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Fatores que influenciam o processo de viver a revascularização cardíaca

Resumos

Este estudo objetivou compreender os fatores que influenciam o processo de viver a cirurgia de revascularização cardíaca para pacientes, familiares e profissionais de saúde, em um hospital de referência, localizado na região Sul do Brasil. A Teoria Fundamentada nos Dados foi o referencial metodológico. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, com 33 participantes (pacientes, familiares, médicos, enfermeiros, educador físico, técnico em enfermagem), distribuídos em quatro grupos amostrais, de outubro de 2010 a maio de 2012. Os fatores intervenientes identificados, de ordem pessoal e institucional, foram: espera pela cirurgia, medo da morte, uso de drenos e tubo orotraqueal no pós-operatório, manejo da dor, acesso à medicação, religiosidade, presença de cicatrizes, apoio da família e dos profissionais da saúde. O conhecimento desses fatores por enfermeiros pode orientar e favorecer a prática clínica do profissional e o cuidado do paciente revascularizado no pré e pós-operatório.

Enfermagem; Revascularização miocárdica; Cuidados de enfermagem


This study aimed to understand the factors which influence the process of experiencing cardiac revascularization surgery for patients, family members and health professionals, in a hospital which is a center of excellence, located in the South region of Brazil. The methodological framework was Grounded Theory. Data collection was undertaken in October 2010 - May 2012 through semi-structured interviews with 33 participants (patients, family members, doctors, nurses, a physical education trainer and a nursing technician), distributed in four sample groups. The personal and institutional intervenient factors identified were: the wait for the surgery, fear of death, use of drains and the orotracheal tube in the post-operative period, pain management, access to the medication, religiosity, the presence of scars, and support from the family and the health professionals. Knowledge of these factors by nurses can guide and benefit the professionals' clinical practice and the care for the revascularized patient in the pre- and post-operative period.

Nursing; Myocardial revascularization; Nursing care


La finalidad del estudio: comprender los factores que influyen en el proceso de revascularización cardiaca para pacientes, familiares y profesionales de la salud, en un hospital de la región sur de Brasil. Como referente metodológico se empleó la Teoría Fundamentada. La recolección de datos se realizó entre octubre de 2010 a mayo de 2012, a través de entrevistas semiestructuradas con 33 participantes (pacientes, familiares, médicos, enfermeras, educadores físicos, técnicos de enfermería), divididos en cuatro grupos. Los factores de orden personal e institucional identificados son: espera para la cirugía, miedo a la muerte, el uso de drenajes y tubo endotraqueal en el postoperatorio, tratamiento del dolor, acceso a la medicación, religiosidad, presencia de cicatrices, apoyo familiar y de los profesionales de la salud. El conocimiento de estos factores por los enfermeros puede orientar y fomentar la práctica clínica profesional y el cuidado de los pacientes revascularizados en el pre y postoperatorio.

Enfermería; Revascularización miocárdica; Atención de enfermeira


INTRODUÇÃO

Historicamente, as doenças cardiovasculares se posicionam como prioridade na agenda de saúde. Em 2008, eram responsáveis por 30% do total de mortes no planeta. Estimou-se que esse grupo de doenças era a primeira causa de morte em todos os países em desenvolvimento até 2010.1World Health Organization. Cause-specific mortality [online]. World Health Organization; 2008 [acesso 2013 Ago 10]. Disponível em: http://apps.who.int/ghodata/?vid=10012#
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Corroborando com as projeções para o período indicado, as doenças do aparelho circulatório ocuparam, no Brasil, o segundo lugar referente às causas de mortes em adultos, atrás somente das neoplasias.2Ministério da Saúde (BR). DATASUS. Morbidade Hospitalar do SUS por local de internação - Brasil [online]. Ministério da Saúde; 2010 [acesso 2013 Ago 10]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/niuf.def
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No estado de Santa Catarina, no ano de 2011, o número de internações por doenças do aparelho circulatório apresentou aumento de 3,18%, se comparado ao ano de 2008. Tal dado representa 12,17% do total das internações no estado.3Ministério da Saúde (BR). DATASUS. Sistema de informações hospitalares. Internações segundo capítulo CID-10 [online]. 2012 [acesso 2013 Ago 10]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/nisc.def
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Os mesmos apontam o ônus que as doenças cardiovasculares representam para o Sistema Único de Saúde (SUS) e reforçam a necessidade de desenvolvimento de intervenções estratégicas em saúde, que sejam efetivas para reduzir os índices de doenças cardiovasculares no Brasil.4Gallani MCBJ, Cornelio ME, Agondi RF, Rodrigues RCM. Conceptual framework for research and clinical practice concerning cardiovascular health-related behaviors. Rev Latino-Am Enferm. 2013; 21(spe):207-15.

