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MENTORING COMO FONTE DE CONHECIMENTO PEDAGÓGICO DO CONTEÚDO PARA DOCÊNCIA EM ENFERMAGEM

RESUMO

Objetivo:

compreender o Mentoring como fonte de conhecimento pedagógico do conteúdo para o professor novato na Educação Profissional de Nível Técnico em Enfermagem.

Método:

estudo de caso, com abordagem qualitativa, com docentes, representante da gestão e estudantes de uma escola pública federal de Educação Profissional em Saúde do nordeste do Brasil. Os dados foram coletados de outubro de 2013 a setembro de 2014, e submetidos à análise temática.

Resultados:

o estudo focaliza a categoria Mentoring como fonte de conhecimento pedagógico de conteúdo, com orientação teórica do referencial específico, configurada como uma ação pessoal com apoio institucional.

Conclusão:

a construção do conhecimento pedagógico do conteúdo aconteceu na prática pedagógica, mediada por uma relação de diálogo e cooperação, em que o Mentoring foi compreendido como parte do trabalho em equipe e da oferta de condições de trabalho para o desempenho docente com competência.

DESCRITORES:
Enfermagem; Educação; Docentes; Prática do docente de enfermagem; Educação técnica em enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to understand Mentoring as a source of pedagogical content knowledge for the new teacher in Professional Education of Technical Level in Nursing.

Method:

a case study, with a qualitative approach, with teachers, management representative and students of a federal public school of Professional Health Education in the northeast of Brazil. The data were collected from October 2013 to September 2014 and submitted to thematic analysis.

Results:

the study focuses on the Mentoring category as a source of pedagogical content knowledge, with a theoretical guidance of the specific framework, configured as a personal action with institutional support.

Conclusion:

the construction of the pedagogical content knowledge happened in the pedagogical practice, mediated by a relation of dialogue and cooperation, in which the Mentoring was understood as part of teamwork and the provision of working conditions for competent teaching performance.

DESCRIPTORS:
Nursing; Education; Faculty; Nursing faculty practice; Education, nursing, associate

RESUMEN

Objetivo:

comprender el Mentoring como fuente de conocimiento pedagógico del contenido para el profesor novato en la Educación Profesional de Nivel Técnico en Enfermería.

Método:

estudio de caso, con abordaje cualitativo, con docentes, representante de la gestión y estudiantes de una escuela pública Federal de Educación Profesional en Salud del nordeste de Brazil. Los datos fueron recolectados de octubre de 2013 a septiembre de 2014, y sometidos al análisis temático.

Resultados:

el estudio se centra en la categoría Mentoring como fuente de conocimiento pedagógico de contenido, con orientación teórica del referencial específico, configurada como una acción personal con apoyo institucional.

Conclusión:

la construcción del conocimiento pedagógico del contenido ocurrió en la práctica pedagógica, mediada por una relación de diálogo y cooperación, en la que el Mentoring fue comprendido como parte del trabajo en equipo y de la oferta de condiciones de trabajo para el desempeño docente con competencia.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Educación; Docentes; Práctica del docente de enfermería; Graduación en auxiliar de enfermería

INTRODUÇÃO

O artigo aborda o processo de construção do Conhecimento Base para o ensino em Enfermagem, enfocando o Mentoring como fonte de conhecimento pedagógico do conteúdo para o professor novato na Educação Profissional de Nível Técnico em Enfermagem.

Estudos no campo do pensamento do professor e da formação docente demonstram que a docência é uma profissão complexa e que o professor vivencia um processo de desenvolvimento contínuo, sendo os primeiros anos de ensino os mais críticos, período em que pode ser afetado por sentimento de solidão e inadequação ao fazer e ao contexto, refletindo em insegurança, baixo desempenho e até abandono da carreira docente.11. See NLC. Mentoring and developing pedagogical content knowledge in beginning teachers. Procedia [Internet]. 2014 [ cited 2014 Mar 20];123:53-62. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.01.1397
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-33. Cangelosi PR. Novice nurse faculty: in search of a mentor. Nurs Educ Perspect [Internet]. 2014 Sep-Oct [ cited 2015 Dec 06];35(5):327-9. Available from: Available from: https://doi.org/10.5480/13-1224
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Como medidas de enfrentamento, pesquisas têm indicado a relevância de que haja estímulo às iniciativas de indução do desenvolvimento profissional, especialmente, nos primeiros anos de ensino, com diversos tipos de ações, com destaque para o Mentoring, em que o professor iniciante é acolhido e acompanhado ou monitorado por professor mais experiente, tanto na profissão, quanto no ensino da disciplina e no contexto institucional.11. See NLC. Mentoring and developing pedagogical content knowledge in beginning teachers. Procedia [Internet]. 2014 [ cited 2014 Mar 20];123:53-62. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.01.1397
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-22. Grassley JS, Lambe A. Easing the transition from clinician to nurse educator: an integrative literature review. J Nurs Educ [Internet]. 2015Jul [ cited 2015 Dec 06];54(7):361-6. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.3928/01484834-20150617-01
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O Mentoring é um processo que acontece em relacionamentos interpessoais, geralmente, de forma espontânea (mentoring informal, espontâneo ou natural), tais como na família, na escola e no trabalho, ou estimulado e estruturado por uma organização (mentoring formal), em que uma pessoa (mentor), com base em seu saber e experiência, voluntariamente, estimula e influencia outra pessoa (mentorado) na aquisição de conhecimento e no desenvolvimento emocional ou social, por meio de ações como orientação, compartilhamento de experiências, aconselhamento, como também servindo de guia e modelo.44. Erlich P. O que é mentoring e o que o distingue do coaching. Coaching Brasil [Internet]. 2015 may [cited 2015 Dec 06];24:18-21. Available from: Available from: http://revistacoachingbrasil.com.br/ler/revista.php?c=8108075&i=12904678
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-55. Wunderlich M. Dossiê: Mentoring. Coaching Brasil [Internet]. 2015 may [cited 2015 Dec 06 ];24:8-13. Available from: Available from: http://revistacoachingbrasil.com.br/ler/revista.php?c=8108075&i=12904678
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Cientificamente, esse processo começou a ser estudado na década de 1940, na área organizacional de empresas norte-americanas, pois foi verificada a sua contribuição para o desenvolvimento profissional, quando comparado o desempenho de profissionais que tiveram ou não o suporte de um mentor.55. Wunderlich M. Dossiê: Mentoring. Coaching Brasil [Internet]. 2015 may [cited 2015 Dec 06 ];24:8-13. Available from: Available from: http://revistacoachingbrasil.com.br/ler/revista.php?c=8108075&i=12904678
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Progressivamente, buscou-se conhecer características desse processo e estimular sua implementação, tanto na área organizacional, quanto na formação profissional e de professores.

