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REPERCUSSÕES NO PROCESSO DE VIVER DA PESSOA COM ESTOMA

Resumos

Estudo descritivo, com abordagem qualitativa, que objetivou conhecer as repercussões da estomização no processo de viver de pessoas com estoma. Este estudo foi realizado em um serviço de estomaterapia de um hospital universitário do Sul do Brasil, no primeiro semestre de 2011, com oito pessoas estomizadas. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e analisados pela análise temática. Evidenciou-se que a cirurgia ocorreu, geralmente, para evitar sua morte. Os pacientes apresentavam-se abatidos, revoltados, tristes e com dúvidas, buscando manter a estomização em segredo. Preocupavam-se com a aquisição dos recursos para seu autocuidado. Podiam apresentar complicações e vivenciar situações constrangedoras relativas ao estoma. No entanto, após adaptados, percebiam que era possível viver com o estoma, recuperando a alegria. Chegou-se à conclusão que eles eram capazes de (re)significar seu viver. Destacou-se o papel da enfermagem, habilitando-os para seu autocuidado, constituindo sua rede de apoio social e auxiliando-os a se tornarem autônomos no seu viver.

Estomia; Impacto psicossocial; Adaptação; Enfermagem


A descriptive study with a qualitative approach that aimed to identify the repercussions of ostomy construction on the living process of people with an ostomy. The study was performed at a Stomatherapy Service from a university hospital in southern Brazil, in the first semester of 2011, with eight patients. Data were collected through semi-structured interviews, and they were analyzed by thematic analysis. We found that the surgery happened to prevent patient deaths. Patients presented themselves as disheartened, angry, sad, having doubts, and they sought to keep the ostomy a secret. They were concerned with the acquisition of resources for self-care. They may present complications and experience embarrassing situations because of the stoma. However, they perceived that they could live with a stoma and regain joy. We concluded that they were able to reframe their lives. We highlight the role of nurses, enabling them for self-care, constituting part of their social support network, helping them to become able to live independently.

Ostomy; Psychosocial impact; Adaptation; Nursing


Estudio descriptivo con un abordaje cualitativo, que objetivó identificar las repercusiones de la estomización en el proceso de vivir de las personas con estomía. Esto fue realizado en un Servicio de Estoma-Terapia de un hospital universitario en la región Sur del Brasil, en el primer semestre de 2011, con ocho portadores. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas y analizados por el análisis temático. Se encontró que la cirugía se llevó a cabo para evitar su muerte. Los pacientes se presentaron abatidos, enojados, tristes y con dudas. Ellos se preocupaban con la adquisición de recursos para su autocuidado. Presentaron complicaciones y pasaron por situaciones embarazosas debido al estoma. Sin embargo, se dan cuenta que se puede vivir con un estoma y recuperar la alegría. Se deduce que son capaces de replantear sus vidas. Se destaca el papel de la Enfermería que les permite el auto-cuidado, constituyendo parte de su red de apoyo social, ayudándoles a ser capaces de vivir con autonomía.

