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ASPECTOS COMPORTAMENTAIS E INFRACIONAIS DE ADOLESCENTES FEMININAS EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

RESUMO

Objetivo:

analisar aspectos comportamentais e infracionais de 26 adolescentes femininas em privação de liberdade.

Método:

estudo misto, descritivo, do tipo sequencial explanatório, realizado em um centro educacional no Nordeste do Brasil. Aplicou-se questionário contemplando variáveis sociodemográficas; ginecológico/obstétricas; comportamentais e referentes a infração e internação institucional. Para a análise dos dados utilizou-se o Statistical Package for the Social Sciences versão 23.0, realizando-se análise descritiva, distribuição de frequência para as variáveis categóricas e cálculo de medidas de tendência central para as variáveis numéricas. Na etapa qualitativa, coletou-se os dados por meio de entrevista em profundidade, visando interpretar variáveis da análise quantitativa. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, os dados codificados e agrupados em temas. Procedeu-se a pré-análise, exploração do material coletado, tratamento dos resultados e interpretação. Recorreu-se à análise temática, visando identificar os núcleos de sentido que compõem a comunicação, cuja presença ou frequência tenham algum significado para o objeto estudado.

Resultados:

a idade variou de 12 a 18 anos e frequentavam a escola 26,9%. Os atos infracionais mais frequentes foram roubo (61,5%) e homicídio (19,2%). Relataram uso de álcool e drogas ilícitas, 53,8% e 46,2%, respectivamente. Todas referiram vida sexual ativa e 96,2% mais de um parceiro sexual na vida. Sete já haviam engravidado e, destas, quatro provocaram aborto. Seis (23,1%) se declararam bissexuais e cinco (19,2%) homossexuais. As adolescentes referiram necessidade de relações homossexuais no local de detenção, em virtude da proibição de visitas íntimas.

Conclusão:

as adolescentes que vivem em privação de liberdade apresentam alta vulnerabilidade social.

DESCRITORES:
Adolescência; Adolescente; Vulnerabilidade social; Prisões; Delinquência juvenil

ABSTRACT

Objective:

to analyze the behavior and infractional acts of 26 female adolescents.

Method:

a descriptive, sequential explanatory, mixed study, conducted in an educational center in Northeastern Brazil. A questionnaire was applied including sociodemographic; gynecological/obstetric; behavioral variables as well as variables referring to infractions and institutional incarceration. The Statistical Package for Social Sciences version 23.0 was used for data analysis, descriptive analysis, frequency distribution for categorical variables and calculation of measures of central tendency for numerical variables. In the qualitative stage, data were collected through in-depth interviews, which aimed to interpret quantitative analysis variables. The interviews were recorded and transcribed in full, the data were coded and grouped into themes. Pre-analysis, exploration of the collected material, treatment of the results and interpretation were performed. Thematic analysis was used to identify the core meaning that makes up the communication, whose presence or frequency have some meaning for the object studied.

Results:

the age ranged from 12 to 18 years and 26.9% attended school. The most frequent offenses were theft (61.5%) and homicide (19.2%). The use of alcohol and illicit drugs, was reported as 53.8% and 46.2%, respectively. All reported being sexually active and 96.2% had had more than one sexual partner in their lives. Seven had already become pregnant, and four of these decided to have abortions. Six (23.1%) declared themselves as bisexual and five (19.2%) as homosexuals. The adolescents mentioned the need for homosexual relations at the place of detention, due to the prohibition of conjugal visits.

Conclusion:

adolescents who are deprivation of liberty have high social vulnerability.

DESCRIPTORS:
Adolescence; Adolescent; Social vulnerability; Prisons; Juvenile delinquency

RESUMEN

Objetivo:

analizar los aspectos de comportamiento e infracción de 26 mujeres adolescentes en privación de libertad.

Método:

estudio descriptivo, secuencial, explicativo, mixto, realizado en un centro educativo en el nordeste de Brasil. Se aplicó una encuesta que incluía variables sociodemográficas; ginecológica / obstétrica; comportamentales y referentes a infracción y hospitalización institucional. Para el análisis de datos se utilizó el Statistical Package for the Social Sciences versión 23.0 Se realizó un análisis descriptivo, distribución de frecuencias para las variables categóricas y cálculo de medidas de tendencia central para variables numéricas. En la etapa cualitativa, los datos fueron recolectados por medio de entrevistas en profundidad, con el objetivo de interpretar las variables de análisis cuantitativo. Las entrevistas fueron grabadas y transcriptas en su totalidad, los datos codificados y agrupados en temas. Procedió un pré análisis, exploración del material recogido, tratamiento de los resultados e interpretación. El análisis temático se utilizó para identificar los núcleos de sensoriales que componen la comunicación, cuya presencia o frecuencia tienen algún significado para el objeto estudiado.

