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Aprendendo a cuidar: a sensibilidade como elemento plasmático para formação da profissional crítico-criativa em enfermagem

Learning to care: sensibility as a plasmatic element for critical-creative professional education in nursing

Aprendiendo a cuidar: la sensibilidad como un elemento plasmático para la formación de la profesional en enfermería crítica y creativa

Resumos

O presente texto consiste numa reflexão acerca do desafio no processo de ensinar-aprender o cuidado de enfermagem. Para isso, apresenta-se argumentos no sentido de reconhecer a importância de reconstruir o processo de aprendência, resgatando dimensões negadas pela hiperracionalidade hegemônica no ensino. Um caminho possível consiste no resgate da sensibilidade, propondo estratégias que favoreçam o reconhecimento da multidimensionalidade do ser humano, resgatando a complexidade da existência humana dos sujeitos do cuidado, assim como dos próprios alunos.

Enfermagem; Educação; Aprendizagem; Competência profissional


The present text consists of a reflection concerning the challenge within the teaching-learning process concerning nursing care. For such reflection, this text presents arguments in the sense of recognizing the importance of reconstructing the learning process, rescuing dimensions that have been denied by the hegemonic hyper-rationality within teaching. A possible path consists of rescuing sensibility, thus proposing strategies that favor the recognition of the multidimensionality of being human, rescuing the complexity of human existence as subjects for care, as well as that of nursing students.

Nursing; Education; Learning; Professional competence


El artículo trata sobre una reflexión teórica acerca del desafío en el proceso de enseñar-aprender los cuidado de enfermería. Para ello, se presentan argumentos reconociéndose la importancia de reconstruir el proceso de aprendizaje, rescatando así las dimensiones los cuales no fueron reconocidas debido a la hiperracionalidad hegemónica en la educación. Uno de los caminos posibles es el rescate de la sensibilidad proponiéndose algunas estratégias que favorezcan el reconocimiento de la multidimensionalidad del ser humano, rescatando pues la complejidad de la existencia humana de los sujetos del cuidado, así como, de los propios alumnos.

Enfermería; Educación; Aprendizaje; Competencia profeional


ARTIGO ORIGINAL

REFLEXÃO TEÓRICA

Aprendendo a cuidar: a sensibilidade como elemento plasmático para formação da profissional crítico-criativa em enfermagem

Learning to care: sensibility as a plasmatic element for critical-creative professional education in nursing

Aprendiendo a cuidar: la sensibilidad como un elemento plasmático para la formación de la profesional en enfermería crítica y creativa

Marta Lenise do PradoI; Kenya Schmidt ReibnitzII; Francine Lima GelbckeII

IEnfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Docente da Graduação em Enfermagem,Vice-Coordenadora e Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC)

IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Graduação em Enfermagem e do PEN/UFSC. Vice-diretora do Centro de Ciências da Saúde/UFSC

IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente da Graduação em Enfermagem e do PEN/UFSC. Diretora de Enfermagem do Hospital Universitário da UFSC

Endereço Endereço: Marta Lenise do Prado R. das Acácias, 121, Ap. 501, Bl. A3 88.040-560 Carvoeira, Florianópolis, SC. E-mail: mpradop@nfr.ufsc.br

RESUMO

O presente texto consiste numa reflexão acerca do desafio no processo de ensinar-aprender o cuidado de enfermagem. Para isso, apresenta-se argumentos no sentido de reconhecer a importância de reconstruir o processo de aprendência, resgatando dimensões negadas pela hiperracionalidade hegemônica no ensino. Um caminho possível consiste no resgate da sensibilidade, propondo estratégias que favoreçam o reconhecimento da multidimensionalidade do ser humano, resgatando a complexidade da existência humana dos sujeitos do cuidado, assim como dos próprios alunos.

PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem. Educação. Aprendizagem. Competência profissional.