Na formação docente, o Mentoring pode ser criado como iniciativa pessoal de um professor, iniciativa institucional ou programa específico de formação docente, podendo, em qualquer dessas conotações, ter seus resultados potencializados caso o acompanhamento seja individualizado, institucionalmente reconhecido e que a relação interpessoal seja permeada por respeito, disponibilidade para o diálogo e disposição para a reflexão, a aprendizagem e a mudança.11. See NLC. Mentoring and developing pedagogical content knowledge in beginning teachers. Procedia [Internet]. 2014 [ cited 2014 Mar 20];123:53-62. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.01.1397
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-33. Cangelosi PR. Novice nurse faculty: in search of a mentor. Nurs Educ Perspect [Internet]. 2014 Sep-Oct [ cited 2015 Dec 06];35(5):327-9. Available from: Available from: https://doi.org/10.5480/13-1224
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Para estudar essa temática, a pesquisa adotou o referencial do Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC). O CPC é a categoria de conhecimento que encerra uma forma especial de compreensão profissional para o ensino em uma área, conformada pela integração sinérgica e dinâmica das demais categorias do conhecimento base para o ensino, quais sejam: Conhecimento do Conteúdo; Conhecimento Pedagógico Geral; Conhecimento do Currículo; Conhecimento dos alunos e de suas características; Conhecimento dos contextos educativos; Conhecimento dos objetivos, das finalidades e dos valores educativos.66. Shulman LS. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harv Educ Rev. 1987;57(1):1-23. Available from: https://doi.org/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411
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As principais fontes do CPC são: a formação acadêmica na disciplina a ensinar; os materiais e o contexto do processo educativo institucionalizado; a investigação sobre a escolarização, as organizações sociais, a aprendizagem humana e o ensino; a sabedoria que outorga a prática.66. Shulman LS. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harv Educ Rev. 1987;57(1):1-23. Available from: https://doi.org/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411
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Na área do CPC, discute-se a relevância de que haja estímulo às iniciativas de Mentoring, na etapa inicial do ensino, ao professor novato por professor experimentado, geralmente, expert em sua área de ensino.

Embora seja difícil a definição de quem é um professor novato ou experiente, adotou-se a subdivisão presente na pesquisa brasileira sobre o CPC de professores de graduação enfermagem, em que o professor novato é aquele com até cinco anos de docência, intermediário quando atua de 6 a 14 anos e experimentado quando atua há mais de 15 anos.77. Backes VMS, Prado ML, Moya JLM. The construction process of pedagogical knowledge among nursing teachers. Rev Latino-am Enfermagem[Internet]. 2011[ cited2013 Jul 02];19(2):421-8. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692011000200026
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-88. Backes VMS, Medina JLM, Prado ML, Menegaz JC, Cunha AP, Francisco BS. Expressão do conhecimento didático do conteúdo de um professor experimentado de enfermagem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 [cited2015 Jan 02];22(3):804-10. Available from: Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000300029&script=sci_arttext
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Com o Mentoring, o professor novato, em diálogo e reflexão com o professor experimentado, terá o suporte emocional e pedagógico para transformar seu conhecimento de conteúdo e pedagógico geral em maneiras específicas e pedagogicamente aplicadas à característica do estudante, à área do ensino, ao currículo e aos objetivos educacionais, construindo seu CPC.11. See NLC. Mentoring and developing pedagogical content knowledge in beginning teachers. Procedia [Internet]. 2014 [ cited 2014 Mar 20];123:53-62. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.01.1397
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Na docência em Enfermagem, mesmo com formação docente inicial, ao adentrar no trabalho pedagógico, o enfermeiro-professor poderá vivenciar dificuldades, as quais serão mais facilmente superadas, se existir acolhimento e suporte pedagógico. Contudo, são escassos os relatos sobre iniciativas de Mentoring, monitoramento ou acompanhamento do professor novato por professor experimentado.77. Backes VMS, Prado ML, Moya JLM. The construction process of pedagogical knowledge among nursing teachers. Rev Latino-am Enfermagem[Internet]. 2011[ cited2013 Jul 02];19(2):421-8. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692011000200026
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Dessa forma, construiu-se a presente pesquisa com o objetivo de compreender o Mentoring como fonte de conhecimento pedagógico do conteúdo para o professor novato na educação profissional de nível técnico em enfermagem.