Resultados:

la edad varió de 12 a 18 años y asistian a la escuela 26.9%. Los delitos más frecuentes fueron el robo (61.5%) y el homicidio (19.2%). Han informado uso de alcohol y drogas ilícitas, 53.8% y 46.2%, respectivamente. Todas reportan vida sexual activa y 96.2% más de una pareja sexual en la vida. Siete ya habían quedado embarazadas, y de estas, cuatro provocaron el aborto. Seis (23.1%) se declararon bisexuales y cinco (19.2%) homosexuales. Las adolescentes mencionaron la necesidad de relaciones homosexuales en el lugar de detención, debido a la prohibición de visitas íntimas.

Conclusión:

las adolescentes que viven en privación de libertad tienen una alta vulnerabilidad social.

DESCRIPTORES:
Adolescencia; Adolescente; Vulnerabilidad social; Prisiones; Delincuencia juvenil

INTRODUÇÃO

A adolescência é uma fase de transição da infância para a vida adulta,11. A, Knobel M. Adolescência normal. Porto Alegre, RS(BR): Artmed, 2003. quando ocorrem mudanças no crescimento e desenvolvimento físico, psicológico, social, espiritual e sexual dos jovens. É uma época considerada crítica, pois os adolescentes são desafiados a formar a própria opinião e a identidade, o que os conduz a se afastarem da família, valorizando mais os amigos.22. Garcia C. Conceptualization and measurement of coping during adolescence: a review of the literature. J Nurs Scholarsh [Internet]. 2010 June [cited 2017 Nov 15]; 42(2):166-85. Available from: https://dx.doi.org/10.1111/j.1547-5069.2009.01327.x
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No Brasil, de 1996 a 2014, o número de jovens de 12 a 17 anos que foram apreendidos pela prática de crimes aumentou em quase seis vezes, passando de 4.245 para 24.628.33. Lima RS, Bueno S, coordenadores. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2017. São Paulo, SP(BR): Fórum Brasileiro de Segurança Pública [Internet]. 2017 [cited em 2018 Nov 04]. Available from: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/01/ANUARIO_11_2017.pdf
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no ano de 2015, um total de 26.209 adolescentes se encontrava em regime de restrição e privação de liberdade, sendo 18.381 em medida de internação (68%), 2.348 em regime de semiliberdade (9%) e 5.480 em internação provisória (20%).44. Ministério dos Direitos Humanos (BR). Levantamento Anual SINASE 2016. Brasília, DF(Brasil): MDH [Internet]. 2018 [cited 2019 Jan 23]. Available from: https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/marco/Levantamento_2016Final.pdf
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Vale ressaltar que não há relação direta entre adolescência e violência. O envolvimento em atos violentos está imerso em contextos individuais, relacionais, comunitários e sociais que interagem de modo complexo e necessita ser compreendido em maior profundidade.55. Moreira DP, Vieira LJES, Pordeus AMJ, Lira SVG, Luna GLM, Silva JG et al. Exposição à violência entre adolescentes de uma comunidade de baixa renda no Nordeste do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 May [cited 2019 Feb 14];18(5): 1273-1282. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000500012
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Esses jovens, por motivos diversos, se envolvem em situações de conflito com a lei e precisam cumprir medidas socioeducativas, cuja finalidade é pedagógica, em decorrência da fase característica de desenvolvimento que experimenta.66. Brasil. Estatuto da criança e do adolescente - Lei n. 8.069/1990. Brasília, DF(BR): Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, [Internet] 2017 [cited 2019 May 12]. Available from: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/534718/eca_1ed.pdf
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Nos últimos anos, observa-se o aumento de adolescentes do sexo feminino em práticas criminosas.77. Waiselfisz JJ. Mapa da violência: homicídios por armas de fogo. Brasília, DF(BR): Ministério da Justiça e Cidadania, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); Secretaria de Governo da Presidência da República, Secretaria Nacional de Juventude (SNJ); Flacso Brasil [Internet]. 2016 [cited 2018 Dec 12]. Available from: https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf
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As adolescentes em conflito com a lei são encaminhadas para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), onde são instaurados inquéritos e, posteriormente, são conduzidas ao Centro Educacional, onde aguardam julgamento. Apurada a prática de ato infracional, poderão ser aplicadas sanções, sob a forma de medidas socioeducativas em meio aberto (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida), ou medidas socioeducativas em meio fechado (inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento educacional, internação provisória).66. Brasil. Estatuto da criança e do adolescente - Lei n. 8.069/1990. Brasília, DF(BR): Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, [Internet] 2017 [cited 2019 May 12]. Available from: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/534718/eca_1ed.pdf
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No Ceará, o Centro Educacional atende, em regime de semiliberdade, internação e internação provisória, adolescentes do sexo feminino que cometeram ato infracional. As atividades pedagógicas oferecidas pela instituição abrangem a Educação de Jovens e Adultos (EJA I, II e III), oficinas de artes, música, dança, cursos de costura e artesanatos, atividades lúdicas, esportivas, culturais e religiosas. Essas práticas têm por objetivo promover um processo de ressocialização social e familiar após o cumprimento da medida socioeducativa e minimizar a ociosidade durante o período de internação.