ABSTRACT

The present text consists of a reflection concerning the challenge within the teaching-learning process concerning nursing care. For such reflection, this text presents arguments in the sense of recognizing the importance of reconstructing the learning process, rescuing dimensions that have been denied by the hegemonic hyper-rationality within teaching. A possible path consists of rescuing sensibility, thus proposing strategies that favor the recognition of the multidimensionality of being human, rescuing the complexity of human existence as subjects for care, as well as that of nursing students.

KEYWORDS: Nursing. Education. Learning. Professional competence.

RESUMEN

El artículo trata sobre una reflexión teórica acerca del desafío en el proceso de enseñar-aprender los cuidado de enfermería. Para ello, se presentan argumentos reconociéndose la importancia de reconstruir el proceso de aprendizaje, rescatando así las dimensiones los cuales no fueron reconocidas debido a la hiperracionalidad hegemónica en la educación. Uno de los caminos posibles es el rescate de la sensibilidad proponiéndose algunas estratégias que favorezcan el reconocimiento de la multidimensionalidad del ser humano, rescatando pues la complejidad de la existencia humana de los sujetos del cuidado, así como, de los propios alumnos.

PALABRAS CLAVE: Enfermería. Educación. Aprendizaje. Competencia profeional.

INTRODUÇÃO

Há muito vimos refletindo sobre o compromisso da enfermeira na formação de novos profissionais. Ser professor implica desenvolver competências distintas daquelas esperadas para uma enfermeira, embora reconhecemos o inerente papel de educador implicado no cotidiano da prática de enfermagem. Autores têm discutido a sinergia do trabalho docente, já que se aprende a ser professor (quando há preparo formal para isso) numa posição inversa sendo aluno. Isto exige uma coerência estreita entre o que é dito e o que é feito. Se isso é verdadeiro na formação de professores, mais ainda o é na formação da enfermeira, cuja essência de sua profissão é o cuidado. Então, se é preciso coerência, só podemos ensinar o cuidado, cuidando. Eis aí nosso desafio.

Se educar não significa adestrar, mas desenvolver a capacidade de aprender como um sujeito crítico, epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do objeto ou participa de sua construção; se educar exige apreensão da realidade, não para adaptação, mas para a transformação, para a intervenção e recriação dessa realidade, o que significa educar para o cuidado de enfermagem?1

Cuidar, gerenciar e educar compõe três ações básicas presentes no processo de trabalho da enfermeira, as quais não são dissociadas, mas possuem objetivos específicos, de acordo com cada processo particular, visando, de uma maneira geral, o bem-estar do ser humano, objeto do processo de trabalho da enfermagem. Estes diferentes processos definem o papel que deve ser desempenhado pela enfermeira, evidenciado na formação da profissional e no cotidiano de seu trabalho. Reconhecemos que o cuidado do ser humano em sua complexidade tem sido apontado como objeto epistemológico da enfermagem, por diversos autores.2 Um cuidado que rompe com a fragmentação corpo/mente, normal/patológico; um cuidado integrador, humanizado, favorecedor de uma vida melhor e mais saudável; um "cuidado terapêutico". O cuidado terapêutico é uma ação que se desenvolve e termina na e com a pessoa, carregado de valor (ético e estético), sendo um bem necessário às pessoas.3 O cuidado terapêutico como ação da Enfermagem carrega consigo um compromisso social, compreendido como: compromisso com o desenvolvimento pessoal e a autonomia do sujeito; compromisso com o conhecimento, a crítica e a intervenção sobre a realidade; compromisso com os setores ou grupos sociais afetados por políticas de desigualdade; compromisso com o desenvolvimento coletivo, através de atitudes cooperativas; compromisso com a democratização de oportunidades, em combater a hegemonização, em praticar a solidariedade, negar a neutralidade, suprimir barreiras, combater a segregação, defender a pluralidade.4

E se estamos falando em cuidado de enfermagem, esse compromisso também precisa reconhecer a dimensão política do cuidado de enfermagem, perguntando-nos: para que? Por que? A favor de quem? Reconhecendo a incompletude de nossa formação e a necessidade de organizar apoios e compartilhar estratégias para a superação de nossos limites e potencialização de nossas fortalezas, para a construção da cidadania, que só é possível em espaços de liberdade, autonomia e responsabilidade.

