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ENSINO DE ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL: PERSPECTIVAS PARA A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

RESUMO

Objetivo:

analisar limitações, estratégias, importância e entraves na condução do ensino de saúde mental na graduação em Enfermagem para a atuação do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde.

Método:

estudo descritivo exploratório, realizado com 103 docentes da área de saúde mental de cursos de bacharelado/licenciatura em enfermagem de 89 Instituições de Ensino Superior públicas das cinco regiões do Brasil.

Resultados:

somente (24) 23,3% dos docentes conduzem o ensino de saúde mental apenas na atenção primária à saúde. Da amostra, as limitações para conduzir o ensino na atenção primária são pouca carga horária (46,6%), docentes para expandir o ensino além dos cenários de especialidade (38,8%), e priorização de outros cenários (48,5%). Quando conduzido, as estratégias utilizadas são visita domiciliar (43,7%), ações educativas (34,0%), busca ativa de casos de saúde mental (29,1%). Os docentes consideram importante para subsidiar ações em saúde mental (58,3%), e como entrave, a falta de articulação entre as disciplinas de Saúde Coletiva e Saúde para conduzir o ensino (87,5%).

Conclusão:

sugere-se que as instituições, cursos e docentes assumam o compromisso e centrem esforços para superar as lacunas, que dificultam o processo formativo do enfermeiro sobre conhecimentos primários em saúde mental, para que estes consigam ofertar cuidado para a sujeito em sofrimento psíquico no contexto da comunidade bem como fortalecer a política nacional de saúde mental.

DESCRITORES:
Saúde mental; Educação em enfermagem; Instituições acadêmicas; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem; Currículo

ABSTRACT

Objective:

To analyze the limitations, strategies, importance and obstacles in mental health education in undergraduate nursing, focused on the role of nurses in Primary Health Care.

Method:

An exploratory descriptive study conducted with 103 professors in the mental health area of Bachelor/Postgraduate nursing courses from 89 public Higher Education Institutions in the five regions of Brazil.

Results:

Only 23.3% (24) of the professors teach mental health classes only in primary health care. Of the sample, the limitations to teaching in primary care education are few class hours (46.6%), faculty to expand teaching beyond specialty settings (38.8%), and prioritization of other scenarios (48.5%). When teaching, the strategies used are home visits (43.7%), educational actions (34.0%) and active search for mental health cases (29.1%). The professors consider them important to support mental health actions (58.3%); and the barriers are the lack of articulation between the Collective Health and Health disciplines to conduct teaching (87.5%).

Conclusion:

It is suggested that the institutions, courses and professors make the commitment and focus efforts to overcome the gaps, which hinder the nurse’s education process regarding primary knowledge in mental health, so that they can offer care to patients in psychological distress in the context of the community, as well as strengthen national mental health policy.

DESCRIPTORS:
Mental health; Nursing education; Academic institutions; Primary Health Care; Nursing; Curriculum

RESUMEN

Objetivo:

analizar limitaciones, estrategias, importancia y obstáculos en el ejercicio de la enseñanza de salud mental en la carrera de grado de Enfermería, para el desempeño de los enfermeros en la Atención Primaria de la Salud.

Método:

estudio descriptivo y exploratorio realizado con 103 docentes del área de salud mental de las carreras de Licenciatura/Post-grado en Enfermería de 89 Instituciones de Enseñanza Superior públicas de las cinco regiones de Brasil.

Resultados:

solamente el 23,3% (24) de los docentes se desempeñan en la enseñanza de salud mental apenas en la atención primaria de la salud. A partir de la muestra, las limitaciones para dictar clases en la atención primaria son la escasa carga horaria (46,6%), la poca cantidad de docentes para expandir la enseñanza fuera de los ámbitos de la especialidad (38,8%) y la priorización de otros ámbitos (48,5%). Cuando se realiza, las estrategias utilizadas son la visita domiciliaria (43,7%), acciones educativas (34,0%) y búsqueda activa de casos de salud mental (58,3%) y, como obstáculo, se erige la falta de articulación entre las asignaturas de Salud Colectiva y Salud para ejercer la docencia (87,5%).

Conclusión:

se sugiere que las instituciones, las carreras universitarias y los docentes asuman el compromiso y centren sus esfuerzos en superar las deficiencias que dificultan el proceso de formación de los enfermeros sobre los conocimientos primarios en salud mental, para que dichos profesionales puedan ofrecer atención a personas que padecen enfermedades psíquicas en el contexto de la comunidad, además de fortalecer la política nacional de salud mental.

