Acessibilidade / Reportar erro

Instituição de longa permanência para idosos: a imagem que permanece

Long time institutions for the elderly: the image that stays

Institución de larga permanencia para ancianos: la imagen que permanece

Resumos

O objetivo do estudo foi identificar os acoplamentos estruturais da Instituição de Longa Permanência para Idosos com o sistema societal, observando as comunicações e as ressonâncias na instituição. Estudo exploratório descritivo, qualitativo, com uso do método funcional de Niklas Luhmann. A coleta de dados, realizada entre maio de 2004 e janeiro de 2005, utilizou observações de segunda ordem, por meio de entrevistas com sete dirigentes, e observações de terceira ordem com análise de comunicações de 52 instituições brasileiras sem fins lucrativos, de caráter público ou privado. Há estagnação de uma imagem negativa sobre as instituições, relacionada à exclusão e ao abandono. As instituições reconhecem a imagem histórica que as acompanha e propõem movimentos de mudança desse olhar. É necessário o reconhecimento do desenvolvimento gradual de ações que podem ampliar a relação com a comunidade e, por conseqüência, contribuir com uma concepção atualizada sobre essas. organizações.

Instituição de Longa Permanência para Idosos; Idoso; Envelhecimento; Teoria de sistemas


This study aimed to identify the structural couplings of the Long Term Elderly Care Institution with the societal system, observing communications and resonances in the institution. This is a descriptive, exploratory, and qualitative study which uses the Niklas Luhmann functional method. The data was collected between may, 2004 and january, 2005, utilizing second order observations through interviewing seven management employees, and third order observations analyzing the communications of 52 non-profit public and private Brazilian institutions. There is stagnation of a negative image surrounding these institutions, related to exclusion and abandonment. The institutions acknowledge their historical image and they propose movements of change from this view. Acknowledgment of the gradual development of actions that may amplify the relationship with the community and consequently contribute toward an updated conception about them is necessary.

Homes for the aged; Aged; Aging; Systems theory


El objetivo de este estudio fue identificar los acoplamientos estructurales de la Institución de Larga Permanencia para Ancianos con el sistema societal, observando las comunicaciones y las resonancias en la institución. Estudio exploratorio descriptivo, cualitativo, con uso del método funcional de Niklas Luhmann. La recolección de los datos, que fue realizada de mayo de 2004 a enero de 2005, utilizó observaciones de segundo orden, por medio de entrevistas con sete dirigentes, y observaciones de tercer orden con análisis de las comunicaciones de 52 instituciones brasileñas sin fines lucrativos, de carácter público o privado. Hay una estagnación de una imagen negativa sobre las instituciones, relacionada a la exclusión y al abandono. Las instituciones reconocen la imagen histórica que las acompaña y proponen movimientos de cambios de esa visión. Es necesario el reconocimiento del desarrollo gradual de las acciones que pueden ampliar la relación con la comunidad y, en consecuencia, contribuir con una concepción actualizada en relación a esas organizaciones.

Hogares para ancianos; Anciano; Envejecimiento; Teoría de sistemas


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

Instituição de longa permanência para idosos: a imagem que permanece1 1 Artigo baseado na tese de doutorado intitulada "A Instituição de Longa Permanência para Idosos e sua relação com o sistema societal: uma análise na perspectiva da teoria de sistemas de Niklas Luhmann", defendida no Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).

Long time institutions for the elderly: the image that stays

Institución de larga permanencia para ancianos: la imagen que permanece

Marion CreutzbergI; Lucia Hisako Takase GonçalvesII; Emil Albert SobottkaIII

IDoutora em Gerontologia Biomédica. Professora Adjunto da Faculdade de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia da PUC/RS. Rio Grande do Sul, Brasil

IIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora da tese. Santa Catarina, Brasil

IIIDoutor em Sociologia. Professor Adjunto da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da PUC/RS. Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marion Creutzberg Av. José Aloísio Filho, 963, casa 63 90250-180 - Humaitá, Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: marionc@pucrs.br

RESUMO

O objetivo do estudo foi identificar os acoplamentos estruturais da Instituição de Longa Permanência para Idosos com o sistema societal, observando as comunicações e as ressonâncias na instituição. Estudo exploratório descritivo, qualitativo, com uso do método funcional de Niklas Luhmann. A coleta de dados, realizada entre maio de 2004 e janeiro de 2005, utilizou observações de segunda ordem, por meio de entrevistas com sete dirigentes, e observações de terceira ordem com análise de comunicações de 52 instituições brasileiras sem fins lucrativos, de caráter público ou privado. Há estagnação de uma imagem negativa sobre as instituições, relacionada à exclusão e ao abandono. As instituições reconhecem a imagem histórica que as acompanha e propõem movimentos de mudança desse olhar. É necessário o reconhecimento do desenvolvimento gradual de ações que podem ampliar a relação com a comunidade e, por conseqüência, contribuir com uma concepção atualizada sobre essas. organizações.

