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CASA DE LOUCOS OU CASA DE PRESOS? A ENFERMAGEM EM MANICÔMIO JUDICIÁRIO1 1 Texto extraído da dissertação - Entre o delito e a loucura: a enfermagem em manicômio judiciário, do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2014.

RESUMO

Os manicômios judiciários possuem objetivo de custodiar e tratar doentes mentais, sendo uma fusão entre hospital e presídio. Utilizam técnicas e procedimentos disciplinares normalizando loucos criminosos. A pesquisa estuda os dispositivos disciplinares utilizados por profissionais da enfermagem que atuam no Instituto Psiquiátrico Forense, de Porto Alegre, Brasil. O referencial teórico situa-se no campo dos estudos culturais, vertente pós-estruturalista, inspirado em noções de Michael Foucault. Foram utilizados instrumentos de investigação etnográfica: entrevistas gravadas em áudio, observação, análise de documentos e imagens fotográficas. Os resultados foram organizados em unidades: Casa de loucos ou casa de presos?; A organização dos espaços e O controle do tempo. Nesta instituição, a enfermagem carrega heranças do sistema carcerário, manifestadas em rotinas diárias. O modo de cuidar, naturalizado ao longo do tempo, produz profissionais que repetem ensinamentos de carcereiros, "transformando" os pacientes naquilo que é a proposta normalizadora da instituição: organizá-lo e reajustá-lo segundo regras de convívio social.

DESCRITORES:
Enfermagem forense; Pessoas mentalmente doentes; Criminosos; Prisões

ABSTRACT

The forensic psychiatric hospitals have objective to safeguard and treat mental patients, with a fusion between hospital and prison. Use techniques and disciplinary procedures normalizing criminally insane. The research studies the disciplinary measures used by nursing professionals working at Instituto Psiquiátrico Forense, Porto Alegre, Brazil. The theoretical framework lies in the field of cultural studies, post-structuralist strand, inspired by Michael Foucault notions. Ethnographic reswearch instruments were used: interviews recorded in audio, observation, analysis of documents and images. The results were organized in units: Madhouse or house of prisoners?; The organization of spaces and The control of time. In this institution, nursing carries the prison system heritage, manifested in daily routines. The way of caring, naturalized over time, produces professionals who repeat teachings of jailers, "transforming" patients in what is a normative proposal of the institution: organize it and readjust it according to rules of social life.

DESCRIPTORS:
Forensic nursing; Mentally ill people; Criminals; Prisons

RESUMEN

Los hospitales psiquiátricos judiciales tienen el objetivo de custodiar y tratar pacientes mentales, siendo una fusión entre el hospital y la cárcel. Ellos utilizan técnicas y procedimientos para normalizar criminales dementes. Esta investigación estudió las medidas utilizadas por los profesionales de enfermería que trabajan en el Instituto Psiquiátrico Forense, Porto Alegre, Brazil. El marco teórico se encuentra situado en el campo de los estudios culturales, inspirado por las ideas de Michael Foucault. Se utilizaron instrumentos de investigación etnográfica: entrevistas en audio, observación, análisis de documentos e imágenes. Los resultados fueron organizados en unidades: ¿Casas de locos o casa de presos?; La organización de los espacios y El control de tiempo. En esta institución, Enfermería carga las herencias del sistema penitenciario que se manifiestan en las rutinas diarias. La forma de cuidar, naturalizada con el tiempo, produce profesionales que repiten enseñanzas de carceleros, "convirtiendo" a los pacientes en aquello que es propuesto por la normativa de la institución: organizarlo y re-ajustarlo de acuerdo con normas sociales.

DESCRIPTORES:
Enfermería forense; Enfermos mentales; Criminales; Prisiones

INTRODUÇÃO

A busca incessante pelo controle dos "anormais" tem sido uma preocupação da sociedade moderna. Sujeitos tidos como loucos e, também, aqueles caracterizados como criminosos chamam atenção, pois em nossa cultura, o louco é alguém que deve ser curado e o criminoso, penalizado por seus atos. Mas, o que fazer quando há uma associação entre a necessidade de cura com a ideia de punição? Fala-se aqui do "louco criminoso", aquele que transita entre o universo da loucura e o da criminalidade e possibilita a produção de diferentes discursos para sua regulação.