DESCRIPTORES:
Salud mental; Educación en enfermería; Instituciones académicas; Atención Primaria de la Salud; Enfermería; Plan de estudio

INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Enfermagem (DCN/ENF)11. Ministério da Educação (BR). Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES Nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem[Internet]. Diário Oficial da União, Brasília, DF(BR); 9 nov 2001; Seção 1. [cited 2018 Nov 23]. Available from: Available from: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf
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são referências para a formação de profissionais competentes, críticos e comprometidos com a saúde da população, e contemporânea da Lei n. 10.216 da Reforma Psiquiátrica.22. Brasil. Lei Nº 10.216, de 6 de abril de 2001: Dispõe sobre a proteção e os direitos dos sujeitos portadores de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, 9 abr 2001. [cited 2018 Nov 23]. Available from: Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm
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Ambas reforçam a importância da articulação entre o campo da educação, saúde e saúde mental, e são documentos legais orientadores para a condução do ensino de enfermagem em saúde mental.33. Muniz MP, Tavares CMM, Abrahão AL, Souza AC. A assistência de enfermagem em tempos de reforma psiquiátrica. RPESM[Internet]. 2015 [cited 2018 Nov 5];(13):61-5. Available from: Available from: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1647-21602015000200008&lng=pt
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Os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) dos cursos de graduação em enfermagem são norteados pelas (DCN/ENF)11. Ministério da Educação (BR). Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES Nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem[Internet]. Diário Oficial da União, Brasília, DF(BR); 9 nov 2001; Seção 1. [cited 2018 Nov 23]. Available from: Available from: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf
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e devem fornecer bases para conduzir o enfermeiro a intervir sobre os problemas/situações do processo de saúde-doença no âmbito individual e coletivo. Diante do atual cenário de retrocessos de caráter político e ideológico que o país vivencia com a subtração de investimentos no modelo de atenção psicossocial e no incentivo ao financiamento de hospitais psiquiátricos, postos pela portaria 3.588/17,44. Sousa, FSP, Jorge, MSB. O retorno da centralidade do hospital psiquiátrico: retrocessos recentes na política de saúde mental. Trab, Educ Saúde [Internet]. 2019 [cited 2019 May 15];17(1):e0017201. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00172
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-55. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 3588, de 21 de dezembro de 2017. Altera as Portarias de Consolidação nº 3 e nº 6, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a Rede de Atenção Psicossocial, e dá outras providências. [Internet]. 2017 [cited 2018 June 2]; Available from: Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt3588_22_12_2017.html
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a interlocução entre as DCNs/ENF e os princípios da Reforma Psiquiátrica, visa fortalecer o processo formativo dos enfermeiros, dando-lhes bases para um posicionamento significativo na solidificação do modelo de cuidado psicossocial.

Com essas mudanças na seara da saúde mental, observa-se que os atores sociais desse campo, nomeadamente, profissionais dos serviços e usuários/famílias, se articulam para sustentar as propostas da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), legitimadas pelas portarias 3.088/2011,66. Ministério da Saúde (BR) , Portaria Nº 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para sujeitos com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. [Internet]. 2011 [cited 2018 Nov 5]; Available from: Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/L10216.htm
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que destaca o cuidado em saúde mental de base comunitária, constituído a partir da Atenção Primária à Saúde (APS).

Logo, o processo formativo do enfermeiro generalista deve prover competências para que este consiga prover cuidados primários em saúde mental, identificar precocemente sujeitos em/com sofrimento psíquico/transtorno mental, atuar no tratamento de quadros psiquiátricos estáveis, de saúde mental/comorbidades físicas, na prevenção e na promoção da saúde mental, na correponsabilização do cuidado em conjunto com demais profissionais e serviços da RAPS, e no referenciamento aos serviços especializados quando necessário.77. Wenceslau LD, Ortega F. Mental health within primary health care and Global Mental Health: international perspectives and Brazilian context. Interface (Botucatu) [Internet]. 2015 [cited 2018 Nov 5];19(55):1121-32. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.1152
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Estudo que investiga as dificuldades vivenciadas por enfermeiros da APS e o cuidado prestado frente às demandas de saúde mental aponta um gap entre a execução de ações em saúde mental e suas reais competências. Destaca que estes profissionais entendem as necessidades do atendimento, mas não se sentem preparados para conduzir ações terapêuticas nesse contexto, não buscam conhecimentos, e as instituições de saúde não promovem educação continuada que os fortaleçam.88. Carvalho CMS, Miranda JGAB, Araújo EB, Chagas DNS. Nursing and care to mental patients in the basic care. Rev Interd [Internet]. 2015 [cited 2018 Nov 5];8(4):1-10. Available from: Available from: https://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/view/669
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Posto isto, é urgente fortalecer o ensino para que as ações dos enfermeiros não se limitem à medicalização do sofrimento, ao aconselhamento sem aprofundamento e a encaminhamentos desnecessários para serviços especializados em saúde mental.