Considerando os aspectos retrocitados, este estudo tem por objetivo analisar os aspectos comportamentais e infracionais de adolescentes femininas que vivem em privação de liberdade. Configura um tema pertinente, considerando-se que poderá contribuir para promover medidas de saúde e assistência integral, com ênfase na promoção à saúde, nesses ambientes.

MÉTODO

Trata-se de um estudo misto, descritivo, do tipo sequencial explanatório,88. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo, SP(BR): HUCITEC; 2014. realizado no único serviço socioeducativo para adolescentes femininas em conflito com a lei do Estado do Ceará, Nordeste do Brasil. Esse serviço é composto por equipe multiprofissional e vinculado ao Juizado da Infância e da Juventude, ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à DPCA e à Secretaria Estadual do Trabalho e Desenvolvimento Social.

A estrutura física dispõe de salas para reuniões e cursos, além de espaços para atendimentos de Enfermagem, pedagógico, psicológico, de Serviço Social, jurídico e administrativo. Os dormitórios têm capacidade para abrigar seis adolescentes e são fechados por grades, assemelhando-se a uma prisão. Para as adolescentes residentes em Fortaleza, as visitas dos membros familiares ocorrem nos dias e horários definidos pelo Serviço Social. Para aquelas residentes nos demais municípios, os componentes das famílias podem permanecer no Centro durante todo o dia da visita.

O Centro Educacional tem capacidade para abrigar 42 adolescentes e, na ocasião desta pesquisa, estava com 31. Participaram do estudo 26 meninas que ali se achavam de agosto a novembro de 2016. Uma se recusou e, também, não foi possível aplicar o questionário a outras quatro que participavam de atividades escolares em tempo integral.

Inicialmente, foram realizadas visitas à Instituição para a aproximação da pesquisadora ao campo, quando foi mostrado o projeto de pesquisa. Na ocasião, também, solicitou-se realizar o ensaio, bem como foram agendados os dias e horários para a coleta de dados. Recebeu-se autorização para adentrar o Centro durante dois dias na semana, no turno da tarde, com a justificativa de que não seria possível em outros dias e horários, em virtude da dinâmica de atividades da Instituição.

Para a coleta de dados quantitativos, aplicou-se um questionário com variáveis sociodemográficas (município de residência, idade, estado civil, escolaridade, se frequenta a escola, raça/cor, religião, se é partícipe de ações religiosas, renda pessoal); ginecológico/obstétricas (idade da menarca, número de gestações, se fez pré-natal, número de filhos vivos, se foi atendida na unidade primária de saúde, se fez prevenção do câncer ginecológico, data da última prevenção, se tomou vacina para HPV); comportamentais (início da vida sexual, parcerias sexuais, conhece e utiliza método contraceptivo, se teve corrimento vaginal e usa drogas lícitas e ilícitas); e variáveis referentes a infração e internação na Instituição (motivo da internação, número de entradas, tipo de sentença, tempo que se encontra no Centro, participação em atividades educacionais e visitas familiares).

Para estudos mistos, do tipo sequencial explanatório, a coleta de dados quantitativos é realizada em acompanhamento com a qualitativa99. Creswell JW, Vicki L, Plano C. Pesquisa de métodos mistos. 2th ed. Porto Alegre, RS(BR): Penso, 2013. e a análise segue por meio da interpretação desses dados. Os dados quantitativos foram digitalizados utilizando o SPSS versão 23.0. Foi realizada a análise descritiva, com distribuição de frequência para as variáveis categóricas, bem como se procedeu ao cálculo de medidas de tendência central para as variáveis numéricas.

Para a etapa qualitativa, a coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista em profundidade que contemplava questões abertas, visando interpretar achados da análise quantitativa. As perguntas estavam relacionadas ao comportamento das adolescentes durante a permanência no Centro Educacional. Para esta etapa, todas as adolescentes foram convidadas e quatro aceitaram participar. As entrevistas foram realizadas em um espaço privativo, cedido pela instituição e, na ocasião, se mantinha atitude respeitosa e de abertura, para que elas ficassem à vontade para discorrer sobre os pontos abordados.

As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Inicialmente os dados foram codificados e agrupados em temas, quando foram realizadas pré-análise, exploração do material coletado, tratamento dos resultados e interpretação. Recorreu-se à análise temática visando identificar os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência tenham algum significado para o objeto estudado.88. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14th ed. São Paulo, SP(BR): HUCITEC; 2014.

