Open-access ESTRUTURA DO CONHECIMENTO SOBRE ADMINISTRAÇÃO EM ENFERMAGEM NA PÓS-GRADUAÇÃO BRASILEIRA

ESTRUCTURA DEL CONOCIMIENTO SOBRE ADMINISTRACIÓN EN ENFERMERÍA EN EL POSGRADO BRASILEÑO

Resumos

Para analisar e descrever as características da produção científica sobre administração em enfermagem, segundo a taxonomia proposta por estudiosos, realizou-se uma pesquisa histórico-documental contemplando 596 resumos de pesquisas sobre o tema, disponíveis no acervo do Banco de Teses e Dissertações da Associação Brasileira de Enfermagem. Classificaram-se as temáticas segundo o referencial proposto, calculando-se frequências simples e relativa para cada domínio e para as variáveis de identificação das obras. Apurou-se que a terça parte da produção estudada estava concentrada na Região sudeste do Brasil e havia sido objeto de estudo de dissertações de mestrado. A classificação temática revelou que 17,6% dos estudos se referiam a Bases Ideológicas e Teóricas da administração em enfermagem, 13,1% a métodos de intervenção e 69,3% a práticas de administração de recursos. a análise culminou com a proposição de uma nova estrutura do conhecimento sobre administração em enfermagem que representasse esse conhecimento produzido na pós-graduação brasileira.

História da enfermagem; Pesquisa em administração de enfermagem; Dissertações acadêmicas; Educação de Pós-Graduação em enfermagem; Conhecimento


Para analizar y describir las características de la producción científica sobre gestión de enfermería, de acuerdo con la taxonomía propuesta por estudiosos, se llevó a cabo una investigación histórica documental incluyendo 596 resúmenes de investigaciones sobre el tema disponibles en el acervo del Banco de Tesis y Disertaciones de la Asociación Brasileña de Enfermería. Se clasificaron las temáticas de acuerdo con el referencial propuesto calculando las frecuencias simples y relativas de cada dominio y de las variables de identificación de las obras. Se encontró que la tercera parte de la producción estudiada estaba concentrada en la región sudeste de Brasil y había sido objeto de estudio de disertaciones de maestría. La clasificación temática reveló que el 17,6% de los estudios se refería a Bases ideológicas y teóricas de la gestión de enfermería, el 13,1% a métodos de intervención y el 69,3% a prácticas de administración de recursos. El análisis concluyó con la proposición de una nueva estructura del conocimiento sobre gestión de enfermería que representase ese conocimiento producido en el posgrado brasileño.

Historia de la enfermería; Investigación en administración de enfermería; Tesis académicas; Educación de postgrado en enfermería; Conocimiento


In order to assess and describe the characteristics of the scientific literature on nursing administration, a historical desk research was conducted according to a taxonomy proposed by scholars, including 596 abstracts on the subject available in the collection of the Theses and Dissertations Database of the Brazilian Nursing Association. The topics were classified according to the theoretical approach proposed, calculating simple and relative frequencies for each domain and the identification variables of the studies. It was found that a third of the studies assessed had been produced in the Southeast of Brazil and were the subject of master's theses. The thematic classification showed that 17.6% of the studies referred to ideological and theoretical bases of nursing administration, 13.1% to intervention methods, and 69.3% to resource administration practices. The assessment culminated with the proposition of a new structure of knowledge about nursing administration that might represent that knowledge produced in Brazilian graduate programs.

