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Avaliação de feridas pelos enfermeiros de instituições hospitalares da rede pública

Nurse wound evaluations in public hospital institutions

La evaluación de heridas realizada por los enfermeros de instituciones hospitalarias de la red pública

Resumos

A avaliação realizada pelos enfermeiros constitui um processo indispensável para o tratamento de feridas. Objetivos: averiguar os aspectos considerados pelos enfermeiros no processo de avaliação de feridas; identificar os recursos materiais utilizados para proceder à avaliação; investigar o seguimento de protocolos e possíveis dificuldades na sua realização. Estudo exploratório-descritivo, de natureza qualitativa, realizado junto a 14 enfermeiras de quatro hospitais públicos de João Pessoa - PB. Os dados foram coletados durante agosto e setembro de 2005, através de entrevistas gravadas e não-gravadas. Para análise das respostas aplicou-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. Verificou-se que a falta de material conduz a uma avaliação superficial; que a ausência de protocolo dificulta a avaliação e, que a imposição médica e a falta de experiência e treinamento específicos foram às principais dificuldades reveladas. Evidenciou-se a necessidade de criar condições materiais e aprimorar os conhecimentos científicos em relação ao processo de avaliação de feridas.

Cuidados de enfermagem; Avaliação; Feridas e ferimentos


Nursing evaluation constitutes an indispensable process in treating wounds. The objectives of this article are to verify the aspects considered by nurses in the wound evaluation process, identify the material resources used in order to proceed to the evaluation, and to investigate adherence to protocols and possible difficulties in their execution. This is an exploratory-descriptive study of qualitative nature, carried out among 14 nurses from four public hospitals in João Pessoa, PB, Brazil. The data was collected during August and September of 2005 through recorded and non-recorded interviews. In order to analyze the responses given, the collective subject technique was applied. This study verified that a lack of material leads to a superficial evaluation; that the absence of protocol makes the evaluation difficult; and medical imposition, the lack of experience, and the lack of specific training were the main difficulties revealed. The needs to create material conditions and improve scientific knowledge regarding the wound evaluation process were evidenced.

Nursing cares; Evaluation; Wounds and injuries


La evaluación hecha por los enfermeros constituye un proceso indispensable para el tratamiento de heridas. Objetivos: Averiguar los aspectos considerados por los enfermeros en el proceso de evaluación de las heridas; identificar los recursos materiales utilizados para proceder a la evaluación; investigar el resultado de los registros y de las posibles dificultades en su realización. Es un estudio Exploratorio-descriptivo, de naturaleza cualitativa, realizado junto con 14 enfermeros de cuatro hospitales públicos de la ciudad de João Pessoa - PB. Los datos fueron recolectados durante el mes de agosto y septiembre de 2005, por medio de entrevistas grabadas y no grabadas. Para el análisis de las respuestas se empleó la técnica del Discurso del Sujeto Colectivo. Se verificó que la falta del material lleva a una evaluación superficial, que la falta de registros dificulta la evaluación, y que la imposición médica y la falta de entrenamiento específico fueron las principales dificultades encontradas. También se ha evidenciado la necesidad de crear condiciones materiales y perfeccionar los conocimientos científicos con relación al proceso de evaluación de heridas.

Atención de la enfermería; Evaluación; Heridas y herimientos


ARTIGOS ORIGINAIS

PESQUISA

Avaliação de feridas pelos enfermeiros de instituições hospitalares da rede pública

Nurse wound evaluations in public hospital institutions

La evaluación de heridas realizada por los enfermeros de instituciones hospitalarias de la red pública

Gleicyanne Ferreira da Cruz MoraisI; Simone Helena dos Santos OliveiraII; Maria Julia Guimarães Oliveira SoaresIII

IEnfermeira. Professora da Escola Técnica de Enfermagem São Vicente de Paula. Paraíba, Brasil

IIDoutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Paraíba, Brasil

IIIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto da UFPB. Paraíba, Brasil

Endereço para correspondencia Endereço para correspondência: Gleicyanne Ferreira da Cruz Morais Av. Alcides Bezerra, 828 58.085-030 - Cruz das Armas, João Pessoa, PB E-mail: gleicyanneferreira@yahoo.com.br