Palavras-chave: Instituição de Longa Permanência para Idosos. Idoso. Envelhecimento. Teoria de sistemas.

ABSTRACT

This study aimed to identify the structural couplings of the Long Term Elderly Care Institution with the societal system, observing communications and resonances in the institution. This is a descriptive, exploratory, and qualitative study which uses the Niklas Luhmann functional method. The data was collected between may, 2004 and january, 2005, utilizing second order observations through interviewing seven management employees, and third order observations analyzing the communications of 52 non-profit public and private Brazilian institutions. There is stagnation of a negative image surrounding these institutions, related to exclusion and abandonment. The institutions acknowledge their historical image and they propose movements of change from this view. Acknowledgment of the gradual development of actions that may amplify the relationship with the community and consequently contribute toward an updated conception about them is necessary.

Keywords: Homes for the aged. Aged. Aging. Systems theory.

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue identificar los acoplamientos estructurales de la Institución de Larga Permanencia para Ancianos con el sistema societal, observando las comunicaciones y las resonancias en la institución. Estudio exploratorio descriptivo, cualitativo, con uso del método funcional de Niklas Luhmann. La recolección de los datos, que fue realizada de mayo de 2004 a enero de 2005, utilizó observaciones de segundo orden, por medio de entrevistas con sete dirigentes, y observaciones de tercer orden con análisis de las comunicaciones de 52 instituciones brasileñas sin fines lucrativos, de carácter público o privado. Hay una estagnación de una imagen negativa sobre las instituciones, relacionada a la exclusión y al abandono. Las instituciones reconocen la imagen histórica que las acompaña y proponen movimientos de cambios de esa visión. Es necesario el reconocimiento del desarrollo gradual de las acciones que pueden ampliar la relación con la comunidad y, en consecuencia, contribuir con una concepción actualizada en relación a esas organizaciones.

Palabras clave: Hogares para ancianos. Anciano. Envejecimiento. Teoría de sistemas.

INTRODUÇÃO

A Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI)* * O termo Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) é a expressão adotada pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), correspondendo ao "Long Term Care Institution". Vem substituir o termo asilo, abrigo, casa de repouso, lar, clínica geriátrica, ancianato e similares. é considerada um sistema social organizacional. Para Niklas Luhmann, autor no qual se fundamenta o presente estudo, sistemas sociais organizacionais ou organizações surgem da complexidade societal alcançada nas sociedades funcionalmente diferenciadas, para desenvolver atividades que se restringem ao cumprimento e satisfação de metas específicas e de muitas das necessidades humanas,1 desempenhando uma função social. No caso da ILPI, a função de assistir ao idoso "quando verificada inexistência de grupo familiar, casa-lar, abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da família".2:9

Um sistema social organizacional, a exemplo da ILPI, é um sistema autopoiético, que tem a capacidade de produzir e reproduzir a partir dele mesmo sua estrutura e os elementos que a compõem e está em contínuo acoplamento estrutural com seu entorno. O acoplamento estrutural compõe um dos conceitos centrais da Teoria de Sistemas de Luhmann.3 Para desenvolvê-lo, Luhmann apoiou-se em Maturana que, ao propor uma compreensão da configuração do conhecimento, do ponto de vista biológico, cunhou o complexo conceito de acoplamento estrutural.1 O conceito explica como se dá a relação entre o sistema e o ambiente, ou seja, como as informações do ambiente são tomadas por informações no interior do sistema. Tanto um sistema biológico como um sistema social adaptam-se ao seu entorno. Se assim não fosse, não poderiam existir. Ainda assim, as operações são realizadas com autonomia, não sendo possível a determinação recíproca. Somente com sua irritação, estimulação ou perturbação o meio pode provocar mudanças na estrutura dos sistemas. A base da estruturação de uma organização está nas relações internas e externas. Ao ocorrer o acoplamento estrutural entre dois sistemas, não significa que haja uma fusão entre eles, mas uma convergência dos sistemas envolvidos em um determinado evento. A comunicação, para Luhmann, é a característica principal dos sistemas sociais e garante sua reprodução autopoiética. São sistemas comunicativos que se reproduzem por estarem, constantemente, ligando comunicações a comunicações. A contingência é uma propriedade dos sistemas e está relacionada às múltiplas possibilidades de ações que os sistemas dispõem. Assim, um dado é contingente quando observado como uma seleção dentre um leque de possibilidades que permanecem no contexto. A dupla contingência está presente quando um sistema assume a perspectiva de outro, em sua própria perspectiva, mesmo que não possa experimentar as operações auto-referenciais do outro. As possibilidades selecionadas por um sistema, ao serem observadas por outro, podem se tornar suas possibilidades. Luhmann introduziu ainda o conceito do enlace, que ocorre na interpenetração entre sistemas, mediante a fixação de possibilidades selecionadas e exclusão de outras alternativas. As seleções assumidas por um sistema podem introduzir-se como enlaces e ser tratados normativamente pelo sistema. Assim, uma contingência ou uma seleção casual, num dado momento, transforma-se, em outro, em dever, norma ou compromisso.3