O crescimento de 7,4% da população com 65 anos ou mais configura mudança da estrutura etária nacional, com o alargamento do todo da pirâmide.5Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BR). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Sinopse do Censo Demográfico [online]. 2010. Rio de Janeiro; 2011. [acesso 2013 Ago 10]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/sinopse.pdf
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Logo, o aumento da participação da população adulta e idosa na sociedade exigiu, das ciências médicas, avanços tecnológicos e técnicos, tais como as técnicas cirúrgicas. Dentre as técnicas cirúrgicas, destaca-se a revascularização miocárdica, que pode prolongar, em média, 6,5 anos a vida, bem como proporcionar efetiva melhora da qualidade de vida nos pacientes idosos.6 Pivatto-Júnior F, Valle FH, Pereira EMC, Aguiar FM, Henn NT, Behr PEB, et al. Long-term survival of octogenarian patients submitted to isolated coronary artery bypass graft surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2011; 26(1):21-6.Isso também tem oportunizado maior sobrevida às pessoas portadoras de doenças crônicas e agudas, com redução da morbimortalidade relacionada ao aparelho circulatório.

Os pacientes submetidos à revascularização miocárdica podem ter alterada a condição emocional e física, decorrente de diversos elementos envolvidos no complexo processo de saúde-doença. Por exemplo, no período pré-operatório, os pacientes podem manifestar alta prevalência de ansiedade.7Carneiro AF, Mathias LAST, Rassi-Júnior A, Morais NS, Gozzani JL, Miranda AP. Avaliação da ansiedade e depressão no período pré-operatório em pacientes submetidos a procedimentos cardíacos invasivos. Rev Bras Anestesiol. 2009; 59(4):431-38. No primeiro ano após a cirurgia, o medo e a depressão podem estar presentes, relacionados, principalmente, aos aspectos socioeconômicos.8 Lima FET, Magalhães FJ, Silva DA, Barbosa IV, Melo EM, Araujo TL. Emotional alterations gifts in the patients who underwent coronary artery bypass. Rev Enferm UFPE. 2010; 4(2):785-91.

Recente estudo com pacientes revascularizados aponta que aqueles fisicamente ativos no período pós-operatório apresentam melhor capacidade funcional.9Nery RM, Martini MR, Vidor CR, Mahmud MI, Zanini M, Loureiro A, et al. Changes in functional capacity of patients two years after coronary artery bypass grafting surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010; 25(2):214-22. A atividade física e a dieta hipocalórica são exemplos clássicos de elementos que podem levar à redução e ao controle de doenças cardiovasculares, assim como evitar recidivas.1010 Corrêa ICF, Costa JDA, Ferreira PAM, Ferreira FMM. Atividade física e efeitos sobre os fatores de risco da doença cardiovascular em indivíduos revascularizados do miocárdio. Rev Pesq Saude. 2010; 11(1):18-22. Todavia, questiona-se: por que as pessoas submetidas à revascularização cardíaca têm dificuldade para iniciar e para se manter ativas na prática de exercícios, bem como para adotar dieta alimentar saudável? Quais são as dificuldades para superar a hospitalização e o temor da cirurgia? O que favorece ou dificulta a recuperação do paciente após sua alta hospitalar?

Compreende-se que as respostas para esses questionamentos não possuem uma relação linear de causa e efeito, em particular no contexto de uma sociedade de fenômenos tão complexos,1111 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 15a ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil; 2008. que envolve o setor saúde. Sendo assim, é relevante investigar os elementos que influenciam esse processo desde o diagnóstico e tratamento cirúrgico da insuficiência coronariana até a adaptação do sujeito à sua nova condição de saúde, a qual possui necessidade de suporte terapêutico adequado e de constante incentivo à manutenção de um estilo de vida saudável. Desta forma, um novo questionamento surge: quais são os fatores que influenciam o processo de viver de pacientes submetidos à experiência cirúrgica de revascularização do miocárdio? Por conseguinte, o objetivo deste estudo foi compreender os fatores que influenciam o processo de viver a cirurgia de revascularização do miocárdio para pacientes, familiares e profissionais de saúde, em um hospital especializado em cirurgia cardíaca, localizado na região Sul do Brasil.

METODOLOGIA

Trata-se de um recorte do projeto de pesquisa intitulado: Significando a experiência cirúrgica e o processo de viver do paciente submetido à cirurgia de revascularização do miocárdio. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com Seres Humanos da instituição onde se desenvolveu o estudo, sob o n. 001/2010. O estudo é de natureza qualitativa, de caráter exploratório e descritivo, realizado a partir de uma releitura dos dados oriundos do componente Interveniência, inerente ao modelo paradigmático da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), referencial metodológico. A TFD explora o significado dos fenômenos e permite inter-relação entre os dados, bem como a análise comparativa constante.1212 Strauss AL, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2 ed. Porto Alegre (RS): Artimed; 2008.

