Acessibilidade / Reportar erro

Supervisão de enfermagem em sala de vacina: a percepção do enfermeiro

Supervisión de enfermería en la sala de vacuna: la percepción del enfermero

Resumos

O objetivo deste estudo qualitativo foi compreender a percepção do enfermeiro sobre a supervisão das atividades realizadas em sala de vacina de unidades de atenção primária à saúde. As salas selecionadas fizeram parte de estudo preliminar, com abordagem quantitativa, que analisou as melhores salas de vacina da Macrorregião Oeste de Minas Gerais, das quais 12 salas atenderam a 100% dos critérios estruturais. Foram entrevistados os enfermeiros responsáveis por essas salas e os dados obtidos submetidos à análise de conteúdo na modalidade temática. Os resultados demonstraram ausência de um processo de supervisão pelos enfermeiros, o que pode ter ocorrido pela quantidade de ações assumidas por eles. O enfermeiro necessita de atitude proativa com ações educativas e acompanhamento mais efetivo das atividades em sala de vacina, evitando a ocorrência de falhas nos procedimentos que podem acarretar reflexo na qualidade dos imunobiológicos, disponibilizados para a população.

Supervisão de enfermagem; Imunização; Organização e administração; Atenção primária à saúde


El objetivo de este estudio cualitativo fue comprender la percepción de las enfermeras sobre la supervisión de actividades realizadas en las consultas de vacunación de las unidades de atención primaria de salud. Las consultas seleccionadas formaron parte de un estudio preliminar con abordaje cuantitativo, que analizó las mejores consultas de vacunación de la Macrorregión Oeste de Minas Gerais, Brasil, y de las cuales 12 consultas obtuvieron 100% de los criterios estructurales. Fueron entrevistados los enfermeros responsables de estas consultas, y los datos obtenidos fueron sometidos a un análisis temático de contenido. Los resultados demostraron que hay ausencia de un proceso de supervisión enfermera y que tal vez, eso ocurra por la cantidad de acciones asumidas por estos profesionales. El enfermero debe tener una actitud pro-activa con acciones educativas y un acompañamiento más efectivo de las actividades en consulta de vacunación, con el fin de evitar la ocurrencia de fallos en los procedimientos, los cuales pueden tener un impacto en la calidad de los preparados imunobiológicos disponibles para la población.

Supervisión de enfermería; Imunización; Organización y administración; Atención primaria de salud


The objective of this qualitative study was to understand the nurse's perception of the supervision of vaccination activities carried out in Primary Care Centers. The vaccination rooms selected for this study were from a preliminary quantitative study which analyzed the best vaccination rooms in the macroregion of western Minas Gerais, Brazil, in which 12 rooms met 100% of the structural criteria. The nurses responsible for these rooms were interviewed and the data obtained was analyzed through thematic content analysis. The results show the lack of a supervision process by nurses, which might have occurred due to the quantity of actions under their responsibility. The nurses need a proactive attitude with educational actions and more effective monitoring of vaccination room activities, avoiding the occurrence of flaws in the procedures which might influence the quality of the immunobiological preparation made available for the population.

Nursing, Supervisory; Immunization; Organization and administration; Primary health care


ARTIGO ORIGINAL

Supervisão de enfermagem em sala de vacina: a percepção do enfermeiro

Supervisión de enfermería en la sala de vacuna: la percepción del enfermero

Valéria Conceição de OliveiraI; Pilar Serrano GallardoII; Tânia Silva GomesIII; Luzia Márcia Romanholi PassosIV; Ione Carvalho PintoV

IDoutora em Ciências. Professora da Universidade Federal de São João Del Rei, Campus Centro Oeste Dona Lindu. Bolsista da CAPES. Minas Gerais, Brasil. E-mail: valeriaoliveira@ufsj.edu.br

IIDoutora em Saúde Pública. Professora Doutora da Faculdade de Medicina da Universidade Autónoma de Madrid. Madrid, Espanha. E-mail: pilar.serrano@uam.es

IIIDoutoranda em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, Brasil. E-mail: jasmimgomes@yahoo.com.br

IVDoutora em Saúde Pública. Enfermeira da USP. São Paulo, Brasil. E-mail: vesu@saude.pmrp.com.br

VDoutora em Enfermagem. Professora Livre Docente da EERP/USP. São Paulo, Brasil. E-mail: ionecarv@eerp.usp.br