Cientes da importância de contribuir para a inserção da saúde mental na APS, os autores partiram da hipótese que, os cursos e disciplinas de enfermagem em saúde mental de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do país, enfrentam desafios para promover um processo formativo que dirija o enfermeiro generalista no lidar com as questões de saúde mental na APS. Este estudo tem como objetivo analisar limitações, estratégias, importância e entraves na condução do ensino de saúde mental na graduação em Enfermagem, para a atuação do enfermeiro na Atenção Primária à Saúde.

MÉTODO

Estudo descritivo exploratório, conduzido por meio de amostra de conveniência, com docentes de cursos de bacharelado/bacharelado/licenciatura em enfermagem que atuam em disciplinas de Enfermagem em saúde mental, de IES públicas, das cinco regiões do país. Tendo em perspectiva o seguimento de estudos sobre a temática ensino de saúde mental, e por uma questão logística, as IES privadas do país não forma contempladas.

Inicialmente foi realizada busca por IES públicas, contando os diversos campi, no Sistema e-MEC,99. Ministério da Educação (BR). Cadastro das instituições de educação superior [Internet]. [cited 2018 Nov 5] Available from: Available from: http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/funcional/lista_cursos.asp
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recurso do Ministério da Educação, plataforma que armazena dados das IES do país, para compor o cenário de pesquisa, encontrando-se 281 IES cadastradas.

Posteriormente, para levantar os cursos de Enfermagem destas IES, foram aplicados os filtros ‘Cursos de Graduação’, ‘Enfermagem’, ‘Área geral: saúde e bem estar social’, ‘área específica: saúde’, ‘área detalhada: Enfermagem e Atenção Primária (assistência básica)’, ‘área curso: Enfermagem’, ‘gratuidade do curso: sim’, ‘modalidade: à distância e presencial’, ‘grau: bacharelado e licenciatura’ e ‘situação: ativa’, encontrando-se 144 cursos de Enfermagem cadastrados.

Nas IES que possuem mais de um campus, foi realizada busca nos sites das mesmas para encontrar docentes da área de saúde mental, totalizando nesse processo 180 docentes. Ao final, a amostra estudada foi de 103 docentes, representando 89 IES públicas do país.

Os critérios de inclusão foram: ser enfermeiro, docente de IES públicas e atuar na disciplina Saúde Mental. De exclusão: docentes que atuam na disciplina, mas não são enfermeiros, sendo excluídos duas psicólogas, e aqueles que não responderam ao questionário dentro do prazo de coleta de dados. Para o desenvolvimento da pesquisa, foi levantado o contato do coordenador/dirigente das IES e enviado carta solicitando indicação dos possíveis docentes que atuam na área de Saúde Mental. A devolutiva foi insuficiente, partindo para uma nova estratégia de contato, por meio do levantamento de correio eletrônico dos docentes nos sites das instituições e/ou na plataforma Lattes.

A coleta foi realizada de setembro de 2017 a fevereiro 2018, no Laboratório de Informática da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, com questionário autoaplicável elaborado pelos autores no formato googleforms, com 18 questões fechadas com respostas “Sim” e “Não” e cinco questões abertas, baseadas em literatura, submetido à pré-teste com dois docentes de IES públicas, posteriormente excluídos da coleta final. Contendo dados sóciodemográficos; caracterização das IES; descrição do processo de ensino de saúde mental; de ensino de saúde mental/psiquiatria para fazer saúde mental na APS.

Os dados foram digitados em uma planilha no programa Excel 2010, e analisadas quantitativamente. Para análise estatística, empregou-se o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 2.0, para determinar a distribuição da frequência entre as variáveis identificadas. Utilizou-se o nível de confiança de 95% e teste exato de Fisher e qui-quadrado (χ2) de Pearson, que apresentou significância entre os resultados quando o valor de p é <0,05.