O cenário pesquisado foi uma instituição de saúde, referência em cirurgia cardíaca, localizada na região Sul do País, no período de outubro de 2010 a maio de 2012. A seleção dos participantes foi intencional. Foi utilizada a técnica do tipo 'bola-de-neve' para compor a amostragem. Foram critérios de inclusão para participar da pesquisa: a) pacientes: ser adulto, ter sido submetido à cirurgia de revascularização miocárdica no período de 2005 a 2010 e ter acompanhamento pelo Serviço de Reabilitação Cardíaca (SRC) da instituição selecionada para o estudo; b) familiares: ser adulto e principal cuidador do paciente durante o período de internação e após a alta hospitalar; c) profissionais de saúde: atuar na instituição por, no mínimo, um ano, e ter contato com pacientes revascularizados.

O convite aos pacientes e profissionais de saúde para participar da pesquisa aconteceu no contexto da instituição pesquisada. O objetivo e a metodologia do estudo foram explicados no primeiro contato com o participante. Após o aceite para participar da pesquisa, agendou-se um encontro para a realização da entrevista, consentida mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para o acesso aos familiares, os pacientes entrevistados fizeram o contato inicial com o respectivo familiar para consultá-lo sobre o interesse em participar da pesquisa. Esses informaram às pesquisadoras a data e o horário para o encontro que visavam formalizar o convite e apresentar o objetivo e a metodologia da pesquisa ao familiar. Todos os familiares consentiram em participar do estudo e em realizar a entrevista no primeiro encontro/contato com as pesquisadoras.

Para a formação do primeiro grupo amostral (de pacientes), os profissionais de saúde, atuantes no SRC, indicaram quais haviam sido submetidos à revascularização miocárdica. Assim, foi dado início ao processo de coleta e análise dos dados. Estes foram coletados por meio de entrevista individual, semiestruturada, cuja questão inicial foi: "fale-me sobre os fatores que influenciaram sua experiência de ter realizado cirurgia de revascularização do miocárdio". O encaminhamento das questões subsequentes foi direcionado pelas pesquisadoras, a partir das respostas dos entrevistados. No decorrer do processo de coleta e análise dos dados, houve a necessidade de incluir mais três grupos amostrais, devido à geração de questionamentos e hipóteses.

No quadro 1, estão os grupos amostrais, o quantitativo de participantes de cada grupo amostral, o local da coleta dos dados e as hipóteses produzidas para cada grupo amostral, as quais indicaram a formação dos grupos amostrais seguintes.

Quadro 1 -
Grupos amostrais, participantes, local da coleta dados e hipóteses

A saturação dos dados foi alcançada com a repetição das informações e ausência de novos elementos para a consolidação das categorias encontradas. A coleta dos dados foi finalizada com 33 participantes. A validação do modelo teórico, propriamente dito, foi efetivada com o último grupo amostral, por um paciente não depoente, que realizou cirurgia de revascularização do miocárdio na instituição, e por dois enfermeiros pesquisadores, expertises no método. Destaca-se que as entrevistas foram áudio-gravadas, em meio digital, e transcritas na íntegra. A análise dos dados ocorreu de modo simultâneo à coleta e seguiu as etapas propostas pela TFD: codificações aberta, axial e seletiva.

Na codificação aberta, os dados foram analisados linha a linha com o objetivo de identificar cada incidente e nomeá-lo com códigos preliminares. Em seguida, os mesmos foram reunidos, por semelhanças e diferenças, a partir da elaboração dos códigos conceituais.

Na codificação axial, os dados foram reagrupados para relacionar as subcategorias às suas categorias, a fim de se obter uma explicação mais clara e completa sobre o fenômeno, assim como suas propriedades e dimensões.

Na codificação seletiva, as subcategorias e categorias encontradas foram contrastadas e analisadas continuamente com o objetivo de integrá-las e de refiná-las, para identificar a categoria central. Para organizar e apresentar os dados, utilizou-se o modelo paradigmático, composto por seis componentes, a saber: contexto, condições causais, condições intervenientes, estratégias, consequências e fenômeno.1212 Strauss AL, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2 ed. Porto Alegre (RS): Artimed; 2008.

Emergiram duas categorias da análise: contrastando sentimentos vivenciados durante a internação e desvelando a percepção do período pós-operatório, que compõem as condições intervenientes do fenômeno: percebendo o processo de viver a cirurgia de revascularização miocárdica susceptível a influências geradas pelos anseios do próprio paciente, pelo suporte emocional de familiares e pelo apoio terapêutico e relacional dos profissionais de saúde. Dada à relevância e riqueza de informações deste componente, optou-se por apresentá-las separadamente.

Os aspectos éticos foram respeitados em todas as etapas da pesquisa.1313 Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n. 196 de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília (DF): MS; 1996. Para preservar a confidencialidade das informações, os grupos amostrais foram identificados por uma letra seguida do número ordinal correspondente a cada participante (E para o primeiro grupo amostral, P para o segundo, F para o terceiro e G para o quarto).

RESULTADOS

A análise dos dados resultou em duas categorias, denominadas: contrastando sentimentos vivenciados durante a internação e desvelando a percepção no período pós-operatório.

Contrastando sentimentos vivenciados durante a internação

Essa categoria relaciona-se com o fenômeno, na medida em que possibilita maior compreensão da primeira etapa do processo de viver a revascularização miocárdica, ou seja, desde a descoberta da doença cardíaca até a realização da cirurgia, composta por duas subcategorias.