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Valéria Conceição de Oliveira Universidade Federal de São João del Rei Campus Centro Oeste Dona Lindu Rua Sebastião Gonçalves Coelho, 400, bl A 35501-296 - Chanadour, Divinópolis, Minas Gerais, Brasil E-mail: valeriaoliveira@ufsj.edu.br

RESUMO

O objetivo deste estudo qualitativo foi compreender a percepção do enfermeiro sobre a supervisão das atividades realizadas em sala de vacina de unidades de atenção primária à saúde. As salas selecionadas fizeram parte de estudo preliminar, com abordagem quantitativa, que analisou as melhores salas de vacina da Macrorregião Oeste de Minas Gerais, das quais 12 salas atenderam a 100% dos critérios estruturais. Foram entrevistados os enfermeiros responsáveis por essas salas e os dados obtidos submetidos à análise de conteúdo na modalidade temática. Os resultados demonstraram ausência de um processo de supervisão pelos enfermeiros, o que pode ter ocorrido pela quantidade de ações assumidas por eles. O enfermeiro necessita de atitude proativa com ações educativas e acompanhamento mais efetivo das atividades em sala de vacina, evitando a ocorrência de falhas nos procedimentos que podem acarretar reflexo na qualidade dos imunobiológicos, disponibilizados para a população.

Descritores: Supervisão de enfermagem. Imunização. Organização e administração. Atenção primária à saúde.

RESUMEN

El objetivo de este estudio cualitativo fue comprender la percepción de las enfermeras sobre la supervisión de actividades realizadas en las consultas de vacunación de las unidades de atención primaria de salud. Las consultas seleccionadas formaron parte de un estudio preliminar con abordaje cuantitativo, que analizó las mejores consultas de vacunación de la Macrorregión Oeste de Minas Gerais, Brasil, y de las cuales 12 consultas obtuvieron 100% de los criterios estructurales. Fueron entrevistados los enfermeros responsables de estas consultas, y los datos obtenidos fueron sometidos a un análisis temático de contenido. Los resultados demostraron que hay ausencia de un proceso de supervisión enfermera y que tal vez, eso ocurra por la cantidad de acciones asumidas por estos profesionales. El enfermero debe tener una actitud pro-activa con acciones educativas y un acompañamiento más efectivo de las actividades en consulta de vacunación, con el fin de evitar la ocurrencia de fallos en los procedimientos, los cuales pueden tener un impacto en la calidad de los preparados imunobiológicos disponibles para la población.

Descriptores: Supervisión de enfermería. Imunización. Organización y administración. Atención primaria de salud.

INTRODUÇÃO

O perfil da morbimortalidade do Brasil apresentou mudança marcante nas últimas décadas, principalmente em relação às doenças infecciosas e parasitárias, decorrente de medidas de controle, dentre elas a vacinação que ocupa lugar de destaque entre os instrumentos de política de saúde pública no Brasil.1 O êxito do Programa Nacional de Imunização (PNI) está relacionado à segurança e eficácia dos imunobiológicos, bem como o cumprimento das recomendações específicas de conservação, manipulação, administração, acompanhamento pós-vacinal, dentre outras, pela equipe de enfermagem.2

O PNI recomenda que as atividades em sala de vacina sejam realizadas por equipe de enfermagem capacitada para o manuseio, conservação e administração dos imunobiológicos. A equipe é composta, preferencialmente, por dois técnicos ou auxiliares de enfermagem, para cada turno de trabalho, e um enfermeiro responsável pela supervisão das atividades da sala de vacina e pela educação permanente da equipe.2

Contudo, apesar dos bons resultados do PNI, estudos brasileiros apontam deficiências em sala de vacina, principalmente relacionadas à conservação dos imunobiológicos que podem comprometer a efetividade do PNI.3-5 Adicionalmente, pesquisa identifica que a vacinação propriamente dita, incluindo a indicação, contraindicação, administração e acompanhamento dos eventos adversos é realizada pelo técnico ou auxiliar de enfermagem e quase sempre sem a supervisão do enfermeiro.6

Também em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, investigação recente levanta a hipótese de que falhas no armazenamento de vacinas em unidades de saúde locais pode estar contribuindo para um recente aumento nas taxas de morbidade da coqueluche no país.7

Tendo em vista que o enfermeiro é o responsável técnico e administrativo pelas atividades em sala de vacina e que a supervisão de enfermagem é uma importante ferramenta para a melhoria na qualidade do serviço e para o desenvolvimento de habilidades e competências da equipe de saúde,8 é relevante compreender de que maneira o enfermeiro das Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPSs) realiza a supervisão das atividades da equipe de enfermagem em sala de vacina, visando a qualidade da assistência prestada.