O projeto, de acordo com as orientações da Resolução 466/2012, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Dados sociodemográficos da amostra

Da amostra de IES (n=89), obteve-se a participação de mais de um docente da disciplina de saúde mental. Destes, 67 (65%) atuam em IES Federais, 1(1%) Regionais e 33 (32%) Estaduais. São da região Norte 07(6,8%), Nordeste 29(28,2%), Sul 23(22,3%), Centro-Oeste 06 (5,8%), e Sudeste 38(36,9%). Predomínio de docentes do sexo feminino (73,8%), com Mestrado (35,3%), Doutorado (52,9%) e Pós-doutorado (11,8%), graduado entre cinco e 20 anos (53,7%) e > 20 anos (42,7%). Atuam na docência entre um e 10 anos (38,9%), entre >10 e 20 anos (33%) e > 20 anos (27,2%), atuaram na assistência por menos de um ano (17,5%), entre um e 10 anos (47,6%), entre >10 até 20 anos (18,5%), e > 20 anos (15,5%).

Dados do ensino de saúde mental nos cursos de Enfermagem das IES

A média da carga horária destinada aos conteúdos de saúde mental ao longo do currículo de graduação foi de 150 horas, com amplitude entre 15 e 600 horas/relógio, em disciplinas específicas de saúde mental. Em algumas IES, o conteúdo de saúde mental é conduzido transversalmente no currículo, perpassando outras disciplinas. Quanto aos cenários de estágio da disciplina de saúde mental, os docentes relataram que o mesmo acontece em Hospital Psiquiátrico 29(28,9%), Emergência Psiquiátrica 21(20,4%), Enfermaria de Psiquiatria em Hospital Geral (EPHG) 24(23,3%), Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) álcool e drogas 70(68%), CAPS adulto 96(93,2%), CAPS infanto-juvenil 18(17,5%), Unidade Básica de Saúde (UBS) 42(40,8%), Comunidade Terapêutica (CT) 5(4,9%) e Consultório na Rua (CR) três (2,9%). A disciplina de saúde mental acontece na modalidade teórico-prática para a maioria dos cursos (98%). Para 65% dos docentes, a carga horária total da disciplina é insuficiente para conduzir os conteúdos desejados.

Limitações cursos/IES x ensino de saúde mental/APS

A Tabela 1 mostra as perspectivas dos docentes no que diz respeito às limitações para a condução do ensino de saúde mental na APS, bem como as estratégias quando utilizam esse campo. Da amostra do estudo, 23,3% dos docentes realizam estágio apenas na APS, e 35,9% não utilizam esse campo. Ainda que 11,7% não apontaram limitações, 48,5% dizem que no planejamento pedagógico conduzido na disciplina de saúde mental são priorizados outros cenários de prática, e 46,6% que a carga horária não é suficiente para ampliá-lo além dos serviços especializados. Não ser proposição do curso e não ser uma foi limitação foi apontado por (29,2%). As estratégias utilizadas pelos docentes são próprias do escopo da APS.

Tabela 1
Limitações e estratégias na condução do ensino de saúde mental na Atenção Primária à Saúde. São Paulo, SP, Brasil, 2018. (n=103)

Dentre outras limitações para a não condução do ensino de saúde mental na APS, os docentes elencaram a inexistência de propostas de ensino de saúde mental nesse campo (n=6); pouco enfoque da UBS em ações de saúde mental (n=1); inexistência de experiências exitosas de saúde mental na APS para compor o processo de ensino-aprendizagem do estudante (n=1); falta de receptividade dos profissionais da APS para receber estudante (n=1); resistência do trabalho em Rede de Atenção a Saúde/Psicossocial (n=3); falta de uma disciplina específica de saúde mental no curso de graduação (n=1); dinâmica do município não favorece a realização de saúde mental na APS (n=2); falta de estrutura da APS (n=3); abordagem de saúde mental inexistente na APS (n=4); falta de interação entre as disciplinas de Saúde Coletiva e Saúde Mental da grade curricular (n=4); falta de sensibilização do corpo docente sobre a importância da integração da saúde mental na APS (n=1) e pouca ênfase do ensino de saúde mental na abordagem psicossocial (n=1).

Observa-se na Tabela 2 que os cenários de prática onde o ensino de saúde mental é conduzido são diversos. A prática no CAPS adulto ocorre em todas as regiões. Com foco na assistência infanto-juvenil não é conduzida na região Centro-Oeste. Ocorre majoritariamente no Hospital Psiquiátrico na região Sudeste, quando comparado com as demais regiões do país. O Consultório na Rua é utilizado apenas na região Sul. A Comunidade Terapêutica tem sido utilizada como cenário de prática pelas regiões Nordeste e Sudeste. A UBS é empregada como cenário por todas as regiões, porém, a região que mais usa é a Sul, seguida pela Nordeste e Sudeste.