Na primeira subcategoria, nominada 'destacando as experiências positivas durante a internação', os pacientes destacam, como experiência positiva, o fato de terem conseguido manter a calma para o enfrentamento do medo após o conhecimento da necessidade de tratamento cirúrgico. Eles destacam a qualidade do atendimento da equipe de saúde, pautada na competência dos profissionais, bem como no bom relacionamento interpessoal, promovido por acolhimento e momentos de descontração, como se observa nas falas: eu sou uma pessoa calma, mas de coragem. Não fiquei com nenhum pinguinho de medo quando o médico falou que eu seria operada (E4); a gente era muito bem tratado, sempre brincavam com a gente; davam todo aquele apoio, todo aquele carinho. Então, sei lá, levantam mais o astral da pessoa [...] (E3).

A espiritualidade também foi significada como importante na vivência da experiência cirúrgica, pois os pacientes podiam compartilhar suas angústias com Deus, e ter na fé, a esperança da concretização de resultados bons após a cirurgia, como demonstra o depoimento: a minha esposa rezou muito, e isso dava muita força pra mim [...] (G6).

Na segunda subcategoria, intitulada 'revelando as dificuldades vividas durante a internação', o medo da morte e da anestesia, o conhecimento dos riscos da cirurgia e o afastamento da família atuaram como uma barreira dificultadora para a aceitação da cirurgia pelos pacientes. Para alguns, buscar aceitar a cirurgia, mesmo sendo uma decisão difícil, perpassa por momentos de tristeza e desespero, como descreve a fala a seguir: ah, foi terrível! O desespero foi muito grande. Eu nunca tinha feito nenhuma cirurgia, nenhum ponto tinha levado no meu corpo [...]. Foi muito triste, não me conformava com a situação [...] (E2).

Tanto pacientes quanto familiares informam as acomodações desconfortáveis para o repouso do acompanhante, a dieta restritiva, pouco saborosa e servida fria como condições que se somam às dificuldades vividas durante a internação. Além disso, a demasiada espera desde o diagnóstico e a indicação cirúrgica até o procedimento cirúrgico são responsáveis pela exacerbação de ansiedade e piora da condição de saúde de alguns pacientes, como evidencia a seguinte fala: com a espera pela cirurgia, eu estava piorando cada vez mais e a dor [torácica] me apertando cada vez mais [...] e na última noite [que antecedeu a cirurgia], tive que tomar três comprimidos [analgésico] (E1).

A experiência negativa da espera pela cirurgia é relacionada, pelos pacientes, ao período em que tiveram que aguardar na unidade de emergência por leito disponível na unidade de internação. Eles tiveram que passar muitos dias em macas, nos corredores, sem acompanhantes. Da mesma forma, na unidade de internação, permaneceram vários dias aguardando pela cirurgia, às vezes canceladas e remarcadas, na maioria dos casos. Assim, o período de espera desde a admissão no hospital até a cirurgia foi de 17 a 60 dias. A razão da demora entre o diagnóstico e a intervenção cirúrgica foi justificada aos pacientes, pelos profissionais, como sendo relativa à disponibilidade de vaga para internação na unidade coronariana (UCO) e à disponibilidade de sala cirúrgica e de anestesiologista. Logo, tais condições estavam atreladas por serem indispensáveis para a realização da cirurgia, conforme ilustra a fala: ficar trinta dias internado para fazer a cirurgia era uma ansiedade e parecia que não chegava aquela hora de eu ir [para a cirurgia] e eles [profissionais] falavam que faltava anestesista [...] (E3).

Desvelando a percepção do período pós-operatório

Esta categoria é composta por duas subcategorias, que apresentam informações complementares à primeira categoria. Evidencia o impacto percebido por pacientes após a cirurgia e ressalta a importância dos cenários hospitalar e domiciliar, bem como das pessoas envolvidas no processo de viver a cirurgia cardíaca.

A primeira subcategoria, 'vivenciando enfrentamentos no pós-operatório', descreve que as primeiras horas após a cirurgia, na UCO, são difíceis para o paciente devido à presença do tubo orotraqueal, drenos de tórax e dores pelo corpo. Os pacientes afirmaram sentir-se desorientados no tempo e no espaço, desconfortáveis com as luzes acesas constantemente e com a impossibilidade de se comunicar enquanto com o tubo orotraqueal. Além da dor intensa no momento da extubação e da tosse, que a cada episódio intensifica a dor no local da incisão torácica, como ilustram os depoimentos: o mais difícil é agora, como eu estou dizendo pra você, é a recuperação. A gente sente a dor no peito quando tosse [...] (E4); quando eu vejo uma pessoa entubada, eu já não sei [...] porque é terrível! A dor é demais, os drenos nem se fala também [...] não tem onde não dói [...] (E2).