RESUMO

A avaliação realizada pelos enfermeiros constitui um processo indispensável para o tratamento de feridas. Objetivos: averiguar os aspectos considerados pelos enfermeiros no processo de avaliação de feridas; identificar os recursos materiais utilizados para proceder à avaliação; investigar o seguimento de protocolos e possíveis dificuldades na sua realização. Estudo exploratório-descritivo, de natureza qualitativa, realizado junto a 14 enfermeiras de quatro hospitais públicos de João Pessoa - PB. Os dados foram coletados durante agosto e setembro de 2005, através de entrevistas gravadas e não-gravadas. Para análise das respostas aplicou-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. Verificou-se que a falta de material conduz a uma avaliação superficial; que a ausência de protocolo dificulta a avaliação e, que a imposição médica e a falta de experiência e treinamento específicos foram às principais dificuldades reveladas. Evidenciou-se a necessidade de criar condições materiais e aprimorar os conhecimentos científicos em relação ao processo de avaliação de feridas.

Palavras-Chave: Cuidados de enfermagem. Avaliação. Feridas e ferimentos.

ABSTRACT

Nursing evaluation constitutes an indispensable process in treating wounds. The objectives of this article are to verify the aspects considered by nurses in the wound evaluation process, identify the material resources used in order to proceed to the evaluation, and to investigate adherence to protocols and possible difficulties in their execution. This is an exploratory-descriptive study of qualitative nature, carried out among 14 nurses from four public hospitals in João Pessoa, PB, Brazil. The data was collected during August and September of 2005 through recorded and non-recorded interviews. In order to analyze the responses given, the collective subject technique was applied. This study verified that a lack of material leads to a superficial evaluation; that the absence of protocol makes the evaluation difficult; and medical imposition, the lack of experience, and the lack of specific training were the main difficulties revealed. The needs to create material conditions and improve scientific knowledge regarding the wound evaluation process were evidenced.

keywords: Nursing cares. Evaluation. Wounds and injuries.

RESUMEN

La evaluación hecha por los enfermeros constituye un proceso indispensable para el tratamiento de heridas. Objetivos: Averiguar los aspectos considerados por los enfermeros en el proceso de evaluación de las heridas; identificar los recursos materiales utilizados para proceder a la evaluación; investigar el resultado de los registros y de las posibles dificultades en su realización. Es un estudio Exploratorio-descriptivo, de naturaleza cualitativa, realizado junto con 14 enfermeros de cuatro hospitales públicos de la ciudad de João Pessoa - PB. Los datos fueron recolectados durante el mes de agosto y septiembre de 2005, por medio de entrevistas grabadas y no grabadas. Para el análisis de las respuestas se empleó la técnica del Discurso del Sujeto Colectivo. Se verificó que la falta del material lleva a una evaluación superficial, que la falta de registros dificulta la evaluación, y que la imposición médica y la falta de entrenamiento específico fueron las principales dificultades encontradas. También se ha evidenciado la necesidad de crear condiciones materiales y perfeccionar los conocimientos científicos con relación al proceso de evaluación de heridas.

Palabras claves: Atención de la enfermería. Evaluación. Heridas y herimientos.

INTRODUÇÃO

A pele é o maior órgão do corpo, indispensável para a vida humana e fundamental para o perfeito funcionamento fisiológico do organismo. Como qualquer outro órgão, está sujeito a sofrer agressões oriundas de fatores patológicos intrínsecos e extrínsecos que irão causar o desenvolvimento de alterações na sua constituição como, por exemplo, as feridas cutâneas, podendo levar à sua incapacidade funcional.