A supervisão é um dos instrumentos de ajustamento entre a dinâmica das ações de saúde e metas propostas. Dadas as suas múltiplas atribuições e mudanças no contexto político e social, o conceito, a definição, os métodos e objetos da supervisão são diversificados e variáveis.9

A supervisão sistematizada pode ser entendida como um processo de planejamento, execução e avaliação das atividades realizadas, por meio da utilização de técnicas e instrumentos de supervisão, visando a eficiência, a efetividade e a eficácia, além do desenvolvimento da equipe de enfermagem e a qualidade da assistência prestada ao cliente.10

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi compreender a percepção do enfermeiro sobre a supervisão das atividades realizadas nas salas de vacina de UAPSs.

Os estudos pertinentes ao tema imunização, principalmente no que se refere ao processo de trabalho em sala de vacina, ainda são incipientes na enfermagem. Também os estudos de supervisão em enfermagem estão mais direcionados ao contexto hospitalar. Além disso, conhecer como é realizada a atividade de supervisão das atividades em sala de vacina, pode prevenir danos na visibilidade do PNI, em especial no que se refere à qualidade dos imunobiológicos ofertados à população. Dessa maneira, espera-se que o estudo contribua para a socialização do conhecimento em supervisão em sala de vacina, tendo em vista o reconhecimento da importância dessa ferramenta para a qualidade do cuidado, além de subsidiar a formulação de diagnósticos, monitoramento e avaliação, direcionando e orientando o trabalho do enfermeiro em sala de vacina.

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de pesquisa com abordagem qualitativa, desenvolvida na Macrorregião Oeste de Minas Gerais, Brasil, em 2011. Essa macrorregião é uma dentre as dez do Estado de Minas Gerais. Atualmente, é formada pela união de 55 municípios, agrupados em seis microrregiões, abrangendo 1.198.304 habitantes.11

Essa macrorregião conta com 261 salas de vacina, das quais 221 (84,7%) estão distribuídas em Unidades Estratégia de Saúde da Família (ESFs) e 40 (15,3%) em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), sendo estas as unidades tradicionais, conhecidas como centros ou postos de saúde, que estão em funcionamento antes, ainda, da implantação da ESF. Neste estudo, as unidades participantes foram denominadas UAPS, ou seja, o conjunto das unidades de ESF e das UBSs tradicionais.

A seleção das salas de vacina, que compuseram esta pesquisa, deu-se a partir de estudo preliminar, com abordagem quantitativa, realizado nas 261 salas de vacina, que objetivou avaliar a qualidade da conservação de vacinas nas UAPSs. Foram definidos critérios estruturais de qualidade, a fim de selecionar as melhores salas de vacina da região. Os critérios estruturais foram a exclusividade do refrigerador, a existência de termômetro de máxima e mínima temperatura, a presença de bobinas de gelo reciclável no congelador, a bandeja coletora de água, parte inferior do refrigerador com garrafas de água, a ausência de objetos no painel interno, a existência de programa de manutenção corretiva/preventiva do refrigerador e a capacitação dos profissionais em sala de vacina.12

Nesse sentido, após análise dos dados quantitativos, foram selecionadas doze salas de vacina da região que obtiveram 100% dos critérios estruturais selecionados para a pesquisa. Os sujeitos do estudo foram os enfermeiros responsáveis pelas salas de vacina selecionadas.

Para a coleta dos dados foi enviado carta, via Diretoria Regional de Saúde, solicitando anuência aos Secretários de Saúde de cada município das respectivas salas de vacinas selecionadas, para a realização do estudo. Após a autorização oficial, foi realizado contato telefônico com o setor técnico em imunização de cada secretaria municipal de saúde, para o agendamento prévio das entrevistas. Nos municípios onde não existia a referência técnica em imunização da secretaria municipal de saúde os contatos foram feitos diretamente com o enfermeiro da UAPS. Todos os 12 enfermeiros aceitaram participar da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas no período de agosto a outubro de 2011, por uma única pesquisadora, gravadas em arquivo digital, após anuência dos participantes por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram guiadas por um roteiro norteador e, posteriormente, transcritas literalmente, preservando-se a fidedignidade das informações. O roteiro semiestruturado abordou aspectos da atividade de supervisão em sala de vacina pelo enfermeiro, ou seja: descrição da atividade de supervisão em sala de vacina, supervisão das atividades desenvolvidas pelos auxiliares/técnicos de enfermagem e capacitação da equipe para o cuidado em sala de vacina.