Defrontar a presença de arritmias, como uma complicação pós-operatória, é causa de importante ansiedade. Conforme relatos de pacientes, o maior medo consiste na potencial necessidade de precisar se submeter à cardioversão elétrica. Nos relatos, identifica-se o desconhecimento destes pacientes sobre o procedimento: tive arritmia, de 80 ia para 170 [batimentos cardíacos por minuto] na hora. Era para me dar o choque e não precisou [...]. Foi o pior de tudo pra mim [...]. Fiquei com medo de tomar choque. Não tinha tomado, não sei nem como era (E1).

Tanto no hospital quanto em casa, de acordo com as interações estabelecidas, os familiares puderam proporcionar suporte emocional e físico para locomoção, alimentação e controle da dor, por meio de administração de medicação, como informa a seguinte fala: hoje ele toma o medicamento. No início era eu quem dava, porque ele tomava errado. Ele não prestava atenção [...], às vezes era pra tomar um e ele achava que era o horário do outro [...] (F6).

Embora os participantes tenham vivenciado alguns enfrentamentos apontados anteriormente, também revelam estarem felizes por terem escapado com vida do infarto e do procedimento cirúrgico, pois temiam ficar acamados e dependentes de outras pessoas. O alívio dos sintomas causados pela obstrução coronariana representou nova perspectiva de vida, como relatam os depoentes: hoje, eu estou feliz! Porque em vista de como estava, sou outro homem hoje (E1); [...] agora eu saio para dançar sempre no final de semana com minhas amigas [...]; acho que tenho uma vida muito boa (G4).

Após terem sido acometidos por um infarto, de forma abrupta, os pacientes perceberam, no pós-operatório da cirurgia, que seu desempenho funcional está aquém do esperado, relativamente ao estilo de vida. Entretanto, entendem ser preciso conviver com as restrições e sensações inerentes à fase de reabilitação, como a restrição de esforço físico e a dor ocasional ou intermitente, conforme a fala: [...] o estilo de vida é outro [...]. Não posso fazer força, forçar dói, se tiver tempo frio dói. Dói! Todo o dia dói (F1).

No que tange à prática de exercícios físicos e à adequação alimentar após a alta, os pacientes declararam esforçar-se para a manutenção de hábitos saudáveis. No entanto, muitos relataram que velhos hábitos são difíceis de abandonar, como a 'cervejinha' e o churrasco aos finais de semana, conforme a fala: só em pensar que vai chegar final de semana, aquela costelinha gordinha assadinha com uma geladinha e tudo, e o cara tem que abrir mão disso tudo [...] lá uma vez ou outra pode, né? (G9). Enquanto alguns pacientes afirmaram que realizar exercícios já faz parte de sua rotina, outros relataram ser sedentários. Afirmam não que gostam de fazer exercícios. O aumento de peso é o principal incentivo para a prática de caminhada, embora tenham conhecimento dos demais benefícios de tal prática: Eu acho uma coisa terrível [ter que fazer exercício físico], é verdade. Eu me puno todos os dias com isso, eu falo: eu tenho que andar, eu tenho que andar, eu tenho que andar [...] eu estava com 106 kg, agora já estou com 102 kg, preciso chegar aos 80 kg (F5).

Outro enfrentamento revelado foram as cicatrizes oriundas da cirurgia, que, particularmente para as mulheres, geram vergonha, pois são incisões grandes tanto na região esternal quanto nos membros inferiores. No intuito de disfarçá-las, pacientes do gênero feminino utilizam roupas mais fechadas sobre as mesmas, conforme a fala: [...] a perna ficou bem feia, antes eu usava bermudinha, agora eu não vou usar mais. [...] eu acho que chama a atenção, as pessoas vão ficar olhando, então, pra mim, quanto mais reservado melhor (F9).

Na segunda subcategoria, 'profissionais contribuindo para o processo de viver do paciente cardíaco1, são descritas tanto a participação da equipe de saúde na recuperação, como sua perspectiva em relação aos desdobramentos realizados pelos pacientes submetidos à revascularização do miocárdio.

No pós-operatório, a atuação multiprofissional enriquece a prática clínica e fortalece a recuperação/reabilitação do paciente. Com destaque, o suporte para os exercícios e para a alimentação saudável pelo SRC, desde o período pré-operatório. Embora sua presença mais marcante seja após a cirurgia, como ilustra a fala: mostramos que existe tratamento, que existe vida após a cirurgia, mostrando exemplo de pessoas que têm vida normal e muitas vezes melhor do que tinham antes. [...] Só que isso não é da noite para o dia, requer um acompanhamento (P1).

A cirurgia de revascularização do miocárdio traz consigo muitas mudanças e incertezas em relação ao futuro, como a possível incapacidade para o trabalho, efetivação da aposentadoria e redução da renda familiar, dentre outras. Assim, neste cenário, o profissional de saúde percebe a importância da orientação pré e pós-operatória, quando podem sugerir possíveis caminhos para a resolução dos problemas resultantes da cirurgia, como ilustram os depoimentos a seguir: quando eles saem da coronária [UCO] ou mesmo quando eles sabem que vão ser operados, eles fazem várias perguntas. Eu acho que nós [profissionais] somos o alicerce para eles numa cirurgia (P3).