Almeja-se que o estudo traga subsídios para ampliar a compreensão sobre a formação docente para essa área e, em extensão, para a Enfermagem e a Saúde, como também suscite reflexões sobre a necessidade da valorização e da problematização da realidade pedagógica como cenário de aprendizagem profissional, algo que é favorecido quando há colaboração entre colegas e iniciativa da gestão institucional.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de caso, com abordagem qualitativa, para buscar a compreensão de fenômenos sociais complexos e obter respostas a questões do tipo “como” e “por que” sobre um conjunto contemporâneo de acontecimentos, preservando as características holísticas e significativas da vida real.99. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre, RS: Bookman; 2005.-1010. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9 ed. São Paulo, SP: Hucitec; 2006. A intencionalidade na escolha do caso norteia toda a construção metodológica, o qual é estudado de forma abrangente e, seguindo a abordagem qualitativa, buscou-se o aprofundamento na compreensão do fenômeno, por meio da convergência das fontes de evidências, a qual foi atingida pela triangulação de técnicas na coleta de dados.99. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre, RS: Bookman; 2005.-1010. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9 ed. São Paulo, SP: Hucitec; 2006.

A pesquisa foi desenvolvida no período de outubro de 2013 a setembro de 2014, em uma escola pública federal de educação profissional em saúde, que é unidade acadêmica de uma universidade federal, situada no nordeste brasileiro. A seleção do caso aconteceu por meio de aplicação de enquete com estudantes dos dois últimos períodos do curso técnico em Enfermagem (25 do quarto semestre e 20 do quinto semestre), que indicaram quem consideravam ser um bom professor e qual o motivo dessa escolha. Da análise dos dados, foi selecionada a professora novata mais citada (até cinco anos de docência), contudo a mesma havia deixado a instituição para fazer doutorado e não pode ser contatada. Dessa forma, seguiu-se seleção da professora de experiência intermediária mais citada (seis a 14 anos de docência), que foi Safira, professora com sete anos de experiência no ensino, a qual foi contatada e aceitou participar da pesquisa, tendo destacado o Mentoring como fonte de conhecimento pedagógico do conteúdo, fenômeno sobre o qual se buscou aprofundar a compreensão.

Também colaboraram com a pesquisa a docente Esmeralda, professora com 40 anos de ensino, e a diretora de ensino da instituição, Pérola, docente há 35 anos e com experiência de dez anos na gestão educacional. Em todas as entrevistas, as participantes da pesquisa fizeram várias referências à docente que foi identificada pelo codinome Rubi, que falecera alguns anos antes da realização da pesquisa, por isso os dados referentes à contribuição da professora foram incluídos na pesquisa, mas não há entrevista com a mesma na composição do estudo.

O estudo respeitou as normas regulamentadoras de pesquisas com seres humanos, conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n. 466/2012, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina. Todos os participantes da pesquisa registraram sua anuência em participar do estudo, assinando Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo o anonimato preservado por meio do estabelecimento de codinomes pela pesquisadora.

Foram implementadas as seguintes atividades de coleta de dados: entrevista individual aberta autobiográfica com Safira, para discutir sobre as fontes de conhecimento, com duração média de uma hora, sucedida por entrevista individual semiestruturada para aprofundar a compreensão sobre o Mentoring e a construção de CPC, com duração média de uma hora; observação não participante, com registro em diário de campo, gravador de voz digital e câmara de vídeo digital, de uma reunião de planejamento da disciplina Semiotécnica em Enfermagem I (duração média de uma hora); entrevista individual semiestruturada com Esmeralda e Pérola com duração média de uma hora, para discutir sobre a experiência de Mentoring vivenciada por Safira. Buscou-se também coletar, em documentos, dados para compreender a história da escola de educação profissional, tendo sido consultado o livro que narra a história da instituição (documento secundário).1111. Gomes CO. Do sonho à realidade: 50 anos da Escola de Enfermagem de Natal. Natal, RN: Editora UFRN; 2006.

Os dados foram organizados e transcritos em editor de texto Microsoft Word e transportados para a ferramenta tecnológica de análise de dados qualitativos Atlas.Ti, versão 7.1.8. A análise tematica1010. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9 ed. São Paulo, SP: Hucitec; 2006. foi implementada concomitante à coleta de dados, constando de uma primeira fase exploratória do material e uma segunda fase interpretativa, que é organizada nas etapas de ordenação dos dados, classificação dos dados, análise final e construção do relatório de pesquisa. Da análise dos dados, emergiram três categorias centrais, sendo apresentados, nesse artigo, os dados da categoria “Mentoring como fonte de conhecimento pedagógico do conteúdo”. A apresentação e discussão dos resultados seguiu a orientação teórica do referencial do CPC, tendo os resultados, também, discutidos com estudos sobre CPC, Mentoring e formação docente.

RESULTADOS

Na presente pesquisa, o Mentoring foi vivenciado como parte das ações do trabalho em equipe na Educação Profissional em Enfermagem, configurando-se como uma ação pessoal com apoio institucional e não um programa de formação docente. Os resultados, aqui apresentados, sintetizam a origem, a relevância e a forma como o Mentoring estimulou a construção do CPC da professora Safira, no período em que era novata na docência.

O aprendizado era nas conversas, em assistir à aula e em fazer junto

O processo de Mentoring foi implementado em uma escola pública federal de Educação Profissional em Saúde, por duas professoras com mais de 15 anos de docência e reconhecida expertise no ensino de Semiotécnica em Enfermagem para o Curso Técnico em Enfermagem, Esmeralda e Rubi. A professora Safira, que recebeu o suporte pedagógico, provinha de uma experiência de 15 anos na área hospitalar e de um ano de docência em Semiologia e Semiotécnica em Enfermagem para o Ensino de Graduação, portanto vivenciava um processo de transição para a docência e para o contexto da Educação Profissional.