Então, como ensinar tal cuidado? Como ensinar, cuidando? Como ensinar cuidado com compromisso social? Essa tarefa só se concretiza através de uma educação baseada na criatividade e na sensibilidade, que possibilita uma reflexão e uma ação crítica sobre a realidade, comprometidas com a transformação social, a construção de sujeitos éticos, de sujeitos de cuidado. Há que se entender, portanto, o que é educar e o que é cuidar, visando assim compreender os desafios da prática educativa dos docentes, no sentido de se alcançar o cuidado terapêutico, mas também a formação de profissionais crítico-criativas, comprometidas com o ser humano, objeto de seu cuidado, o qual tem desejos, emoções, necessidades social e culturalmente construídas.

Educar é muito mais do que treinar para o desempenho de destrezas, é contribuir na formação de um ser inconcluso, que é o ser humano, sendo, neste contexto, papel do educador criar possibilidades para produção e construção do conhecimento.1 "Ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar, é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado".1:25 Educar envolve relação, pois quem educa, educa alguém, portanto, envolve respeito, ética, reconhecimento do outro e de si mesmo, buscando autonomia, ou seja, educar é um princípio de esperança.

Estas noções que envolvem o educar, também estão presentes no cuidar, já que cuidar traduz uma ação de tratar alguém, atender alguém, sendo o recebedor do cuidado, um ser humano também incompleto, inconcluso, que tem diferentes dimensões, as quais serão cuidadas, quer física, psicológica ou espiritualmente. O cuidar envolve trabalho, responsabilidade, conhecimento, reconhecimento do outro, interação, abertura de espaços para uma relação dialógica, para a interdisciplinaridade e intersetorialidade.5

A partir desta reflexão inicial, coloca-se o grande desafio para a formação em Enfermagem: a formação de profissionais crítico-criativas, capazes de responder às demandas de uma sociedade complexa, superando as dicotomias cada vez mais excludentes, na direção de um cuidado em enfermagem inclusivo, interativo, acolhedor. Portanto, mais que em qualquer outro tempo, o atendimento aos requerimentos em saúde implica na capacidade das profissionais em conjugar a objetividade e a subjetividade. Precisamos superar a crítica de alguns autores quando afirmam que o nosso conhecimento desune os objetos entre si, isolando-os de seu contexto natural e do conjunto do qual faz parte.6 De modo que, precisamos conceber o que os une, inserindo um conhecimento particular em seu contexto e situando-o no seu conjunto. "E é nesse processo de pensar complexo, quando o comportamento mental da racionalidade e da criatividade se interpenetram",7:28 que uma nova maneira de perceber o cuidar e o educar se manifesta.

Esse desafio é uma necessidade cognitiva que se impõem na educação em enfermagem: superar a histórica separação da descontextualização do fazer enfermagem entre o profissional e o pessoal, como se houvesse aí um distanciamento entre a objetividade e a subjetividade. Precisamos articular essas duas dimensões, para que o enfermeiro ao cuidar se perceba como sujeito. Essa articulação precisa começar pela própria formação, por meio da incorporação de outros modos de aprender-ensinar enfermagem, que resgatem e valorizem a sensibilidade, pois uma interação afetiva propicia a compreensão e modificação das pessoas mais do que um raciocínio brilhante repassado mecanicamente.8

A formação da profissional crítico-criativa requer uma revisão nos modos de ensinar-aprender enfermagem. Esse desafio está colocado, não só pelo reconhecimento da complexidade da sociedade contemporânea como também pelos novos requerimentos legais, traduzidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais. Esse é um desafio para as instituições formadoras, pois requer uma profunda análise das concepções pedagógicas em estrita ligação com as práticas concretas, nos diversos cenários de aprendizagem. Nesse processo, confrontamo-nos com o paradigma hegemônico orientador da formação em enfermagem, fortemente marcada pela racionalidade positivista da ciência moderna.