Estomía; Impacto psicosocial; Adaptación; Enfermería


INTRODUÇÃO

Estomização é o procedimento cirúrgico no qual se realiza a exteriorização de parte de um órgão oco, como o intestino ou a bexiga, criando uma abertura no abdômen, chamada estoma.11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria SAS/MS nº 400 de 16 de novembro de 2009 [online]. Brasília (DF): Ministério da Saúde. [acesso 2014 Dez 19] Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2009/prt0400_16_11_2009.html
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Trata-se de um procedimento cirúrgico agressivo, capaz de provocar várias mudanças na fisiologia corporal, no estilo de vida, no aspecto físico e psicossocial da pessoa.22. Coelho AR, Santos FS, Dal Poggetto MT. Stomas changing lives: facing the illness to survive. [online]. 2013 [acesso 2014 Dez 19]; 17(2):258-77. Disponível em: http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/649.
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A cirurgia para a confecção de um estoma impõe uma importante alteração corporal, podendo causar modificações na vida, na autoimagem e na autoestima dessas pessoas.33. Kimura CA, Kamada I, Guilhem D, Monteiro PS. Quality of life analysis in ostomized colorectal cancer patients. J Coloproctol [online]. 2013 [acesso 2014 Dez 19]; 33(4):216-21. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2237936313000622
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A pessoa que realiza esse tipo de cirurgia necessita adaptar no abdômen uma bolsa coletora para fezes ou urina, tornando-a dependente de seu uso. Essa obrigatoriedade, associada ao medo que o odor exale, ocorram vazamentos e ruídos, além das possíveis restrições de alguns hábitos de vida, resulta em preocupação e pode transformar sua existência num processo doloroso.44. Espadinha AMN, Da Silva MMDECVZN. O colostomizado e a tomada de decisão sobre a adesão à irrigação. Rev Enferm Ref [online]. 2011 [acesso 2014 Dez 19]; 3(4):89-96. Disponível em: http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S0874-02832011000200009&script=sci_arttext
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Ela e seus familiares devem aprender o manejo diário da presença da bolsa e do estoma, e a conviver com todas as implicações impostas decorrentes dessa situação.

Na sociedade atual, a beleza e o vigor são supervalorizados, sendo que o desvio dos padrões de normalidade pode gerar significativo senso de rejeição.55. Cassero PAS, Aguiar JE. Percepções emocionais influenciadas por uma ostomia. Rev Saúde Pesq [online]. 2009 [acesso 2014 Dez 19]; 2(2):23-7. Disponível em: http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/saudpesq/article/view/1058/780
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Ao se submeter à cirurgia de estomização, a pessoa vivencia a desconstrução de sua imagem, de sua posição e de sua função no seu microespaço social. Pode se sentir diferente, apresentar sentimentos conflituosos que, por sua vez, podem inibir o processo de adaptação e aceitação da nova condição de vida, demandando um processo de adequação à nova imagem, identidade e autoconceito, na busca pelo sentido existencial de seu novo corpo.66. Souza PCM, Costa VRM, Maruyama SAT, Costa ALRC, Rodrigues AEC, Navarro JP. As repercussões de viver com uma colostomia temporária nos corpos: individual, social e político. Rev Eletr Enferm [online]. 2011 [acesso 2014 Dez 19]; 13(1):50-9. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n1/pdf/v13n1a06.pdf
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As dificuldades apresentadas pelas pessoas, a partir da descoberta do diagnóstico de câncer, da confecção do estoma e da aceitação da situação vivida, demonstram que o impacto desses fatores é indicativo do quanto é complexo e difícil o processo de reabilitação das mesmas.77. Gemmill R, Kravits K, Ortiz M, Anderson C, Lai L, Grant M. What do surgical oncology staff nurses know about colorectal cancer ostomy care? J Contin Educ Nurs. 2011; 42(2):81-8. Nesse contexto, o enfermeiro desempenha importante papel frente a esse processo de mudanças no viver da pessoa com estoma por seu conhecimento científico e por seu envolvimento desde o diagnóstico, passando por pré e pós-operatórios e permanecendo no acompanhamento dessa pessoa no ambulatório ou, ainda, pelo desenvolvimento de ações de educação em saúde e de promoção do autocuidado.88. Moraes JT, Sousa LA, Carmo WJ. Análise do autocuidado das pessoas estomizadas em um município do centrooeste de Minas Gerais. Rev Enferm Cent O Min [online]. 2012 [acesso 2014 Dez 19]; 2(3):337-46. Disponível em: http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/article/view/224/348
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Surgem, assim, inquietações sobre como assistir essas pessoas de forma integral, auxiliando-as no enfrentamento de seu cotidiano, tendo em vista suas diferentes idades, patologias, experiências, subjetividades, sentimentos e culturas. Acredita-se que as práticas profissionais podem promover formas de enfrentamento positivas na condição de adoecimento, na medida em que se amplia a atuação para além do corpo biológico com um estoma, centrando o cuidado na pessoa que adoece.99. Mattos M, Maruyama SAT. A experiência de uma pessoa com doença renal crônica em hemodiálise. Rev Gaúcha Enferm [online]. 2010 [acesso 2014 Dez 19]; 31(3):428-34. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1983-14472010000300004&script=sci_arttext
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A amputação de qualquer segmento corporal é traumática, podendo produzir mudanças radicais na aparência, alterando a autoimagem corporal e levando à necessidade da pessoa com estoma ajustar-se a essa nova situação. Tendo em vista as inúmeras consequências advindas da vivência com o estoma, este estudo objetivou conhecer as repercussões da estomização no processo de viver de pessoas com estomas.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, que trabalhou com os significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, possibilitando que o pesquisador observasse os agentes em seu cotidiano, convivendo e interagindo socialmente com eles.1010. Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo/Rio de Janeiro: HUCITEC/ABRASCO; 2008. Foi realizada em um serviço de estomaterapia (SE) de um hospital universitário na região Sul do País, no primeiro semestre de 2011.