Tabela 2
Cenários de prática do ensino de Saúde mental por região do país. São Paulo, SP, Brasil, 2018. (n=103)

Importância e entrave IES x ensino de saúde mental/APS

Na Tabela 3, 23,3% (n=24) dos docentes que afirmaram que conduzem o ensino de saúde mental apenas na APS, (58,3%) (p=0,006), acreditam que conseguem subsidiar o futuro enfermeiro para atuar em saúde mental nesse âmbito. Como entrave para conduzir o ensino de saúde mental, 87,5% enxerga a falta de conexão entre disciplinas Saúde Coletiva e Mental.

Tabela 3
Importância e entrave na condução do ensino de saúde mental na Atenção Primária à Saúde. São Paulo, SP, Brasil, 2018. (n=24)*

Destacam-se como meios utilizados para condução do processo ensino-aprendizagem de saúde mental apenas na APS, os projetos extensionistas de educação em saúde mental; saúde mental na escola; atividades de Ligas Acadêmicas de saúde mental; oficinas; mostras de fotos; terapia comunitária; psicoeducação e atividades de acompanhamento de casos.

DISCUSSÃO

Considerando que a APS é o cenário para condução de práticas resolutivas e de responsabilização do cuidado, o manejo das demandas de saúde mental deve acontecer por meio de uma lógica que individualize e contextualize as necessidades de saúde e fuja a dinâmica dos encaminhamentos não qualificados para outros serviços.1010. Saxena S, Thornicroft G, Knapp M, Whiteford H. Resources for mental health: scarcity, inequaty, and inefficiency. Lancet. [Internet]. 2007 [cited 2018 Nov 5];370(9590):878-89. Available from: Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0140673607612392
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Isso faz refletir que ao receber sujeitos com diferentes necessidades de saúde, expressas por demandas complexas no âmbito biopsicossocial, os enfermeiros da APS devem produzir ações em saúde mental alicerçadas em processos formativos à altura das exigências do indivíduo/família/comunidade, do protagonismo, habilidades e competências solicitados pelo contexto e pelas políticas de atenção primária em saúde/saúde mental.

Nesse sentido, o processo formativo do docente de enfermagem em saúde mental, precisa ser sustentado no paradigma psicossocial com vistas a conduzir transformações na formação do futuro enfermeiro. Estudo sobre a formação do docente de enfermagem em saúde mental de IES públicas no Brasil aponta que as crenças e as motivações destes, em relação ao modelo de assistência psicossocial influencia no ensino e na produção de conhecimento.1111. Vargas D, Maciel MED, Bittencourt MN, Lenate JS, Pereira CF. O ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental no Brasil: análise curricular da graduação. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2018 [cited 2019 May 14];27(2):e2610016. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720180002610016
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Ademais, para atender as questões contemporâneas de valorização da autonomia e cidadania do sujeito, é condição que a formação do docente de Enfermagem em saúde mental, formador de recursos humanos, possibilite que este constituía profissionais capazes de sustentar o sujeito em sofrimento psíquico/transtorno mental, por meio de instrumentais da relação terapêutica. Para tal a formação ofertada deve ser pautada em um arcabouço histórico-político-social-teórico, que se distancie do modelo assistencial institucionalizante e excludente.

Embora, no país, o ensino de enfermagem em saúde mental seja obrigatório desde 1949, não existe legislação específica que padronize a composição da grade curricular das disciplinas, e a inexistência de uma disciplina específica de saúde mental, representa um dado limitante na formação do enfermeiro, que pode vir a comprometer seriamente a assistência. Recente pesquisa identificou que em mais de 3% das estruturas curriculares das IES públicas e privadas do país, não há oferta de disciplina relacionada à área.1111. Vargas D, Maciel MED, Bittencourt MN, Lenate JS, Pereira CF. O ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental no Brasil: análise curricular da graduação. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2018 [cited 2019 May 14];27(2):e2610016. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720180002610016
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Constitui-se, portanto, um desafio para os órgãos competentes e IES formar e contratar docentes de enfermagem em saúde mental, capazes de preparar, minimamente, o enfermeiro generalista nessa área de conhecimento, apto a conduzir ações de saúde mental na APS.