As prisões e os manicômios surgiram na idade média como locais destinados à (re)socialização de indivíduos que, reclusos por determinado período de tempo, estariam aptos ao convívio social através do uso de técnicas de disciplinamento. Estes estabelecimentos incluem-se na categoria das instituições totais por serem definidos como um local onde grandes números de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla, por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.11. Goffman E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva; 1974. Tais estabelecimentos funcionam sob regime de internação, onde um grupo de pessoas internadas fica subordinado a um grupo menor.22. Melo E, Renata R. Instituições totais, conceitos básicos. Análise institucional. 2008; [internet] [cited 2013 Set 30]. Available from: http://analiseinstitucional.wordpress.com/2008/12/12/sobre-as-instituicoes-totais/
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No contexto das instituições totais os manicômios judiciários integram uma conjunção de agrupamentos entre as instituições responsáveis pelo cuidado dos incapazes e aquelas destinadas à proteção do todo social. Constituem-se como instituições com duplo objetivo, ou seja, custodiar e tratar doentes mentais perigosos, sendo um misto de hospital psiquiátrico e presídio. Recebem pessoas que cumprem medida de segurança, tipo de pena imposta quando o sujeito comete um delito e não tem a capacidade plena ou parcial de entender o caráter ilícito do seu ato e/ou de determinar-se frente a ele.33. Brasil CS, Coelho ER, Brasil RS. Manicômio judiciário: pequeno ensaio sobre as forças que atuam nesse dispositivo. Cad Bras Saude Mental [internet]. 2009 [cited 2014 Fev 22]; 1(2):. Available from: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/1138/1377
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Todavia, se o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz de direito submetê-lo à tratamento ambulatorial em Centro de Atenção Psicossocial ou Residências Terapêuticas, no território de origem.

Os manicômios judiciários surgiram para dar atenção e tratamento aos loucos infratores que, por sua periculosidade, não poderiam permanecer internados em hospital psiquiátrico pela dificuldade de controle de suas condutas. Neste sentido, transformaram-se em locais de cura e observação da doença mental, com submissão de corpos ao poder disciplinar.44. Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal; 2012.

A disciplina é uma técnica de exercício de poder inventada para gestão dos homens permitindo o controle minucioso das operações do corpo, implicando em uma relação de docilidade-utilidade através da fabricação de corpos submissos e exercitados.44. Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal; 2012.-55. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes; 2010. Ela parte de um modelo considerado ótimo e procura enquadrar as pessoas em determinado protótipo.66. Veiga-Neto A, Lopes M. Inclusão como dominação do outro pelo mesmo. São Paulo: In: Anais do VII Colóquio Internacional Michel Foucault; 2011 [cited 2014 Mar 23]. Available from: http://www.fe.unicamp.br/TEMPORARIOS/veiga-neto-lopes-inclusao-como-dominacao.pdf
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A inclusão da enfermagem nos manicômios judiciários deu-se a partir da experiência de enfermeiros em hospitais psiquiátricos que, através da observação e controle de pacientes, utilizavam diferentes técnicas e mecanismos disciplinares. Durante muitos anos, os manicômios foram exclusivamente organizados e controlados por profissionais de segurança, e o cuidado de pacientes era tarefa exclusiva de pessoas ligadas ao cárcere. Porém, somente quando os saberes de juízes e médicos constituíram o louco criminoso como pessoa doente é que a profissão ganhou seu espaço neste sistema.

No contexto desta história, os profissionais da enfermagem passaram a utilizar diferentes dispositivos disciplinares para controle e adestramento de pacientes, de forma concomitante aos cuidados exercidos, tendo a importante tarefa de ressocializá-los. Tais dispositivos incluem um conjunto de ações, condutas e filosofias com o propósito de tratar/recuperar pacientes, podendo ser considerados elementos que definem a história da profissão nos manicômios.

Neste cenário de emergência da loucura e da criminalidade, este estudo pretende desvelar possibilidades, compreender processos e imergir no universo de trabalho dos profissionais de enfermagem que atuam em manicômio judiciário através do seguinte questionamento: que dispositivos disciplinares são utilizados por profissionais da enfermagem quando cuidam de doentes mentais que cumprem pena judicial em regime de internação sob custódia?

O objetivo foi analisar discursos de profissionais da enfermagem que atuam em manicômio judiciário buscando compreender quais mecanismos disciplinares são utilizados durante os cuidados aos pacientes que cumprem medida de segurança.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que se aproxima dos estudos culturais e do referencial pós-estruturalista, utilizando instrumentos de investigação da etnografia. Foi desenvolvida no Instituto Psiquiátrico Forense Doutor Maurício Cardoso (IPF), localizado em Porto Alegre-RS, Brasil.

