento da necessidade de uma visão complexa e, nesta evolução paradigmática, a superação da visão fragmentada, linear e reducionista do universo. O mundo é uma rede de relações, envolvendo conexões, interconexões, movimento, fluxo de energia e inter-relações, em constante processo de mudança e transformação. "Na natureza, não há 'acima' ou 'abaixo', e não há hierarquias. Há redes aninhadas dentro de outras redes."5:45 Nestas transições paradigmáticas, instaura-se a pós-modernidade, um termo polissêmico e que é considerado, neste trabalho, não como uma etapa em substituição ao mundo moderno, mas como uma maneira de problematizar os diversos equívocos que foram apropriados por ele para se constituir.

Neste contexto, o paradigma tradicional newtoniano-cartesiano tem seus equívocos, mas não se pode negligenciar que ele possibilitou o desenvolvimento científico-tecnológico atual. Os estudos de Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) influenciaram, 200 anos mais tarde, a lógica matemática e outras áreas relacionadas, como, por exemplo, a cibernética. A linguagem artificial ou a redução do raciocínio ao cálculo não é patrimônio do século XX, porém teve sua origem na segunda metade do século XVII.

Destacam-se, no que se refere à pós-modernidade, mais detidamente, as questões que abarcam as TICs apoiadas no desenvolvimento dos computadores, internet e web. Este desenvolvimento constituiu uma autêntica revolução na sociedade que mergulhou num processo de conversão de informações, antes analógicas e impressas, agora em códigos digitais, tornando-se um pilar das comunicações, do entretenimento e do comércio no mundo. A popularização da Internet, antes restrita ao exército e instituições acadêmicas dos EUA, eclodiu no mundo, diminuindo as fronteiras geográficas, intensificando o comércio on-line e permitindo espaços para comunicação e compartilhamento de opiniões.6Lévy P. Cibercultura. Costa IC, tradutor. 3(a) ed. São Paulo (SP): Editora 34; 2010.

Atualmente, a integração das tecnologias digitais na educação, não só como meras ferramentas, mas como formas de cultura e comunicação, é inevitável, e mais do que possibilidades, mostram-se como uma necessidade. Resistências persistem e, para além das críticas entusiastas, estas tecnologias também são percebidas, utilizando, aqui, como recurso metafórico - uma autêntica caixa de Pandora. Produção da mitologia grega, Pandora, ao abrir a caixa dada por Zeus, liberta todos os males do mundo, condenando toda a humanidade.1 Hesiodo. Teogonia: a origem dos deuses. Werner C, tradutor. São Paulo (SP): Hedras; 2013.

Porém, é preciso abrir a caixa de Pandora, pois, sem isso, não há como enfrentar as tensões, paradoxos e incertezas em relação às tecnologias digitais, e avaliar sua relevância nas relações sociais, na produção e principalmente na aprendizagem. Caso contrário, a educação será anacrônica e dissonante com as expectativas de estudantes que cresceram com estas tecnologias e que apresentam formas de se expressar e de pensar distintas em relação às gerações precedentes.

Geração touchscreen e a revolta dos blackboards

É inegável que o desenvolvimento das TICs tem possibilitado um período de florescimento das ciências, da filosofia, da história e da crítica cultural, mas simultaneamente surgem visões fatalistas: esta é a era em que a pressa dita o ritmo das mídias, negando a reflexão e intensificando a superficialidade. A Internet é vista também a serviço da desinformação: já não é mais possível distinguir a manipulação voluntária do acidente involuntário. Na produção empresarial, pesquisa científica ou de conflito armado, o domínio dos recursos tecnológicos é atualmente modelo de seleção natural.

Neste cenário destaca a "midiofagia", termo utilizado a partir da percepção social, cujas tecnologias comunicacionais são referenciadas como se fossem dotadas de poderes divinos. Um exemplo é o site de busca Google, o qual muitas vezes é percebido e referenciado como onipresente (está em todos os lugares), onisciente (tudo sabe) e onipotente (tudo pode).7 Miklos JA. Construção de vínculos religiosos na cibercultura: a ciber-religião [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica, Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica; 2010.