No presente, as limitações quanto à priorização de outros cenários em função da APS, carga horária insuficiente para ampliar os campos de estágio além dos cenários de especialidade em saúde mental, e não ser proposição do curso implica na tomada de decisões daqueles que constituem os cursos e disciplina de saúde mental, nomeadamente os docentes das IES. Cabe a estes reconhecer a importância e a transversalidade da saúde mental, no fazer saúde, e no compromisso das IES com a formação de profissionais comprometidos com as necessidades da população.

A falta de receptividade dos profissionais da APS para receber o estudante no contexto do processo ensino-aprendizagem de saúde mental, enquanto outra limitação encontrada no estudo confronta-se com o objetivo I do Art. 2º dos Contratos Organizativos de Ação Pública Ensino-Saúde (COAPES), que orienta a garantia dos cenários de práticas para a formação no âmbito da graduação, como medida de fortalecimento da integração entre ensino, serviços e comunidade no âmbito do Sistema Único de Saúde.1212. Ministério da Saúde (BR). Portaria Interministerial nº 1.127, de 04 de agosto de 2015. Institui as diretrizes para a celebração dos Contratos Organizativos de Ação Pública Ensino-Saúde (COAPES), para o fortalecimento da integração entre ensino, serviços e comunidade no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2015 Ago 5;148(148 Seção 1):193-6. Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2015/outubro/23/coapes-portaria-interministerial-n1.127%20-de-04%20de-agosto-de-2015.pdf
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Os docentes destacaram que há resistência e barreiras impostas nas gestões públicas dos serviços primários que dificultam a condução do ensino de saúde mental na APS. Mas também, não se dispõem a conduzir o ensino nesse campo, como enfrentamento e até mesmo construção de propostas de intervenção assistencial e pedagógica. Possivelmente, o pensamento de que na APS não existem ações exitosas de saúde mental para ofertar ao estudante, pode estar ligado ao não entendimento de que ao fazer saúde, também se faz saúde mental. Lógica ancorada na desvalorização do sofrimento mental leve, em detrimento dos quadros mais robustos, que são os transtornos mentais graves e persistentes, e tem haver com a formação baseada na psiquiatrização e medicalização do sofrimento durante a formação docente.1313. Nóbrega MPSS, Fernandes MFT, Silva PF. Application of the therapeutic relationship to people with common mental disorder. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Nov 5];38(1):e63562. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.63562
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A não proposição da oferta do ensino de saúde mental na APS merece reconsideração especialmente quando se prioriza o Hospital Psiquiátrico e até mesmo as Comunidades Terapêuticas, cenários que se distanciam de uma assistência de base comunitária. Entretanto, os consensos e dissensos, quanto à decisão pelos campos de práticas dependem do valor dado às referências teóricas que sustentam o Projeto Pedagógico do Curso, que providencialmente não é estanque, mas em sua construção exige comprometimento coletivo de diversos agentes.

Desse modo, para romper com o modelo tradicional psiquiátrico e consolidar conhecimentos necessários ao cuidado, na perspectiva da RAPS, a formação acadêmica não pode ser forjada em espaços que não sejam configurados e alinhados para qualificar o processo formativo que sustente práticas inovadoras.

Entretanto, com déficit de docentes nas IES, a ampliação do ensino de Enfermagem saúde mental para além dos espaços especializados fica compromete. Sem uma formação em enfermagem em saúde mental que acompanhe as políticas públicas, as defasagens teórico-científicas, críticas-reflexivas, são empecilhos para os enfermeiros acompanhem as constantes transformações e contribuírem para a consolidação da Reforma Psiquiátrica.

A média de carga horária (150 horas/aula) dos cursos, apontada pelos docentes para desenvolver conteúdos de saúde mental é considerada baixa para expandir o ensino prático, mas esse tópico parece não responder os reais motivos que os levam a priorizar campos de práticas tradicionais e especializados. Pois, em recente estudo de revisão, a média de carga horária de disciplinas de saúde mental no Brasil foi de 104,6 horas/aula, embora menor que outros países da América Latina (177 horas), supera a média da realidade nacional. 1111. Vargas D, Maciel MED, Bittencourt MN, Lenate JS, Pereira CF. O ensino de enfermagem psiquiátrica e saúde mental no Brasil: análise curricular da graduação. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2018 [cited 2019 May 14];27(2):e2610016. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720180002610016
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Esse achado exige muita atenção quanto aos propósitos dos cursos frente às exigências do Sistema Único de Saúde, e solicita articulação entre docentes e coordenadores na condução do planejamento. Como medida para otimizar o ensino prático na APS, as IES podem se valer da parceria com enfermeiros deste campo, enquanto colaboradores, por meio da constituição de projeto acadêmico assistencial.