Quando questionada sobre como aconteceu o Mentoring, Safira descreveu um intenso processo de convivência e diálogo, no qual as professoras experimentadas, generosamente, compartilharam a sabedoria prática no cotidiano da atividade docente. Oportunidade que foi aproveitada com grande interesse, pois, segundo Safira, só se aprende aquilo que é vivenciado: [...] o aprendizado era nas conversas, era em assistir aula e em fazer junto (Safira) [...] No início, eu sentava e ficava observando, depois, quando eu comecei a me sentir mais preparada, participava (Safira).

O relato de Safira exemplifica a ação de Mentoring desenvolvida na instituição, dentro de um progressivo processo de aprendizado, estando em concordância com a descrição da professora Esmeralda sobre como pensa e executa o acolhimento ao professor novato: [...] gostamos muito de conversar, de apoiar esse professor, e a gente defende que ele não caminhe sozinho [...] que ele estude, que a gente apresente o plano dessa disciplina, então, que ele participe de aulas junto conosco, e quando vai para estágio, que ele fique primeiro com um professor que, realmente, tenha um pouco de experiência [...] E sempre a gente se coloca à disposição para qualquer dúvida [...] Isso é bom, porque em uma disciplina todos tem que ter um norte para que ela caminhe [...] e vários professores substitutos, antes de saírem, vêm conversar com a gente para agradecer pelo aprendizado (Esmeralda).

Depreende-se que essa ação de suporte e acolhimento repercute em estímulo para a construção de conhecimentos sobre o contexto educacional, o currículo e os objetivos da formação, além de favorecer a unidade no trabalho da equipe docente e demonstrar o desempenho pedagógico que respeita a característica dos estudantes e está adaptado ao tipo de conteúdo de ensino.

A diretora de ensino da instituição, Pérola, infere que a ação de acolhimento, desenvolvida pelas professoras experimentadas, foi motivada pela característica pessoal das próprias professoras Esmeralda e Rubi, que sempre tiveram envolvimento com as questões pedagógicas e buscaram formação específica nessa área, mas que também tem relação com a cultura da Escola de integrar o professor novato ao trabalho em equipe. Afirma que, frequentemente, o primeiro acolhimento é realizado pela gestão do ensino e depois é feita a articulação entre o professor novato e o professor mais experiente da disciplina para que o suporte seja implementado, o qual acontece de forma voluntária, não sendo contabilizada na carga horária docente: [...] primeiro, eu apresento o curso, o projeto pedagógico, o plano de curso e o sistema acadêmico eletrônico. [...] Então, digo à professora nova: ‘Olhe, nós temos aqui uma professora, se você quiser ajuda’. A gente oferece, não impõe. Ela responde: ‘Quero demais professora’. Converso com a professora mais antiga e coloco as duas em contato, e o processo se encaminha [...] Então, necessariamente, tem que ser alguém que seja da área e que já domina aquele campo, porque, na verdade, esse docente antigo vai ser um facilitador [...] isso tem sido muito bom porque a gente percebe que facilita muito para o professor, para o aluno, para o campo, e reflete o nosso compromisso com a educação (Pérola).

Identifica-se que o suporte é ofertado de forma individualizada, voluntária e por área específica de ensino, fatores essenciais para o êxito do Mentoring e para construção do CPC enquanto expressão da sabedoria prática no ensino do conteúdo.

Esse processo de Mentoring descrito por Safira pôde, em parte, ser observado durante a coleta de dados na unidade curricular Semiotécnica em Enfermagem I, quando as professoras Esmeralda e Safira iniciavam o acolhimento a uma professora substituta. As anotações em diário de campo da observação não participante e as gravações de áudio têm registrado como a professora novata, desde a reunião de planejamento da disciplina, aceitou com entusiasmo a oferta de apoio e aproveitou as oportunidades de diálogo, troca de materiais, observação de sessões de aulas das duas professoras e partilha de algumas aulas. Esses registros corroboram as falas tanto de Safira, que afirma buscar acolher os novos professores assim como fora acolhida, quanto de Esmeralda e Pérola, que destacam as ações de acolhimento como parte da cultura da instituição e como oportunidade de socialização de conhecimentos e experiências.

Compreende-se, então, que o Mentoring é um processo que favorece o desenvolvimento docente e inspira uma cultura de acolhimento, que se perpetua no trabalho em equipe.

O Mentoring surgiu no trabalho em equipe

Na história da Escola de Educação Profissional, a carência de professores sempre foi uma das problemáticas centrais, conforme foi destacado por Esmeralda e Pérola, tendo também sido descrito no livro que narra a história da instituição.1111. Gomes CO. Do sonho à realidade: 50 anos da Escola de Enfermagem de Natal. Natal, RN: Editora UFRN; 2006. O cenário sofreu importantes mudanças a partir da década de 1990, momento em que houve a conquista da autonomia financeira e de seis vagas para docentes efetivos. No período seguinte, esse corpo docente promoveu a reorganização do curso e da instituição, e quando iniciou a chegada de professores substitutos, contratados por um período de até dois anos, surgiu o processo Mentoring como uma atividade natural de integração ao trabalho em equipe para facilitar o processo de adaptação desse professor e favorecer o desenvolvimento profissional, aliado a outras ações como oficinas pedagógicas e discussões sobre o Plano de Curso: [...] a gente começou a fazer isso quando começou a ter professor substituto, porque eram muitos professores entrando sem conhecer a realidade [...] surgiu naturalmente. Eu me lembro que antes, lá quando éramos um grupo bem pequeno de seis docentes, a gente fez algumas vezes estudo de caso [...] Mas, você estudar junto é uma coisa [...] outra coisa é você estar partilhando, de fato, o seu traquejo em sala de aula e no cenário de prática (Pérola).