A etnografia caracteriza-se por um processo sistemático de observar, detalhar, descrever e analisar estilos de vida ou padrões específicos de uma cultura com o objetivo de apreender seu modo de viver e compreender significados.77. Hoga LA, Barbosa VA. Abordagem etnográfica. In: Matheus M, Fustinoni S, organizador. Pesquisa qualitativa em enfermagem. São Paulo: Livraria Médica Paulista; 2006. p. 53-60.-88. Thomé EGR. Homens doentes renais crônicos em hemodiálise: a vida que poucos vêem [tese]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós- Graduação em Enfermagem; 2011. Nos estudos culturais, as escolhas metodológicas ocorrem em acordo com as demandas propostas pelo problema de pesquisa, sem filiação disciplinar rígida nem mesmo uma indicação metodológica que seja segura para responder às questões estudadas.99. Sales SR. Etnografia+netnografia+análise de discurso: articulações metodológicas para pesquisar em educação. In: Meyer D, Paraíso M, organizador. Metodologias de pesquisa pós-críticas em educação. Belo Horizonte (MG): Mazza, 2012. p. 111-32. Nesta vertente, o estudo foi inspirado nas ideias desenvolvidas por Michael Foucault para conhecer como se materializavam os dispositivos disciplinares utilizados pelos profissionais da enfermagem no cuidado a estes pacientes.

Um dispositivo constitui-se em um conjunto heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais e filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito, podendo o dispositivo ser considerado a rede que se pode tecer entre estes elementos.44. Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal; 2012. Entendemos como dispositivos disciplinares da enfermagem, todas as ações, condutas e filosofias propostas ou determinadas por um sistema intrínseco que reproduz manejos específicos. Portanto, não utilizamos o termo "disciplina" com a repercussão negativa a qual a palavra é conhecida e, sim, como um conjunto de práticas organizacionais que auxiliam os profissionais a conduzir suas ações junto aos pacientes.

A observação das práticas desenvolvidas por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem foi possível através da vivência junto às equipes nos diversos turnos de trabalho. Foram quatro meses de imersão em campo (setembro a dezembro de 2013) atentando para um universo muito específico que necessitava de aproximação ao trabalho realizado. Para maior compreensão do contexto foi necessário fazer uso de técnicas de observação, entrevista, análise de documentos e imagens propostas pelos estudos etnográficos.

Na instituição atuam 27 profissionais da enfermagem, sendo três enfermeiras e 24 técnicos de enfermagem. Foram entrevistados 14 profissionais, sendo utilizada a estratégia de seleção de sujeitos do tipo "bola-de-neve" que consiste na seleção intencional do primeiro entrevistado, que indica o próximo sujeito e, assim, sucessivamente.1010. Neves ACL, Miasso AI. Uma força que atrai: o significado das drogas para usuários de uma ilha de cabo verde. Rev Latino-Am Enfermagem. 2010; 18(Spe):589-97. As entrevistas realizadas individualmente, gravadas em áudio e posteriormente transcritas, foram organizadas de forma semiestruturada e guiadas pela pergunta: como é ser enfermeiro/técnico de enfermagem no IPF? Os entrevistados atuavam em todos os turnos de trabalho e receberam nomes fictícios escolhidos por eles. Esse número não foi previamente pré-determinado e deu-se através do fechamento amostral por saturação teórica, ferramenta conceitual utilizada para estabelecer ou fechar o tamanho final de uma amostra por suspensão da inclusão de novos participantes quando observada redundância ou repetição de dados.1111. Fontanella BJB, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad Saude Publica. 2008; 24(1):17-27.

A observação participante permitiu acompanhamento das rotinas de trabalho dos profissionais e, também, entendimento dos processos jurídicos e organizacionais no IPF. Na observação participante o pesquisador permanece no seio do grupo em que estuda, observa de modo espontâneo, como espectador, embora mobilize a informação na condução de seu olhar.1212. Correia MCB. A observação participante enquanto técnica de investigação. Pensar Enfermagem [internet]. 2009 [cited 2012 Nov 2005]; 13(2): Available from: http://pensarenfermagem.esel.pt/files/2009_13_2_30-36.pdf
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Para desenvolvimento deste método de coleta de dados utilizamos registros em diário de campo que possibilitaram anotações pessoais com o compromisso de anonimato de sujeitos e previa autorização dos entrevistados e da instituição.

O uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado. A riqueza de informações que deles podemos resgatar justifica o seu uso em várias áreas de conhecimento porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural.1313. Sá-Silva J, Almeida CD, Guindani JF. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Rev Bras Hist Cienc Socias [internet]. 2009 [cited 2013 Mar 17]; 1(1):. Available from: https://www.rbhcs.com/rbhcs/article/view/6/pdf
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Neste sentido, a análise de documentos permitiu-nos a avaliação dos livros de registro de todas as unidades do IPF, extraindo importantes anotações sobre as rotinas dos profissionais.