Críticos fulminam o triunfalismo digital e a cultura do multitask(multitarefa) característica da Internet, considerando a Web um ambiente dispersivo que está mudando (para pior) a forma como se pensa e a própria estrutura e funcionamento do nosso cérebro. A mente do internauta está caótica, poluída, a Internet está prejudicando a nossa capacidade cognitiva e a nossa maneira de pensar. Em estudo sobre os motores de busca e a Internet, pesquisadores afirmam que estes se converteram efetivamente em memória externa para o ser humano, uma espécie de hard disk (HD) externo do homem. Progressivamente, os computadores são responsáveis por reter as lembranças pessoais, substituindo algumas funções cerebrais, todavia, são adquiridas habilidades de procura.9Sparrow B, Liu J, Wegner DM. Google effects on memory: cognitive consequences of having information at our fingertips. Science [online]. 2011 [acesso 2014 Jan 6]; 333(6043):776-8 Disponível em: http://www.sciencemag.org/content/333/6043/776.abstract .
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Na visão apocalíptica em relação às TICs, três crenças são apontadas: que a tecnologia é um vício no século XXI; que as redes sociais são superficiais e que motores de busca como o Google estão degradando a inteligência.1010 Jones PH. What is the Internet doing to our brains? [webconference]. London (UK): RSA; 2011 [acesso 2014 Fev 28]. Disponível em: http://www.thersa.org/events/video/archive/dr-paul-howard-jones .
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Porém, as discussões geradas em torno do tema, indicam que não existe nenhuma evidência de que a tecnologia digital exerça influência especialmente no cérebro. A modificação da estrutura e funcionamento cerebral acontece em qualquer processo de aprendizagem, não é privilégio da Internet. A tecnologia pode gerar dependência e agressão, contudo, o importante são os benefícios que surgem exatamente com os mesmos processos: aprender novas habilidades, o comportamento pró-social e um amplo potencial educacional.1010 Jones PH. What is the Internet doing to our brains? [webconference]. London (UK): RSA; 2011 [acesso 2014 Fev 28]. Disponível em: http://www.thersa.org/events/video/archive/dr-paul-howard-jones .
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Como se observa, é preciso que se insista em técnicas avaliativas e independentes, para que sejam evitadas distorções que são propagadas, estas geram rejeições, postulações e intervenções equivocadas.

Historicamente, o desenvolvimento tecnológico foi acompanhado de resistências. Sócrates, que educava por diálogos, opôs-se ao uso da linguagem escrita, pois esta enfraquecia a memória e não permitia a interação. Durante a revolução industrial, os "luditas" invadiram as fábricas inglesas para destruir as máquinas e outros equipamentos que estavam substituindo os homens, assim como o Big Brother, de George Orwell, no livro "1984", uma metáfora pessimista para o futuro da humanidade. E, na universidade, discussões tecnofóbicas, sobre a questão se os computadores tomarão o lugar dos docentes, reforçando a ideia da recusa a inovar-se. Frente às novidades, podem existir diversos tipos de reação que vão desde o máximo da aceitação e rejeição e aqueles intermediários, como cooperação, resignação, protesto, protelação ou omissão.1111 Nilsson L, Eriksén S, Borg C. Social challenges when implementing information systems in everyday work in a nursing context. Comput Inform Nurs. 2014 Sep; 32(9):442-50.

12 While A, Dewsbury G. Nursing and information and communication technology (ICT): a discussion of trends and future directions. Int J Nurs Stud. 2011 Oct; 48(10):1302-10.
- 1313 Brewster L, Mountain G, Wessels B, Kelly C, Hawley M. Factors affecting front line staff acceptance of telehealth technologies: a mixed-method systematic review. J Adv Nurs. 2014 Jan; 70(1):21-33.

No contexto educativo, a aprendizagem, embora tenha sofrido algumas transformações e inovações de um modo geral, ainda mantém, basicamente, a mesma orientação e estrutura do século passado. Atualmente a sabedoria digital se apresenta como uma necessidade, já que a sociedade está repleta de tecnologias digitais e aquela seria adquirida através do contato com as tecnologias. O paradigma nativo digital - indivíduo que já nasceu na era da Internet e habilidades com os diversos recursos e imigrantes digitais - indivíduo que nasceu numa época na qual Internet não era ainda utilizada em massa e com mais dificuldades de compreensão, não é mais relevante, sendo necessário concentrar-se no desenvolvimento destas competências.1414 Prensky M. From digital natives to digital wisdom: hopeful essays for 21st Century Learning. USA: Corwin; 2013.

Possível supor que docentes, salvo algumas exceções, teriam pouca intimidade com as tecnologias digitais e até seriam resistentes quanto ao seu uso no ambiente educacional. Esta dicotomia foi alvo de críticas, pois produziu, nestes, um sentimento de culpa ou "complexo tecnológico" (complexo de Prensky), vendo estudantes como seres superiores na hora de utilizar os novos procedimentos tecnológicos.1414 Prensky M. From digital natives to digital wisdom: hopeful essays for 21st Century Learning. USA: Corwin; 2013.