Uma vez respeitados os preceitos éticos legais das pesquisas envolvendo seres humanos, foram assinados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Assentimento. Todas as participantes foram informadas sobre a possibilidade da desistência, em qualquer momento do estudo, se assim quisessem. Para garantir a privacidade das informações, as adolescentes entrevistadas foram identificadas no texto por A1, A2, A3, A4.

RESULTADOS

A Tabela 1, apresenta os dados sociodemográficos das adolescentes. A maioria era procedente da cidade de Fortaleza [16 (61,5%)]; 20 (77,0%) tinham de 15 a 18 anos; 20 (77,0%) eram solteiras; três (11,5%) tinham renda pessoal; 18 (69,2%) contavam de sete e nove anos de estudo; e sete (26,9%) frequentavam regularmente a escola antes da admissão ao Centro Educacional. Referiram ter religião 16 (71,7%), destas, 11 (42,3%) frequentavam ações religiosas.

Tabela 1 -
Variáveis sociodemográficas de adolescentes femininas em privação de liberdade. Fortaleza, CE, Brasil, 2016. (=26)

Na Tabela 2 constam as variáveis ginecológico/obstétricas e de assistência à saúde das adolescentes. Dezessete (65,4%) meninas tinham média de idade de 12 anos, quando ocorreu a menarca. Sete (26,9%) referiram ter engravidado pelo menos uma vez e todas elas tinham tido um aborto (quatro espontâneos e três provocados).

Já abortei, foi em casa, provocado. Tomei um remédio que a pessoa aborta. Esqueci o nome. É que tô aqui dentro e tô ficando doida (A1).

Para três (42,9%) houve recorrência da gestação, destas, duas frequentaram o pré-natal. Das três que seguiram o curso da gestação, todos os filhos estavam vivos; um sob os cuidados da mãe, outro do companheiro e outro de uma amiga.

Não fiz pré-natal, minha mãe me levou ao posto, mas eu não fiz porque não quis. O posto nunca me procurou (A1).

No que se refere à assistência à saúde, 21 (80,8%) afirmaram já haver recebido algum tipo de atendimento na unidade primária de saúde do seu bairro e 13 (50,0%) haviam procurado esses serviços para realizar a prevenção do câncer ginecológico. Para oito (61,5%), o último exame tinha ocorrido há mais de um ano. Catorze (63,8%) tinham registro na carteira de vacinação da imunização contra o HPV e algumas não haviam sido informadas acerca do procedimento.

Já fui ao posto fazer prevenção pra saber se a pessoa tem alguma coisa, se tá tudo bem por dentro, doenças, inflamação (A2).

Fui ao posto uma vez, a mãe do meu namorado me levou para fazer prevenção (A3).

Tomei uma vacina, mas não sei pra que serve; nunca me disseram nada (A2).

Tabela 2 -
Variáveis ginecológico-obstétricas e de assistência à saúde das adolescentes em privação de liberdade. Fortaleza, CE, Brasil, 2016. (N=26)

As 26 adolescentes tinham vida sexual ativa, cujo início ocorreu na faixa etária de 11 a 16 anos (média de 13 anos). Quinze (57,7%) referiram relação sexual somente com homens, cinco (19,2%) somente com mulheres e seis (23,1%) com homens e mulheres (Tabela 3).

Tabela 3 -
Variáveis comportamentais das adolescentes em privação de liberdade. Fortaleza, CE, Brasil, 2016. (n=26)

Conforme os depoimentos, percebe-se que as jovens tentavam justificar a necessidade de se relacionar sexualmente no interior do Centro Educacional.

Ficar com mulher só transo aqui, lá fora não. Gosto mais de menino (A2).

Deixei um namorado lá fora. Namoro meninos, menina só aqui. Acho ruim aqui não ter visita do namorado. Era bom nosso namorado vir visitar, nada demais (A2).

A primeira mulher que fiquei foi aqui, é mais para o tempo passar mais rápido (A4).

Na ocasião da coleta de dados 15 (57,7%) tinham parceiro; destas, 11 (73,3%) tinham parceiro fixo. Quase que a totalidade, 25 (96,2%), tinha tido mais de um(a) parceiro(a) sexual e 14 (53,8%) mais de dez parceiros. Vale destacar que a instituição não autoriza visita íntima, o que para as meninas poderia melhorar em relação a necessidade sexual. Conheciam algum método contraceptivo 25 (96,2%), 10 (38,5%) faziam uso de anticoncepcional oral. O uso do preservativo foi relatado em situações esporádicas.

É de lei ter duas pessoas (ao mesmo tempo) (A1).

Não me previno, tenho relação sexual às vezes, só com uma pessoa. Quando estou com duas pessoas, não uso com o “ficante” mais sério, mas com o outro eu uso camisinha. Com pessoas que mal conheço, dou um tempo, vou ficando e só depois eu transo (A3).