History of nursing; Nursing administration research; Academic dissertations; Education, nursing, graduate; Knowledge


INTRODUÇÃO

A pós-graduação em enfermagem no Brasil começou com o primeiro curso de mestrado em enfermagem, em 1972, na Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, no ano seguinte, na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP) que, em 1974, incluiu a área de concentração em Administração em Enfermagem (AE).1 Vinte e um anos mais tarde, em 1995, a Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (EEUFBA) também passou a oferecer curso de mestrado com essa área de concentração.2

Além desses dois programas com área de concentração em AE, a comunidade científica de enfermagem conta atualmente com 45 (8,9%) grupos de pesquisa sobre AE, dentre os 507 grupos de pesquisa de enfermagem em atividade registrados na base corrente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).3

Esse achado demonstra que uma pequena parcela dos cientistas da enfermagem tende a se dedicar às pesquisas sobre AE. Deve-se somar a isso a observação de alguns autores,4 segundo os quais as temáticas prevalentes em pesquisas nessa área haviam sido a supervisão e o gerenciamento de recursos humanos, sinalizando, desde o primeiro lustro do terceiro milênio, que já se podia prever a carência de estudos sobre a temática AE.

Nessa linha de raciocínio, uma reflexão que tratou sobre a colaboração internacional entre programas de pós-graduação em AE atestou a existência de "escassez de recursos e conhecimento na administração em enfermagem",5 e as abordagens sobre o assunto fora do Brasil podem indicar fragilidades na construção desse conhecimento até mesmo para além das fronteiras nacionais.6 De fato, uma busca realizada na biblioteca SciELO e nas bases de dados MEDLINE e LILACS, que antecedeu a proposição da presente pesquisa, demonstrou que não havia literatura científica que abordasse a estrutura do conhecimento sobre AE construída a partir de pesquisa original.

Em sua proposta para distinguir grupamentos da produção científica da pós-graduação em enfermagem, uma pesquisadora da epistemologia do conhecimento em enfermagem no Brasil apresentou um conjunto de linhas de pesquisa para representar o conhecimento sobre enfermagem, de modo que a AE está nomeada como "Gerenciamento dos Serviços de Saúde e de enfermagem".7Entretanto, a mesma pesquisadora advertiu que as linhas de pesquisa deveriam ser experimentadas e cultivadas até que se dispusesse de repertório de conhecimento consistente sobre elas. Esse conceito despertou o interesse em investigar o que os enfermeiros brasileiros têm experimentado e cultivado sobre AE na pós-graduação, no período de 1963 a 2011, como objeto do presente estudo.

No campo específico da AE, na tentativa de deflagrar reflexões sobre o tema e considerando as necessidades manifestas por alunos de graduação e pós-graduação sobre o que compõe o conteúdo da AE, Sanna8apresentou um modelo de "Estrutura do conhecimento sobre administração em enfermagem" (ECAE) construído a partir da prática docente, prática gerencial e de seus produtos de pesquisa sobre o tema. No entanto, a autora não deixou de alertar sobre a carência de produção científica sobre diversas temáticas nessa área, indicando, ainda, a necessidade de mecanismos que pudessem auxiliar os pesquisadores a direcionar suas investigações sobre AE.

As ponderações de Sanna8 despertaram o interesse por examinar a correspondência da produção da pós-graduação sobre AE cultivada entre 1963 e 2011 - à luz da ECAE proposta pela autora - para buscar evidências sobre o que está presente nessa árvore de distribuição no conjunto da produção científica.

Ponderando que o assunto é de interesse da comunidade científica de enfermagem, haja vista a preocupação de pesquisadores e de agências internacionais9-11 em apresentar modelos conceituais em que a AE, ou aspectos particulares dela, se fazem presentes, considerou-se que havia razões suficientes para analisar e descrever as características da produção científica sobre AE na pós-graduação, no período de 1963 a 2011, segundo a ECAE proposta por Sanna e propor uma nova ECAE.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa histórico-documental de abordagem quantitativa, cujo objeto se inscreve no domínio da história da pesquisa em enfermagem. Foram examinados 7.722 resumos disponíveis em 30 volumes do Catálogo de Teses e Dissertações do Centro de Estudos e Pesquisa em Enfermagem (CEPEn) da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn).12 O enquadramento como pesquisa histórica se apoia na definição "Coleta sistemática e avaliação crítica de dados relativos a ocorrências passadas".13:295

O recorte temporal proposto para esta pesquisa está circunscrito entre os anos de 1963 e 2011. Esse período foi definido, respectivamente, pela identificação do mais antigo e mais recente produto de pesquisa sobre AE constante no acervo do CEPEn à época da coleta de dados, o que permitiu analisar a trajetória de 48 anos da produção do conhecimento nessa área. O mais antigo é a tese de cátedra de Glete de Alcântara (1963), que fez incursão no tema mercado de trabalho em enfermagem e o último é o conjunto das 32 dissertações e teses defendidas no ano de 2011, constantes do catálogo citado, que versam sobre gerenciamento de recursos humanos, mas também contemplam um produto sobre mercado de trabalho.