Historicamente, a formação das profissionais de enfermagem esteve orientada pelas práticas decorrentes dessa ciência, que valoriza a objetividade, elimina as emoções e esteriliza os sujeitos, na medida em que lhes impõem certa neutralidade e indiferença como condição para o correto desempenho das atribuições profissionais. Nesse contexto, ensinamos o cuidado em enfermagem, que em essência está em outra direção: é subjetivo, intuitivo, sensível e se concretiza no espaço das relações entre os sujeitos envolvidos; constitui-se num trabalho vivo em ato.9

O trabalho vivo em ato é considerado como fonte de novas formas do fazer, se desenvolve no momento da ação e não pode ser totalmente capturado; se expressa pelo autogoverno e pelos espaços interseçores, que são os espaços das relações. Como componentes da ação no trabalho pedagógico, estes espaços podem ser ampliados para a novidade e para as novas possibilidades de intervenção. "Estes momentos de relação entre sujeitos que ocorrem tanto no ato de educar como no de cuidar, acontecem num espaço interseçor. Neste espaço, há um encontro, uma negociação, um ato intersubjetivo, que visa à articulação de um pensar e um agir por parte dos sujeitos desta relação presente no trabalho vivo em ato".10:702

Como profissionais da saúde e da educação que somos, abre-se a possibilidade para fazermos a relação entre o cuidar e o educar, reconhecendo esta interdependência, pois ao educar estamos cuidando e ao cuidar estamos educando.

RELAÇÃO PEDAGÓGICA: REFLEXÕES SOBRE O APRENDER/ENSINAR A CUIDAR

O ser humano é complexo e traz em si caracteres antagonistas. O homem da racionalidade é também o homem da afetividade, do mito e do delírio. O homem do trabalho é também o homem do lúdico. O homem do empírico é também o homem imaginário. O homem da economia é também o homem do consumismo. O homem prosaico é também o da poesia, do fervor, da participação, do amor, do êxtase. Assim, o ser humano não só vive da racionalidade e da técnica; ele se desgasta, se dedica a danças, transes, mitos, magias, ritos.11 A compreensão dessa multidimensionalidade do ser humano aponta a dimensão de nosso desafio como profissão em alcançar esse humano em nós, como seres humanos individuais e como coletivo múltiplo profissional.

O reconhecimento e a valorização da multidimensionalidade do ser humano remetem aos docentes de Enfermagem um duplo desafio ao abordar o cuidado: resgatar a complexidade da existência humana dos sujeitos do cuidado, mas também dos próprios alunos, para que possam perceber a sua própria multidimensionalidade. Isto se faz necessário para que enquanto futuros profissionais não percam a sua identidade pessoal, a qual estará aliada à identidade profissional e institucional.12 Se o cuidado pressupõe relação de troca, inter-relação, diálogo, há que se refletir sobre o que significa cuidar do outro (cliente e aluno), não apenas como algo objetificado, mas como alguém que tem emoções, identidade, saber próprio, que deve ser considerado, o que pressupõe uma ausculta sensível.5

Nesse processo, é condição primeira o conhecimento daquele de quem cuidamos? Neste sentido, "conhecer sem sentir e agir é mera ideologia. Agir sem conhecer e sentir é automatismo. Sentir sem conhecer e agir é apenas fantasia. Sentir e pensar sem a possibilidade de ação é loucura e alienação".13:104 Até que ponto sentimos e agimos com conhecimento, respeitando os seres humanos em sua integralidade?