Para a análise dos dados, utilizou-se a modalidade temática do método de análise de conteúdo,13 seguindo as fases de organização dos dados, considerando o objetivo do estudo; exploração do material empírico, com leitura exaustiva dos registros, separação dos recortes de acordo com as convergências e divergências e classificação e agregação dos dados em temas.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São João de Deus, através do Parecer n. 38/2011.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As categorias temáticas desenvolvidas com base no material empírico foram intituladas: supervisão de enfermagem em sala de vacina: o conceito sob o olhar do enfermeiro; e barreiras e perspectivas para o exercício da supervisão em sala de vacina.

A seguir elas serão apresentadas, ilustradas com exemplos extraídos dos discursos, que serão identificados com a letra E, correspondente ao enfermeiro, seguida dos números de 1 a 12, sequencialmente.

Supervisão de enfermagem em sala de vacina: o conceito sob o olhar do enfermeiro

Percebe-se, no discurso dos entrevistados, um conceito de supervisão reducionista, pautado em visão fragmentada, não contemplando as etapas do planejamento, da execução e da avaliação, principalmente quando os enfermeiros delegam o encargo da sala de vacina à equipe de nível médio. Está sem supervisão, tanto a M [técnica de enfermagem] que trabalha na parte da tarde que é a técnica e o D [técnico de enfermagem], na parte da manhã, eles já têm, acho que, mais ou menos são mais de 10 anos de sala de vacina, os dois. Então já estão assim bem por dentro (E1). Fica evidente que o vasto tempo de serviço dos técnicos/auxiliares de enfermagem é considerado, pelos enfermeiros entrevistados, como se não fosse necessária sua participação no cotidiano de trabalho nas salas de vacina, acreditando que o exercício das atividades, por vários anos, habilita-os para tal prática, não considerando a necessidade de supervisão desses profissionais.

Outra entrevistada corrobora a mesma percepção. Quando eu entrei, elas já tinham uma rotina e aí a gente foi adequando às rotinas. Mas, na maioria das vezes, elas são muito capazes, conseguem desenvolver um bom trabalho (E3).

A fala, a seguir, denota que o enfermeiro se desincumbe da atividade de supervisão, entendendo a necessidade de estar na sala apenas nas atividades de cobertura dos profissionais: a sala de vacina é realizada por uma, acompanhada, administrada por uma técnica de enfermagem, que ela fica por conta dessa sala, ela que organiza. Eu e o F [enfermeiro], a gente fica por conta de estar monitorando e realizando vacina e teste do pezinho também à tarde, quando ela não está aqui. Ou então está de férias, assim, e não tem ninguém, para estar organizando [...] (E2).

Cabe ressaltar que o auxiliar/técnico de enfermagem tem o saber da experiência que não pode ser desconsiderado, pelo contrário, faz-se necessário para o trabalho em equipe, visando a qualidade da assistência, mas a supervisão do profissional de nível médio é função do enfermeiro, cujo papel é organizar, controlar e, principalmente, favorecer o desenvolvimento da equipe de enfermagem. A supervisão deve ser entendida, assim, como parte do processo do "assistir" na sala de vacina, pois vai além da supervisão de registros, mapas, limpeza de refrigerador, englobando o acompanhamento do "fazer" dos trabalhadores da sala, oportunidade onde a supervisão acontece e, consequentemente, também o processo educativo.

Segundo o Decreto n. 94.406/87, que regulamenta a Lei n. 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, é função do auxiliar de enfermagem, no artigo 11, alínea e, executar tarefas referentes à conservação e aplicação de vacinas,14 mas essas atividades só poderão ser realizadas sob supervisão, orientação e direção do enfermeiro como explicita a referida Lei, no artigo 13.14 Isso remete à necessidade de o enfermeiro acompanhar o processo de trabalho da equipe de enfermagem nas salas de vacinas, planejando e avaliando as atividades desenvolvidas com a finalidade de oferecer à população vacinas em seu estado de máxima potência e reduzindo falhas nos procedimentos, com vistas a garantir a segurança do cliente.