No Brasil, as feridas acometem a população de forma geral, independente de sexo, idade ou etnia, determinando um alto índice de pessoas com alterações na integridade da pele, constituindo assim, um sério problema de saúde pública. Porém não há dados estatísticos que comprovem este fato, devido os registros desses atendimentos serem escassos. Contudo, o surgimento de feridas onera os gastos públicos e prejudica a qualidade de vida da população.1

Sabe-se que o profissional de enfermagem possui um papel fundamental no que se refere ao cuidado holístico do paciente, como também desempenha um trabalho de extrema relevância no tratamento de feridas, uma vez que tem maior contato com o mesmo, acompanha a evolução da lesão, orienta e executa o curativo, bem como detém maior domínio desta técnica, em virtude de ter na sua formação componentes curriculares voltados para esta prática e da equipe de enfermagem desenvolvê-la como uma de suas atribuições.2

Como o profissional de enfermagem está diretamente relacionado ao tratamento de feridas, seja em serviços de atenção primária, secundária ou terciária, deve resgatar a responsabilidade de manter a observação intensiva com relação aos fatores locais, sistêmicos e externos que condicionam o surgimento da ferida ou interfiram no processo de cicatrização. Para tanto, é necessária uma visão clínica que relacione alguns pontos importantes que influenciam neste processo, como o controle da patologia de base (hipertensão, diabetes mellitus), aspectos nutricionais, infecciosos, medicamentosos e, sobretudo, o rigor e a qualidade do cuidado educativo.3 Vale salientar, ainda, a importância da associação dos curativos que serão utilizados a partir da sistematização do tratamento e de acordo com os aspectos e evolução da ferida.

Dessa forma, será possível projetar um caminho clínico, pelo qual o profissional de enfermagem acompanhará a evolução das diversas etapas do tratamento da ferida, como também realizará um planejamento de tratamento adequado, através de métodos terapêuticos que poderão ser aplicados juntamente com uma equipe multidisciplinar que, por sua vez, utilizará procedimentos e materiais, com a finalidade de levar a cicatrização da ferida sem complicações, com a restauração das funções e prevenção das seqüelas.4

Diante da importância da avaliação para abordagem e tratamento de feridas, surgiu a necessidade de realizar um estudo que pudesse investigar quais os aspectos considerados na avaliação de feridas pelos enfermeiros assistenciais em pacientes hospitalizados, haja vista o tratamento constituir-se um processo complexo, que depende de avaliações sistematizadas e cuidados de acordo com cada momento da evolução do processo de cicatrização. Dessa forma, a avaliação atuará como subsídio para elaboração e desenvolvimento de um plano de cuidados com estratégias de tratamento adequado, reunindo uma conduta terapêutica ampla com variedades de métodos propícios para executá-lo, proporcionando uma cicatrização eficaz e conforto para o paciente.

Mediante o exposto foram traçados os seguintes objetivos: averiguar o processo de avaliação de feridas realizado por enfermeiros assistenciais; identificar os recursos materiais que o enfermeiro utiliza para proceder à avaliação de feridas; investigar o seguimento de protocolos na avaliação e as possíveis dificuldades dos enfermeiros para realizá-la.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, de natureza qualitativa, realizado junto a 14 enfermeiras de quatro hospitais da rede pública de João Pessoa - PB. Optou-se por quatro hospitais, visando buscar a realidade da atuação de enfermeiras em diferentes instituições. Para seleção da amostra foram observados os seguintes critérios: ser enfermeiro assistencial responsável pela realização de curativos, estar presente no momento da coleta de dados e concordar em participar da pesquisa.

Os dados foram coletados durante o período de dois meses, agosto e setembro de 2005, por meio de entrevistas gravadas e não-gravadas. Para a análise dos dados foi utilizada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), a qual consiste em "um discurso-síntese redigido na primeira pessoa do singular, composto pelas Expressões-chave (ECH) que têm a mesma Idéia Central (IC) ou Ancoragem (AC)".5:18 Esta estratégia metodológica foi realizada mediante as seguintes etapas: na primeira ocorreu a transcrição das entrevistas e a leitura minuciosa das respostas, procurando destacar as expressões-chave de cada discurso individual; na segunda foram identificadas as idéias centrais relacionadas a cada expressão-chave evidenciada na primeira etapa, possibilitando a formação de uma descrição sucinta do sentido do depoimento referentes às expressões-chave; na terceira foram selecionadas as idéias centrais semelhantes ou complementares, transcrevendo-as de acordo com os termos utilizados pelos participantes do estudo e, na quarta e última etapa, o discurso do sujeito coletivo foi construído através da compilação das expressões-chave e das idéias centrais semelhantes ou complementares, originando um único discurso-síntese.