Acho péssimo não ter visita íntima, se tivesse melhoraria muitas coisas, ave Maria, fazer sexo (A1).

Tomo remédio, que protege de filho e sei que a camisinha (protege) de pegar doenças, HIV, aids, câncer. Às vezes uso camisinha, mas ele pede pra ser sem, mas quero evitar essas coisas de filho e doenças, né, sei que tem que usar, porque sou muito nova (A4).

Relataram corrimento vaginal 16 (61,5%) participantes; e fazer uso de álcool e drogas ilícitas 14 (53,8%) e 23 (88,5%), respectivamente. Dentre as que usavam drogas, a maconha foi a mais frequente, seguida de cocaína inalada, anfetaminas, crack, mesclado e cocaína injetável. Todas tinham tatuagem.

A Tabela 4 mostra as variáveis referentes a infração e internação das adolescentes no Centro Educacional. A internação ocorreu por causa de roubo para 16 (61,5%); cinco (19,2%) por homicídio, duas (7,7%) por tráfico de drogas, duas (7,7%) por latrocínio e uma (3,8%) por tráfico e roubo.

Estou aqui porque cometi o 157 (roubo), mas não ligo não; é besteira (A1).

Tinham mais de uma entrada no Centro 12 (46,2%) meninas. O tempo de permanência na instituição variou de cinco a 180 dias e todas frequentavam o EJA. A maioria 16 (61,5%) recebe visita da família, que ocorre semanalmente para 12 (75,0%). No que se refere ao tipo de sentença, 14 (53,8%) estavam em regime de liberdade assistida e nove (34,6%) em internação.

Sinto falta da minha mãe e do meu filho (A1).

É ruim tá aqui, ficar longe da família é muito ruim (A2).

Sinto falta da família, dos meus irmãos e de uma pessoa que tava aqui e agora tá lá fora. Gostei muito dela, mas foi só aqui, não quero dar desgosto a minha mãe (A3).

Tabela 4 -
Variáveis referentes a infração e internação das adolescentes em privação de liberdade. Fortaleza, CE, Brasil, 2016. (N=26)

DISCUSSÃO

São muitos os fatores que podem contribuir para que adolescentes fiquem vulneráveis e cometam infrações, destacando-se a desestrutura familiar, baixa condição socioeconômica, convivência com o mundo da criminalidade, além de casos de abandono.1010. Castro AMFM, Teodoro MLM. Relações familiares de adolescentes cumprindo medida socioeducativa restritiva de liberdade: uma revisão narrativa da literatura. Temas Psicol [Internet] 2014 Apr [cited 2019 Jan 16]; 22(1):1-12. Available from: https://dx.doi.org/10.9788/TP2014.1-01
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Neste estudo, uma baixa proporção referiu frequentar a escola antes de entrar no Centro Educacional, fato esse que pode ser reflexo do fracasso do poder público em manter o direito fundamental à educação inclusiva e de qualidade.55. Moreira DP, Vieira LJES, Pordeus AMJ, Lira SVG, Luna GLM, Silva JG et al. Exposição à violência entre adolescentes de uma comunidade de baixa renda no Nordeste do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 May [cited 2019 Feb 14];18(5): 1273-1282. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000500012
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É possível, também, que essas adolescentes sintam dificuldades de adaptação, considerando que a escola não é atraente e que elas podem não conseguir conviver com os limites impostos nesse ambiente. A falta de escolas atraentes contribui para o baixo rendimento, desinteresse pelos estudos e evasão, além de levar os jovens a procurarem alguma atividade que enseje rentabilidade para obter bens materiais pretendidos.1111. Haguette A, Pessoa MKM, Vidal EM. Dez escolas, dois padrões de qualidade. Uma pesquisa em dez escolas públicas de Ensino Médio do Estado do Ceará. Ensaio: Aval Pol Públ Educ [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 12];24(92):609-36. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-40362016000300005
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O contexto social, marcado por limitações, fuga de problemas pessoais e familiares, pode aumentar a vulnerabilidade, favorecendo o fácil ingresso ao mundo das drogas e ao sexo sem proteção.1212. Chimeli IV, Nogueira MJ, Pimenta DN, Schall VT. A abstração do risco e a concretude dos sujeitos: uma reflexão sobre os comportamentos de risco no contexto da adolescência. Physis[internet]. 2016 June [cited 2018 June 11]; 26(2):399-415. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312016000200004
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Tais aspectos podem produzir conflitos importantes e de superação difícil na fase adulta. No caso específico de meninas em privação de liberdade, o meio social, cultural, educacional, bem como, a falta de acesso a atividades extracurriculares e de espaços de lazer na comunidade, podem favorecer o envolvimento com atos de infração, uma vez que as privam de acesso aos meios necessários para o desenvolvimento pessoal e intelectual. A participação em atividades comunitárias pode favorecer a melhoria da saúde e das metas para o desenvolvimento das pessoas.1313. Marston C, Hinton R, Kean S, Baral S, Ahuja A, Costello A, et al. Community participation for transformative action on women’s, children’s and adolescents’ health. Bulletin of the World Health Oragnization [Internet]. 2016 May [cited 2018 Feb 12];94(5):376-82. Available from: http://dx.doi.org/10.2471/BLT.15.168492 377
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Um aspecto que chama a atenção, e parece contraditório neste estudo, foi o fato de que muitas adolescentes referiram ter religião e participar das atividades da igreja. Estudos mostram que as atividades religiosas podem desempenhar papel importante no comportamento dos adolescentes e que aqueles que frequentam um credo com assiduidade têm menor probabilidade de fazer uso de drogas, álcool e de se envolver com a criminalidade.1414. Henriques BD, Rocha RL, Reinaldo AMS. Use of crack and other drugs among children and adolescents and its impact on the family environment: an integrative literature review. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2016 [cited 2019 Mar 11];25(3):e1100015. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072016001100015
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É provável que, nesse caso específico, a aproximação com as atividades religiosas já tenha ocorrido dentro do ambiente institucional, após o encarceramento.