O acoplamento estrutural das ILPIs com o entorno tem estreita relação com as contingências que deram origem à diferenciação de instituições específicas para idosos, no início do século passado. Um olhar para a história indica que a medicalização do hospital e a relevância do curso de vida foram determinantes nesse processo. Os asilos assumiram, de início, um processo de dupla contingência, o amparo aos sem-família, pobres e mentalmente enfermos. A identidade que se manifestou em seu período inicial estava relacionada à caridade, numa perspectiva assistencialista que determinava a homogeneização dos velhos, a percepção da velhice como degeneração e decadência e a infantilização do idoso.4-5 No ambiente social, tal identidade foi associada às representações sociais sobre a velhice, até a década de 70, quando, por influência européia, emergiram novos conceitos.

Contribuíram, como contingências para mudanças na identidade da ILPI, a expansão dos benefícios previdenciários, a partir de 1970 e a orientação para a elaboração de políticas, pela Organização Mundial da Saúde em 1984, que, no Brasil, são concretizadas nos últimos vinte anos.6

As contingências e influências do entorno foram e continuam sendo determinantes para o delineamento da função que as ILPIs cumprem, hoje, no sistema societal.7 Nessa perspectiva, é imprescindível que sejam conhecidos os acoplamentos estruturais, as interações e as comunicações dessas instituições com a comunidade externa. Diante dessas constatações, o objetivo do estudo foi identificar os acoplamentos estruturais da ILPI com o sistema societal, observando as comunicações e as ressonâncias na instituição.

MÉTODO

A pesquisa foi descritiva, com abordagem qualitativa, utilizando-se o método funcional de Niklas Luhmann, tendo como foco a ILPI, no contexto brasileiro, em meio urbano, com residentes sem condições de prover a própria subsistência ou provindos de famílias de baixa renda. Foram incluídas as instituições regularmente reconhecidas como ILPIs, de caráter público ou privado e sem fins lucrativos.

A diversidade de observações proporciona uma maior aproximação à compreensão do problema. Nessa perspectiva, a coleta de dados, realizada entre maio de 2004 e janeiro de 2005, foi conduzida por meio de observações de segunda e terceira ordem. Na observação de segunda ordem, o pesquisador pode observar a auto-observação do sistema, utilizada como uma operação da autopoiese sistêmica, a partir da diferença entre sistema e entorno. A observação de terceira ordem é aquela em que o pesquisador observa a produção artística, literária e jornalística que tematiza a auto-observação de sistemas sociais.

A observação de segunda ordem foi realizada por meio de entrevistas com sete profissionais Dirigentes (D) de diferentes subsistemas internos em três ILPIs, na região metropolitana de Porto Alegre. A opção pela observação, utilizando o método da entrevista, esteve fundamentada na importância dos pensamentos produzidos e das comunicações expressas pelas pessoas, como sistemas psíquicos, contribuindo para a observação e descrição da ILPI. Os próprios membros de um sistema organizacional são parte de seu entorno.3 Diferentes pontos de vista, segundo o método funcional, permitem visualizar uma maior gama de alternativas, indicando as relações entre relações.

