Pesquisas de métodos mistos têm sido referidas como àquelas que condensam, em um mesmo estudo, procedimentos de coleta, análise e combinação/integração de dados das abordagens/vertentes quantitativa e qualitativa. Para tanto, o paradigma em ascensão a respeito dos métodos mistos defende que o pressuposto de integração entre as abordagens é uma das características mais elementares para que o estudo se delineie como misto, bem como é o que pode atenuar as limitações próprias de uma pesquisa single-method.1
A lógica da integração de dados é de oferecer possibilidade(s) de resposta(s) que não seriam atingidas pela explanação de apenas uma ou outra abordagem (quantitativa e qualitativa) e tampouco se estas abordagens forem meramente sobrepostas, mas não de fato integradas.1-2 Isso reverbera a necessidade de o pesquisador ter ciência das justificativas para o emprego das pesquisas de métodos mistos, ao exemplo dos argumentos de confirmação (corroboração/convergência) e de complementaridade (adição/incrementação). Ademais, deve-se apreender que a integração deve ocorrer no contínuo do estudo, indo desde a formulação da questão de pesquisa, definição da unidade de análise, amostragem, coleta de dados, estratégias de análise e de apresentação de resultados.3
Existem quatro principais mecanismos de integração de dados em pesquisas de métodos mistos: conexão, construção, fusão e incorporação.1 A conexão diz respeito a utilização de um rol de dados analisados para guiar a coleta de outros dados, sendo muito comum entre pesquisas explanatórias sequenciais que iniciam com a etapa quantitativa e utilizam (conectam) as informações estatísticas para definir meios e até mesmo sujeitos/participantes da etapa qualitativa posterior. Por construção, entende-se que é uma forma comumente utilizada para integrar dados qualitativos primários, os quais, após analisados, são utilizados para construir meios/instrumentos que viabilizarão a extração de dados quantitativos subsequentes.1 Interpreta-se aqui a construção como uma forma ou nuance de conexão, pois também mantém extremidades de coleta e análise de dados qualitativos e quantitativos separadas, mas, combinadas/conectadas.
A fusão é um tipo de integração de dados que ocorre convergentemente nos processos de coleta, análise, discussão e interpretação de resultados em um contínuo movimento de comparação/confrontação e/ou corroboração. É viabilizada ou facilitada por estratégias de joint display1 (ou apresentação conjunta de resultados), ainda que essa estratégia ilustrativa não seja exclusiva dos estudos que se utilizam da fusão como meio de integrar os dados quantitativos e qualitativos. Entende-se aqui a fusão como um processo que demanda intensa abstração autoral e capacidade interpretativa avançada.
Já por incorporação, essa permeia uma forma de integração de dados em projetos de pesquisa normalmente mais ampliados, dos quais os dados quantitativos e qualitativos são integrados por conexão, construção e/ou fusão em distintas fases deste grande estudo.1
Na pesquisa em enfermagem, o emprego de métodos mistos é apontado como altamente valoroso, pois, se respeitados os pressupostos deste paradigma científico (entre eles, a combinação/integração de dados), há possibilidade de se alcançar inferências e aproximações complexas sobre os objetos de estudo da área, que também recaem em elevada densidade e complexidade.2 Em contrapartida, recentemente constatou-se em revisão da literatura conduzida por pesquisadores do Canadá, Dinamarca e Filipinas que, além de a utilização da abordagem mista de pesquisa ainda ser baixa (1,89%) entre estudos (N=7.089) da área de enfermagem, também existem lacunas (ou fragilidades) metodológicas nas pesquisas, especialmente no que se refere à explicitação do desenho do estudo; à devida justificativa pela opção pelos métodos mistos; à não declaração do peso atribuído entre as fases e/ou abordagens do estudo; e também, pela ausência de mecanismos mais robustos de integração de dados, pois a maioria dos estudos integrou a informações quantitativas e qualitativas em nível interpretativo, apenas na discussão dos achados.4
Uma possiblidade emergente de integração de dados em pesquisas de métodos mistos, inclusive na enfermagem, é o denominado Pillar Integration Process (PIP) - que por si só é uma forma de joint display - e corresponde a um processo de quatro etapas: a) listagem dos dados qualitativos e quantitativos mais relevantes nas extremidades de uma tabela/quadro/matriz; b) combinação/correspondência de dados, em lado oposto da tabela/quadro/matriz, de modo que os dados qualitativos reflitam padrões, paralelos ou semelhanças com os dados quantitativos ou não, já que o pesquisador pode não constatar correspondência e deixar este espaço em branco ou descrever “não encontrado”, por exemplo; c) checagem/verificação, que é uma atividade de avaliação se a correspondência no conjunto de dados é refinada, e um momento oportuno para que o pesquisador reflita sobre seu rol de informações, podendo retomar aspectos ou avançar em algum sentido; e, d) construção de pilares para escrever as inferências geradas da análise mista no centro da tabela/quadro/matriz.5
Ao se apropriar da pesquisas de métodos mistos, percebe-se que há necessidade de a enfermagem se dedicar a formas criativas e, ao mesmo tempo, metodologicamente rigorosas para integrar dados quantitativos e qualitativos. Ainda que estratégias mais “avançadas” como transformação de dados qualitativos em quantitativos e vice-e-versa ainda seja muito incomum, bem como as já citadas joint displays - já menos incomuns, mas não prevalentes4 pontua-se que a enfermagem tem extensa capacidade para incrementar mais e boas formas de integração de dados. Isso porque, ao longo de sua história a enfermagem se organiza no trabalho de forma peculiar e própria/identitária, o que também se vê em algum nível no meio científico. Exemplos disso são os referenciais metodológicos próprios (cita-se com louvor a Pesquisa Convergente Assistencial brasileira6) e meios de análise/interpretação de dados imbuídos em conceitos e teorias inerentes à profissão.
Sendo um paradigma científico em construção (e até mesmo pela natureza da ciência), é esperado que os pressupostos que envolvem as pesquisas de métodos mistos tenham movimentos de idas e vindas, bem como de evolução. Isso inclui com ênfase a integração de dados como um fator que confirma/confere ao estudo o status de pesquisa mista. Para a enfermagem, este cenário impõe desafios sobre se apropriar dos meios e estratégias de integração e outros pressupostos dos métodos mistos, além da necessidade de conduzir com rigor as vertentes quantitativa e qualitativa do estudo “isoladamente”. Mesmo que estes desafios sejam concretos, a enfermagem pode se destacar na empreitada rumo a estudos mistos robustos pela utilização de estratégias não somente avançadas de integração de dados, mas também identitárias, o que fortalece seu campo científico peculiar.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Ago 2020 -
Data do Fascículo
2020