Em atenção às determinações das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, estabelecidas pela Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob parecer n. 398.834, em 05 de setembro de 2013 (CAAE 17245813.4.0000.5347).

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Os resultados são apresentados em categorias: Casa de loucos ou casa de presos?; A organização dos espaços; e O controle do tempo.

Casa de loucos ou casa de presos?

Desde a sua constituição o IPF carrega a indagação: hospital ou prisão? Nos primeiros anos de sua construção esteve ligado a um órgão de saúde, porém, por determinações políticas, foi se transformado em um órgão subjacente à segurança. Antigamente denominado como "manicômio judicial", se encontra entre um presídio e um hospital psiquiátrico, abrigando pacientes por tempo indeterminado: não chega nem próximo de um hospital. É uma casa especial de custódia e tratamento. Algo entre presídio e hospital. É tipo uma casa de passagem para doentes do presídio que apresentam doenças mentais. O juiz determina a internação e o paciente vem para cá (Maria).

Ao contrário de uma prisão regular, em que há uma pena a ser cumprida, a medida de segurança dos pacientes pode ser renovada pelos médicos da instituição por quanto tempo julgarem necessário.1414. Fogliatto D. Vereadores de Porto Alegre visitam IPF e conhecem realidade de pacientes que cumprem medida de segurança. SUL 21 [internet]. 2014 [cited 2014 Abr 24]. Available from: http://www.sul21.com.br/jornal/vereadores-de-porto-alegre-visitam-ipf-e-conhecem-realidade-de-pacientes-que-cumprem-medida-de-seguranca/
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O tempo é determinado por médicos que acompanham o paciente e, de acordo com a evolução deste, podem solicitar renovação da medida de segurança ou liberação judicial. A permanência do paciente na instituição poderá ser breve ou ocorrer por grandes períodos de tempo, como mencionado pelo entrevistado: eu sempre ouvi dizer que no Brasil não tem prisão perpétua. Aqui no IPF tem e no Brasil tem perpétua para o doente mental. Eu vi muito paciente morrer aqui depois de anos (Lorena).

Independente de ser hospital ou prisão, algumas características e mecanismos de funcionamento conferem ao IPF inclusão no campo das "instituições totais". "O caráter total que a instituição adquire se deve ao fato de ela ser uma célula fechada, destinada apenas a um grupo de pessoas, sendo estas separadas da sociedade geral".1515. Balan M, Furmann I. As instituições totais de Erving Goffman e a condição do encarcerado no sistema prisional: uma análise da visão dos interlocutores dos presos no Paraná. In: Gibran S, Tafuri J, organizador. Unicuritiba pesquisando o direito. Justiça e cidadania em debate. Curitiba (PR): Editora Clássica, 2013. p. 170-97.:173 A separação dos loucos criminosos dos demais membros da sociedade, sua exclusão do grupo dos loucos comuns e dos demais infratores determinam sua inserção neste sistema. Neste sentido, o hospital-manicômio se organiza como um operador terapêutico de adestramento e um importante aparelho de vigilância. No contexto das instituições disciplinares, inclui-se na produção de uma maquinaria de controle microscópico do comportamento, das divisões tênues e analíticas em torno dos homens, ou seja, um aparelho de observação, registro e treinamento.55. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes; 2010.

Historicamente, a instituição foi criada dentro de um manicômio comum e, após alguns anos, passou a ser de responsabilidade da Secretaria de Segurança visto que "os manicômios não foram primordialmente pensados para abrigar, de um modo geral, qualquer doente mental ou alienado que cometesse crimes".1616. Carrara SL. A história esquecida; os manicômios judiciários no Brasil. J. Hum. Growth Dev [internet]. 2010 [cited 2012 Out 22]; 20(1). Available from: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rbcdh/v20n1/04.pdf
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:27 Inicialmente, era coordenado e organizado exclusivamente por pessoas de guarda e segurança e, devido ausência de profissionais da enfermagem, os agentes penitenciários empregavam-se de muitas tarefas que caberiam à enfermagem, desviando de suas verdadeiras funções: quando eu entrei aqui em 1990 quem administrava as medicações, quem fazia tudo isso era o agente penitenciário. Então, eles foram me ensinando, foram dizendo como se trabalhava aqui (Lorena).