Em que pese a abrangência deste estudo, constatou-se a inclusão de resumos de titulações defendidas havia mais de cinco anos da publicação de alguns catálogos e que ainda não haviam sido enviadas ao CEPEn, o que certamente se apresenta como limitação do estudo.

A coleta de dados contou com a leitura sistemática dos 7.722 resumos e identificação e seleção de 703 cujos títulos ou conteúdos evidenciaram relação com a AE. Esses resumos foram classificados em um banco de dados construído com o softwareMicrosoft Excel(r), segundo as variáveis: titulação; ano de defesa; localização geográfica; e programa de procedência dos trabalhos. Ao mesmo tempo, foram categorizados segundo a similaridade e pertinência temática, nas variáveis que compõem os três grandes grupamentos, a saber: Bases ideológicas e teóricas da administração em enfermagem; Métodos de intervenção; e Prática de administração de recursos, da ECAE,8 i.e., o referencial teórico de análise.

O conteúdo do banco de dados foi submetido ao processo de triangulação por pares. Os avaliadores - doutores orientadores de mestrado e doutorado, líderes de grupos de pesquisa e editores de periódicos científicos - identificaram que, dentre os 703 resumos avaliados, 107 deles, embora permeassem a AE, deveriam ser descartados do estudo porque tratavam de temas sobre administração em saúde e ensino de administração, dentre outros. Desse modo, restaram os 596 resumos que constituíram a população deste estudo.

A análise dos dados foi realizada por meio da aferição das frequências relativa e absoluta das variáveis de estudo acima enunciadas, do cotejamento entre as temáticas encontradas nos resumos e a ECAE como referencial.8

Após o cotejamento entre o produto da classificação dos resumos, segundo a ECAE e o produto final da análise temática,8 se seguiu com a identificação de lacunas e inconformidades ou confirmação da existência de temáticas já presentes na estrutura de referência, produzindo subsídio para a proposição de uma nova ECAE.

Embora não envolvesse seres humanos, o projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e aprovado mediante Parecer CEP n. 0171/12HE.

RESULTADOS

A produção científica da pós-graduação sobre AE no Brasil começou a desabrochar na primeira metade da década de 1960, progredindo a uma média de 12 produções anuais, até constituir o repertório tema do presente estudo, cuja distribuição temporal pode ser apreciada na figura 1. Nela, também se destaca a continuidade na produção de alguns temas, como Prática de administração de recursos humanos e a intermitência em outros, como Prática de administração de recursos materiais.

Figura 1
- Distribuição temporal da produção da pós-graduação, segundo a Estrutura do Conhecimento sobre Administração em Enfermagem de referência, 1963-2011. São Paulo-SP, Brasil, 2013

As titulações sobre AE ocorridas por décadas foram as seguintes: 1960=2; 1970=16; 1980=34; 1990=167; 2000=345; e no início da década de 2010=32.

Apreciadas as características temporais, outra caracterização interessante da produção da pós-graduação sobre AE pode ser examinada no quadro 1, que apresenta a procedência dessa produção, podendo indicar tanto polos de difusão desse conhecimento quanto a presença de assimetrias regionais e as prioridades de desenvolvimento na área. Nesse panorama se destacam duas unidades de uma universidade pública.