Entretanto, considera-se importante, o fato que os estudantes de hoje não são mais as pessoas para as quais o sistema educacional foi desenvolvido. Nas salas de aula, encontram-se estudantes que conhecem a Internet desde a infância, influenciados pelo mundo complexo e rápido de uma cultura mosaica, ubíqua, que a tecnologia engendrou. São nativos da linguagem digital dos computadores. Geração touchscreen (tela sensível ao toque), criado neste artigo, alinha-se a esta geração que nasceu imersa na evolução das TICs e conectadas à rede através de seus do smartphones, computadores pessoais, tablets, iPod, entre outros. Hoje, preferem o quadro branco interativo, que agrega Internet, vídeos, animações, jogos e outros aplicativos trazendo um novo conceito ao tradicional blackboard(quadro negro).

As práticas pedagógicas nos moldes tradicionais, de certa forma, já se tornaram obsoletas. A formação estritamente institucionalizada, de transmissão do conhecimento de forma linear e hierarquizada, não tem mais sentido, sendo fundamental a ampliação do espectro educacional, pois educação não é mais a formalidade da sala de aula, já que existem tantos outros espaços a serem explorados: o ciberespaço.

Neste espaço móvel de interações, entre conhecimentos e conhecedores, as barreiras do tempo e espaço são superadas: êxodo e desterritorialização, interligando contextos, sujeitos, saberes em fluxo não lineares e práticas diversificadas.6Lévy P. Cibercultura. Costa IC, tradutor. 3(a) ed. São Paulo (SP): Editora 34; 2010. Novas poéticas imagéticas e hibridação de gêneros, uma heterogênese, que questiona a uniformidade e fixidez. Informações passam a ser disponibilizadas em rede e compartilhadas.

As infovias são caracterizadas como veículos de acesso democrático, pois se transformam paredes em pontes, exigindo do usuário um olhar atento e crítico. Na profusão do fluxo informacional e do caos emergente, a rede tem a sua própria forma de controle: a opinião pública. Um reforço à noção de esfera pública, o argumento de autoridade não consegue mais ocupar e dominar a cena. No processo colaborativo, o trabalho em conjunto possibilita que todos tenham oportunidade de se desenvolver e aprimorar seus conhecimentos.1515 Tapscott D, Williams AD. Wikinomics: how mass collaboration changes everything. USA: Penguin Group; 2010.

Nesta perspectiva, dentre os desafios que se apresentam aos docentes, um deles se insere na produção de materiais com quesitos de qualidade para fins educacionais. Profissionais da área de enfermagem encontram dificuldades em lidar e avaliar as ferramentas disponíveis pelas TICs e profissionais da área de informática tem dificuldades em tratar com as questões pedagógicas das ferramentas desenvolvidas para fins educacionais. Propostas e ações integradas são necessárias, caso contrário, haverá um hiato crescente entre possibilidades e demandas descompassadas.

Estratégias didático-pedagógicas, que integram multimídia e hipermídia, podem não garantir a qualidade pedagógica, representando ainda o tradicional modelo instrucionista e unilateral em detrimento dos aspectos reflexivos e criativos possibilitados por essas ferramentas. A simples digitalização do material didático-analógico subestima o potencial das tecnologias digitais e a desigualdade entre os fatores técnicos e pedagógicos limita as estratégias de ação possibilitadas ao discente.1414 Prensky M. From digital natives to digital wisdom: hopeful essays for 21st Century Learning. USA: Corwin; 2013. - 1515 Tapscott D, Williams AD. Wikinomics: how mass collaboration changes everything. USA: Penguin Group; 2010. Comprar uma ilha no Second Life e dar lá um curso não significa que este será efetivo e de qualidade. Na realidade, nas novas mídias, os velhos métodos ainda persistem.

As TICs contemporâneas possibilitam processos de aprendizagem criativos para a enfermagem, com propostas pedagógicas inovadoras e que possibilitam a aprendizagem significativa,1616 Fonseca LM, Dias DM, Góes FS, Seixas CA, Scochi CG, Martins JC, et al. Development of the e-Baby serious game with regard to the evaluation of oxygenation in preterm babies: contributions of the emotional design. Comput Inform Nurs. 2014 Sep; 32(9):428-36.