Através deste relato é possível perceber que as rotinas de trabalho foram instituídas pelas equipes de segurança e com a chegada dos profissionais de enfermagem, estes foram aprendendo os modos de fazer dos agentes e passaram a executar as ações permeadas por este saber. Essa situação afetou a identidade profissional da enfermagem, pois após algum tempo de atuação em conjunto havia uma mistura de papéis que foi sentida como um prejuízo por todos.1717. Langer LM. O papel do serviço de enfermagem no IPFMC. In: Souza C, Cardoso C, Cardoso R, organizador. Psiquiatria forense: 80 anos de prática institucional. Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 87-95.

Antes de acontecer o primeiro concurso para contratação de pessoas da enfermagem havia uma categoria profissional para cuidado dos pacientes. Estes eram denominados auxiliares psiquiátricos, pessoas com formação em ensino médio que exerciam o duplo papel de cuidador e agente penitenciário. Apesar de a contratação inicial ser específica para a atividade de acompanhamento e controle de presos, essas pessoas exerciam funções relacionadas às suas profissões de formação. "Havia, sim, profissionais da enfermagem, como monitores e agentes penitenciários [...]. Havia também os atendentes de enfermagem e auxiliares de psiquiatria concursados como agentes penitenciários".17:87

Um dos entrevistados comenta sobre esta situação, pois realizou concurso para nível médio e exercia o papel de auxiliar psiquiátrico na instituição. Passado alguns anos, formou-se no curso de técnico em enfermagem, custeado pelo Estado, passando a integrar a equipe de enfermagem. Em entrevista comenta: eu entrava lá dentro no corpo a corpo se tivesse que atender. E hoje não é assim, é bem diferente o tratamento. Hoje sou técnica, mas entrei aqui como auxiliar psiquiátrico. Quando entrávamos apreendíamos manejo psiquiátrico, mas nada de enfermagem. Existia só o agente penitenciário e o auxiliar de psiquiatria (Vera).

A inserção de profissionais de enfermagem concursados permitiu que a profissão ocupasse espaços na instituição, porém, estes novos papéis não foram facilmente aceitos conforme relatos: foi muito difícil! Nós éramos questionados o tempo todo, pressionados a medicar o paciente constantemente (Maria); [...] no início, quando a gente começou aqui, quem fazia a maioria dos serviços de auxiliar e técnico de enfermagem era o agente penitenciário. Eles que medicavam, eles que colocavam o paciente em contenção mecânica, eles que faziam tudo. Quando entramos, eles acharam que viemos para pegar no pé (Mariana).

Apesar dos conflitos internos e confusão de papéis, nota-se que as experiências vivenciadas pela enfermagem no IPF se arquitetam através dos saberes da profissão associados aos saberes das equipes de segurança. Essa fusão de saberes e fazeres propicia aos profissionais da enfermagem que atuam no IPF um conhecimento sobre os pacientes que a instituição acolhe. O papel da profissão neste local é único e bastante diferente das demais áreas de atuação. Enfermeiros e técnicos homogeneízam saberes e práticas relacionados ao confinamento do cárcere.

A organização dos espaços

A distribuição dos pacientes no espaço é uma das principais características do poder disciplinar.1818. Sousa N, Meneses A. O poder disciplinar: uma leitura em Vigiar e Punir. Saberes [internet]. 2010 [cited 2014 Abr 06]; 1(4). Available from: http://www.cchla.ufrn.br/saberes/
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No IPF esta classificação ocorre por unidades de internação em acordo com a doença, gravidade do delito cometido e sexo. A divisão de pacientes por unidades permite melhor controle, observação e disciplinamento, pois possuem rotinas específicas desenvolvidas em acordo com o perfil do internado. Quando o paciente chega fica na Unidade Triagem e, depois da avaliação médica e liberação do juiz, é encaminhado para as unidades fechadas. Se for dependente químico fica na Unidade G e se for crônico na Unidade F. As mulheres vão direto para a unidade feminina (Diário de campo - Manu).

A disciplina é um tipo de organização do espaço. Uma técnica de distribuição dos indivíduos através da inserção dos corpos em um espaço individualizado, combinatório e classificatório. Ela isola, esquadrinhada, hierarquiza e é capaz de desempenhar funções diferentes segundo o objetivo específico que ele exige.44. Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal; 2012. A organização dos espaços, disposição arquitetônica, maneira como os indivíduos são distribuídos, maneira como se circula e como se olha, ou se é olhado, é que tem o valor terapêutico.1919. Foucault M. O poder psiquiátrico. São Paulo: Martins Fonseca; 2006.