Em estudo que objetivou para compreender o significado da supervisão realizada pela enfermeira da unidade básica, expresso pelos auxiliares de enfermagem, identificou-se, com base na avaliação desses, que a ausência da enfermeira no setor foi considerada como um aspecto negativo, que interfere na qualidade das atividades desenvolvidas por eles.15

Para se ter uma supervisão é necessário que haja planejamento dessa atividade, que poderá ser instrumentalizado com a adoção de roteiro para coordenar as atividades da equipe de enfermagem, visando assistência de qualidade e obtenção de melhores condições de trabalho.8-9 Nesse sentido, o Manual de Procedimentos para Vacinação apresenta uma sugestão de roteiro de supervisão em sala de vacina, e salienta que pode ser utilizado como um guia básico, a fim de não engessar um trabalho tão rico.2

No entanto, com o propósito de aprimorar a capacidade da equipe de enfermagem faz-se necessário um processo articulado e dinâmico de trabalho. É possível observar que os entrevistados consideram como facilidade para a supervisão o acesso à sala de vacina, devido à aproximação física. A minha sala de supervisão, ela é do lado, então assim eu tenho muito contato com a sala de vacina. Porque o meu acesso ali, como é muito fácil, então por isso eu não tenho esse cuidado de reservar um horário pra estar sempre olhando isso, porque meu acesso ali é muito fácil, por isso eu não reservo nenhum horário, e como eu estou muito tempo perto das meninas, o tempo inteiro, às vezes elas perguntam alguma coisa: 'o termômetro agora não está, será que é a pilha'? (E9).

Esse relato também demonstra uma concepção de supervisão que se entende por fazê-la por meio da execução de atividades do cotidiano da sala de vacina, que pode acontecer, ditada pelos momentos de dúvidas levantadas pelos trabalhadores, ou por visita à sala de vacinas, favorecida pela planta física. Isso demonstra uma prática de supervisão "de improviso", não sistematizada ou planejada, que acontece, em parte, no cotidiano da sala de vacinas, não a considerando como processo, pois é pontual, às vezes, resumida em perguntas e respostas, e que não cumpre, de fato, os objetivos e propósitos da supervisão.

Também há relato de que, por não dispor de muito tempo, o enfermeiro aproveita os mapas de administração dos imunobiológicos para realizar a supervisão. [...] eu vejo um controle é na hora de fechar a produção de vacina, que eu, já por não estar muito tempo dentro da sala de vacina eu gosto de eu mesmo fechar, não deixar para o técnico. Porque eu vou vendo o que deu errado, o que não deu, porque uma vacina não bateu, sabe? (E6).

Pesquisa realizada com o objetivo de conhecer a atuação da equipe de enfermagem na sala de vacinação observou que em algumas unidades avaliadas, o enfermeiro comparecia tão somente para recolher os mapas de administração dos imunobiológicos, situação que descaracteriza o papel esperado desse profissional, que é o responsável técnico pela sala de vacina.6

Não há, entretanto, como avaliar o funcionamento (e/ou dinâmica) da sala de vacina somente pelos mapas de registro de imunobiológicos que são analisados mensalmente. Essa prática permite analisar cobertura vacinal, erros de calendário, estoque e gastos de imunobiológicos.

Os depoimentos aqui relatados demonstram que existe dificuldade, por parte do enfermeiro, em explicitar a atividade de supervisão realizada em sala de vacina, o que talvez aconteça pela ausência de conhecimento ou valoração dessa atividade. Fica evidente, nas falas das entrevistadas, a supervisão como cumprimento de normas técnicas e, assim, não há clareza se as entreviselastadas percebem a supervisão enquanto processo, e se realmente realizam a supervisão da sala de vacina. Geralmente quem olha a geladeira todos os dias sou eu. Tanto quanto na hora que eu chego quanto na hora que eu vou embora. Quem sempre fecha a sala de vacina sou eu, sabe. É mais ou menos assim. No início e depois que eu encerro as atividades. No dia a dia mesmo, durante o trabalho, é meio corrido (E10).

Ao se expressar sobre a supervisão, a enfermeira afirma que também abre a sala de vacina: então, quando eu chego primeiro, eu abro a sala, eu confiro a temperatura (E8).

Em outra fala emitida é possível perceber que a enfermeira tão somente confere se as atividades em sala de vacina foram realizadas, ressaltando o aspecto de controle: eu chego, a primeira coisa que eu olho é ir na sala de vacina ver como está a temperatura, ver as caixas como estão, se tem algum recado, alguma coisa diferente (E12).