Quadro 1
- Produção da pós-graduação sobre Administração em Enfermagem, segundo a instituição de ensino e posição geográfica, 1963-2011. São Paulo-SP, Brasil, 2013

No tocante às titulações, dos 596 produtos de pesquisa sobre AE, 450 (75,5%) foram objeto de estudo em titulações de mestrado, na proporção de 17,1% sobre Bases ideológicas e teóricas, 12,1% sobre Métodos de intervenção e 70,2% sobre Prática de administração de recursos; e 146 (24,5%) produtos foram objeto de estudo em titulações de doutorado, na proporção de 19,7% sobre Bases ideológicas e teóricas, 14,3% sobre métodos de intervenção e 66,0% sobre Prática de administração de recursos.

Quanto à classificação temática da produção científica da pós-graduação, segundo a ECAE de referência,8 17,6% dos estudos se referiam a Bases ideológicas e teóricas, 13,1% a Métodos de intervenção e 69,3% a Práticas de administração de recursos. O quadro 2 detalha o panorama dessa produção, evidenciando a existência de lacunas no conhecimento produzido, como Prática de administração de recursos físicos e materiais, principalmente.

Quadro 2
- Distribuição da produção da pós-graduação, segundo a Estrutura do Conhecimento sobre Administração em Enfermagem de referencia, 1963-2011. São Paulo-SP, Brasil, 2013

Diante do panorama apresentado e partindo do pressuposto de que a AE é um objeto complexo que, à luz do pensamento cartesiano, torna-se melhor observada mediante a decomposição em seus elementos constitutivos, a figura 2 representa a proposta de uma nova perspectiva estrutural do conhecimento sobre AE. As feições retratam o conteúdo sobre AE produzido entre 1963 e 2011 pela comunidade científica de enfermagem brasileira.

Figura 2
- Proposta de nova Estrutura do Conhecimento sobre Administração em Enfermagem, 1963-2011. São Paulo-SP, Brasil, 2013

DISCUSSÃO

As primeiras pesquisas sobre AE tratavam sobre Bases Ideológicas e Teóricas da AE e surgiram da geração de pesquisadoras autodidatas da enfermagem.14 A primeira delas foi a tese de cátedra defendida por Glete de Alcântara em 1963 sobre "Mercado de Trabalho e Áreas de Atuação".

Prática de administração de recursos tem como marco a criação dos primeiros cursos de pós-graduação em nível de mestrado em enfermagem, caracterizando a geração de pesquisadoras acadêmicas da enfermagem.14Surgiu em 1972, com Prática de administração de recursos humanos e Prática de administração de recursos políticos, que tiveram maior regularidade de produção no período estudado. Prática de administração de recursos físicos e Prática de administração de recursos de informação tiveram menos regularidade, mas Prática de administração de recursos materiais e Prática de administração de recursos financeiros foram os subgrupos com mais lacunas na produção do conhecimento.

Já os estudos sobre Métodos de intervenção começaram a ser defendidos a partir de 1975, 12 anos após os primeiros estudos sobre Bases ideológicas e teóricas da AE e três anos após os primeiros estudos sobre Prática de administração de recursos. Isto demonstra que os primeiros pesquisadores em AE sentiram necessidade de responder questões teórico-ideológicas e sobre a prática administrativa antes de abordarem os processos de intervenção.

Quanto ao mapeamento da produção da pós-graduação sobre AE, segundo a localização geográfica da instituição de ensino de origem, o estudo demonstrou que a região sudeste do Brasil liderava a produção nessa área, com destaque para a Universidade de São Paulo (USP) que, dentre todas as temáticas, havia concentrado esforços no estudo do "Dimensionamento" e da "Educação Permanente". Chamou a atenção a pequena diferença entre a produção dos campi de São Paulo e Ribeirão Preto (7,8%), indicando ser uma instituição tradicionalmente dedicada ao estudo da AE, tendo sido objeto de estudo de outras pesquisas que retrataram sua trajetória.15-16

A região sul aparece na segunda posição por contribuição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), prioritariamente dedicada à temática "Filosofia do Serviço de Enfermagem". Embora não adotando a área de concentração AE, essa universidade conta com um grupo de pesquisas dedicado ao estudo da AE desde 1988, o que poderia justificar sua produção sobre esse tema.17