O estudo obteve o parecer favorável pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades de Enfermagem e Medicina Nova Esperança, obtendo o Nº 0021/2005 e todas os participantes foram esclarecidos quanto ao anonimato, concordaram em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entre as enfermeiras participantes do estudo a idade variou de 23 a 53 anos. A religião foi diversificada, havendo uma predominância da católica e, em relação ao estado civil, constatou-se que a maioria era de casadas. O tempo de formação variou de oito meses a 30 anos e o de atuação na instituição prestando cuidados relativos ao tratamento de feridas foi de quatro meses a 26 anos.

Os resultados das questões relativas ao objeto de estudo contém as idéias centrais (IC) e os dados compilados extraídos dos depoimentos das participantes do estudo e registrados sob a forma de um discurso-síntese – DSC, para uma melhor compreensão dos aspectos que envolvem a avaliação das feridas. Assim, são apresentados os questionamentos e as respectivas idéias centrais e discursos-síntese aos quais deram origem.

Questão 1 - Antes da realização do curativo, que aspectos inerentes ao paciente e ao próprio ferimento você avalia?

IC 1 - Quando a gente vai fazer a avaliação da ferida, tenta ver o paciente de maneira holística

DSC: primeiro a gente vai ver o paciente em geral, considerando o seu estado. A gente tenta ver o paciente de maneira holística, como um todo, observando o quadro geral dele, como a idade e patologias [diabéticos e hipertensos] que possam interferir na cicatrização do ferimento. Normalmente, o nosso paciente, é um paciente em condições nutricionais e de higiene pessoal bastante precária. Portanto, torna-se bastante importante a avaliação geral do seu estado nutricional e da higiene. Avalio o repouso, a dependência do paciente, a mobilidade no leito, a questão de febre, qual a medicação que ele está tomando, antibióticos e/ou antiinflamatórios, o tratamento anterior, o nível de conhecimento do paciente sobre a ferida e as condições sócio-econômicas. Nós não podemos cuidar exclusivamente da ferida sem ver o paciente de forma geral.

A IC 1, revela que as enfermeiras assistenciais realizam a avaliação do paciente de maneira holística, contemplando aspectos inerentes à idade, doenças crônicas (diabetes, hipertensão), condições nutricionais, repouso, uso de medicamentos, entre outros, fatores estes que contribuem para o avanço ou retardo da cicatrização. Esta preocupação se mostra pertinente, uma vez que os fatores relacionados no discurso das enfermeiras têm relação direta com o processo de cicatrização.

Sabe-se que com o avanço da idade e, sobretudo, acima dos 50 anos, o metabolismo do indivíduo diminui, caracterizando uma fase de deficiências de substâncias responsáveis não só pela conservação da estrutura da pele, como também pelas defesas do organismo, contribuindo assim para o desenvolvimento de alterações tanto extrínsecas como intrínsecas.1,6

O controle das doenças associadas, principalmente diabetes e hipertensão arterial, são fundamentais neste processo de avaliação, pois uma das medidas mais importante para potencializar o adequado tratamento das feridas é ter o controle das patologias de base.7 A condição nutricional do indivíduo é outro fator bastante importante neste processo, uma vez que as substâncias são essenciais e atua como substrato para o processo fisiológico da cicatrização. Sendo assim, na existência de uma má condição nutricional, o processo fisiológico normal de cicatrização é prolongado.6,8

Outro fator que convém destacar neste contexto é a questão do repouso no leito, tendo em vista que as feridas que se localizam em áreas de alta mobilidade, como as articulações, ou em áreas de pressão, como a região sacra e calcâneo, são de difícil tratamento, merecendo uma atenção maior, pois essas áreas ocasionam uma interrupção do suprimento sanguíneo da rede vascular, impedindo que o fluxo de sangue chegue aos tecidos circundantes, causando um aporte insuficiente de nutrientes à cicatrização, retardando este processo.9 Por sua vez, medicamentos como os antibióticos e os antiinflamatórios devem ser utilizados com cautela no tratamento das feridas, uma vez que alguns deles podem prejudicar o processo de cicatrização, quando utilizados incorretamente.7