O suporte ao professor novato, conferido por professor com experiência no ensino do conteúdo específico, tanto teórico quanto prático, para o Curso Técnico em Enfermagem, buscava facilitar o trabalho e a adaptação do professor novato ao exercício da docência, ao contexto da formação e ao contexto institucional, conhecimentos essenciais para a construção do CPC. Percebe-se que já havia uma cultura de estudar juntos e de socializar os conhecimentos, assim como a premissa de que o crescimento profissional precisa ser coletivo para a qualidade da formação.

A metodologia de ensino desenvolvida na instituição, a forma como o trabalho coletivo é organizado e a preocupação em promover condições de trabalho ao professor novato também foram decisivos na construção do Mentoring: [...] na nossa metodologia, nós temos umas disciplinas em que tem dois professores dentro da sala de aula, ao mesmo tempo. E isso é muito bom, um aprende com o outro, e se isso se dá entre um professor mais antigo e um professor mais novo, imagine a riqueza que é [...] e na Escola a gente que tem um ensino focado na humanização [...] Eu até me emociono em falar isso, porque é muito bom a gente ter condições de trabalho [chora] (Pérola).

É importante explicitar que a admissão na Escola de um professor, seja efetivo ou substituto, conta com a participação do corpo docente desde o processo seletivo, pois, conforme as normas da instituição universitária, os professores efetivos, em suas respectivas áreas, colaboram no estudo de dimensionamento de pessoal para identificar o campo necessário para a contratação de professores, participam da elaboração do programa do concurso e da comissão de seleção. Portanto, a chegada do professor novato é esperada pelo corpo docente, que, então, organiza-se para acolhê-lo.

Caso a Escola seguisse, unicamente, as normativas da estrutura universitária, o suporte, atualmente, seria ofertado apenas ao professor efetivo, dentro do processo de tutoria do estágio probatório, que foi criado anos depois. Dessa forma, o professor substituto não seria contemplado. Porém, como a cultura do Mentoring surgiu antes do estabelecimento da tutoria do estágio probatório, o suporte é ofertado igualmente entre professores efetivos e substitutos, embora a diretora de ensino identifique que, em se tratando do professor efetivo, seria oportuno alinhar as duas ações.

O suporte pedagógico e emocional norteou o desenvolvimento na docência

A professora Safira, que provinha da área hospitalar, com experiência assistencial, gerencial e de educação em saúde e em serviço, afirmou que o Mentoring implementado pelas professoras Esmeralda e Rubi foi essencial suporte para o seu desenvolvimento na docência e estímulo para a transformação do conhecimento de conteúdo em conhecimento pedagógico do conteúdo, pois trazia críticas quanto a sua formação inicial para a docência, vivenciada no Mestrado Acadêmico em Enfermagem, e informava sentir dificuldades com as questões pedagógicas: [...] a ajuda delas foi de uma importância muito grande, porque a parte da Didática, propriamente dita, para dar aula, eu aprendi com elas duas, porque o suporte de conhecimento técnico eu carregava [...]. Então, a partir desse conhecimento técnico [...] a participação delas foi na condução de como transformar aquilo em uma aula [...] como é que você vai ensinar a alguém a fazer isso que você já sabe, já participa na prática [...] retrabalhou e ressignificou, também, a questão da experiência prática transformada em ensino [...]. Então, foi muito a parte de didática, de metodologia, do trato com o aluno, da percepção de aprendizados diferentes [...] foi a partir daí que eu entendi o papel do professor, que não é o de passar conhecimento só, ele é um sujeito de formação (Safira).

O relato descreve o Modelo de Raciocínio e Ação Pedagógicos, vivenciado no início da carreira docente por Safira, que hoje tem sete anos de experiência de ensino, transformando seu conhecimento de conteúdo em conhecimento pedagógico do conteúdo, por meio do suporte pedagógico e emocional que recebeu para construir as demais categorias do conhecimento base para o ensino: Conhecimento Pedagógico Geral, Conhecimento dos alunos, Conhecimento do Currículo, Conhecimento do Contexto Educativo e Conhecimento dos Objetivos Educacionais. Dessa forma, o suporte de duas professoras com formação pedagógica e reconhecida expertise na área de ensino, favoreceu o processo de transição da área hospitalar para a área do ensino na Educação Profissional em Enfermagem, que tem suas especificidades, conforme destacou a diretora de ensino: [...]uma coisa é ser enfermeiro assistencial, outra coisa é ser enfermeiro docente, e ainda mais da Educação Profissional. [...] porque na assistência [...] o enfermeiro acredita que todos já sabem fazer [...] mas, no ensino, é eu aprender a dar assistência, ensinando [...] e também porque tem gente que vem com o pensamento errôneo de que para o nível médio tem que ensinar o mínimo ou quase nada, como se isso fosse fazer distinção entre as categorias Enfermeiro e Técnico [...] não é ensinar o mínimo, é ensinar com qualidade, sabendo das competências do Técnico e do Enfermeiro (Pérola).