Diante destas reflexões, alguns questionamentos precisam estar explicitados para uma melhor compreensão da prática educativa para o cuidado terapêutico. Estes questionamentos estão relacionados com o nosso cotidiano, com os relacionamentos que mantemos com nossos pares e com as outras pessoas. Como são as relações entre professores e alunos e entre os colegas? No que estas relações promovem ou dificultam a aprendizagem? Como respeitar e possibilitar que alunos e professores possam explicitar e assumir suas propostas, seus pensamentos e seus sentimentos? Como favorecer a auto-estima, a importância sociocultural de nossa profissão e conquistar melhores condições de trabalho?

Todo este significado plasmático do cuidado só terá sentido se os alunos desejarem aprender, se não forem indiferentes ou negativos com as pessoas em seu entorno. Indisciplina e dispersão prejudicam a realização das atividades acadêmicas. Inconveniência, desrespeito e maledicência perturbam as relações entre as pessoas. Precisamos cultivar as virtudes que nos tornam dignos de nós mesmos e das outras pessoas, tais como o respeito, a cooperação, a convivência e o cuidado.

O que percebemos é que os pequenos gestos, palavras ou sentimentos constróem as bases para uma relação mais amorosa. Sendo assim, como o professor organiza e favorece diferentes relações em sala de aula? Como distribui as atividades em grupo? Como olha, vê, sente e fala com cada aluno? Como coordena valores e regras que disciplinam a vida em comum, seja na sala de aula ou mesmo nos campos de atividades teórico-práticas?14 Do ponto de vista didático, é necessário educar para outros valores que dêem sentido à própria vida e que não sejam baseados no individualismo, na competitividade e no sentido do ter.

Assim, o que pretendemos expressar neste processo pedagógico, é a educação para a solidariedade como uma autêntica revolução pela sensibilidade. "Trata-se de criar, progressivamente, uma nova consciência, de ajudar a construir alguns valores, desenvolver atitudes e potencializar ações, que transformem o pensar e o agir centrados no próprio interesse em uma maneira de pensar e agir centrada no interesse coletivo".15:111

O que precisamos é construir a educação solidária, para a qual uma das condições é a valorização da sensibilidade como conhecimento. Sensibilidade compreendida como experiências físicas da visão, audição e tato, o que implica na relativização de nossa racionalidade e na valorização de nossas experiências sensitivas. Para isso precisamos de contato visual e físico com as pessoas que são sempre realidades mais complexas e portadoras de mistérios que transcendem nossa capacidade racional. Também é preciso valorizar a sensibilidade humana como aquela que permite sentir empatia e a compaixão, de se deixar tocar pelas vidas, sofrimentos e alegrias, esperanças e desejos das outras pessoas.16

Uma estratégia para resgatar a sensibilidade no aprender-ensinar Enfermagem consiste em incorporar a ludicidade como elemento que estimula a imaginação e permite a construção de significados e interpretações que impulsionam o processo crítico-criativo. A imaginação permite à mente humana ser criativa e é do homem criativo e autônomo que a sociedade precisa. A ludicidade no processo pedagógico facilita a aprendência, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colaborando para a saúde mental, preparando para um estado interior fértil A formação lúdica se assenta em pressupostos que valorizam a criticidade, o cultivo da sensibilidade e a busca da afetividade.8 Estas atividades, ao estimularem o envolvimento pessoal e o aluno como agente do processo e não como mero espectador, provocam uma interação com os outros, com os objetos e com o mundo dos demais. Essa interação propicia uma aprendizagem significativa, criativa, favorecendo a manifestação do outro em sua integralidade e multidimensionalidade.

Na ludicidade como forma de aprendizado, que "o saber, como algo próprio do homem, tem parte de sua morada, como um de seus compartimentos, a ludicidade, a brincadeira. Na plenitude do viver, o homem precisa de todos os espaços para sua expansão existencial, nos sentidos, nas sensações, nas expressões, nas reflexões, nas interações, no coletivo, no individual".17:126

Constatando a importância da ludicidade como forma de aprendizado, entende-se que uma das formas de educar para o cuidado, no sentido de abrir espaços para a reflexão crítica deste significado, se faz por meio de estratégias de ensino pautadas no lúdico.