Todas estas condições apresentadas favorecem o retardo do processo de cicatrização, contribuindo para um tratamento prolongado e dispendioso. Portanto, é necessário que o enfermeiro detenha conhecimento sobre tais fatores, com a finalidade de traçar estratégias que viabilizem um controle, minimizando-os ou erradicando-os, favorecendo desse modo, uma cicatrização sem maiores complicações. Contudo, através do discurso, pode-se observar que as enfermeiras durante a avaliação de um portador de feridas se mostram atentas para identificar tais fatores. Evidenciando que para realizar um tratamento de maneira holística, também é necessário avaliar as condições do paciente e não direcionar a atenção apenas ao ferimento.10

Finalizando a discussão da IC 1, vale enfatizar que através das informações contidas no histórico do paciente, do exame físico e da avaliação contínua da lesão, que podem influenciar positivamente ou negativamente no processo de cicatrização, aliados ao conhecimento dos produtos, será possível apresentar condições adequadas para estabelecer os cuidados e implantar a terapêutica adequada, beneficiando o paciente.11

IC 2 - Avaliação do aspecto geral da ferida

DSC: em relação ao ferimento, eu avalio qual o tipo de ferida [úlcera de decúbito], se é uma ferida contaminada, se há presença ou não de secreção, se está hiperemiada, com sinais de infecção, se tem exsudato ou não. Avalia-se como foi que se desenvolveu o ferimento e há quanto tempo surgiu, as bordas, profundidade da lesão, odor, áreas de fibrina [esfacelos], tecido necrosado, localização, extensão, em que grau de comprometimento a lesão já se encontra [estágio I, II, III, IV], deiscência e da necessidade de exame de cultura, porque se ali tiver alguma bactéria agindo no leito da lesão, então tem que ter uma cobertura adequada com antibiótico, porque ele tem que ter um tratamento sistêmico e local.

O DSC apresentado na IC 2, evidencia que todos os aspectos inerentes à avaliação do ferimento foram considerados. A observação cautelosa gera um conjunto de informações que subsidiam a seleção do tipo de cobertura a ser utilizada, bem como a mudança de conduta ao longo do tratamento. Porém, vale ressaltar que dois fatores importantes não foram mencionados na avaliação – a mensuração da temperatura ao redor da lesão e a presença de dor.

A mensuração da temperatura neste processo é importante, haja vista que por meio dela é possível determinar as variações da pele e distinguir as patologias arteriais das patologias venosas utilizando, para este fim, a palpação. Através deste método, a pele ao redor da ferida poderá apresentar-se fria, seca, fina, dados comuns nas patologias arteriais; descamativa e quente, comuns em patologias venosas; e com sinais de dermatite, freqüentes em feridas exsudativas.12 Além disso, havendo um aumento significativo da temperatura, poderá ser um sinal sugestivo de um processo inflamatório, principalmente se estiver associado aos sinais flogísticos (calor, rubor, tumor e dor). Já a diminuição da temperatura indica redução do fluxo sangüíneo local, sendo acompanhada de palidez.10

Assim como a temperatura, a presença de dor também indica um dado diferencial nas etiologias das úlceras de membros inferiores.12 Além disso, a presença de dor significativa ou hipersensibilidade no interior ou em torno da ferida pode indicar infecção, destruição do tecido de base que não está visível ou insuficiência vascular. A ausência de dor pode indicar destruição nervosa ou neuropatia.8

Dessa forma, convém ratificar que como as enfermeiras entrevistadas faziam parte da equipe assistencial diária ao portador de feridas, poderiam estar familiarizados e relatar a avaliação destes dois aspectos, mesmo que por algum tipo de limitação não a executassem, visto que tanto a temperatura quanto a presença da dor são elementos de grande relevância para avaliação de feridas.