A vigilância constante sobre todos os pacientes é necessária para controle e organização dos espaços. As formas de controle e observação variam conforme as unidades de internação, mas as equipes de enfermagem devem estar alerta sobre a situação dos pacientes, pois "o exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo de olhar: um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzem a efeitos de poder [...]".5:165

O controle do espaço é um elemento essencial da tecnologia disciplinar, pois assegura a distribuição dos indivíduos a serem disciplinados e supervisionados, facilitando a redução de multidões perigosas.2020. Dreyfus H, Rabinow P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995. Esse espaço permite análise e utilização combinatória dos indivíduos, pois através dos mecanismos disciplinares, cada indivíduo tem seu lugar, e todos os lugares têm a sua destinação.2121. Fonseca MA. Michel Foucault e a constituição do sujeito. São Paulo: EDUC; 1995.

No IPF os ambientes são organizados em pavilhões para que o paciente esteja sempre na posição de um possível olhar. A estrutura física foi constituída mantendo no centro uma área de controle onde está localizada a chefia de segurança e chefia de enfermagem. Esta estrutura permite permanente atenção a qualquer alteração nos ambientes e parece ter heranças arquitetônicas do modelo prisional tipo Panóptico de Bentham.

O projeto de Jeremy Bentham para uma prisão ideal constituiu o paradigma para conceber o poder disciplinar e se caracterizava pela distribuição espacial, visando um saber mais detalhado e preciso dos sujeitos, oferecendo ferramentas detalhadas e sutis de moldar comportamentos.2222. Oksala, J. Como ler Foucault. Rio de Janeiro: Zahar; 2011. Tratava-se de uma construção em anel localizada na periferia e no centro havia uma torre com grandes janelas que se abriam para a parte interior do anel. A construção periférica era dividida em celas, cada uma ocupando toda a largura da construção. As celas possuíam duas janelas que se abriam para o interior e exterior, permitindo que a luz atravessasse de um lado a outro. Um vigia era colocado na torre central e em cada cela um condenado. Devido ao efeito da contraluz, as pequenas silhuetas prisioneiras nas celas eram destacadas.44. Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal; 2012.

Mais importante do que vigiar era saber que se estava sendo vigiado. Esse modelo proposto que substituía os castigos e as punições físicas tinha o objetivo de moldar condutas através de uma relação de poder e saber sobre o corpo, constituído por práticas de controle, regras e disciplina. Era preciso que o prisioneiro fosse mantido em olhar permanente e necessário que fossem registradas e contabilizadas todas as anotações que se pudessem tomar sobre eles.55. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes; 2010.

A forma pavilhonar em que se constitui a estrutura do IPF apresenta no centro salas de controle dos principais agentes de disciplinamento: a chefia de segurança e chefia de enfermagem. Nas periferias estão localizadas as unidades A, B, C, E (unidades abertas), F e G (unidades fechadas) e, junto à área de segurança, a unidade de Admissão e Triagem. Preferiu-se esse sistema pavilhonar ao panóptico circular por proporcionar igualmente grande visibilidade, onde se pode chegar sem ser ouvido por ninguém com um olhar que capte tudo o que está acontecendo.1919. Foucault M. O poder psiquiátrico. São Paulo: Martins Fonseca; 2006.

O controle do tempo

Uma das principais funções da equipe de enfermagem é o controle de pacientes através da administração de medicações diárias em horários previamente estabelecidos. O médico responsável elabora a prescrição que é transcrita pelos funcionários da farmácia. A transcrição é realizada em pedaços de papelão, à caneta, e posteriormente colocada em um envelope. Este possui o número e o nome do paciente. As medicações são recortadas, para que fiquem em doses unitárias, sendo depositadas em cada envelope. A cada turno, os funcionários dirigem-se à farmácia para retirar a medicação dos pacientes sob sua responsabilidade. A medicação vem da farmácia dentro de um envelope. Eu olho no envelope e vejo se o que está escrito é o que está ali. Não trabalhamos com a prescrição direta. Pegamos quando temos dúvidas (Laura).

Apesar de os funcionários saberem que é importante conferir o medicamento com a prescrição médica antes da administração, esta não é uma rotina estabelecida. Baseiam-se, apenas, na transcrição feita pelos funcionários da farmácia que pode estar sujeita a erros. Observamos que alguns profissionais sequer liam o que estava escrito no envelope e descascavam os medicamentos entregando nas mãos do paciente.

Cada uma das unidades tem sua rotina específica para administração de medicamentos e o chamado dos pacientes para eu recebimento pode ser verbal ou através de uma campainha. Em resposta, os pacientes se dispõem em filas para receber o medicamento prescrito. Esta rotina disciplinar individualiza os corpos por uma localização que não os implanta, mas os distribui e faz circular em uma rede de relações. As fileiras organizam o espaço e estabelecem uma ordem de distribuição. São espaços que permitem a circulação, marcam lugares e indicam valores. Tal estratégia garante a obediência dos indivíduos, melhor economia do tempo e dos gestos.55. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes; 2010.