Por se considerarem imunes a situações adversas, os jovens tendem a se expor mais a situações de vulnerabilidade, destacando-se a iniciação sexual precoce, normalmente sem o uso do preservativo.1515. Taquette SR, Rodrigues AO, Bortolotti LR. HIV infection in male adolescents: a qualitative study. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015 Jul [cited 2019 Feb 13];20(7):2193-200. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015207.18102014
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O início precoce da vida sexual parece ocorrer sob a influência dos paradigmas socioculturais,1212. Chimeli IV, Nogueira MJ, Pimenta DN, Schall VT. A abstração do risco e a concretude dos sujeitos: uma reflexão sobre os comportamentos de risco no contexto da adolescência. Physis[internet]. 2016 June [cited 2018 June 11]; 26(2):399-415. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312016000200004
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muitas vezes sem a preocupação com a possibilidade de gravidez e prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST).1616. Gonçalves H, Machado EC, Soares ALG, Camargo-Figuera FA, Seerig LM, Mesenburg MA et al. Sexual initiation among adolescents (10 to 14 years old) and health behaviors. Rev Bras Epidemiol [Internet] 2015 Jan-Mar [cited 2019 Feb 12];8(1):25-41. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500010003
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Nesse grupo etário, a utilização de contraceptivos, quando ocorre, normalmente se dá inadequadamente e sem orientação e acompanhamento de um profissional de saúde.1717. Molina MCC, Stoppiglia PGS, Martins CBG, Alencastro LCS. Conhecimento de adolescentes do ensino médio quanto aos métodos contraceptivos. O Mundo da Saúde [Internet]. 2015 Jan [cited 2019 Feb 14]; 39(1):22-31. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/mundo_saude_artigos/Conhecimento_adolescentes_ensino.pdf
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A atividade sexual precoce é uma prática comum entre os jovens e tem distintos significados e conotações. Pode proporcionar maior número de parceiros e de gestações no decurso da vida,1818. Maranhão TA, Gomes KRO, Oliveira DC, Moita Neto JM. Impact of first sexual intercourse on the sexual and reproductive life of young people in a capital city of the Brazilian Northeast. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2017 Dec [cited 2019 Feb 12];22(12):4083-4094. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172212.16232015
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aumentando as chances de adquirir infecções, caso ocorra sem a devida proteção. Observou-se que, mesmo tendo conhecimento acerca do preservativo como método contraceptivo e de prevenção das IST, muitas meninas não recorriam a ele, situação evidenciada também em mulheres adultas encarceradas.1919. Nicolau AIO, Pinheiro AKB. Sociodemographic and sex determinants of knowledge, attitude and practice of women prisoners regarding the use of condoms. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2012 Sept [cited 2018 Aug 21];21(3):581-90. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072012000300013
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Em relação aos aspectos comportamentais das adolescentes estudadas, evidenciou-se o fato de que a maioria iniciou precocemente a vida sexual. Tal fato alerta para a importância do papel da atenção primária à saúde no desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde sexual e reprodutiva de jovens. Algumas meninas já haviam engravidado e recebido algum tipo de atendimento nesse nível de atenção. Ocorre que a prevenção de infrações pelos adolescentes deve ser desenvolvida de maneira interinstitucional e interdisciplinar, considerando que, além das necessidades de saúde, vivenciam situações de fragilidades sociais, estruturais, econômicas e políticas, que podem e devem ser supridas pelo Estado.2020. Silva MAI, Mello FCM, Mello DF, Ferriani MGC, Sampaio JMC, Oliveira WA. Vulnerabilidade na saúde do adolescente: questões contemporâneas. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2014 Feb [cited 2019 Mar 14]; 19(2):619-27. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014192.22312012
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Vale ressaltar que não existe um trabalho diferenciado na atenção primária, especialmente quando se trata da abordagem de assuntos relativos às IST. O trabalho com essa população requer dos profissionais habilidades no manejo das questões que envolvem essa fase específica da vida. Faz-se necessário, entretanto, avançar na melhoria do acesso desses jovens às ações de prevenção e na qualificação dos profissionais, considerando que, ainda nos dias atuais, eles enfrentam dificuldade para lidar com essas desafiadoras temáticas - adolescência e IST.2121. Domingues RMSM, Lauria LM, Saraceni V, Leal MC. Treatment of syphilis during pregnancy: knowledge, practices and attitudes of health care professionals involved in antenatal care of the Unified Health System (SUS) in Rio de Janeiro City. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 May [cited 2018 Aug 21];18(5):1341-51. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000500019
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Quando esses adolescentes estão cumprindo medidas socioeducativas, as situações de transmissibilidade às IST ficam exacerbadas, pois eles tendem a manter relações sexuais sem proteção.2222. Zappe JG, Dell’Aglio DD. Risco e proteção no desenvolvimento de adolescente que vivem em diferentes contextos: família e institucionalização. Rev Colomb Psicol [Internet]. 2016 [cited 2019 Feb 15];25(2):289-305. Available from: https://dx.doi.org/10.15446/rcp.v25n2.51256
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Algumas referiram práticas homossexuais, especialmente após a entrada no Centro Educacional. Considerando a proibição da visita íntima pela Instituição, aliada ao período da internação longe da família e dos companheiros, muitas delas ficam vulneráveis a se envolverem em relações homoafetivas.