Outra questão apontada pelo DSC foi quanto à necessidade do exame de cultura. Este exame é realizado quando a ferida apresenta algum processo infeccioso local. Então, a partir da coleta do material com o swab, identifica-se o patógeno que está agindo no leito da lesão, de forma que a prescrição médica esteja de acordo com o antibiótico sistêmico e local mais sensível ao microorganismo identificado. De fato, é necessário que haja realmente uma associação dos mesmos durante o tratamento, visto que a presença de infecção prolonga a fase inflamatória do processo cicatricial, provoca destruição tecidual, retarda a síntese do colágeno e impede a epitelização, podendo ainda estender-se aos tecidos adjacentes e possivelmente à corrente sanguínea, originando a septicemia. No entanto, deve-se descartar a utilização desnecessária dos antibióticos ou o seu uso incorreto, como referenciado anteriormente, por influenciar negativamente no tratamento.13

Contudo, no contexto geral da questão os aspectos a serem avaliados na ferida foram abordados pelas enfermeiras, sendo contemplados tanto os aspectos locais como os sistêmicos. De modo geral, elas possuem uma visão abrangente acerca do que deve ser avaliado em uma ferida e a importância dos mesmos no direcionamento da escolha do tratamento.

Questão 2 - Que recursos materiais para avaliação de feridas, você utiliza na sua prática?

IC 1 - Utiliza material diversificado para avaliar as feridas

DSC: para medir o volume, a gente utiliza o soro fisiológico e uma seringa de 20 ml. A profundidade, a gente pode utilizar uma seringa de insulina para inserir na ferida até onde for possível e depois medir. A régua para dimensionar a ferida e fotografias, antes do primeiro curativo e a cada 7 dias, se autorizado pela família. Avalia-se a necessidade de um antibiótico sistêmico, utilizando um swab para poder coletar o material e enviar para o setor de bacteriologia para identificar qual a bactéria está agindo no local, então se avalia a necessidade de um antibiótico sistêmico. [...] fazemos o tratamento de acordo com a complexidade da lesão e da própria situação do paciente.

No discurso apresentado para a IC 1 do segundo questionamento, são listados alguns dos recursos materiais utilizados na avaliação de feridas, tais como: o soro fisiológico, a seringa de insulina, a régua, os swabs e as fotografias. Além dos citados no DSC, a literatura lista uma diversidade de materiais para este fim, entre os quais, espátulas, sondas, cateteres finos de látex ou silicone, substância amorfa (pasta de alginato dentária) e o papel transparente ou papel filme (acetato esterilizado).8

Esses recursos materiais proporcionam condições que auxiliam a obtenção de dados fidedignos e que possibilitam compreender a dimensão de uma ferida, complementando o processo de investigação de dados da avaliação do portador, podendo favorecer direcionamentos a um diagnóstico preciso e delineamento de uma conduta sistematizada que proporcione uma cicatrização sem complicações no decorrer do tratamento.

IC 2 - Não dispomos de material específico para avaliar as feridas

DSC: a nossa maior dificuldade é não dispor de recursos materiais mais específicos para fazer as medições da extensão e profundidade das lesões. Não existem materiais para fazer avaliação de feridas, que seria uma régua, um swab, um laboratório de microbiologia para que a gente pudesse avaliar e depois acompanhar [...]. Então, nós temos essa dificuldade nesses recursos materiais e só temos a nossa sensibilidade de ver e observar o grau da ferida e ficamos apenas na questão do olhômetro [...] e com certeza se tivéssemos esses recursos facilitaria bastante as nossas avaliações.

Os relatos obtidos neste DSC expressam que a falta de material específico é apontada como fator que dificulta o processo de avaliação de feridas, utilizando exclusivamente a observação. A observação é um método propedêutico, no qual realiza-se um olhar atento e direcionado para a superfície corporal, sendo a visão o único instrumento básico utilizado para este fim.14

Este método é um meio também utilizado na avaliação de feridas, o qual representa uma importância significativa neste processo e que não remete nenhum gasto para a instituição hospitalar. No entanto, não descartando a sua essencialidade e importância, vale salientar que para a obtenção de dados mais precisos no processo de avaliação é necessário utilizar materiais que subsidiem dados específicos para uma avaliação mais completa.

Atualmente presenciamos o aparecimento de uma vasta gama de produtos e instrumentos ao alcance dos profissionais de saúde, todavia este fato não implica obrigatoriamente na melhoria de qualidade dos cuidados ao portador da ferida, exatamente pela falta ou insuficiente acesso dos profissionais de saúde aos mesmos, fato este que foi referido anteriormente. Portanto, entendemos que a qualidade da assistência prestada ao tratamento de feridas é proporcional às condições que o profissional possui em avaliar e intervir nos fatores que interferem no processo de cicatrização, sem obviamente desconsiderar o conhecimento do profissional sobre a temática.