Observamos que, independente do tocar da campainha, alguns pacientes já aguardavam o momento de receber a medicação na porta do posto de enfermagem, conforme o relato: os pacientes vêm numa fila por conta própria. Eles já estão acostumados. Eles têm um número no pacotinho. Vem uma caixa com as medicações. Cada um tem o seu pacotinho. Eles chegam e vão dizendo o seu número. A gente confere o número, pergunta o nome, ele diz o nome, conferimos com o pacote e abrimos a medicação (Carolina).

A colocação dos pacientes em fileiras permite uma maior organização desse procedimento. Ao contrário de um hospital, onde o funcionário se dirige ao leito dos pacientes, ele deve ir ao encontro da equipe. Essa prática funciona como um mecanismo de disciplinamento do corpo, pois cada um deve respeitar o horário do chamado, aguardar a sua vez em silêncio, com um recipiente para água na mão.

Observamos que existe um "jeito certo" de ser paciente no IPF. Aquele que se insere na instituição é instigado a ser alguém que entende e se comporta de acordo com as regras estabelecidas pelo local. Ao assumir a identidade de paciente deve aceitar combinações como manter-se limpo, tomar banho diariamente, atender ao chamado da campainha, alimentar-se em horários certos, fumar onde é permitido ou, até mesmo, não fumar, entrar e sair de acordo com as combinações prévias e, também, dormir ou acordar nos horários estipulados.

Em todas as unidades, no momento da administração das medicações, a maioria dos pacientes não costuma dizer o seu nome: primeiramente menciona o número correspondente a sua identificação na unidade e, posteriormente, o nome de registro. Alguns dizem o número e o apelido, parecendo não mais estar familiarizado com a sua história pessoal. Segundo um dos entrevistados, esta não é uma situação de agrado: aqui eu vi também o paciente perder a identidade quando tu começa a chamar pelo número. E ele tem nome! É a mesma coisa que tu chamar pelo apelido. A pessoa deixa de ser sujeito e passa a ser um número. Um dia, conversando com um colega, ele falou o paciente setenta e poucos lá da Unidade C. Aí eu questionei se ele sabia o nome dele, claro que não [...]. O paciente tem uma história, um número qualquer é apenas um número. Tu deixas de ser sujeito e de ter uma história. Agora a instituição está tentando mudar isso (Lorena).

Apesar da tentativa institucional de resgatar a individualidade do paciente, nem todos os funcionários se esforçam para que isso ocorra. O número é uma herança do período em que o IPF era totalmente conduzido por agentes penitenciários, antes da chegada dos trabalhadores de enfermagem. O próprio procedimento de administração de medicações nos horários de rotina era denominado "pagar remédio". Mesmo tendo se passado quase trinta anos, ainda permanecem resquícios dessa história: logo que recebo o plantão começamos a "pagar o remédio" e atender as solicitações dos pacientes (Patrícia).

Além dos horários de medicações, os pacientes também possuem horários para reclusão nas unidades fechadas e encerramento das portas de entrada nas unidades abertas. Geralmente, nestas últimas, o horário de abertura do portão geral é às seis horas e o fechamento às 21 horas. Os responsáveis por esse controle são os funcionários da equipe de enfermagem que assumem o papel de guarda nessas funções. O nosso papel aqui é também um pouco o serviço de guarda, abrindo e fechando portas (Lorena).

Esse processo de fechamento das unidades é chamado pela enfermagem de "bater cadeados" em função do som produzido ao fechar as portas de ferro. Os pacientes que têm livre acesso ao pátio ou entradas e saídas do IPF possuem como rotina o recolhimento às unidades nos horários mencionados. Eles sabem que em tal hora devem estar nas unidades para o fechamento (Diário de campo - Manu).

O horário é uma velha herança, criado nas comunidades monásticas que foi encontrado muito cedo nos colégios, oficinas e hospitais. A exatidão de sua aplicação são virtudes dos processos disciplinares.55. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes; 2010.

Nas unidades fechadas o processo de encerramento de portas funciona após a contagem de pacientes pelos agentes de segurança. A enfermagem não se envolve nessa tarefa. Segundo a grande maioria dos entrevistados, essa situação deveria ocorrer em todas as unidades, independente de serem fechadas ou abertas. Porém, essa não ocorre com a frequência devida, ficando o trabalho a cargo das equipes de enfermagem. Nós temos muitas divergências com os agentes. Eles não passam a noite sozinhos, eles não ficam aqui com o paciente. Eu abro e fecho a porta sozinha às cinco horas (Vera).