A supervisão do processo do trabalho originou-se da divisão técnica e social que determinou a necessidade de uma atividade que assegurasse o cumprimento das regras e normas. Assim, a dimensão do controle aparece no trabalho das enfermeiras recorrentemente.16

Uma investigação, com o objetivo de identificar o conhecimento que o enfermeiro supervisor tem sobre sua atividade, demonstrou que 70% dos entrevistados referiram que não foram preparados especificamente para a função de supervisão, supondo-se, então, que o enfermeiro supervisor exerça papel muito mais direcionado ao controle das atividades desenvolvidas pelos demais membros da equipe de enfermagem do que à supervisão.17 Assim, não são contemplados os objetivos da supervisão, que pressupõe planejamento, organização do serviço, educação permanente dos trabalhadores e avaliação no intuito de concretizar a assistência da equipe de enfermagem e, por consequência, garantir uma assistência de qualidade à população.9

Barreiras e perspectivas para o exercício da supervisão em sala de vacina

No conjunto das falas anteriores, chama atenção a ausência de processo de supervisão mais sistemático realizado pelos enfermeiros e, talvez, isso aconteça pela quantidade de ações assumidas por eles. Não é igual um posto, igual o posto central, onde o G [enfermeiro] só mexe com vacina, entendeu a diferença? Aqui eu tenho 10 ACS. A área que tem mais habitantes dos PSFs é essa área. Então tem dia que eu chego ali tem 30 pessoas para passar na triagem. Então, assim, eu conto muito com a R [auxiliar de enfermagem], que ela tem uma experiência boa demais, ela é muito competente na sala de vacina (E11).

A multiplicidade de atividades e atribuições é apontada pelos enfermeiros como objeto dificultador do processo de supervisão, e se constitui, de fato, em dificultador. Supervisionar envolve tempo e tempo envolve priorização de atividades no cotidiano do trabalho do enfermeiro. Dessa forma, é preciso, também, considerar que, no cotidiano assistencial do enfermeiro, às atividades ligadas aos cuidados de processos de doenças já instalados, chamadas ações curativas, sobrepõem-se as atividades ligadas às ações preventivas, no caso aqui representadas pelas atividades de sala de vacina.

Desse modo, os gestores municipais de saúde devem oferecer condições para que o enfermeiro assuma, de fato, a responsabilidade técnica por essa área do cuidado, sob pena de ter a qualidade dos serviços de vacinação comprometida.6

Um estudo realizado na Austrália, com o objetivo de avaliar a integridade da cadeia de frio e identificar fatores locais que afetam a ruptura dessa cadeia, demonstrou que os enfermeiros desempenham papel essencial na sala de vacina. Os autores destacaram o valor da contratação de enfermeiros e o investimento na educação específica para imunização.18

Fica evidente que o excesso de demanda para o enfermeiro, a falta de planejamento para a supervisão, associado, ainda, à organização dos serviços de saúde fazem com que o enfermeiro se perca em meio a tantas atividades, nem sempre específicas da enfermagem, comprometendo, assim, a realização e a qualidade da supervisão da sala de vacina.

Como visto, o cotidiano do enfermeiro está cercado por uma série de dificuldades no desenvolvimento do seu trabalho, mas acredita-se, aqui, que a enfermagem deve acompanhar as transformações da sociedade contemporânea e buscar cada vez mais inovações que permitam amenizar as consequências desse modelo de supervisão. Dessa forma, está em curso uma nova concepção para a realização de supervisão mais participativa, humanizada e direcionada para o aprimoramento da equipe, com vistas à qualidade da assistência.19

Em relação a esse aspecto, é possível identificar nas falas a seguir a importância de uma comunicação direta entre supervisor e equipe de enfermagem na resolução de problemas em conjunto e de forma cooperativa: eu acompanho todos os dias. Eu olho, eu chego na sala, olho o termômetro, olho a caixa térmica. Olho de manhã e olho à tarde, na hora que está fechando a vacina, e oriento as meninas... mas é diário mesmo. Qualquer dúvida que elas têm, elas me ligam, se eu não estiver aqui. Eu acompanho todos os dias. Todas as atividades a gente faz junto. Igual agora eu estava corrigindo cartão com elas, colocando cartão em dia. Ela vai e administra as vacinas, qualquer dúvida ela me pergunta. Mas é tudo em conjunto (E7).

Nesse processo cooperativo, todos têm a oportunidade de se desenvolver, e os saberes da equipe de enfermagem são reconhecidos: aqui a gente faz a supervisão diária, na aplicação, conservação das vacinas, estoque. Todo dia (E4).