Períodos longos no cárcere levam as pessoas a adotarem modos de vida da cultura prisional, como mudanças na linguagem, no vestuário e, por fim, no comportamento. Nesse contexto, a homossexualidade passa a ser consequência das possibilidades relacionais disponíveis, o que tem sido denominado de “homossexualidade situacional”,2323. Barcinski M. Expressões da homossexualidade feminina no encarceramento: o significado de se "transformar em homem" na prisão. Psico-USF [Internet]. 2012 Dec [cited 2018 June 07]; 17(3):437-46. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S1413-82712012000300010
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comum também em presídios de mulheres adultas aonde essa visita é permitida.2424. Varella D. Prisioneiras. São Paulo, SP(BR): Companhia das Letras; 2017.

As adolescentes são desinformadas quando se trata de prevenção das IST e proteção vacinal contra o HPV e hepatites. Neste estudo, todas, sem exceção, tinham tatuagem. Muitas vezes esses procedimentos são realizados em ambientes insalubres, sem as devidas condições de higiene, utilizando materiais não descartáveis, o que aumenta a predisposição a situações de risco, especialmente para as hepatites virais.2525. Silva AAS, Araújo TME. Factors associated with hepatitis B in prison population: integrative review. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2015 Sept [cited 2019 Mar 15];9(9):9276-84. Available from: https://dx.doi.org/10.5205/reuol.7874-68950-4-SM.0909201515
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Importante é destacar o papel da família na formação dos conceitos éticos e da prática moral dos jovens. A dinâmica da sociedade contemporânea com suas mudanças nas relações no âmbito das famílias, da escola e do trabalho, traz repercussões importantes na formação deles.1717. Molina MCC, Stoppiglia PGS, Martins CBG, Alencastro LCS. Conhecimento de adolescentes do ensino médio quanto aos métodos contraceptivos. O Mundo da Saúde [Internet]. 2015 Jan [cited 2019 Feb 14]; 39(1):22-31. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/mundo_saude_artigos/Conhecimento_adolescentes_ensino.pdf
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Um lugar indispensável para a proteção e desenvolvimento da pessoa é a família, independentemente da sua composição e formação. O Estado, a sociedade civil e as políticas públicas devem estar voltados para a instituição familiar, fornecendo condições socioeconômicas para que possam propiciar o necessário para os filhos e seu desenvolvimento.2626. Furtado AG, Morais KSB, Canini R. O direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes: construção histórica no Brasil. Serv Soc Rev [Internet]. 2016 Jul/Dec [cited 2019 Feb 28];19(1):131-54. Available from: https://dx.doi.org/10.5433/1679-4842.2016v19n1p131
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Famílias numerosas e não nucleares, tendo somente a presença da mãe ou do pai; ou famílias mistas, com tios, avós, promovem à pessoa uma educação de inúmeras modalidades. Ela não é unificada e, na maioria das vezes, falha, podendo levar o adolescente a não identificar o que é certo ou errado, aumentando suas chances de exibir comportamentos agressivos, antissociais e iniciar contato com as drogas, levando à criminalidade.1010. Castro AMFM, Teodoro MLM. Relações familiares de adolescentes cumprindo medida socioeducativa restritiva de liberdade: uma revisão narrativa da literatura. Temas Psicol [Internet] 2014 Apr [cited 2019 Jan 16]; 22(1):1-12. Available from: https://dx.doi.org/10.9788/TP2014.1-01
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Outros fatores agravantes que contribuem, sobremaneira, para o aumento da vulnerabilidade dos adolescentes, não só as IST, dizem respeito ao uso de álcool e drogas, muito frequente na população estudada. O uso de substâncias psicoativas reduz a capacidade de discernir o risco, favorecendo maior exposição a situações de vulnerabilidade, além da possibilidade da prática sexual como moeda de troca por droga.2727. Haiek RC, Martin D, Rocha FCM, Ramiro FS, Silveira DX. Uso de drogas injetáveis entre mulheres na Região Metropolitana de Santos, São Paulo, Brasil. Physis [Internet]. 2016 Sept [cited 2019 Mar 01]; 26(3):917-37. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312016000300011