Questão 3 - Durante a avaliação de feridas, você segue algum protocolo?

IC 1 - Utiliza o protocolo para avaliar as feridas

DSC: sim, a própria instituição implantou. No protocolo tem o preenchimento do grau de dor que o paciente tem durante a realização do curativo, tem uma escala para identificar a questão do rubor, calor da ferida, do grau em que a ferida se encontra I, II, III ou IV de comprometimento tecidual e de alguns outros fatores que devem ser observados.

De acordo com a IC 1 do terceiro questionamento, o DSC mostra que as enfermeiras utilizam o protocolo da instituição para avaliar as feridas e ainda descrevem um pouco sobre o que contém este instrumento. A implantação de um protocolo para avaliação de feridas representa um avanço da enfermagem. Entretanto, em nossa realidade parecem ser poucas as instituições hospitalares que têm um protocolo implantado para este fim, embora tal afirmação não se baseie em informações oficiais, mas nas observações nos campos de estágio ao longo do curso de graduação e no transcorrer da coleta de dados deste estudo.

A criação e implementação de um protocolo pela equipe de enfermagem, para o acompanhamento dos clientes portadores de feridas é essencial, pois representa um instrumento seguro para a prevenção, acompanhamento e controle dos casos.11 Além disso, com a organização dos mesmos, poderá colaborar com o trabalho cotidiano das equipes de saúde, qualificando a atenção à saúde prestada à população.4

IC 2 - Não utiliza o protocolo para avaliar as feridas

DSC: não, no momento ainda nós não temos esse protocolo, porém nós seguimos a orientação que geralmente é solicitada a um angiologista ou a um cirurgião vascular. Nós temos só a evolução de enfermagem que relata na própria evolução o aspecto da ferida, que grau está, a contaminação e só isso.

Como contraponto, outro aspecto considerado no DSC das enfermeiras, diz respeito à não utilização do protocolo. Este instrumento é pouco divulgado e por isso, talvez sua implantação seja deficiente na grande maioria dos hospitais. Sob este aspecto, relatam que em estudos realizados em um levantamento bibliográfico, verificou-se que o desenvolvimento de protocolos para a sistematização da assistência no cuidado com feridas é insuficiente. 2 Deste modo, reafirmamos que, para uma sistematização de enfermagem adequada, é necessário ter um instrumento de registro que possibilite o e a aplicação dos conhecimentos, estabelecendo fundamentos para a tomada de decisões.

Observamos também que além de não disporem de um protocolo para avaliação de feridas, as enfermeiras solicitam a orientação de outros profissionais da saúde em relação à conduta a ser adotada.

Sabemos que a realização de um curativo é um procedimento que compete à enfermagem e que sua execução não se restringe apenas a uma questão técnica, mas a todo um processo de avaliação que antecede o início do tratamento e perpassa o transcurso do mesmo, como evidenciado no DSC apresentado para o primeiro questionamento. Por isso, entendemos que a institucionalização de um protocolo para o tratamento de feridas é de substancial importância para o trabalho dos enfermeiros. Entretanto, a sua ausência não está relacionada à limitação em fazer a avaliação de algumas características da lesão, como: presença de exsudato, esfacelos, áreas de necrose, sinais de infecção, entre outros, que fornecem subsídios para que o enfermeiro possa optar pela melhor conduta. Não se pretende descartar, com isso, a relevância da interdisciplinaridade e do papel do médico na conduta do tratamento. Pelo contrário, sabemos da importância dessa interface não só com o médico, mas também com outros profissionais, como o nutricionista, já que as condições nutricionais podem favorecer ou retardar a cicatrização.

Questão 4 - Você sente alguma dificuldade para proceder à avaliação de feridas? Caso positivo qual?

IC 1 - A classe médica impõe barreiras no tratamento de feridas

DSC: sim, mas com relação à classe médica, pois eles não aceitam que uma enfermeira se meta na sua conduta, não conseguem entender que quem cuida de feridas é a enfermagem, não aceitam atualizações.