As entrevistas, que foram gravadas e transcritas, foram conduzidas por meio de questões norteadoras, cujo foco esteve na relação da instituição com o entorno. As instituições selecionadas, além de atender aos critérios anteriormente descritos, eram as que abrigavam o maior número de idosos nesse período e estão entre as mais antigas da região, tendo passado por diversos momentos históricos da institucionalização de idosos.

A observação de terceira ordem foi utilizada em comunicações, produzidas por 52 ILPIs e veiculadas pela mídia, como regimentos, matérias jornalísticas, divulgação de balanços financeiros, dentre outros. Tal material é expressão de operações internas, representando como as organizações se vêem. Expressa, também, expectativas do ambiente social em relação à organização. Na coleta de dados para as observações de terceira ordem, obteve-se acesso a informações referentes à ILPIs das cinco regiões brasileiras, com predominância do Sul e Sudeste. Para a definição do número de comunicações incluídas, estabeleceu-se, por conveniência, um máximo de 10 por estado. Os documentos foram organizados em uma coletânea, para os procedimentos de análise.

Optou-se pelo método de Análise de Conteúdo para a análise do material textual,8 oriundo da transcrição das entrevistas, bem como da compilação impressa das comunicações de ILPIs. A análise dos dados teve, por referência, o método de análise funcional de Niklas Luhmann, permeada pelos conceitos de complexidade, diferenciação, contingência, seleção, autopoiese e dupla contingência para a identificação de comunicações, estímulos/irritações, sensibilidades, indiferenças, ressonâncias e enlaces que determinaram a forma como a ILPI se relaciona com o ambiente externo.3

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul por meio do Parecer nº 492/01-CEP. Os dirigentes das ILPIs assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Nos dados obtidos por meio das comunicações de ILPIs, preservou-se a identidade das organizações.

AS RELAÇÕES COM O AMBIENTE EXTERNO

A necessidade da relação com o entorno, ou do acoplamento estrutural para operar internamente3 foi expressa pelos dirigentes: eu gostaria de dizer que a instituição, toda administração, os cuidadores diretos, principalmente a área da enfermagem, nós precisamos de muita ajuda, muitas parcerias (D2). Que pudesse ser mais desenvolvida a relação da instituição ou dos idosos que estão dentro, com a comunidade (D7).

No entanto, percebe-se que a relação com o entorno se dá pelas decisões internas do sistema organizacional, tanto na interpretação dos estímulos provindos do ambiente, quanto na decisão acerca das comunicações que são 'repassadas' ao ambiente. Os dirigentes elaboraram sua reflexão sobre as possíveis interpretações ou ressonâncias, no ambiente externo, acerca das comunicações da ILPI.

Quer dizer, tenta-se mostrar um outro lado, mas um dos receios nossos é quando as pessoas começarem a ver o que a gente está fazendo aqui, ninguém mais vai doar mesmo. Eles vão achar que estamos muito bem! (D4).

Como é que as pessoas vão perceber que os idosos estão bem, estão felizes, estão alimentados, estão mantendo relação? A gente tem assim casos interessantes que tem moradores que saem conhecem pessoas e não dizem que moram num asilo porque senão as pessoas dizem: coitadinhos (D6).

Os dirigentes referiram que, em seu entendimento, a participação do ambiente, especialmente no que se refere às contribuições materiais e financeiras, se dá por uma expressão de caridade. Assim, a sensibilização do entorno acontece por comunicações que mexem com o espírito de caridade e da visão do idoso como mero receptor desta.

Ele não tem investimento no idoso, ele tem caridade pra ajudar o asilo, por entender que aquele idoso está esperando pra morrer enquanto a gente às vezes fica aqui quinze anos, vinte anos com o mesmo idoso morando. As pessoas entram e ficam bem (D6).

Essa leitura que o ambiente faz foi expressa pelos dirigentes na observação que as pessoas da comunidade fazem ao entrarem em um asilo. Uma das dirigentes relatou: eles dizem assim: mas eu pensei que era diferente, pensei que era tudo miserável. Aqui está tudo bonito, as camas arrumadas, tem enfermagem, tem médico. Vê que os idosos são bem alegres, mas eles têm outra visão do que eles estavam imaginando (D5). Outra dirigente expressou a sua percepção, fazendo alusão à obra de Goffman,9 quanto à influência da história das ILPIs como instituições totais e da visão acerca do envelhecimento introjetada nas pessoas. Em suas palavras, adianta que talvez seja preciso melhorar esse entendimento pela comunicação das instituições com o entorno.