Esse serviço existia há 24 anos e atendia, no período da pesquisa, 96 pessoas estomizadas e seus familiares, atuando nas áreas de ensino, pesquisa e extensão. Objetivava o ensino do autocuidado e a melhoria da qualidade de vida da pessoa com estoma. Para além de um espaço de referência, no qual eram realizadas consultas educativas, a pessoa estomizada recebia o material necessário para seu cuidado e era convidada a participar de grupoterapias. Estas estimulavam o convívio com outras pessoas que passaram ou passavam por situações semelhantes, e viabilizavam a troca de experiências e o apoio mútuo.

Os sujeitos da pesquisa foram oito pessoas estomizadas, cadastradas nesse serviço com estomas temporários e definitivos. Os critérios de inclusão foram: estar lúcido e comunicativo, e ser estomizado há mais de um ano. Foram excluídas pessoas em fase terminal de doença. Durante a grupoterapia, os pacientes foram convidados a participar do estudo e, aqueles que aceitaram, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, combinando-se o dia e a hora para a coleta dos dados.

A coleta de dados deu-se por entrevista semiestruturada única com cada participante. Estas foram gravadas, com duração média de 60 minutos, tendo sido realizadas no consultório do serviço de estomaterapia. A entrevista é uma técnica que estabelece uma relação dialógica com uma determinada intenção, que se caracteriza como promotora da abertura e do aprofundamento em uma comunicação.1010. Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo/Rio de Janeiro: HUCITEC/ABRASCO; 2008. Foram questionados acerca da repercussão da realização da cirurgia de estomização em seu processo de viver. Os dados que surgiram das entrevistas foram analisados pela técnica de análise temática,1010. Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo/Rio de Janeiro: HUCITEC/ABRASCO; 2008. em três etapas: pré-análise, na qual se organiza os dados a partir dos objetivos do estudo realizando o agrupamento das falas e a elaboração das unidades de registro; exploração do material, na qual os dados foram codificados, agrupados por semelhanças e diferenças, e organizados em categorias; e tratamento dos resultados obtidos e interpretação, na qual foram selecionadas as falas mais significativas para ilustrar a análise e foram realizadas a busca de autores para dar suporte à análise.

Seguiu-se a Resolução 196/96 no que tange aos aspectos éticos para pesquisa com seres humanos.1111. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF): CNS; 1996. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) sob o número 79/2010. Garantiu-se o anonimato dos participantes e suas falas foram identificadas com a letra "P" seguida do número da entrevista.

RESULTADOS

Participaram das entrevistas oito pessoas estomizadas com idades entre 42 e 77 anos, sendo quatro homens e quatro mulheres. Todos possuíam mais de um ano de estomização temporária ou definitiva. Possuíam estomas do tipo colostomia (quatro pessoas), ileostomia (uma) e urostomia (três). Eram estomizados devido a câncer de bexiga (três), câncer de reto (quatro) e doença de Crohn (um). Seus graus de escolaridade variaram entre Ensino Fundamental incompleto (quatro), Fundamental completo (um), Ensino Médio incompleto (um) e Médio completo (dois).