EDUCAR CUIDANDO PARA O CUIDAR EDUCANDO

O tema cuidado em enfermagem é desenvolvido por meio de uma oficina na disciplina de Fundamentos de Enfermagem, no 3º semestre do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Esta disciplina estabelece um contato direto com cenários da prática de enfermagem, discutindo as bases sobre as quais esta prática se fundamenta. Nessa disciplina pretendemos que o aluno desenvolva uma competência técnico-científica, política e ética, envolvendo a reflexão crítica acerca do homem, da sociedade e do processo de viver humano. Objetivamos a apreensão do homem, objeto de nossa ação, em sua integralidade, reconhecendo que, ao executar uma técnica, ao desenvolver uma ação de enfermagem, é necessário lembrar que é com um ser humano que atuamos, ser humano este que tem sentimentos, emoções, que está inserido no contexto histórico e social e que não é apenas um corpo físico e biológico doente. Assim, Fundamentos para o Cuidado Profissional de Enfermagem não é apenas uma disciplina em que são desenvolvidas habilidades técnicas, mas que busca perceber a técnica a serviço do homem; homem este que necessita de cuidado, ao longo de seu ciclo vital, um cuidado sensível, para consigo e para o outro. Um cuidado que precisa traduzir-se também nas relações existentes na sala de aula, no espaço interseçor da relação professor-aluno.

Fundamentado nessas idéias, buscamos encontrar caminhos de flexibilização dos processos de aprendência, incorporando a ludicidade de modo estratégico, através de seus diversos elementos (sensorial, visual, auditivo), no desenvolvimento de competências para o cuidado às pessoas, junto aos alunos de Curso de Graduação em Enfermagem. Para isso, recorremos ao uso de tecnologias de informática para compor um clip, capaz de reunir elementos de musicalidade, imagem e movimento. Utilizando uma canção da música popular brasileira, cujo tema está na relação cuidado e sensibilidade, foram construídas imagens relativas ao contexto do cuidado em enfermagem e acrescidas de movimento, resultando no clip intitulado A sensibilidade no cuidado. Esse clip é um recurso utilizado junto à Oficina de Cuidado e Sensibilidade, desenvolvida na disciplina Fundamentos para o Cuidado Profissional do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC, como estratégia de motivação para um processo de reflexão que possibilite a conceptualização do cuidado em enfermagem. A partir do clip, discutimos o que significa cuidado; quais as experiências que os alunos já vivenciaram em relação ao cuidado; como gostariam de ser cuidados; como percebem o cuidado em enfermagem* * Música "Sozinho", interpretada por Caetano Veloso, desenhos e animação de Adriano Reibnitz. Clip disponível em http://paginas.terra.com.br/arte/torso/anima.html .

Com estes questionamentos, aliados ao estímulo da estratégia de aprendência utilizada, os alunos refletem acerca do cuidado, aliando a outras estratégias, como por exemplo, dramatizar, em sala de aula, o cuidado em enfermagem. Para cuidar, há que se estabelecer a pluralidade dialógica, com a "abertura dos espaços assistenciais a interações dialógicas por meio de linguagens outras, como a expressão artística, o trabalho com linguagens corporais e mesmo outras racionalidades terapêuticas".5:89 Para tanto, há que se pensar na formação a partir desta perspectiva, utilizando estratégias que possibilitem docentes e alunos também abrirem espaços para a pluralidade dialógica no contexto da formação.

Se para cuidar precisamos implementar a ausculta sensível, reconstruindo práticas de saúde que possibilitem a dimensão comunicacional, como um espaço para a relação terapêutica5, também na relação professor aluno, quando se aprende/ensina o cuidado, este espaço se faz necessário. "As emoções são parte constitutiva da estrutura humana e definem o nosso atuar. Estão sempre presentes em cada atividade humana e não existe nenhum âmbito de ação que não seja determinado pela emoção",18:58 indicando que ao pensar, refletir e/ou atuar, estamos nos pautando por um estado emocional definido anteriormente. O mesmo autor, afirma que "a qualidade da relação estabelecida com os outros [neste caso a relação professora-aluna] é central para a compreensão da experiência do sujeito",18:58 a tal ponto que no processo da aprendizagem passam a construir significados que irão ter reflexo no desenvolvimento pessoal e profissional.