17 NI 2014: Nursing Informatics 2014 - Proceedings of the 12th International Congress on Nursing Informatics [online], Taiwan: 2014 [acesso 2014 Jul 25]. Disponível em: http://ebooks.iospress.nl/volume/nursing-informatics-2014-east-meets-west-esmart
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18 Beach SN, Hall RL. The connected educator: learning and leading in a digital age. Bloomington (UK): Solution Tree Press; 2012.
- 1919 Galvão E, Correia F, Püschel VAA. Aplicativo multimídia em plataforma móvel para o ensino da mensuração da pressão venosa central. Rev Esc Enferm [online]. 2012 [acesso 2014 Jan 26]; 46(Esp): Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342012000700016 .
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sejam na graduação, extensão e pós-graduação, como em laboratórios, em salas de aula ou à distância, podendo ser compartilhados com outras instituições. Atualmente, o desenvolvimento de tecnologia de aplicações móveis, voltadas à saúde e educação, proporciona um campo fértil para atuação de enfermagem na comunidade em geral.2020 Gellis ZD, Kenaley BL, Ten Have T. Integrated telehealth care for chronic illness and depression in geriatric home care patients: the Integrated Telehealth Education and Activation of Mood (I-TEAM) study. J Am Geriatr Soc. 2014 May; 62(5):889-95.

21 Haze KA, Lynaugh J. Building patient relationships: a smartphone application supporting communication between teenagers with asthma and the RN care coordinator. Comput Inform Nurs. 2013 Jun; 31(6):266-71.
- 2222 Sad SN, Gekas O. Preservice teachers' perceptions about using mobile phones and laptops in education as mobile learning tools. B J Educ Technol. 2014 Jul; 45(4):606-18. A tecnologia móvel terá um papel significativo na provisão de serviços de assistência à saúde e de suporte na atenção ao cidadão, em âmbito mundial. Uma ferramenta importante não só para informar e controlar doenças, mas também para prevenir e controlar potenciais epidemias.

No Brasil, o Ministério da Educação (MEC), em parcerias com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Rede Latino-americana de Portais Educacionais (RELPE), Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) e universidades brasileiras, criou o Banco Internacional de Objetos Educacionais (BIOE), um repositório que disponibiliza recursos educacionais digitais, de acesso livre, em diferentes idiomas e formatos, para utilização na educação de acordo com os níveis de ensino, subsidiando as diversas práticas pedagógicas.

As aceleradas inovações requerem, sem dúvida, uma ampla reflexão quando se propõe evitar visões extremistas e vão exigir competências para sua utilização, e a enfermagem deve estar atenta a essas questões.2323 Lorenzetti J, Trindade LL, Pires D, Pires ED, Ramos FRS. Tecnologia, inovação tecnológica e saúde: uma reflexão necessária.Texto Contexto Enferm [online] 2012 [acesso 2014 Jan 09]; 21(2): Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000200023 .
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Investimentos para o apoio e suporte docente se fazem necessários, não bastando disponibilizar os meios, mas compreender o potencial mediador das linguagens midiáticas e dos recursos de criação e publicação propiciados por estas tecnologias. As ferramentas deixam de ser encaradas como meras ferramentas, indo além da instrumentalização, passando a ser consideradas como elementos estruturantes que possibilitam transformar a informação em conhecimento, rumo a uma cidadania proativa. Outros desafios se impõem nesta questão, não podendo negligenciá-los em relação ao docente, discente e comunidade em geral: a importância de políticas públicas efetivas que contribuam para a inclusão digital em toda a abrangência que a temática requer, assegurando os seus três pilares fundamentais: TICs, renda e educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inevitáveis e irreversíveis, as TICs demandam inserções ativas e redefinições no processo de trabalho docente e discente em enfermagem, a fim de atender a realidade educacional contemporânea. Entretanto, a mudança é algo extremamente complexo, devido às resistências e pela necessidade de digerir o desconhecido. E, neste impasse de incongruências que envolvem a questão das tecnologias, é possível observar a ambiguidade e a problemática já na sua construção teórica. Os conceitos variam e se fundamentam de acordo com interpretações pessoais, backgroundétnico-cultural, idiossincrasias político-ideológicas entre outros determinantes menos tangíveis. É relevante que se evite uma visão da tecnotopia, na qual a tecnologia é solução para tudo, ou a tecnofobia, no sentido distópico, temendo o dia em que um ataque terrorista destruirá os servidores onde toda a memória humana está guardada e, a partir deste fato, toda a história do homem e do planeta se perderá.

As TICs e suas interfaces educacionais em enfermagem constituem uma excepcional oportunidade para o aprofundamento dos diálogos interdisciplinares. Estabelecer a mediação pedagógica entre as diversas formas de linguagens hipermidiática é um emergente significativo e, neste sentido, é necessário desatar os nós conceituais, superando as concepções instrumentalistas e deterministas que as acompanham. Afinal, em meio à banda larga, smartphones, e-books, educação à distância, games e aplicativos educativos, redes sociais colaborativas e outras tantas novidades que surgem a cada dia, o uso da tecnologia aparece como aliado ao processo de educação; o importante é ser um usuário crítico, criativo e atuante, no mais, é preciso navegar neste mundo de transformações radicais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2014
  • Aceito
    18 Set 2014
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