Na região nordeste, o destaque foi a Universidade Federal da Bahia (UFBA), cujos pesquisadores se inclinaram para a temática "Auditoria". Esse fato parece coerente, já que o levantamento sobre as atividades dos egressos do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da UFBA, na área temática de gerenciamento, demonstrou que 74,9% estavam atuando como docentes e 11,3% acumulavam também cargos de gerência, o que pode explicar a contribuição desse programa para o desenvolvimento da AE nessa região.2

Na região centro-oeste, a única instituição a produzir conhecimento sobre AE foi a Universidade Federal de Goiás (UFG) e na região norte não houve qualquer produção sobre AE no período estudado.

Dentre as 30 instituições de ensino que contribuíram para a produção do conhecimento sobre AE na pós-graduação, 86,6% delas eram públicas, das quais 70,0% eram federais e 30,0% estaduais. Embora um menor número de universidades estaduais havia contribuído para o conhecimento sobre AE, 49,2% de toda a produção nacional era proveniente de uma única universidade estadual, a USP.

Com relação aos demais aspectos relevantes relacionados à construção do conhecimento sobre AE, Bases ideológicas e teóricas foi objeto dos estudos de doutorado - 2,6% mais que de mestrado - e teve alta produtividade na temática "Mercado de Trabalho e Áreas de Atuação", na qual se observam produções sobre cooperativismo e empreendedorismo, sinalizando tendências nas áreas de atuação da enfermagem.

Na proposição da nova ECAE, o componente "Legislação sobre Saúde, Enfermagem e Trabalho" não estava mais contemplado nas Bases ideológicas e teóricas. A produção sobre este componente foi insuficiente para mantê-lo ou apresentava afinidade com outro componente, justificando, assim, a reconfiguração dos componentes do grupamento das Bases ideológicas e teóricas.

Na nova configuração, o conhecimento sobre AE se apresenta hierarquicamente estruturado, tendo o grupamento das Bases ideológicas e teóricas ocupando o topo da estrutura. Desses achados, deduz-se que isto está assim posto porque o emprego dos Métodos de Intervenção e a operacionalização das Práticas de administração de recursos só acontecem se os serviços de enfermagem tiverem um objetivo e uma direção a partir de ideologias e pressupostos filosóficos que tratem da natureza do serviço. Isto pode ser ilustrado por meio do pronunciamento da missão, visão e valores dos serviços de enfermagem, por exemplo.

Métodos de intervenção correspondeu à menor fatia da produção sobre AE e foi objeto de estudo de mestrandos e doutorandos quase que na mesma proporção. Houve inclinação dos pesquisadores para a temática "Auditoria", o que também se observou em outro estudo sobre a produção do conhecimento na área de AE em programas de pós-graduação em enfermagem.1

Na nova ECAE, os Métodos de intervenção antecedem as Práticas de administração de recursos porque considera-se que, para operacionalizar qualquer uma delas, é preciso empregar os componentes dos Métodos de intervenção que, segundo a teoria clássica da administração, correspondem ao planejar, organizar, dirigir e controlar funções básicas do processo administrativo. Logo abaixo dos Métodos de intervenção estão as Práticas de administração de recursos, operacionalizadas pelos processos administrativos que, por sua vez, são acionados segundo as ideologias e teorias que movimentam os serviços de enfermagem.

Diferente dos outros dois grupamentos, Práticas de administração de recursos acumulou o maior volume de produção científica e foi objeto de estudo preferido dos mestrandos, dedicando-se a elas 4,2% mais que os doutorandos.

Notou-se preferência por objetos de estudo sobre a Prática de administração de recursos políticos e a Prática de administração de recursos humanos que, juntos, corresponderam a 71,9% da produção científica sobre a Prática de administração de recursos. Observa-se que esses temas são consideravelmente apreciados pelos executivos de enfermagem que atuam nos serviços de saúde norte americanos, como no exemplo sobre segurança do paciente.18 Isto explicaria a influência das reflexões sobre esses temas no universo da AE brasileira, que reconhece a hegemonia do pensamento americano nesse campo.