A análise temática dos dados gerou duas categorias: Sentindo o estoma antes e após a cirurgia, e As dificuldades e as possibilidades do viver estomizado.

Sentindo o estoma antes e após a cirurgia de estomização

De posse do diagnóstico, as pessoas começaram a vivenciar o impacto que o tratamento cirúrgico traria às suas vidas. Embora a confecção do estoma representasse a diferença entre viver e morrer, sua presença, associada ao uso da bolsa coletora, inicialmente é tão traumatizante que, percebendo-se sem alternativa, cogitou-se até mesmo a própria morte. Entretanto, ao decidirem pela cirurgia, levaram em consideração suas famílias, esposos, filhos e a vida em si, sendo tais fatores determinantes para essa tomada de decisão. O apoio incondicional da família e da equipe de saúde na possibilidade de resolução do grave problema, que poderia levá-los à morte, motivou-os a continuarem em frente, como expressado nas falas:

se eu não estivesse com a bolsa eu não estaria aqui! Fazer o quê! Para seguir vivendo precisava da bolsa. (P4).

é um impacto muito grande perceberes que tu tens que operar ou vais morrer. A ideia é complicada, mas tive que decidir pela bolsa. Não houve jeito (P6).

de repente, bate uma tristeza, uma tristeza. Por que eu fui ficar assim? Para que ficar assim? Depois eu aceito. Melhor assim do que nada, mas é uma confusão que dá na cabeça! É isso aí que dá na gente. Eu sei que volta tudo de novo. Para que ficar assim? Então, era melhor não ter ficado! (P8).

quando eu fui fazer a cirurgia em 2003, a primeira coisa que eu tinha vontade era de morrer e não me operar. Pensava que a minha vida ia acabar de qualquer jeito! Vou colocar duas bolsinhas e como vai ser a minha vida assim? Mas eu tinha meu filho, minha esposa, minha casa. E eu digo não! Sabe de uma coisa não vou desanimar. Vamos botar a bolsa (P5).

Após a realização da cirurgia, verificou-se que a pessoa com estoma recente se apresentava abatida e até mesmo revoltada, podendo, inclusive, questionar a real necessidade da realização da cirurgia e da conduta médica. A revolta apresentou-se, em um primeiro momento, como um mecanismo de defesa e direcionou-se no sentido da busca pelo culpado, que podia ser, segundo o pensamento de alguns estomizados, os profissionais de saúde, bem como a própria pessoa agora estomizada, devido às atitudes ou escolhas erradas, que ele próprio pode ter realizado no passado e que impactaram sua saúde:

o médico fez uma cirurgia que eu acredito que talvez nem precisasse! Mas ele disse que era necessário. Todo mundo diz pra mim que não precisava, porque eu estava com o tumor só na bexiga e ele me tirou até o útero! Tudo que ele mexeu não tinha, não precisava! Me dá uma tristeza, uma angústia e uma raiva! E me pergunto: 'por que ele fez isso?' Só estava mesmo na bexiga, mas ele disse que precisava fazer e fez. Agora estou assim! Sem nada! (P8).

a gente deve cuidar da saúde. Porque a gente, às vezes, faz coisas erradas. Não cuida da saúde e por isso dá os problemas como esse que me deu (P1).