Na perspectiva dos profissionais, os principais problemas para a continuidade do tratamento, pelos pacientes, após a alta hospitalar, consistem na dificuldade para marcar consultas médicas e obter medicamentos, quando não disponíveis pelo SUS. Conforme o exposto, os pacientes afirmaram utilizar os serviços do ambulatório do hospital onde foi realizada a cirurgia. Em especial, as consultas com cardiologista e as medicações, quando disponíveis. O intuito principal é ter acompanhamento de saúde após a alta hospitalar: eu passo trabalho para pegar o remédio da diabetes e a fita para medir a diabetes também [no Centro de Saúde]. Nunca tem [...]. Eu faço acompanhamento com o médico da reabilitação [...] porque quem faz reabilitação marca os exames e consegue consulta muito fácil lá (F1).

DISCUSSÃO

A cirurgia de revascularização miocárdica é compreendida pelos participantes deste estudo como um procedimento complexo, que oferece risco de morte e exige mudanças no estilo de vida, a fim de se evitar novos eventos de obstrução coronariana. Embora seja realizado um preparo prévio com os pacientes, a partir das orientações pré-operatórias, verificam-se o estresse e a ansiedade, comuns em situações desconhecidas, que exijam mudanças na rotina de vida.1414 Broddadottir H, Jensen L, Norris C, Graham M. Health-related quality of life in women with coronary artery disease. Eur J Cardiovasc Nurs. 2009; 8(1):18-25.

Nesse sentido, os achados deste estudo apontam que os pacientes vivenciam com coragem o recebimento da notícia da necessidade de realizar a cirurgia de revascularização miocárdica e autorizam o tratamento cirúrgico, embora estejam presentes a insegurança e o medo da morte, condições inerentes aos riscos que uma cirurgia de grande porte proporciona. Destaca-se, aqui, o conflito vivenciado pelo paciente ao assumir racionalmente a inseparabilidade de duas noções contraditórias. Isso permite a união de duas noções que tendem à exclusão, vislumbrando-as simultaneamente como antagônicas e complementares entre si:1111 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 15a ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil; 2008. a necessidade e o risco de que se realize a cirurgia.

De modo transversal, desde o período pré-operatório até o momento da alta hospitalar, os diversos fatores podem ser minimizados com uma assistência de enfermagem humanitária, que vise à minimização de sentimentos negativos, apontados pelos pacientes, e à transmissão de segurança e conforto, os quais culminam em um bom relacionamento.1515 Parcianello MK, Fonseca GGP, Zamberlan C. Necessidades vivenciadas pelos pacientes pós-cirurgia cardíaca: percepções da enfermagem. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2011; 1(3):305-12. Assim, verifica-se que a competência técnica e o conhecimento científico dos profissionais estão em confluência com a subjetividade do cuidado que fundamenta a prática da enfermagem1616 Baggio MA, Callegaro GD, Erdmann AL. Compreendendo as dimensões de cuidado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev Bras Enferm. 2008; 61(5):552-7. e é capaz de influenciar a vivência do paciente com indicação de cirurgia cardíaca, tanto no pré como no pós- operatório.

Ressalta-se também a relação entre religiosidade/espiritualidade e doenças cardiovasculares, uma vez que não somente os elementos físicos ou biológicos ganham visibilidade neste processo. Ao contrário, em vista da complexidade do ser humano, suas múltiplas facetas, quando integradas, tecem a composição do todo.1111 Morin E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 15a ed. Rio de Janeiro (RJ): Bertrand Brasil; 2008. A dimensão espiritual é associada positivamente à diminuição da prevalência de depressão, maior sobrevida, menores níveis pressóricos e incidência de complicações pós-cirúrgicas.1717 Lucchetti G, Lucchetti ALG, Avezum Junior A. Religiosity, spirituality and cardiovascular disease. Rev Bras Cardiol. 2011; 24(1):55-7. Nesse sentido, deve ser destinada atenção especial, por parte dos profissionais, para fortalecer esta dimensão aos pacientes revascularizados.

No que tange às dificuldades vividas, a sensação de iminente morte provoca medo e pavor no ser humano, sendo a dor mais violenta quando é reconhecida a singularidade do ser e a intensidade dos seus vínculos familiares.1818 Morin E. O homem e a morte. Rio de Janeiro (RJ): Imago; 1997. Acrescenta-se que "o horror da morte é a emoção, o sentimento ou a consciência de um vazio, de um nada, que se abre onde havia plenitude individual, ou seja, consciência traumática". 18:33

Assim, faz-se essencial identificar esses sentimentos no período pré-operatório da cirurgia cardíaca, com vistas a potencializar as ações proativas dos pacientes, uma vez que a revascularização miocárdica pode representar uma nova realidade. Isso exige reorganização efetiva, pois traz mudanças na autoimagem, insegurança em relação ao futuro, temor da dependência de outras pessoas e incapacidade laboral.1919 Nobre TTX, Reis LA, Torres AG, Alchieri JC. Aspectos da personalidade e sua influência na percepção da dor aguda em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. J Bras Psiquiatr. 2011; 60(2):86-90.