A responsabilidade de abrir e fechar a porta para os pacientes, controlar a unidade e observar alterações não é uma função de agrado das equipes de enfermagem: a noite não tinha agente de segurança na unidade e fiquei sozinho. Pela manhã, os pacientes solicitam abertura da porta e então, eu abri (Diário de campo - registro em livro de ocorrência); [...] não foi realizada a conferência na unidade pelos agentes penitenciários. Apenas fecho o cadeado do portão da frente da unidade. Fecho o portão lateral às 23 horas e permaneço na unidade sem o agente penitenciário acompanhando (Diário de campo - registro em livro de ocorrência).

A equipe de enfermagem que atua em hospitais de tratamento e custódia explicita características do lugar e a forma de tratamento dos sujeitos internados são fatores desencadeantes de sentimentos tanto positivos quanto negativos frente às situações experienciadas.2323. Stumm LK, Hildebrandt LM. Trabalhando com a loucura: a enfermagem no Instituto Psiquiátrico Forense. Rev. Contexto Saude. 2006; 6(11):37-46. Herdeira da vigilância no hospício, dona do olhar permanente e organizadora do espaço, se divide entre as funções de cuidado e de guarda.2424. Miranda C. O parentesco imaginário. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1993.

Assim, ao pensarmos com Foucault observamos que a importância não está em procurar as transformações que um determinado objeto sofreu ao longo do tempo em uma dada cultura, mas tornar problemático e histórico o que vemos como natural, pois muitas coisas que hoje nos parecem naturais são frutos de uma série de eventos contingentes.2525. Kruse MHL. Os poderes dos corpos frios: das coisas que ensinam às enfermeiras. Brasília (DF): ABEn; 2004.-2626. Ribeiro RG, Kruse MHL. The woman body in review: the imperative of beauty. Texto Contexto Enferm [internet]. 2014 [cited 2014 Dez 10]; 23(1). Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n1/pt_0104-0707-tce-23-01-00101.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n1/pt_01...

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar as condutas disciplinares exercidas por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que atuam em manicômios judiciários possibilita compreender a emergência da profissão nesse local. Entender o Instituto Psiquiátrico Forense como um local misto entre presídio e hospital psiquiátrico permitiu perceber heranças do sistema carcerário manifestadas pelos profissionais da enfermagem em suas rotinas diárias.

Seria possível pensar diferente em um universo que inclui a loucura dentro de um amplo sistema de medidas restritivas e punitivas produzidas pelo aparelho penitenciário? Tendo como "tutores" os agentes penitenciários, os profissionais aprenderam a trabalhar de forma a ordenar os espaços e controlar os corpos dos pacientes. Esse jeito de trabalhar parece característico de profissionais que atuam em presídios e se diferenciam dos demais locais de atuação da profissão. Tal modo de cuidar, naturalizado ao longo do tempo, produz profissionais da enfermagem que repetem os ensinamentos dos carcereiros sem perceber a fusão de papéis.

A ordem e distribuição dos espaços também ficam a cargo da enfermagem. Responsáveis pelo controle de tudo que acontece nas unidades terapêuticas, os trabalhadores passam a maior parte do tempo organizando e adestrando os pacientes que circulam nos ambientes. Trata-se de um esquadrinhamento do tempo e do espaço, onde o corpo é controlado e manipulado por técnicas disciplinares. Tais técnicas inserem, combinam e classificam os pacientes em espaços. Assim, cabe aos profissionais produzir determinados efeitos, transformando os pacientes naquilo que seria a proposta normalizadora da Instituição.

O louco internado no Instituto Psiquiátrico Forense deve ser reajustado às regras de convívio social, sendo que cabe aos profissionais da enfermagem prover sua reorganização. O controle de entradas ou saídas das unidades, o modo de vestir e andar pelos ambientes, como devem dormir ou comer, enfim, todos os seus passos devem ser acompanhados pela profissão em sua tarefa diária, registrando fatos mais alarmantes para notificação da equipe terapêutica.

Apesar de exercerem no manicômio judiciário papéis difusos que misturam funções de encarceramento com cuidado, os profissionais da enfermagem parecem não estar de acordo com a situação vivenciada e, muitas vezes, tentam não se associar à instituição que se encontra em possível decadência. Porém, a esses profissionais e a todos nós, reserva-se uma dúvida: como será o futuro do IPF?

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2015
  • Aceito
    11 Set 2015
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