Parte significativa das pessoas não tinha ideia e, até mesmo, nunca tiveram contato com alguém estomizado antes da necessidade da realização de sua cirurgia. Assim, elas não possuíam uma concepção do que se tratava ter um estoma. O estranhamento frente a essa situação repercutiu em seu enfrentamento a essa nova condição de vida. O medo de ser diferente e o da reação da sociedade fez com que muitas pessoas mantivessem a estomização em segredo e, às vezes, de si mesmas, evitando olhar seu corpo, agora estomizado. Podiam, ainda, sentirem-se angustiadas frente ao desconhecido e à nova imagem, além de ser necessário aprender a cuidar do estoma:

quando eu coloquei a bolsa eu nunca tinha visto ninguém falar em bolsa. Eu achava que não existia isso! Nunca pensei ter que lidar com isso, manusear a bolsa essas coisas. [...] As pessoas não entendem o que é isso, o que é a bolsa. É difícil falar, explicar, a gente não sabe como vão reagir, então evito (P5).

eu nunca tinha visto ninguém assim, com uma bolsa. Então ter que cuidar foi meio complicado. É uma angústia! Tu tens que te trancar e te esconder pra te cuidar. Não gosto que ninguém me veja com isso, com essa bolsa (P3).

Diante da irreversibilidade da condição de estomizado, passado algum tempo, muitos se resignaram e tentaram incorporar a novidade em suas vidas:

antes eu rejeitava a bolsa. Era estranho. Não pensava que poderia existir algo assim como o estoma. Depois não. Hoje, lido com a bolsa de forma mais tranquila. Nos primeiros três meses eu nem queria olhar a minha bolsa. Briguei, briguei até tentar entender porquê daquilo. Por que isso teve que acontecer comigo? (P6).

As dificuldades e as possibilidades do viver estomizado

Após o choque da notícia, da necessidade e da decisão pela cirurgia de estomização, bem como as dificuldades iniciais de aceitação, observou-se a mudança de foco do questionamento do por que "comigo" para as preocupações sobre como lidar com o estoma e quais as formas de conviver com ele. Verificou-se, assim, a preocupação em adquirir os recursos que deviam sustentar seu autocuidado, pois tais materiais eram de difícil acesso no mercado, caros e de distribuição limitada pela Secretaria Estadual da Saúde. A pessoa amedrontava-se com a possibilidade de ficar sem os dispositivos coletores, pastas, pós e outros materiais essenciais à manutenção de sua qualidade de vida, sendo sua falta um motivo de estresse e de comprometimento do seu viver. Dessa forma, a busca periódica por material de cuidado fez com que se tornasse dependente do serviço de saúde:

essa preocupação que eu tenho. Será que vai dar? É aquela preocupação de faltar a bolsa, de não deixar faltar. Eu estou muito bem e tenho que sair correndo como saí agora. Me deu o estalo que eu não vou ter e venho buscar. Essa é a maior preocupação: de faltar, de ficar sem. De chegar lá e não ter ninguém para me atender (P1).

e eu tinha muito medo que faltasse a bolsa. Hoje não, eu venho falo com a enfermeira e ela dá um jeito. Porque no início eu recebia também por Porto Alegre num posto de saúde. E, quando eu estava no hospital, eu pensava que teria que comprar essas bolsas e é muito caro! Mas toda vez que eu ia a Porto Alegre no hospital onde eu me tratava, as gurias enfermeiras me davam umas duas ou três do estoque delas, pois elas não podiam dar. Ia a outro hospital minha esposa ia eu pedia e nos davam um tanto. Eu me virava, porque tinha medo que faltasse. Hoje não, pois a enfermeira cuida de tudo aqui para que não falte, mas no início foi difícil (P4).

Verificou-se que era comum a pessoa apresentar complicações após a cirurgia. Estas eram decorrentes de suas condições clínicas, como infecções e doenças de base ou de complicações relacionadas ao estoma, como as hérnias, eviscerações e outras, que podiam ser devidas ao não seguimento das orientações fornecidas:

tive complicações cirúrgicas. Tive infecções generalizadas após a primeira cirurgia. Estive na UTI várias vezes. É que meu organismo não se adaptou. Infeccionou e a prova está aqui: um ano e três meses depois faço um tratamento diário para a infecção. Meu problema é por sequela da cirurgia, por problema da coluna. Ficou um monte de sequelas. Meu maior problema é pela coluna não pelo estoma (P6).

a enfermeira me orientou, mas meu filho foi para a praia e pediu para eu cuidar da obra e acabei fazendo uma hérnia ao descarregar um caminhão de tijolo. Antes nunca havia feito isso e achei que não ia acontecer nada. E minha barriga hoje é cheia de hérnias. É horrível. Quem não é forte não vê. Uma delas fiz colocando e tirando a minha esposa de maca, colocando no carro enquanto estava doente (P4).