Em relação ao ambiente hospitalar, o processo de viver dos pacientes revascularizados, o desconforto de compartilhar a privacidade com outros pacientes e a insatisfação com a alimentação foram apontados como elementos que influenciaram negativamente, corroborando com os achados de outro estudo durante a hospitalização.2020 Oliveira SG, Quintana AM, Budó MLD, Kruse MHL, Beuter M. Internação domiciliar e internação hospitalar: semelhanças e diferenças no olhar do cuidador familiar. Texto Contexto Enferm. 2012; 21(3):591-9.

A longa espera pela cirurgia ou as suspensões cirúrgicas, vivenciadas pelos participantes deste estudo, além de gerarem maior custo para os hospitais, podem potencializar o risco de complicações clínicas para o paciente. Como a suspensão da cirurgia expõe os pacientes ao estresse e à ansiedade, os profissionais de saúde devem investir esforços para evitá-los com a realização de avaliação e orientação responsável no período pré-operatório.2121 Sá C, Carmo SPG, Canale TSL. Avaliando o indicador de desempenho suspensão cirúrgica, como fator de qualidade na assistência ao paciente cirúrgico. Enferm Glob. 2011; 10(23):190-9.

Neste sentido, o SUS tem buscado modelos de gestão que privilegiem práticas de humanização, visando promover maior satisfação do usuário e segurança do paciente. Esta última dimensão é considerada a mais valorizada no atendimento hospitalar por um grupo de usuários submetidos à cirurgia cardíaca, que avaliaram a qualidade do SUS.2222 Borges JBC, Carvalho SMR, Silva MAM. Quality of service provided to heart surgery patients of the Unified Health System-SUS. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010; 25(2):172-82.

Quanto ao período pós-operatório, pacientes cardíacos internados em uma unidade de tratamento intensivo, em outro cenário de pesquisa, corroboram que o período de internação foi difícil devido aos desconfortos gerados pelo ambiente, tais como: luzes acesas, equipamentos sonoros ativados e manipulação constante dos pacientes bem como o afastamento da família.1515 Parcianello MK, Fonseca GGP, Zamberlan C. Necessidades vivenciadas pelos pacientes pós-cirurgia cardíaca: percepções da enfermagem. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2011; 1(3):305-12. As incisões, os drenos e o tubo orotraqueal também são geradores de desconforto durante o processo de recuperação. Além do desconforto, a presença de drenos e tubos prejudica de forma significativa a comunicação, enquanto o paciente encontra-se na unidade de cuidados intensivos.2323 Werlang SC, Azzolin K, Moraes MA, Souza EN. Comunicação não verbal do paciente submetido à cirurgia cardíaca: do acordar da anestesia à extubação. Rev Gaúch Enferm. 2008; 29(4):551-6.

O controle da dor pós-operatória é um elemento importante para a diminuição de complicações e sofrimento. Geralmente, o diagnóstico de dor aguda é identificado em pacientes no pó s-operatório de cirurgia cardíaca, cujas localizações particularmente apontadas são: região esternal (local da incisão cirúrgica) e tórax anterior (local dos drenos torácicos).2424 Pivoto FL, Lunardi Filho WD, Santos SSC, Almeida MA, Silveira RS. Diagnósticos de enfermagem em pacientes no período pós-operatório de cirurgias cardíacas. Acta Paul Enferm. 2010; 23(5):665-70. A dor está presente comumente entre o 1o e 3o dia de pós-operatório, principalmente em idosos.2525 Xavier TT, Torres GV, Reis LA, Silva RAR, Costa IKF, Mendes FRP. Post-surgical health and pain assessment for elderly submitted to cardiac surgery. Texto Contexto Enferm. 2011; 20(spe):232-37. A dor é uma experiência sensorial, subjetiva e individual. O enfermeiro é considerado membro da equipe multiprofissional, que acompanha permanentemente o paciente durante a hospitalização. Executa planos de cuidados dirigidos ao manejo da dor e esse profissional deve estar atento ao desenvolvimento de estratégias de cuidado, individualizadas a cada paciente.

A família é percebida como um suporte importante para o paciente, principalmente no pós-operatório. A família tem sido indicada como rede de apoio utilizada por pessoas em situações de adoecimento e internação hospitalar, uma vez que as relações familiares configuram-se em importantes estratégias para superar os desafios desse processo.2626 Montefusco SA, Bachion MM. Impaired housekeeping: nursing diagnosis in relatives of hospitalized patients with chronic ailments. Rev Eletron Enferm. 2011; 13(2):182-9.