A Prática de administração de recursos políticos se destacou pelas temáticas "Motivação" e "Liderança" que, juntas, perfizeram 64,6% de seu conteúdo. No entanto, houve pouca representação nas temáticas "Conflito e Negociação" e "Mudança". Acrescente-se que, nesta última, se identificaram evidências de que seu conteúdo também tratava sobre conflitos. Assim, na nova ECAE, essas temáticas foram fundidas, dando origem ao componente "Mudança, Conflito e Negociação".

Nessa mesma lógica, a junção do conteúdo sobre "Relações Interdepartamentais" e "Estrutura Organizacional" deu origem ao componente "Estrutura Organizacional e suas Relações". Já a temática "Poder e Cultura" passou a denominar-se "Poder e Cultura Organizacional", adequando-se tanto à linguagem administrativa quanto à característica de sua prática, orientada segundo a política das organizações em que os serviços de enfermagem estão inseridos.

O conteúdo sobre a Prática de administração de recursos humanos foi preferido por 87,0% dos pesquisadores que elegeram a "Educação Permanente" e o "Dimensionamento" como objetos de estudo principais. Na nova ECAE, essa última temática incorporou o conteúdo do componente "Distribuição" por sua aplicabilidade no processo de dimensionamento de pessoal. Pela mesma razão, o componente "Seleção" foi fundido com "Recrutamento", resultando no componente "Recrutamento e Seleção". Por outro lado, "Avaliação de Desempenho" recebeu a denominação de "Avaliação de Desempenho e Retenção de Talentos" para contemplar esse conteúdo nas abordagens sobre programas detrainee, aprimoramento profissional e desenvolvimento de competências observadas em processos de avaliação de desempenho.

A Prática de administração de recursos físicos teve os componentes "Projeto", "Decoração", "Legislação e Denominação de Compartimentos" e "Riscos Ocupacionais" excluídos. Os três primeiros por não fazerem parte do elenco de objetos de estudo da enfermagem nos 48 anos de produção da pós-graduação, e o último, embora apresentasse quantitativo consistente, devido a que parte do seu conteúdo revelou pertinência à área de saúde do trabalhador. Outra parte dos produtos desse segmento, no entanto, tratava de sustentabilidade e gerenciamento de resíduos como prática gerencial relacionada ao ambiente físico e, por isso, foi integrada em um componente denominado "Sustentabilidade (Gerenciamento de Resíduos)". De forma análoga, ao componente "Arquitetura" foi adicionado o termo "Logística" por contemplar objetos de estudo similares sobre acessibilidade e fluxos de circulação retratados no conteúdo dos estudos analisados.

Das Práticas de administração de recursos financeiros excluiu-se "Financiamento", por não haver estudos abordando o tema e, ao componente "Orçamento", foi adicionado o termo "Faturamento" que também apareceu com alguma frequência no conteúdo dos estudos. Os componentes "Produtividade" e "Custos" mantiveram-se inalterados e, embora este último tenha se destacado dos demais, ainda carece de reflexões quando comparado ao cenário internacional, em que o tema já era considerado prioritário em estudos que datam de 1987.19

Por sua estreita relação com os recursos tecnológicos nos serviços de enfermagem como, por exemplo, os sistemas de informação, sistemas de apoio à decisão e demais recursos empregados na tecnologia da informação, a Prática de administração de recursos de informação passou a denominar-se Prática de administração de recursos tecnológicos e de informação. Com exceção do componente "Prontuário do Cliente", isso permitiu a reconfiguração dos demais em dois novos componentes: "Comunicação e suas Tecnologias", representando as interfaces entre comunicação em AE, os sistemas de informação, a consultoria em enfermagem e o marketing em enfermagem; e "Manuais, Formulários e Sistemas de Informação e suas Tecnologias", resultante da unificação dos demais componentes.