O que observamos ao utilizar o clip como recurso pedagógico foi a abertura para o diálogo e reflexão, favorecendo, desta forma, a relação do aluno com o sujeito do cuidado, bem como possibilitando sentirem-se sujeitos ao cuidar. O clip como estratégia mobilizadora despertou no aluno um processo de reflexão, sensibilizando-o para a importância da ausculta sensível no cuidado profissional de enfermagem.

RECONHECENDO A SENSIBILIDADE COMO ELEMENTO PLASMÁTICO NA FORMAÇÃO DA PROFISSIONAL CRÍTICO-CRIATIVA EM ENFERMAGEM

É importante ressaltar a efetividade da relação pedagógica quando ocorrem processos comunicacionais facilitadores, que propiciam um sistema interativo que, além dos conteúdos programáticos e das imposições normativas expressas pelo instituído, não deixem de equacionar as necessidades e o sentir humanos. Sendo assim, a relação pedagógica propicia a criação de "espaços de conhecimento e de experiências sem negar a partilha de valores e a expressão de afetos e de emoções, tão necessários à estruturação da identidade...".19:sp Além disto, "o conhecimento objetivo precisa do subjetivo, aquele que nos chega pela compreensão humana".20:sp Desta forma, espera-se da professora uma atitude em que se restaure a sensibilidade, pois se questiona, atualmente, "o adormecimento do afeto, da parceria". Ao ensinar a cuidar, precisamos cuidar do outro, do aluno, ser humano em formação, para que este possa efetivamente exercer o cuidado em sua prática cotidiana. Assim, mais que simplesmente preparar um conteúdo a ser ministrado, o processo de aprendência do cuidado envolve planejar os conteúdos, orientar os estudos, mas também ouvir a necessidade dos alunos, estar atento às dificuldades, re-planejar atividades, discutir sobre atitudes e valores, bem como sobre as possibilidades de convivência em grupo, ao cuidado e à habilidade no uso das tecnologias. Entendendo o processo desta forma, o conteúdo reforçará outros conteúdos fundamentais e indissociáveis, focalizando o objetivo e o subjetivo, ensinando e aprendendo sobre cuidado ou sobre temas relacionados à enfermagem, formando enfermeiras.

Essa, certamente, é uma experiência delimitada que, no entanto, nos aponta a necessária abertura que nós, professoras, precisamos ter para as diversas oportunidades, em forma e conteúdo, em que podemos buscar a incorporação de elementos lúdicos no processo de aprendência em Enfermagem. Esse desafio requer dos docentes a sensibilidade para transformar as experiências de aprendizagem em experiências significativas para os alunos, a partir de sua própria realidade, incorporando elementos capazes de estimular a participação, a motivação e a mobilização dos alunos. "(...) Se soubermos coordenar o ensino dos conteúdos das disciplinas com o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas à vida cotidiana, então, quem sabe, nosso trabalho ganhará mais sentido".14:4

Por fim, é preciso reconhecer também que a complexidade humana aponta para dimensões essenciais indicando que o desenvolvimento humano só é possível quando se alia desenvolvimento material, da alma e do espírito.21 Para isso é preciso garantir o respeito a multidimensionalidade humana em especial aquelas que a racionalidade desprezou: a emoção, a intuição, a sabedoria, a solidariedade e o bom senso.

Recebido em: 20 de fevereiro de 2006

Aprovação final: 15 de maio de 2006

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    Marta Lenise do Prado
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    Música "Sozinho", interpretada por Caetano Veloso, desenhos e animação de Adriano Reibnitz. Clip disponível em
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      15 Maio 2006
    • Recebido
      20 Fev 2006
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