Além das dificuldades físicas, a possibilidade de vazamento da bolsa coletora ou a eliminação de ruídos e gases intestinais durante eventos sociais produziam constrangimento, vergonha e desespero, tornando o impacto da cirurgia maior ainda:

eu estava jantando na casa da minha irmã e tive que sair correndo. Tive que largar a comida e sair. Vamos embora, vamos embora! Ainda bem que meu guri tem moto. Eu chamei ele num canto, para eles não verem e pedi para ele me levar embora. Não falei nada! A bolsa vazou e fiquei toda evacuada. Fiquei desesperada de vergonha (P8).

já cansei de sair de casa com uma bolsa, chegar ao aniversário ou em outro lugar e ter que ir embora às pressas porque descolou, vazou tudo. Eu não consigo dizer: 'eu vou ter que ir embora que eu vou ter que trocar a minha bolsa'. Me dá uma vergonha, uma vergonha [...]. E eu tenho que sair assim, desesperada sem dizer o porquê (P1).

A cirurgia repercutiu de forma tão avassaladora que a pessoa podia se apresentar descrente quanto à possibilidade de se adaptar à vida de estomizada. No entanto, após um período, ela se conscientizou da falta de alternativa, passando a mobilizar forças no sentido da adaptação e da aceitação na busca da qualidade de vida:

eu vejo muito as pessoas que ficam com problema, depressivas, não aceitam. Aquela coisa, sabe? O problema é que não tem muito o que fazer. Ou é assim ou tu não estavas aqui! Então o jeito é conviver com ela. E tentar ser feliz (P2).

a bolsa está aí para me ajudar. No início foi difícil. Só! Não tenho nenhuma coisa contra. Mas, pelo contrário, se não estivesse, aí sim teria um problema sério (P6).

tu estás meio que adaptado, mas meio que na marra. Não sei se um dia realmente vou conseguir me adaptar, mas por enquanto é isso. Mas estou tentando (P3).

Aqueles que perceberam a cirurgia do estoma como uma possibilidade de ter uma vida melhor, que era possível recuperar a alegria de viver e dar um senso de normalização a suas vidas passaram a se sentir bem e a buscar um viver com qualidade:

depois que fiz esse estoma, eu me sinto muito bem. Eu tenho disposição para comer, trabalhar, para andar. A princípio eu fiquei preocupado por causa dessas bolsas, porque eu tenho que ficar com ela até o fim da vida. Mas agora não, eu me sinto bem. Antes eu embraveci muito. Eu me sentia mal. Aos poucos fui melhorando. Passei a dormir bem, a me alimentar bem, como de tudo. Estou feliz, pois levo uma vida boa (P7).

melhorei bastante. Não sinto dores. Eu me adaptei bem. Porque eu encarei como uma coisa natural. Decidi viver minha vida tranquilo. Praticamente pouco mudou na minha vida (P5).

No entanto, constatou-se que, apesar do entendimento de que a cirurgia possibilitava a continuidade de sua vida e que precisava adaptar-se a esse novo modo de viver, a pessoa esperava que, um dia, seu estoma fosse revertido. Talvez tal fato revelasse que a adaptação a algo considerado diverso do "normal", isto é, a saída das fezes por outro local do corpo, era relativa, ocasionada pela necessidade premente de preservação da vida. Essa aparente aceitação temporária foi fomentada pela esperança de um dia haver a possibilidade de reconstruir o trânsito intestinal novamente, independente de o estoma ser temporário ou definitivo:

[...] eu me adaptei! Assim, deste jeito como eu te falei. Se eu pudesse tirar, voltar atrás, eu tirava. Até eu estava para fazer a cirurgia de reversão, mas está meio complicado. Se tu fizeres e não der certo é a única chance que tu tem. Então, tu ficas assim. É brabo. É muito difícil. Tu ficas bem preocupado. Porque não pode errar (P8).

claro que eu quero tirar a bolsa e tudo. Mas, se de repente não der para tirar e ter que ficar assim sei que ainda vai ser um ganho. Eu me adaptei, mas estou muito ansioso para tirar (P5).