Finalmente, em Prática de administração de recursos materiais, o resultado da similaridade temática deu origem a dois novos componentes, "Previsão e Aquisição" e "Distribuição e Controle", sendo os demais excluídos por falta de conteúdo. O primeiro componente se justifica pelo fato dos estudos sobre aquisição de materiais transitarem também pelo processo de previsão, por meio de procedimentos de levantamento de necessidades e estimativas. O segundo justifica-se pelo fato da distribuição de materiais ter sido apresentada como dependente dos mecanismos de controle, dentro da política de gestão de recursos materiais.

CONCLUSÃO

O estudo revelou que, em 48 anos de produção científica da pós-graduação, a enfermagem brasileira produziu 7.722 títulos, mas apenas 7,7% tiveram como objeto de estudo a AE. Deste contingente, 75,5% era proveniente de programas de mestrado e 24,5%, de programas de doutorado.

A distribuição temporal dos produtos não foi homogênea, tronando-se mais volumosa com o passar do tempo e o aumento no número de programas e orientandos. Não houve continuidade na produção em todos os grupamentos, observando-se intermitência ou mesmo interrupção no interesse por determinados temas.

Quanto à origem geográfica dos produtos de pesquisa sobre AE, o estudo demonstrou que 72,3% eram oriundos da região sudeste do Brasil, com destaque para a USP, 14,6% da região sul, com destaque para a UFSC, 9,9% da região nordeste, com destaque para a UFBA, e 3,2% da região centro-oeste, com destaque para a UFG. A região norte não apresentou qualquer produção sobre AE no período estudado.

Bases ideológicas e teóricas da AE correspondeu a 17,6% dos resumos e foi objeto de 17,1% das dissertações de mestrado e 19,7% das teses de doutorado. A primeira pesquisa produzida sobre esse tema foi defendida em 1963, mas a área só passou a ter produção regular a partir de 1986, o que pode explicar o volume de produções em comparação com a Prática de administração de recursos.

Prática de administração de recursos teve o maior volume de produção, com 69,3% dos resumos analisados dedicados a esse tema, sendo objeto de 70,2% das dissertações de mestrado e 66,0% das teses de doutorado. As primeiras pesquisas produzidas sobre esse tema foram defendidas em 1972 - nas Práticas de administração de recursos humanos e de Administração de recursos políticos - alcançando regularidade de produção a partir de 1986.

O cotejamento das temáticas da produção científica da pós-graduação sobre AE com a ECAE de referência demonstrou a existência de algumas lacunas e inconformidades. Essas podem merecer estudos posteriores que considerem a amplitude do período estudado, i.e., de 1963 a 2011 e respondam às razões pelas quais ocorreram e qual sua vinculação com os extraordinários avanços científicos e tecnológicos que influenciaram o aparecimento de novas técnicas. Diante dos achados, se propôs uma reformulação para a arquitetura do conhecimento sobre AE a partir da já existente.

Na nova proposição, o conhecimento sobre AE se apresenta hierarquicamente estruturado. Nela, alguns componentes existentes na estrutura antiga foram excluídos porque não tiveram produção científica que os representasse. Já outros foram totalmente ou parcialmente reformulados e tiveram seu conteúdo redirecionado para o componente que melhor representasse o conteúdo dos resumos, dando origem a uma nova ECAE. Assim sendo, a nova ECAE proposta neste estudo foi a abordagem que melhor representou a produção da pós-graduação sobre AE no período entre 1963 e 2011.

Considera-se que o resultado deste estudo, apesar de sua circunscrição ao recorte temporal definido e à fonte, cujo lançamento de dados nem sempre se mantém atualizado, pode orientar a comunidade científica que se dedica ao estudo da AE. Esse subsídio relaciona-se à definição de prioridades e direcionamento de recursos de fomento à pesquisa pertinente às temáticas com escassez de produtos de pesquisa, já que alguns componentes da estrutura do conhecimento apresentaram pouca expressividade de produtos de pesquisa em relação a outros. A nova estrutura proposta também carece de validação junto à comunidade científica, pretendendo-se que venha a se constituir válida nas próximas pesquisas a serem realizadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2015
  • Aceito
    17 Ago 2015
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