Por outro lado, para negociar o aumento de carga horária, os docentes podem utilizar como indicadores a auto avaliação do aluno quanto a sua aprendizagem e sobre os conteúdos ofertados na disciplina de saúde mental. Contudo, ressalta-se que, apenas aumentar a quantidade de horas das disciplinas não trará a solução efetiva, se não houver um alinhamento conceitual para a formação. Uma alternativa é manter/estruturar o ensino de saúde mental transversalmente, em disciplinas específicas ou partilhadas ao longo do curso, visto que a saúde mental encontra-se presente nos mais diversos campos, favorecendo o reforço de seus aspectos multidimensionais.

A Saúde Coletiva e a Saúde Mental, enquanto áreas de saberes e práticas vêm se articulando para suprir as necessidades relativas à saúde como fenômeno social e de interesse público, e se entrelaçam para responder as necessidades de saúde mental. Para os docentes das IES, não há articulação entre estas disciplinas, na discussão de conteúdos afins bem como na condução de uma prática conjunta. Reconhecer que uma área tem muito a oferecer a outra e mudar essa circunstância, contribuem para enfrentar as barreiras e prover um ensino de saúde mental na APS com perspectivas mais ampliadas iminente a realidade.

Os docentes não acreditam que o cenário da APS possibilita experiências exitosas nas práticas cotidianas e demonstram uma concepção reducionista sobre a amplitude da saúde mental. Acredita-se que para estes, as demandas de sofrimento psíquico/transtorno mental são pouco vigorosas para a aprendizagem, levando o ensino para cenários clássicos como Hospitais Psiquiátricos e/ou CAPS. Considerando, que é na APS que sujeitos com transtorno mental comum procuram acolhimento, compreensão e atendimento para suas necessidades,1313. Nóbrega MPSS, Fernandes MFT, Silva PF. Application of the therapeutic relationship to people with common mental disorder. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2017 [cited 2018 Nov 5];38(1):e63562. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.63562
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utilizar esse campo criar e expande um lócus de cuidado, e estimula os enfermeiros generalistas para uma práxis mais abrangente.

Avalia-se que a fragilidade das redes de saúde dos municípios, que não investem nos cuidados em saúde mental primários, acontece em função da dinâmica de funcionamento da RAPS local, que tem na APS um de seus componentes, interferindo na escolha desse campo pelos docentes como um potente espaço de cuidado e ensino-prático.

Outro aspecto de análise, diz respeito a falta de sensibilização do corpo docente sobre a importância do ensino de saúde mental vinculado a APS, limitação que vai à contramão das iniciativas globais que sustentam o fortalecimento da rede de cuidados primários e os preceitos dos movimentos antimanicomiais.1414. Frateschi MS, Cardoso CL. Mental health care practices in primary care. Psico (Porto Alegre) [Internet]. 2018 [cited 2018 June 20];47(2):159-68. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2016.2.22024
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A não instrumentalização do enfermeiro gera insegurança para manejar casos de saúde mental, e sua inexperiência em cuidar desses casos constitui um grande desafio a ser superado.

De acordo com o caderno 34 “Saúde Mental da Atenção Básica” do Ministério da Saúde,1515. Ministério da Saúde (BR). Cadernos de Atenção Básica, N 34- Saúde Mental. [Internet]. 2013 [cited 2018 June 2]; Available from: Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_34.pdf
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os serviços da APS são os mais acessíveis, disponíveis e aceitos pela comunidade, e atuam para a melhoria da saúde e do processo de reinserção social e redução do estigma.16 Neste sentido, há necessidade de transformação na formação acadêmica dos enfermeiros, uma vez que estes representam a maior força de trabalho da APS e são responsáveis por oferecer serviços, especialmente por sua proximidade com familiares e comunidades, assim como ser um recurso estratégico para lidar com demandas importantes de saúde.77. Wenceslau LD, Ortega F. Mental health within primary health care and Global Mental Health: international perspectives and Brazilian context. Interface (Botucatu) [Internet]. 2015 [cited 2018 Nov 5];19(55):1121-32. Available from: Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.1152
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Uma pequena parcela da amostra afirma não haver limitação para conduzir o ensino de saúde mental na APS, contudo, a apropriação dessa área de atuação é pequena (n=24), ainda assim considera-se um avanço. Quando os docentes se inserem na APS, fazem o ensino por meio de algumas tecnologias, como atividades educativas, visita domiciliar, matriciamento, consultório na rua e grupos terapêuticos, esses dois últimos, ainda que pouco utilizados, são estratégias de cuidados complexas, lidam com a heterogeneidade dos diversos usuários, ampliam e alicerçam a perspectiva do futuro enfermeiro quanto ao seu compromisso com as demandas de saúde mental, bem como sustentá-las evitando encaminhamentos desnecessários.