O relato de Pérola dialoga com a própria trajetória de desenvolvimento profissional narrada por Safira, pois reconhece que é impossível para a gestão pedagógica estar, diariamente, ao lado de cada professor novato, logo, é por meio dessa iniciativa de diálogo e cooperação que é ofertado o apoio contínuo para a superação dos desafios, configurando-se, outrossim, como uma estratégia para atingir o perfil do egresso e os objetivos educacionais planejados.

DISCUSSÃO

No processo de Mentoring analisado, identifica-se que houve destaque para a vivência de relações dialógicas e de cooperação entre professores, fundamentadas no objetivo de manter a integração no trabalho em equipe, que favoreceram o desenvolvimento profissional docente e a construção de conhecimentos, sendo uma atividade de suporte pedagógico e emocional que expressa a assunção do compromisso com a educação e com a oferta de condições de trabalho para a docência.

Depreende-se que esse cenário foi determinante para a criação e perpetuação da cultura de Mentoring, pois em contextos dessa natureza, o compartilhar de experiências e de conhecimentos torna-se parte da contribuição individual para o crescimento coletivo, com vistas à meta de formação humana que foi assumida por todos. Também, é relevante a iniciativa, na medida em que, para além da construção de um programa de Mentoring, identifica-se que é essencial o professor iniciante ser inserido em uma cultura profissional que o acolha de forma legítima e que valorize a aprendizagem profissional, pois quando esse contexto inexiste, é comum o professor novato informar que não se sentiu apoiado por ninguém, vivenciando a docência como um fazer solitário.11. See NLC. Mentoring and developing pedagogical content knowledge in beginning teachers. Procedia [Internet]. 2014 [ cited 2014 Mar 20];123:53-62. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.01.1397
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O aprendizado estimulado na relação interpessoal é algo intrínseco ao humano, havendo teorias da aprendizagem que defendem que ensinar é impossível, mas que a aprendizagem é inevitável, um processo constante, natural e mútuo, que ocorre na convivência, através da linguagem; para isso, é essencial o desenvolvimento de relações fundamentadas no diálogo, no respeito aos saberes de todos, na solidariedade e no amor, emoção que não é apenas sentimento, mas energia que mobiliza a ação para aceitação do outro em sua inteireza e legitimidade na convivência.1212. Maturana HR. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG; 2005.

Os relatos descreveram a vivência de um aprendizado profissional, que ocorreu dentro da prática pedagógica, fator essencial para o seu êxito, pois é na prática que surgem os desafios pedagógicos, como também é nesse contexto em que o CPC da expertise docente é manifestado, desde o planejamento até a finalização de uma disciplina, como Safira pôde observar na convivência com as professoras experimentadas. Com isso, houve um progressivo desenvolvimento facilitado pelo suporte emocional e pedagógico, com base no diálogo e no estímulo à autonomia e à partilha da expertise docente, estratégia que é recomendada pelos estudos sobre CPC, uma vez que permite ao professor novato construir conhecimentos com um suporte que lhe confere segurança e estimula o seu pensamento crítico.11. See NLC. Mentoring and developing pedagogical content knowledge in beginning teachers. Procedia [Internet]. 2014 [ cited 2014 Mar 20];123:53-62. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.01.1397
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,66. Shulman LS. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harv Educ Rev. 1987;57(1):1-23. Available from: https://doi.org/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411
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,88. Backes VMS, Medina JLM, Prado ML, Menegaz JC, Cunha AP, Francisco BS. Expressão do conhecimento didático do conteúdo de um professor experimentado de enfermagem. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 [cited2015 Jan 02];22(3):804-10. Available from: Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072013000300029&script=sci_arttext
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Também, foi explicitada a assunção de um compromisso ético com a educação, que se traduz em solidariedade e acolhimento, tendo os desafios da prática pedagógica cotidiana problematizados para estimular a reflexão e a construção de novos conhecimentos.1313. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24ed. São Paulo, SP: Paz e Terra; 2002.

Dessa forma, infere-se que, para além do objetivo de profissionalização e instrumentalização técnica, a professora vivenciou uma experiência ética que valorizou o aprender na relação interpessoal de forma contínua, exercitando o diálogo e a cooperação, vivências que podem ser incorporadas à sua formação humana e docente, e à educação dos estudantes. Em outro sentido, depreende-se que o Mentoring repercute na preservação da memória da profissão, pois há um compartilhamento da sabedoria prática, de maneira que as melhores criações podem ser preservadas, superando a amnésia individual e coletiva que existe na docência, pois não é exercida para uma plateia de colegas professores e nem deixa registros de seu fazer.66. Shulman LS. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harv Educ Rev. 1987;57(1):1-23. Available from: https://doi.org/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411
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Discutindo o papel da gestão do ensino, destaca-se que, em um estudo brasileiro sobre CPC na Educação Profissional em Enfermagem, foi identificado que os docentes, que receberam suporte pedagógico da coordenação de curso, valorizaram essa iniciativa e reconheceram sua contribuição para a construção de CPC, enquanto aqueles professores que não tiveram essa oportunidade criticaram o preparo pedagógico do coordenador.1414. Souza DM. Preparo do enfermeiro para a docência na Educação Profissional Técnica de Nível Médio sob a ótica de Lee Shulman [dissertação]. [Florianópolis, SC]: Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2013. 164 p. Dessa forma, reafirma-se o papel do gestor educacional em fomentar iniciativa de apoio pedagógico e envolver o corpo docente nesse processo, pois a ação de Mentoring, que não conta com pró-atividade da gestão, dependendo, unicamente, da iniciativa pessoal de professores com maior experiência, pode estar fadada ao fracasso.