Eu acho que foi culpa do Goffman quando publicou o livro dele, dizendo que todas as instituições eram ruins e desumanas e fornecendo uma visão do mundo do internado que, às vezes, não sei se o internado tem essa visão. Tem um problema de preconceito pura e simplesmente de considerar que é de exclusão social na medida em que ele retira as pessoas do meio mais amplo. Não é, as pessoas que vêm e elas não se retiram, mas elas vêm em busca de uma alternativa então eu acho que falta melhorar o entendimento talvez seja a divulgação, eu não saberia dizer (D4).

O caso da Clínica Santa Genoveva, assunto de matérias jornalísticas durante dois meses em 1996, em vista de um grande número de óbitos, acrescenta ao significado da velhice institucionalizada uma imagem de horrores, descaso e maus-tratos.5 As comunicações das ILPIs ilustram como os aspectos negativos acerca de inúmeras instituições são ressaltados na mídia, também tendo por porta-voz dirigentes, funcionários ou idosos de instituições.

Dos residentes assistidos, cerca de 35% foram abandonados totalmente pelas famílias, sem contato com parentes ou qualquer visita familiar desde que entraram lá, mas nem por isso deixam de receber todo o cuidado, zelo, atenção e dedicação de assistentes, funcionários, voluntários e outros visitantes (ILPI3).

A gente vive como um preso e só escutamos o barulho um do outro (ILPI25).

Pesquisadores, em diferentes investigações, igualmente constatam situações que confirmam e denunciam muitos aspectos negativos, fragilidades e deficiências apresentadas pelas ILPIs.10-13 Exemplificando: "os fatores [de institucionalização] sem cuidador, sozinho, sem lugar para morar, doença e sem trabalho, que juntos totalizam o expressivo percentual de 85,33%, podem ser interpretados como abandono, constituindo-se, portanto, no grande e principal motivo do asilamento".14:38

Assim, enquanto a ILPI se esforça em buscar uma nova maneira de desempenhar sua função, a ênfase do ambiente parece continuar na caridade, na perspectiva assistencialista de socorro aos velhos "coitadinhos", como em seus primórdios. Nesse ponto parece ter ocorrido um enlace, ou seja, essa atitude do entorno, compreendida internamente pelas ILPIs, é conseqüência da imagem da velhice e da velhice institucionalizada, especialmente aquela relacionada à pobreza, que perdura e está fixa no ambiente externo.

O idoso não precisa só de chazinho e docinho, bolachinha. Vai além. Tem que haver um respeito maior, que tem que haver um maior conhecimento de como lidar (D7).

O fato de que as pessoas, as empresas, os empresários ainda se sensibilizam mais se mostrarmos que a casa é pobre, que a casa precisa, que os velhinhos, pobrezinhos, abandonados lá deixados (D4) está presente em um estudo sobre notícias acerca do idoso em jornais diários do Rio de Janeiro e São Paulo.15 As autoras apontaram para a evidência da relação entre descrições jornalísticas de precariedade das instituições e o "apelo à sensibilidade e solidariedade social para angariar doações".15:196 Afirmaram que, nas comunicações em jornais acerca de ILPIs, na maioria das vezes com referência a tragédias e irregularidades, é freqüente uma "espécie de diagnóstico indiferenciado da condição e da situação de todos os asilos e abrigos" reforçando, no leitor, as imagens negativas.15:196 O estudo apontou para o uso das imagens em matérias sensacionalistas que, ao mesmo tempo em que denunciam o descaso com o idoso, não suscitam um debate profundo e consistente sobre como o idoso deveria ser tratado e alternativas que comprometam o poder público, a sociedade, a família. Mesmo frente às tragédias como a da Clínica Santa Genoveva, a imprensa limita-se "à agitação emocional, provocando um debate extremamente fugaz no meio jornalístico e entre os leitores".15:201

Ressalte-se que essa crítica às matérias jornalísticas não significa se tratarem de inverdades. O que se questiona é a maneira como é tratado o fato em comunicações muito mais acessíveis à população do que as publicações científicas que apresentam, em geral, reflexões aprofundadas sobre o assunto. Por outro lado, percebe-se também, estudos que não conseguem olhar para além dos referenciais de Goffman.9 É um enlace em que o tempo, irreversível, parece impedir o (des)enlace. As imagens negativas ressaltadas resultam tanto na caridade quanto no afastamento e crítica generalizada à existência do asilo. Dirigentes entendem isto também como expressão de medo de se envolver e como dificuldade de lidar com o próprio envelhecimento individual e da sociedade: essa história que todo mundo reclama, eu acho que um pouco é o medo de se envolver numa coisa que a gente está se vendo futuramente (D3).