Mesmo aquelas pessoas que eram estomizadas definitivas há certo tempo, sem a mínima possibilidade de reversão de seu estoma, referiram não ter conseguido se adaptar à essa condição:

não me adaptei bem. Não tem como! Mesmo depois de anos (P3).

não tive jeito de dizer para as pessoas que eu uso. Eu não consigo aceitar (P1).

tem horas que eu nem acredito que estou usando a bolsa. Não estava pronta para isso. Não em sinto adaptada. Ás vezes me pergunto: 'por que será que estou passando por tudo isso?' (P8).

DISCUSSÃO

A cirurgia de estomização é realizada com o objetivo de manter a função de eliminação intestinal ou urinária necessária à vida, mas isso gera diversas modificações na fisiologia corporal, no estilo de vida, e no aspecto físico e psicossocial da pessoa.1212. Santana JCB, Souza AB, Dutra BS. Perceptions of a group of nurses on the process of caring for patients with permanent colostomy. Rev Enferm UFPE On Line [online]. 2011 [acesso 2014 Dez 19]; 5(7):1710-5. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/viewArticle/1722. Portuguese.
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Assim, a categoria "Sentindo o estoma antes e após a cirurgia de estomização" demonstrou que sem alternativa antes da cirurgia, embora esta representasse ao candidato à estomização a diferença entre viver ou morrer, restava a ele apenas aceitar sua realização. O desconhecimento da vivência como estomizado após a cirurgia pode levar a uma desestruturação emocional, fazendo com que a pessoa estomizada, muitas vezes, faça referências à morte. Outros, ainda, apresentaram inseguranças e incertezas quanto ao seu futuro com o estoma.1313. Brum CN, Sodré BS, Prevedello PV, Quinhones SWM. O processo de viver dos pacientes adultos com ostomia permanente: uma revisão de literatura. Rev Pesq Cuid Fundam [Internet]. 2010 [acesso 2014 Dez 19]; 2(4):1253-63. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/viewFile/660/pdf_83
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Além da questão da sobrevida, a categoria apontou a família como um dos motivos para a decisão pela cirurgia. Pensar na importância para si e na necessidade de cuidados à família fez com que a pessoa candidata à estomização mobilizasse força, no sentido da aceitação da cirurgia. A família representou um importante papel de apoio à pessoa com estoma, mobilizando uma nova identidade, a retomada da autoestima e a reinserção social, que podiam ter sido afetadas com a estomização.1414. Cetolin SF, Beltrame V, Cetolin SK, Presta AA. Dinâmica sócio-familiar com pacientes portadores de ostomia intestinal definitiva. ABCD Arq Bras Ci Dig [online]. 2013 [acesso 2014 Dez 19]; 26(3):170-2. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202013000300003&lng=en
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O isolamento social é visualizado como resultado do não apoio emocional e social, em especial da família.1515. Nichol S, Thom R. Social connectivity in those 24 months or less postsurgery. J WOCN. 2011; 38(1):63-8. Observou-se que a condição de saúde da pessoa com estoma era profundamente influenciada pelas questões psicossociais. Dessa maneira, o recebimento de apoio emocional foi fundamental para a melhoria da sua qualidade de vida,1616. Poletto D, Silva DMGV. Living with intestinal stoma: the construction of autonomy for care. Rev Latino-Am Enfermagem [online]. 2013[acesso 2014 Dez 19]; 21(2):.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n2/pt_0104-1169-rlae-21-02-0531.pdf
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tendo a família um papel determinante.