Nessa perspectiva, essas novas abordagens trazem, no seu bojo, conceitos de flexibilidade, redução da hierarquia, trabalho em equipe e descentralização das decisões, com vistas à satisfação do cliente e da equipe, bem como a produtividade e a corresponsabilidade.20 Nesse prisma, a atividade de supervisão tem como missão alcançar os resultados e objetivos propostos, promover o desenvolvimento da equipe de enfermagem e gerar motivação e atitudes necessárias para maior eficiência no desempenho das funções de trabalho.21

A fala a seguir retrata a importância do enfermeiro na detecção e orientação das dúvidas dos trabalhadores em sala de vacina: durante o dia todo assim, de uma em uma hora, eu passo pela sala de vacina pra supervisionar, e todas as dúvidas que a auxiliar que está na sala de vacina tem, ela recorre aqui. Ela não faz nada se tiver na dúvida. Então, além de ir lá e supervisionar a sala, a limpeza, como que está a sala de vacina, elas vêm aqui atrás de mim pra tirar dúvidas. Então já falei com elas, não fazer nada na dúvida (E5).

Pode-se apreender, dessa fala, a preocupação central que é a de identificar, tornar claro, elucidar os equívocos que podem comprometer a assistência em sala de vacina. Um dos objetivos da supervisão de enfermagem é manter a educação permanente dos trabalhadores por meio de constantes avaliações das atividades desenvolvidas por eles, identificando necessidades de orientação e aperfeiçoamento com a finalidade de prevenir danos na assistência ao usuário do serviço de saúde.8 Em virtude do grande desenvolvimento do PNI e do acelerado processo de introdução de novas vacinas no calendário, atualizações sistemáticas, para a equipe de enfermagem que trabalha em sala de vacina, tornam-se imprescindíveis para oferecer serviço de qualidade à população.

"Neste processo de formação, que se dá 'no' e 'para o' processo de trabalho cotidiano dos serviços, o foco principal é produzir o cuidado em saúde a partir da prática profissional, construindo sentidos para a ação da enfermeira, onde esta possa identificar a finalidade do trabalho e mobilizar os atributos de forma combinada, para a produção da ação em saúde e em enfermagem, de acordo com o projeto político que se tem em marcha".16:319

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo revelou deficiente supervisão de enfermagem das salas de vacina da Macrorregião Oeste de Minas Gerais, e isso pode comprometer a qualidade dos imunobiológicos disponibilizados à população, haja vista que a supervisão em enfermagem é instrumento viável para avaliação da qualidade da assistência prestada à população, e o enfermeiro tem papel fundamental nesse processo.

O enfermeiro, responsável direto pela equipe de enfermagem precisa inserir, em seu cotidiano, supervisão planejada da sala de vacina, construída de forma ascendente, podendo utilizar os instrumentos já disponibilizados no PNI e, também, ser capaz de ampliar o entendimento de que a supervisão é uma ação importante no processo educativo, que permite identificar as demandas de capacitações dos trabalhadores, a fim de desenvolver o potencial e a qualificação da equipe de enfermagem.

Apesar das dificuldades referidas pelos entrevistados das UAPS da região, é importante repensar o processo de trabalho do enfermeiro, bem como encontrar alternativas no cotidiano das UAPSs, integrando as atividades administrativas e assistenciais, que permitam a construção do gerenciamento do cuidado em sala de vacina.

Faz-se necessário, também, a realização de pesquisas em enfermagem para compreender o significado da supervisão das atividades de vacinação, bem como a percepção das fortalezas e debilidades para supervisionar o processo de trabalho em sala de vacina, tendo em vista que a imunização na atenção primária à saúde no Brasil é atividade exclusiva da enfermagem.