Segundo os dirigentes, um outro motivo adicional para a não participação da comunidade pode estar relacionado à priorização de outras faixas etárias, em detrimento do idoso

A prioridade hoje, na questão do atendimento, até porque é um marketing, é investir na criança e no adolescente, porque ele tem uma perspectiva e claro, que se tu investir talvez ele não vá ser um delinqüente ou marginal. Mas o idoso não tem essa perspectiva! (D4).

Diante dessa observação, percebe-se a necessidade de que determinadas comunicações sejam assimiladas pelo ambiente, para uma mudança da imagem da ILPI: que esta não seja fundamentada apenas na caridade pelo 'velho abandonado e coitadinho', mas em uma solidariedade consciente, sem o risco de perder os parceiros fundamentais para a manutenção das instituições; que a velhice não seja discriminada a ponto de ser desconsiderada como uma fase de vida que, em um contexto resultante da complexidade social de um país em desenvolvimento, precisa estar incluída nas ações dos sistemas do entorno. A identificação da ILPI como uma "instituição total" nem sempre tem sido confirmada, a exemplo de um estudo que verificou, nas instituições, situações opostas àquelas que obtinham do meio societal.16 As notícias nos meios de comunicação, baseadas em fatos positivos acerca das ILPIs, são raras.15 Multiplicá-las, com base em reflexões críticas e sólidas, é visto como uma necessidade na literatura e na fala dos dirigentes.

Acho que seria importante se construir estratégias de desmistificação (D4).

Nós temos uma longa caminhada no sentido de que a sociedade, a comunidade se aproprie mais da questão do envelhecimento (D7).

Em comunicações de ILPIs deste estudo, matérias que ressaltam aspectos positivos foram localizadas e, certamente, contribuem para a mudança do imaginário. Neste sentido remete-se, também, ao idoso em seu exercício da cidadania e membro da comunidade, que indicam para uma nova imagem do idoso institucionalizado.

[...] a coordenadora do asilo afirma que não existe tristeza no lugar. Todos que estão aqui vieram por livre e espontânea vontade, ninguém mora aqui obrigado. Mas o que eles querem mesmo é aprender a ler e escrever (ILPI 6).

Tantos casos semelhantes que dariam para preencher páginas e páginas de trágicas histórias de vida. Mas graças ao trabalho realizado pelos profissionais do abrigo, todas elas, se não acabam com um final feliz, pelo menos terminam com um desfecho digno (ILPI 13).

Percebe-se um movimento interno das ILPIs no sentido de mudar essa imagem consolidada na sociedade. Mas também entre os subsistemas internos e nas diferentes ILPIs observa-se que há ritmos diferentes no processo de transformação e da visão de necessidade de mudança. É comum o conflito entre os que buscam avanços e os que causam retrocesso frente a diferentes aspectos do sistema. Trata-se de uma dinâmica interna complexa, de estimulação mútua, de falta ou excesso de sensibilidade às comunicações internas e externas por parte dos subsistemas.

A gente está abrindo um processo de mudanças internas aqui e ainda se tem uma certa resistência, até assim, com a direção (D4).

Os dirigentes expressaram que podem contribuir com a mudança de imagem, colocando o seu conhecimento, o seu know-how a serviço da sociedade.

Hoje a gente tem atendimento que eu considero um modelo, a gente tem um atendimento integral, a gente tem uma equipe completa e com profissionais todos especializados que podem trabalhar. Mas a gente quer ir para além disso, a gente não pode olhar pro nosso umbigo e dizer bom, agora a gente faz todo esse atendimento então a gente não precisa fazer mais nada (D6).

Além das estratégias mais arrojadas que as ILPIs se propõem a desenvolver com o entorno, como a divulgação do saber construído, há as atividades já desenvolvidas e que mantêm o contato da instituição com o ambiente externo. Tais atividades estão fundamentadas no conceito de que a ILPI faz parte da comunidade. Além disso, o idoso é cidadão e membro da comunidade: a instituição faz parte da comunidade, nós somos pessoas da comunidade, somos, os idosos são, queiram ou não queiram, eles são parte da comunidade (D1).

Diante do entendimento de que as necessidades humanas abrangem interações e vínculos, uma das formas de relação com o ambiente externo é a programação de interação com grupos de visitantes, bem como a participação dos idosos em eventos externos, sejam eles de caráter cultural ou político.