Em estudo desenvolvido na Malásia, verificou-se que o Mentoring, realizado de forma individualizada e no mesmo local de trabalho, teve uma significativa relação com a construção do CPC, tendo maior influência, respectivamente, sobre o Conhecimento do Contexto, Conhecimento Pedagógico Geral e o Conhecimento do Conteúdo, que foram os três domínios do CPC analisados de 146 professores iniciantes e 90 professores mentores.11. See NLC. Mentoring and developing pedagogical content knowledge in beginning teachers. Procedia [Internet]. 2014 [ cited 2014 Mar 20];123:53-62. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.01.1397
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Pesquisas sobre Mentoring demonstram que o investimento no desenvolvimento profissional docente tem reflexos na satisfação no trabalho, na melhoria do desempenho profissional e na aprendizagem estudantil, fazendo com que a instituição atue sobre um dos fatores mais decisivos para o êxito estudantil, que é o desempenho docente, sendo outro importante fator a bagagem cultural e o conjunto de competências e habilidades que os estudantes possuem, os quais, sendo valorizados, potencializarão o desempenho acadêmico.11. See NLC. Mentoring and developing pedagogical content knowledge in beginning teachers. Procedia [Internet]. 2014 [ cited 2014 Mar 20];123:53-62. Available from: Available from: https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2014.01.1397
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-33. Cangelosi PR. Novice nurse faculty: in search of a mentor. Nurs Educ Perspect [Internet]. 2014 Sep-Oct [ cited 2015 Dec 06];35(5):327-9. Available from: Available from: https://doi.org/10.5480/13-1224
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Enfocando o Modelo de Raciocínio e Ação Pedagógicos do referencial do CPC, reitera-se que a prática docente competente exige que o professor construa uma diversidade de conhecimentos e desenvolva-se continuamente para favorecer o aprendizado estudantil.66. Shulman LS. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harv Educ Rev. 1987;57(1):1-23. Available from: https://doi.org/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411
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Dessa forma, com o objetivo de ajudar o estudante a aprender, o professor irá mobilizar e integrar, de forma sinérgica e dinâmica, as categorias do Conhecimento Base para o Ensino para transformá-los em uma forma especial de compreensão profissional, que é o CPC.66. Shulman LS. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harv Educ Rev. 1987;57(1):1-23. Available from: https://doi.org/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411
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Nesse sentido, destaca-se dos relatos de Safira que, quando o professor inicia o trabalho pedagógico, a sua base de conhecimento para o ensino é composta, principalmente, pelo conhecimento do conteúdo e, caso tenha realizado uma formação docente inicial, possuirá conhecimento pedagógico geral sobre a gestão e manejo da sala de aula. Relacionando esse processo de desenvolvimento com o Mentoring, espera-se que, com base em diversas fontes, sendo uma delas a oportunidade mediada pelo contexto institucional e pela relação interpessoal, haja a construção das demais categorias do Conhecimento Base para o ensino, destacando-se que, por meio do Mentoring, o docente terá ajuda para compreender como se organizam os temas e as questões da área disciplinar e construir as melhores estratégias para o ensino, respeitando interesses e capacidades dos estudantes, tornando cada vez mais específico e diversificado seu CPC, sendo a base sobre a qual irá desenvolver a expertise.66. Shulman LS. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harv Educ Rev. 1987;57(1):1-23. Available from: https://doi.org/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411
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,1515. Turner-Bisset R. Expert teaching: knowledge and pedagogy to lead the profession. New York, US: Routledge; 2012.

Na experiência da enfermeira-professora Safira, proveniente de uma carreira de 15 anos na área hospitalar, verificou-se uma postura consciente e crítica sobre o seu inacabamento e uma curiosidade epistemológica sobre a prática profissional das professoras experimentadas e experts na área de ensino, buscando, com humildade, aprender sobre essa prática.1313. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24ed. São Paulo, SP: Paz e Terra; 2002. Portanto, demonstrou reconhecer que a docência exige competência específicas que vão além das competências do cuidado em saúde.22. Grassley JS, Lambe A. Easing the transition from clinician to nurse educator: an integrative literature review. J Nurs Educ [Internet]. 2015Jul [ cited 2015 Dec 06];54(7):361-6. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.3928/01484834-20150617-01
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,1616. Reibnitz KS, Prado ML. Inovação e educação em enfermagem. Florianópolis, SC: Cidade Futura; 2006.-1717. Lazzari DD, Silva GG, Espíndola SD, Martini JG, Backes VMS, Busana JA. Formação inicial de professores na Enfermagem, Fisioterapia e Odontologia. Saúde Transf Social [Internet]. 2015 [cited 2016 Dec 02];6(3):118-28. Available from: Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=265345667013 .
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Assim, exerceu a consciência crítica, observando e refletindo sobre as melhores práticas pedagógicas e, continuamente, construindo a própria compreensão profissional sobre a docência em Semiotécnica em Enfermagem para o Curso Técnico, percorrendo o caminho que distingue o conhecimento docente do conhecimento do especialista no conteúdo e do pedagogo.66. Shulman LS. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harv Educ Rev. 1987;57(1):1-23. Available from: https://doi.org/10.17763/haer.57.1.j463w79r56455411
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Com base nesses achados, verifica-se a relevância do Mentoring não apenas para o professor novato mas, especificamente, para favorecer a transição da clínica para a docência, trajetória que é comum na área da saúde, gerando, muitas vezes, o sentimento de desconforto até em experientes profissionais da área clínica, por se sentirem novatos, novamente, possuírem incertezas sobre como aprender a ensinar e medo de falhar em seu novo papel.22. Grassley JS, Lambe A. Easing the transition from clinician to nurse educator: an integrative literature review. J Nurs Educ [Internet]. 2015Jul [ cited 2015 Dec 06];54(7):361-6. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.3928/01484834-20150617-01
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,1717. Lazzari DD, Silva GG, Espíndola SD, Martini JG, Backes VMS, Busana JA. Formação inicial de professores na Enfermagem, Fisioterapia e Odontologia. Saúde Transf Social [Internet]. 2015 [cited 2016 Dec 02];6(3):118-28. Available from: Available from: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=265345667013 .
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Infere-se, por fim, que o aprendizado estimulado na convivência foi desenvolvido de forma mútua, entre a professora novata e as professoras experimentadas, tendo contribuído para a transformação da prática pedagógica e colaborado para o crescimento da integração disciplinar.