Percebemos neste discurso que o médico aparece como profissional que não interage com a enfermagem para discutir a conduta em relação ao tratamento de feridas, o que deixa transparecer uma conotação de imposição pela parte médica e não de interdisciplinaridade.

Nas relações profissionais existentes entre médicos e enfermeiras, o médico tende a tratar a enfermeira com impassibilidade em algumas decisões técnicas e éticas, provocando uma certa imposição de prescrições no trabalho. A questão da autoridade médica no campo da enfermagem é um fator histórico, devido à mulher representar socialmente o seu papel tradicional de mãe, reforçando as tradições sociais da maternidade, sendo este um dado natural. Entretanto, atualmente este fato ainda é muito evidente em profissões majoritariamente exercidas por mulheres, como é o caso da enfermagem.15 Contudo, entendemos que situações como esta não se limitam apenas a questão de gênero, mas envolve uma hierarquia complexa, em que se interpõem valores éticos entre os profissionais que exercem atividades distintas.

Dessa forma, vemos que a falta de respeito pelo espaço do outro é exercida durante anos com relação à classe médica e as demais profissões, onde há um número significativo de mulheres. A questão de "autoridade" imposta pelos médicos traz conseqüências que impõem limites em determinadas ações de outros profissionais, resultando numa desarmonia durante o exercício cotidiano da profissão. Esta circunstância, ainda hoje é presente no âmbito hospitalar.

Em suma, a assistência ao portador da ferida de qualquer causa deve ser realizada pela equipe multiprofissional, a qual envolve a participação do médico e de outros profissionais como o enfermeiro, o nutricionista, o fisioterapeuta, o psicólogo, entre outros. Devendo ser indispensável a presença de todos neste processo, tendo em vista que cada um assume um papel de relevância, possibilitando, através de métodos terapêuticos aplicados ao paciente, promover sua cicatrização e bem-estar.

IC 2 - Há falta de treinamento específico e experiência

DSC: em algumas lesões sim, pois eu não tenho essa experiência toda em feridas, assim em relação ao tipo de produto a ser utilizado, extensão, profundidade, por não termos como avaliar com precisão e também pela falta de treinamento específico para o assunto.

No discurso evidencia-se que a dificuldade das enfermeiras em proceder à avaliação de feridas está relacionada à falta de experiência e de treinamento específico, confirmando a possível insuficiência de conhecimentos a respeito desta temática, embora sejam relatos de enfermeiras que vivenciam no cotidiano o cuidado com feridas.

Mediante o exposto, torna-se necessário a implementação de recursos que visem primeiramente viabilizar o trabalho dos profissionais de saúde, juntamente com uma educação continuada que elabore estratégias e desenvolva ações de treinamento contínuo, através de palestras e pesquisas, buscando um maior aprofundamento acerca da temática e, com isso, poderem atuar com maior segurança no processo de avaliação de ferida. O conhecimento é um fator de grande relevância, entretanto, torna-se imprescindível que o enfermeiro disponha também de recursos materiais para desenvolver suas atividades com maior qualidade.

CONCLUSÃO

O enfermeiro, enquanto profissional de saúde e sendo um dos responsáveis pelos cuidados ao paciente portador de ferida, vem buscando estratégias de prevenção, avaliação e tratamento para o controle e abordagem desta, visando promover condições que favoreçam uma cicatrização eficaz, sem maiores complicações ou comprometimentos. O estudo em tela possibilitou uma melhor compreensão das condições vivenciadas pelos enfermeiros que atuam no acompanhamento desses pacientes, apontando suas potencialidades, dificuldades e limitações.

O acesso dos profissionais a recursos materiais adequados, a treinamentos específicos e ao desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar são fatores indispensáveis para que possam ser viabilizadas as condições necessárias para o estabelecimento de condutas terapêuticas eficazes neste processo.

Recebido em: 15 de julho de 2007

Aprovação final: 10 de janeiro de 2008

  • 1
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  • Endereço para correspondência:

    Gleicyanne Ferreira da Cruz Morais
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Recebido
      15 Jul 2007
    • Aceito
      10 Jan 2008
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