É uma gama de coisas que envolvem o que uma pessoa precisa. Então é todo esse estímulo que ele vai continuar tendo e a casa se abre pra isso (D4).

Eles participam dos eventos quando a gente é convidado, às vezes a gente faz um baile e convida eles para participar, tem um evento na assembléia eles estão presentes pra discutir. A gente sempre é aberto pra dizer assim: - tem tal coisa vocês querem ir, vocês querem participar, vocês podem ir. Tem o transporte, a gente tem um cuidado nesse sentido (D6).

Uma atividade comum, citada pelos dirigentes, é a integração com outras ILPIs congêneres ou grupos de convivência de idosos: tem integração aqui, tem lá com os outros asilos, tem com grupo de terceira idade (D4).

Uma das instituições promove feiras de roupas e utensílios doados, não absorvidos pela ILPI. Com isso beneficia a comunidade de seu entorno próximo e, ao mesmo tempo, garante uma receita adicional. É interessante essa estratégia, pois reveste a instituição de um papel contributivo ao meio, além da função de atenção ao idoso. Tendo vivenciado essa atividade, observou-se que é, ainda, um espaço, de exposição e venda de artigos produzidos pelos próprios idosos que, nesse evento, se integram aos que comparecem à feira. Também o repasse a outras entidades é previsto, no sentido de compartilhar excedentes e multiplicar a solidariedade. Além de uma estratégia de relacionamento, pode ser citada como uma prática, digna de reconhecimento, dificilmente ressaltada acerca das ILPIs: a gente quando recebe em demasia [doações], que a gente vê que vai vencer, a gente faz doação pras outras entidades carentes também (D3).

Existem outros serviços citados com menos freqüência, mas que podem se tornar uma relação interessante nesse aspecto da contribuição da ILPI à comunidade: por meio de um plano de ação foram reformadas mais de 20 cadeiras de roda o que permite que hoje o asilo empreste cadeiras para terceiros (ILPI26). Nesse caso específico, além do empréstimo de tecnologia assistiva, quando disponível, a ILPI poderia oferecer a orientação acerca do uso e do cuidado à pessoa que a utiliza, ampliando sua participação na atenção ao idoso na comunidade.

Destacam-se, ainda, os acoplamentos estruturais com a educação básica, por meio de projetos especiais e com o ensino superior, com atividades de ensino, pesquisa e extensão, especialmente com cursos na área de saúde. Organizações de voluntariado e comunidades religiosas igualmente constituem presença importante nas ILPIs, favorecendo a manutenção da integração dos residentes com a comunidade. A integração das famílias ao cotidiano da atenção ao idoso têm tornado as instituições em parceiras da família e diminuído o preconceito em relação à institucionalização e às famílias que a ela acorrem. A percepção de que o idoso integra a comunidade adstrita à ILPI tem contribuído para a reflexão, ainda incipiente, mas crescente, de que o idoso pertence à área adstrita a serviços de saúde e, portanto, usufrui dos mesmos direitos dos demais idosos da comunidade. Essa multiplicidade de acoplamentos estruturais com o meio societal constituem importante contribuição para o desenvolvimento das ILPIs, bem como para uma nova percepção acerca dessas instituições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise das observações acerca do acoplamento estrutural das ILPIs com o ambiente societal como um todo, foi possível perceber que o principal ruído está no aspecto da estagnação de uma imagem ou na mudança da concepção sobre as instituições. A imagem negativa acerca dessas instituições foi entendida como um enlace. Internamente ao sistema, as decisões provenientes da ressonância da histórica imagem relacionada à caridade, à exclusão, ao abandono, vão no sentido de melhorar esse entendimento por meio de comunicações acerca das instituições com o entorno. A preocupação está em não se ter noção das ressonâncias que informações carregadas de uma nova concepção podem gerar no entorno.

Observa-se um movimento no sentido de contribuir para essa nova concepção, colocando o seu conhecimento, o seu know-how a serviço da sociedade. No entanto, o saber expresso pelos dirigentes acaba permanecendo oculto em vista da imagem da ILPI no meio societal, ou seja, uma vez que a imagem que predomina é negativa, também o saber construído acerca da atenção ao idoso não é selecionado, portanto não é compreendido pelo ambiente.