Recebido: 13 de Agosto 2011

Aprovado: 6 de Setembro 2012

  • 1. Bisetto LHL, Cubas MR, Malucelli A. A prática da enfermagem frente aos eventos adversos pós-vacinação. Rev Esc Enferm USP [online]. 2011 [acesso 2012 Mai 2]; 45(5):1128-34. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n5/v45n5a14.pdf
  • 2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de procedimento para vacinação. 4ª ed. Brasília (DF): MS; 2001.
  • 3. Oliveira VC, Guimarães EAA, Guimarães IAG, Januário LH, Pinto IC. Prática da enfermagem na conservação de vacinas. Acta Paul Enferm. 2009 Nov-Dez; 22(6):814-8.
  • 4. Melo GKM, Oliveira JV, Andrade MS. Aspectos relacionados à conservação de vacinas nas unidades básicas de saúde da cidade do Recife - Pernambuco. Epidemiol Serv Saúde [online]. 2010 Mar [acesso 2011 Nov 3]; 19(1):25-32. Disponível em: http://scielo.iec.pa.gov.br/pdf/ess/v19n1/v19n1a04.pdf
  • 5. Luna GLM, Vieira LJES, Souza PF, Lira SVG, Moreira DP, Pereira AS. Aspectos relacionados à administração e conservação de vacinas em centros de saúde no Nordeste do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva [online]. 2011 Fev [acesso 2012 Jan 15]; 16(2):513-21. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n2/v16n2a14.pdf
  • 6. Queiroz SA, Moura ERF, Nogueira PSF, Oliveira NC, Pereira MMQ. Atuação da equipe de enfermagem na sala de vacinação e suas condições de funcionamento. Rev Rene [online]. 2009 Out-Dez [acesso 11 Nov 17]; 10(4):126-35. Disponível em: http://132.248.9.1:8991/hevila/RevistaRENE/2009/vol10/no4/14.pdf
  • 7. Mccolloster P, Vallbona C. Graphic-output temperature data loggers for monitoring vaccine refrigeration: implications for pertussis. Am J Public Health. 2011 Jan; 101(1):46-8.
  • 8. Correia VS, Servo MLS. Supervisão da enfermeira em Unidades Básicas de Saúde. Rev Bras Enferm. 2006 Jul-Ago; 59(4):527-31.
  • 9. Servo MLS. Pensamento estratégico: uma possibilidade para a sistematização da supervisão em enfermagem. Rev. Gaúcha Enferm. 2001 Jul; 22(2):39-59.
  • 10. Leite MLS. Padrão de supervisão da enfermeira em hospitais de Feira de Santana-BA [dissertação]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia, Escola de Enfermagem; 1995.
  • 11. Malachias I, Leles FAG, Pinto MAS. Plano Diretor de Regionalização da Saúde de Minas Gerais. Belo Horizonte (MG): Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, 2010.
  • 12. Oliveira VC, Guimarães EAA, Silva SS, Pinto IC. Conservação de vacinas em Unidades Básicas de Saúde: análise diagnóstica em municípios mineiros. Rev Rene. 2012 13(3):531-41.
  • 13. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições 70; 2000.
  • 14
    Brasil. Lei N. 7.498, de 25 de junho de 1986: Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 26 Jun 1986. Seção 1.
  • 15. Servo MLS, Correia VS. A Supervisão sob a ótica dos auxiliares de enfermagem. Rev Diálogos Ciênc [internet]. 2005 [acesso 2012 Mar 6]; 3(6). Disponível em: http://dialogos.ftc.br/index.php?Itemid=4&id=84&option=com_content&task=view
  • 16. Kawata LS, Mishima SM, Chirelli MQ, Pereira MJB. O trabalho cotidiano da enfermeira na saúde da família: utilização de ferramentas da gestão. Texto Contexto Enferm [online]. 2009 Abr-Jun [acesso 2012 Mai 5]; 18(2):313-20. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v18n2/15.pdf
  • 17. Ayres JA, Berti HW, Spiri WC. Opinião e conhecimento do enfermeiro supervisor sobre sua atividade. Rev Min Enferm. 2007 Out-Dez; 11(4):407-13.
  • 18. Carr C, Byles J, Durrheim D. Practice nurses best protect the vaccine cold chain in general practice. Aust J Adv Nurs [online]. 2010 Dec-Feb [acessed 2012 Jul 12]; 27(2): 35-9. Available at: http://www.ajan.com.au/Vol27/Carr.pdf
  • 19. Carvalho JFS, Chaves LDP. Supervisão de enfermagem no contexto hospitalar: uma revisão integrativa. Rev Eletr Enferm [online]. 2011 [acesso 2012 Abr 26]; 13(3):546-53. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n3/v13n3a21.htm
  • 20. Fernandes MS, Spagnol CA, Trevizan MA, Hayashida M. Nurses managerial conduct: a study based on administration general theories. Rev Latino-Am Enfermagem. 2003 Mar-Apr; 11(2):161-7.
  • 21. Espuela F, Prieto RMB. Perfil competencial del supervisor de unidad. Metas de Enferm. 2008 Nov; 11(9):8-13.
  • Endereço para correspondência:
    Valéria Conceição de Oliveira
    Universidade Federal de São João del Rei
    Campus Centro Oeste Dona Lindu
    Rua Sebastião Gonçalves Coelho, 400, bl A
    35501-296 - Chanadour, Divinópolis, Minas Gerais, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      Ago 2011
    • Aceito
      Set 2012
    Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br