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A inserção no mundo do crime pode estar vinculada à luta por meios de sobrevivência, garantindo a satisfação das necessidades básicas, especialmente a aquisição de bens de consumo.2828. Melo PB, Assis RV. Mídia, consumo e crime na juventude: a construção de um traçado teórico. Cad CRH [Internet]. 2014 Apr [cited 2019 Feb 19]; 27(70):151-64. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792014000100011
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O comércio de drogas ilícitas, normalmente, é gerido por grandes corporações do crime, que movimentam enormes quantias de dinheiro, proporcionando mudança na vida de muitas pessoas que residem nas proximidades desses grupos.2929. Faria AAC, Barros VA. Tráfico de drogas: uma opção entre escolhas escassas. Psicol Soc [Internet] 2011 Sept-Dec [cited 2018 May 22];23(3):536-44. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822011000300011
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O Ceará é o segundo Estado do País em número de homicídios de adolescentes de 15 a 18 anos por arma de fogo, enquanto Fortaleza ocupa o primeiro lugar entre as capitais. Nos dados do Mapa da Violência de 2016, observa-se que vem aumentando a participação feminina nesse tipo de crime,77. Waiselfisz JJ. Mapa da violência: homicídios por armas de fogo. Brasília, DF(BR): Ministério da Justiça e Cidadania, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); Secretaria de Governo da Presidência da República, Secretaria Nacional de Juventude (SNJ); Flacso Brasil [Internet]. 2016 [cited 2018 Dec 12]. Available from: https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf
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situação evidenciada na grande demanda de meninas que se encontram cumprindo medidas educativas no Centro Educacional pela prática de homicídio e latrocínio.

Por fim, destaca-se o grande desafio, que é realizar pesquisas em ambiente de reclusão, especialmente naqueles que abrigam adolescentes. Enfrentam-se dificuldades relacionadas à rotina da instituição, pois, por abrigarem menores, são muito mais rigorosos e exigentes nos cuidados adotados. Por outro lado, conseguir que as meninas se exprimam com tranquilidade, sem medo, também se revelou aspecto desafiador. Foram muitas as ocasiões em que se chegou ao local e não foi possível realizar as entrevistas em virtude de situações de conflitos internos que alteravam a rotina do Centro Educacional. Nesses casos, as internas ficavam reclusas no dormitório, impossibilitadas de sair para qualquer atividade.

CONCLUSÃO

A família é responsável pela socialização, valores éticos e também morais dos filhos, exercendo influências no seu comportamento no decorrer da vida. Pais que não cumprem com essa responsabilidade, omitindo-se das funções parentais, acarretam um desenvolvimento deficiente nos adolescentes, facilitando sua entrada na criminalidade.

As IST, sem dúvida, representam uma séria ameaça à saúde da população em privação de liberdade no Brasil. O sistema público de saúde procura desenvolver ações no interior dos presídios, entretanto, a própria dinâmica interna dessas instituições dificulta ações mais efetivas de prevenção.

Os resultados deste estudo mostram que as adolescentes femininas vivem em situação de vulnerabilidade social e pessoal para o envolvimento no mundo do crime e para a aquisição de IST. Ademais, estão iniciando no mundo das drogas cada vez mais precocemente, situação que pode direcioná-las muitas vezes ao mundo da criminalidade. Diante desses fatos, destaca-se a necessidade

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Extraído da dissertação - Vulnerabilidade socioafetivo e sexual em adolescentes femininas em privação de liberdade, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de Fortaleza, em 2016.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza, Parecer n. 1.602.468, CAAE: 55912316.3.0000.5052

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2018
  • Aceito
    01 Abr 2019
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