Com relação ao retorno às atividades laborais, embora o estudo tenha encontrado pacientes satisfeitos com sua condição de saúde, constata-se que é comum a insatisfação relativa ao trabalho, sendo que a mesma repercute na baixa autoestima e na dependência financeira.2727 Dantas RAS, Rossi LA, Costa MCS, Vila VSC. Qualidade de vida após revascularização do miocárdio: avaliação segundo duas perspectivas metodológicas. Acta Paul Enferm. 2010; 23(2):163-8. Já em relação à realização de atividade física e à adequação da dieta, evidencia-se, em outros estudos, que esses elementos, considerados fundamentais para controle de doenças cardiovasculares,1010 Corrêa ICF, Costa JDA, Ferreira PAM, Ferreira FMM. Atividade física e efeitos sobre os fatores de risco da doença cardiovascular em indivíduos revascularizados do miocárdio. Rev Pesq Saude. 2010; 11(1):18-22. ainda estão ausentes na rotina de alguns pacientes submetidos à cirurgia cardíaca.1919 Nobre TTX, Reis LA, Torres AG, Alchieri JC. Aspectos da personalidade e sua influência na percepção da dor aguda em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. J Bras Psiquiatr. 2011; 60(2):86-90. Logo, caracteriza-se um desafio introduzir ou tornar essas práticas saudáveis um hábito no período pós-operatório.

Outro elemento significativo destacado pelos participantes foram as cicatrizes, principalmente pelas mulheres revascularizadas. As mulheres sentem vergonha em mostrar o corpo marcado por cicatriz e percebem como problema a dificuldade em assumir as cicatrizes no peito e nas pernas. É considerada frequente e normal a preocupação das mulheres com as cicatrizes em relação ao cônjuge, já os homens apresentam suas cicatrizes como um ato de heroísmo.2828 Silva PFC, Caldas CP. Implicações psicossociais do envelhecimento: o caso da cirurgia de revascularização do miocárdio em mulheres idosas. Rev Kairós. 2007; 10(2):189-204.

A atuação multiprofissional no SRC constitui-se em um recurso terapêutico para prevenção secundária da cardiopatia isquêmica, que, após a revascularização do miocárdio, pode trazer resultados positivos para uma melhor qualidade de vida. A reabilitação cardíaca pode abranger outras dimensões do viver saudável, para além do treinamento físico.2929 Pinheiro DGM, Pinheiro CHJ, Marinho MJF. Estilo de vida e importância da educação em saúde na reabilitação cardíaca após cirurgia de revascularização do miocárdio. Rev Bras Promoç Saúde. 2007; 20(4):213-20. Neste sentido, a articulação entre o SRC e os demais serviços oferecidos no ambulatório (que incluem consultas médicas por especialistas e oferta de medicamentos) favorecem a continuidade das ações em saúde, com vistas à assistência integral ao usuário.

A garantia de direito à saúde, guiada por princípios da universalidade, equidade e integralidade, existe há 20 anos no Brasil, com repercussões, inclusive na terapia medicamentosa. Assim, a assistência farmacêutica por meio do ordenamento jurídico brasileiro deu vazão ao aumento das demandas judiciais para efetivação desse direito. Portanto, parte da população brasileira não está passiva à ausência de medicação nas unidades locais de saúde e/ou postos de retirada.3030 Sant'ana JMB, Pepe VLE, Castro CGSO, Ventura M. Essential drugs and pharmaceutical care: reflection on the access to drugs through lawsuits in Brazil. Rev Panam Salud Pública. 2011; 29(2):138-44. Contudo, o acesso à informação e ao sistema jurídico de forma gratuita são requisitos para o alcance do exercício pleno dos direitos como usuário do SUS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a internação e após a alta, o ser revascularizado vivencia enfrentamentos de ordem pessoal e institucional. O paciente precisa superar o temor à cirurgia e o medo à morte, a espera pela cirurgia, o manejo da dor, à presença de drenos e tubo no pós-operatório, o acesso à medicação, as cicatrizes, a religiosidade, a presença da família e dos profissionais da saúde.

Os dados do estudo revelam significados que modificam/interferem no processo de viver a revascularização cardíaca, os quais fornecem base teórica para o cuidado de enfermagem a este paciente em específico. Apesar de os resultados desta pesquisa serem reflexo da experiência de pacientes revascularizados de um hospital público, e, portanto, não poderem generalizar os achados às demais instituições hospitalares, são diversos os fatores que interferem no processo de viver do paciente submetido à revascularização miocárdica. Conhecer tais fatores pode contribuir para uma prática clínica mais responsável e despertar os enfermeiros para uma atividade fundamental: orientação pré e pós-operatória efetiva.

A enfermagem tem papel fundamental no cuidado ao ser revascularizado devido à maior proximidade em período integral durante a internação. Esta é uma relevante oportunidade para construção do vínculo com o paciente. Neste sentido, evidencia-se a significativa possibilidade de identificar os elementos intervenientes do processo de viver a cirúrgica de revascularização do miocárdio, a fim de promover mudanças e melhorias no percurso terapêutico, de recuperação e de manutenção da saúde do paciente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2012
  • Aceito
    24 Maio 2013
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