As observações realizadas indicam para um desenvolvimento gradual de ações que podem ampliar a relação com a comunidade e, por conseqüência, a possibilidade do entorno selecionar informações que o levem a uma concepção atualizada sobre a ILPI, diferentes ressonâncias e novas comunicações com as instituições.

Recebido em: 15 de outubro de 2007

Aprovação final: 24 de abril de 2008

  • 1 Rodríguez D, Arnold M. Sociedad y teoría de sistemas. Santiago de Chile (CL): Editorial Universitaria; 1990.
  • 2
    Senado Federal (BR). Lei No 10.741, de 10 de outubro de 2003. Estatuto do Idoso. Brasília (DF): Senado Federal; 2003.
  • 3 Luhmann N. Soziale systeme: Grundri Beiner allgemeinen theorie. Frankfurt (DE): Suhrkamp; 1984.
  • 4 Groisman D. Asilo de velhos: passado e presente. Estud. interdiscip envelhec. 1999; 2 (2): 67-87.
  • 5 Groisman D. Duas abordagens aos asilos de velhos: da clínica Genoveva à história da institucionalização da velhice. Cad. Pagu. 1999; s/v (13): 161-90.
  • 6 Pavarini SCI. Dependência comportamental na velhice: uma análise do cuidado prestado ao idoso institucionalizado [tese]. Campinas (SP): UNICAMP; 1996.
  • 7 Creutzberg M. A Instituição de Longa Permanência para Idosos e sua relação com o Sistema Societal: uma análise na perspectiva da Teoria de Sistemas de Niklas Luhmann. [tese]. Porto Alegre (RS): Instituto de Geriatria e Gerontologia/PUCRS; 2005.
  • 8 Moraes R. Análise de Conteúdo: limites e possibilidades. In: Engers ME, organizadora. Paradigmas e metodologias de pesquisa em educação. Porto Alegre (RS): EDIPUCRS; 1994. p.103-11.
  • 9 Goffman E. Manicômios, prisões e conventos. 7a ed. São Paulo (SP): Perspectiva; 2001.
  • 10 Guerra HL, Barreto SM, Uchoa E, Firmo JOA, Costa MFFL. A morte de idosos na Clínica Santa Genoveva, Rio de Janeiro: um excesso de mortalidade que o sistema público de saúde poderia ter evitado. Cad. Saúde Pública. 2000 Abr-Jun; 16 (2): 545-51.
  • 11 Telles Filho PCP, Petrilli Filho JF. Causas da inserção de idosos em uma instituição asilar. Esc Anna Nery Rev Enf. 2002 Abr; 6 (1): 119-33.
  • 12 Davim RMB, Torres GV, Dantas SMM, Lima VM. Estudo com idosos de instituições asilares no município de Natal (RN): características socioeconômicas e de saúde. Rev. Latino-am. Enfermagem 2004 Maio-Jun; 12 (3): 518-24.
  • 13 Yamamoto A, Diogo MJD. Os idosos e as instituições asilares do município de Campinas. Rev. Latino-am. Enfermagem 2002 Set-Out; 10 (5): 660-6.
  • 14 Herédia VBM, Cortelletti IA, Casara MB. Institucionalização do idoso. In: Cortelletti IA, Casara MB, Herédia VBM, organizadoras. Idoso asilado: um estudo gerontológico. Caxias do Sul (RS): EDUCS/EDIPUCRS; 2004.
  • 15 Souza ER, Minayo MCS, Ximenes LF, Deslandes SF. O idoso sob o olhar do outro. In: Minayo MCS, Coimbra Júnior CEA, organizadores. Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio de Janeiro (RJ): Ed. FIOCRUZ; 2002. p.191-209.
  • 16 Alcântara AO. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos [dissertação]. Campinas (SP): UNICAMP/Faculdade de Educação; 2003.
  • Endereço para correspondência:
    Marion Creutzberg
    Av. José Aloísio Filho, 963, casa 63
    90250-180 - Humaitá, Porto Alegre, RS, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Artigo baseado na tese de doutorado intitulada "A Instituição de Longa Permanência para Idosos e sua relação com o sistema societal: uma análise na perspectiva da teoria de sistemas de Niklas Luhmann", defendida no Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).
  • *
    O termo Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) é a expressão adotada pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), correspondendo ao "Long Term Care Institution". Vem substituir o termo asilo, abrigo, casa de repouso, lar, clínica geriátrica, ancianato e similares.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Recebido
      15 Out 2007
    • Aceito
      24 Abr 2008
    Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br