Com a desinstitucionalização, orienta-se que o cuidado em saúde mental deve ser realizado em serviços de base territorial e comunitária, porém, retornar ao convívio social é difícil para o usuário e família.1717. Cheng JF, Huang XY, Lin MJ, Wang YH, Yeh TP. The influence of a mental health home visit service partnership on the caregivers’ home visit service satisfaction and care burden. J Clin Nurs [Internet]. 2018 [cited 2018 June 20];7(3-4):e668-77. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1111/jocn.14123
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Nos achados deste estudo, os docentes utilizam a visita domiciliar para acessar a população por esta ser um meio importante para reduzir a busca por serviços especializados como também dos índices de hospitalização em saúde mental.1818. Chang YC, Chou FH. Effects of Home Visit Intervention on Re-hospitalization Rates in Psychiatric Patients. Community Ment Health J [Internet]. 2015 [cited 2018 Nov 23];51(5):598-605. Available from: Available from: https://dx.doi.org/10.1007/s10597-014-9807-7
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As atividades extensionistas em saúde mental propostas pelas IES públicas tem sido uma escolha dos docentes para o ensino de saúde mental na APS, e oferece ao estudante a oportunidade de desenvolver-se de forma articulada com a realidade social. As Ligas Acadêmicas de Saúde Mental se destacam por conduzirem ações de promoção da saúde na comunidade, recuperação, manutenção e reabilitação, além de promover no aluno o raciocínio científico e senso crítico que agregam valores e diferencial em sua formação.1919. Van Maurer BSS, Brusamarello T, Guimarães AN, Oliveira VC, Paes MR, Maftum MA. University extension in mental health at the Federal University of Paraná: contributions to the training of the nursing professional. Cienc Cuid Saude. [Internet]. 2013 [cited 2018 June 12]; 12(3):539-47. Available from: Available from: http://www.revenf.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1677-38612013000300017
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Por outro lado, atividades de extensão fazem parte da tríade do ensino universitário e oferece avanços que impactam na transformação da comunidade e possibilita a construção do conhecimento numa formação profissional cidadã.20

Tem-se como limitação desse estudo a impossibilidade logística de abranger todas as IES públicas do país, devido à demora no retorno dos questionários. Porém foi possível produzir uma fotografia do cenário nacional quanto aos enfrentamentos que docentes de saúde mental vivenciam na realidade do ensino teórico-prático para que este seja contemplado na APS. Avança-se na construção do conhecimento na área de saúde mental ao evidenciar por meio de uma amostra significativa, que os arranjos curriculares dos cursos de graduação em enfermagem enfrentam vulnerabilidades para conduzir um ensino que esteja alinhado com a Política de Saúde Mental.

CONCLUSÕES

Abre-se um debate sobre os desafios técnicos, éticos, sociais e políticos que os docentes de IES públicas travam para conduzir o ensino de saúde mental na Graduação em Enfermagem, que embase a atuação do enfermeiro na APS. Confirma-se a hipótese que os docentes de enfermagem em saúde mental das IES enfrentam desafios devido às limitações e entrave, que perpassam as esferas institucionais, mas que os colocam como protagonistas de uma transformação.

Os docentes que desenvolvem o ensino de saúde mental apenas na APS acreditam na potência desse campo para subsidiar a formação em saúde mental. Em tempo de construção das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Enfermagem, preencher essas lacunas na formação é necessário para o fortalecimento da tríade ensino-pesquisa-extensão de saúde mental que fomente uma prática na APS mais alinhada.

Ressalta-se que a escolha do hospital psiquiátrico como local de estágio precisa ser repensada, a falta de articulação entre as disciplinas de Saúde Mental e Saúde Coletiva, e valoriza-se a interdiciplinaridade com proposta de condução do ensino para uma clínica de cuidado ampliada.

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NOTAS

  • ORIGEM DO ARTIGO

    Projetos de pesquisa - Análise do Ensino de Saúde Mental voltado às necessidades da Atenção Primária à Saúde nos Cursos de Graduação em Enfermagem. Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2017-2019.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, protocolo 1.872.177 e CAAE: 54797416.1.3001.0086

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2018
  • Aceito
    10 Jun 2019
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