CONCLUSÃO

Os dados da pesquisa sobre Mentoring como fonte de CPC permitiram compreender um processo com raízes na história da própria instituição, que vem sendo desenvolvido como uma prática individual, a qual está fundamentada em uma cultura institucional de acolhimento e de oferta de condições de trabalho, contando com a colaboração comprometida e solidária de professoras com experiência e expertise na área de ensino, como, também, da gestão da instituição.

O Mentoring configurou-se como uma iniciativa de colaboração que tem repercussões na integração do trabalho pedagógico, na formação docente e na qualidade do ensino, algo que é almejado pelas professoras e pela gestão, e que repercute diretamente na aprendizagem estudantil.

O acompanhamento individualizado, realizado na disciplina específica, com a participação de professoras experimentadas e experts no ensino do conteúdo, contribuiu, decisivamente, para a construção das categorias de Conhecimento Base para o ensino em Enfermagem no período inicial da carreira docente. O processo de construção do CPC aconteceu na realidade do trabalho docente, por meio de diálogo, observação da expressão da sabedoria prática das professoras experimentadas e partilha do fazer pedagógico. Dessa forma, o Mentoring configurou-se como uma rica fonte de conhecimento pedagógico do conteúdo.

Nesse sentido, afirma-se que tais características tornaram-se decisivas para o êxito da ação de colaboração, inferindo-se que outros docentes, na mesma instituição, podem não vivenciar experiência semelhante, tendo em vista a individualidade e especificidade do processo de interação, sendo também relevante considerar que o estímulo ao desenvolvimento poderá ser afetado, em outros contextos, caso a ação de Mentoring seja desenvolvida com o caráter fiscalizador e não pedagógico e colaborativo.

A participação da gestão do ensino foi destacada, tanto pelo apoio à iniciativa, quanto pela ação de articulação entre os docentes para favorecer a realização do suporte pedagógico e emocional.

É importante explicitar que a partilha de conhecimentos e acompanhamento do professor novato por professor experimentado não substituem a formação pedagógica inicial e o aprofundamento no conhecimento do conteúdo da área de ensino, contudo, certamente colaboram para a construção de conhecimentos sobre o cenário educativo, o currículo, os objetivos educacionais e as características dos estudantes, de forma a favorecer a construção de ações pedagógicas mais efetivas para a aprendizagem estudantil. Com isso, almeja-se que os resultados do estudo suscitem reflexões sobre o potencial de aprendizagem que existe na realidade do trabalho pedagógico e no compartilhamento de conhecimentos entre docentes, de forma que esses processos possam ser valorizados e estimulados no cenário pedagógico e que haja uma decisiva participação da gestão do ensino no fomento de iniciativas semelhantes.

A restrita produção da Enfermagem no cenário internacional e ausência de estudos anteriores na Enfermagem brasileira sobre o Mentoring como fonte de CPC, tanto na Educação Profissional, quanto no Ensino Superior, dificultaram a discussão dos resultados da pesquisa com outras experiências, sendo essa uma das limitações da pesquisa, como também a sua contribuição para a inovação nos estudos na área. Dessa forma, para a discussão dos resultados do estudo, foi necessário buscar dados em outras áreas do ensino, que corroboraram os achados da presente pesquisa, contudo, defende-se que novos estudos sejam implementados sobre a temática, tanto na Educação Profissional, quanto no Ensino Superior.

Para concluir, quanto aos aspectos teóricos e metodológicos do estudo, destaca-se que a triangulação nas fontes de dados da pesquisa, que é uma necessidade em Estudos de Caso, indicou a pertinência na descrição da origem, motivação e implementação do Mentoring, tendo sido coletados relatos que dialogaram entre si e permitiram uma compreensão mais detalhada da experiência. O referencial teórico do CPC colaborou para a compreensão da especificidade do fazer docente e do conhecimento necessário para a prática pedagógica do bom professor de Enfermagem, tendo sido explicitado o Modelo de Raciocínio e Ação Pedagógicos que o professor novato vivencia para a construção de sua sabedoria prática docente.

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  • ORIGEM DO ARTIGO
    Artigo extraído da tese - Conhecimento Pedagógico do Conteúdo de docentes da Educação Profissional de Nível Técnico em Enfermagem, que integra o macroprojeto “O conhecimento profissional do docente da área da saúde: processos de construção e transferência para a prática docente”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria com o grupo Formación Docente y Inovación Pedagógica, da Universidad de Barcelona, em 2015.
  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
    Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, protocolo n. 412.492, CAAE n. 20735213.8.0000.0121.
  • CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM
    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2016
  • Aceito
    03 Fev 2017
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