Nessa categoria verificou-se ainda que, após se submeterem à cirurgia de estomização, nos primeiros meses, as pessoas com estoma apresentaram-se abatidas e até mesmo revoltadas com a estomização. Não incomumente, a revolta repercutiu na busca por respostas, e essas pessoas passaram a questionar a real necessidade da cirurgia, procurando um culpado para sua condição de estomizado. No entanto, é necessário respeitar as mágoas, os ressentimentos, as revoltas e as perdas, para poder contribuir para a aceitação da nova condição de vida, que se desvela após a cirurgia. Normalmente, o questionamento e a revolta apresentam-se como uma fase necessária, em virtude da repercussão do estoma em sua vida, a qual culmina, após um período de recomposição e aprendizado das modificações físicas, na aceitação e adaptação mental às mudanças.1414. Cetolin SF, Beltrame V, Cetolin SK, Presta AA. Dinâmica sócio-familiar com pacientes portadores de ostomia intestinal definitiva. ABCD Arq Bras Ci Dig [online]. 2013 [acesso 2014 Dez 19]; 26(3):170-2. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202013000300003&lng=en
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Dentro dessa categoria, verificou-se que parte significativa das pessoas que passaram pela cirurgia de estomização nunca haviam visualizado um estoma, e nem tinham conhecimento de que existia esse procedimento cirúrgico. Assim, a estranheza quanto à imagem do estoma e sua dinâmica de eliminação em seu corpo podiam repercutir na vida da pessoa, agora estomizada, passando a se sentir diferente com relação ao resto da sociedade. Dessa forma, procuraram manter seu estoma e a bolsa coletora em segredo da sociedade, chegando a evitar olhar para seu próprio corpo. Estudo revela que o viver de um estomizado é algo difícil, suscitando-lhe sentimentos de incerteza quanto ao presente e ao futuro, e a suas próprias perspectivas de vida. Após a cirurgia, esse viver apresenta vicissitudes, associadas às dimensões físicas, psicológicas e sociais, solicitando atenção contínua.33. Kimura CA, Kamada I, Guilhem D, Monteiro PS. Quality of life analysis in ostomized colorectal cancer patients. J Coloproctol [online]. 2013 [acesso 2014 Dez 19]; 33(4):216-21. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2237936313000622
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,1717. Sales CA, Violin MR, Waidman MAP, Marcon SS, Silva MAP. Emotions of people living with ostomies: existential comprehension. Rev Esc Enferm USP [online]. 2010 [acesso 2014 Dez 19]; 44(1):221-7. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0080-62342010000100031&script=sci_arttext&tlng=es
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Dessa forma, os desafios surgem desde a descoberta do diagnóstico até a adaptação a nova condição de vida, após a desospitalização, podendo a reabilitação ser um processo difícil.77. Gemmill R, Kravits K, Ortiz M, Anderson C, Lai L, Grant M. What do surgical oncology staff nurses know about colorectal cancer ostomy care? J Contin Educ Nurs. 2011; 42(2):81-8. A categoria demonstrou, ainda, que tornar-se uma pessoa com estoma trouxe consigo a necessidade do desenvolvimento de habilidades para a manutenção dele e da bolsa coletora. Assim, a pessoa pode apresentar-se angustiada com a necessidade de cuidar do corpo nessa nova conformação. As intervenções educativas realizadas pela enfermagem durante o período pré e pós-operatório influenciam, significativamente, a adaptação à nova situação de vida, facilitando o autocuidado e na (re)inserção social.1515. Nichol S, Thom R. Social connectivity in those 24 months or less postsurgery. J WOCN. 2011; 38(1):63-8.

Ao serem comunicados do diagnóstico e da necessidade da cirurgia de confecção de um estoma, muitos experimentam sentimentos de desorganização emocional, sentindo mudanças na trajetória de vida, fato apurado na categoria "As dificuldades e as possibilidades do viver estomizado". Verificou-se, entretanto, que a passagem do tempo é um importante aliado para que a pessoa se adapte a essa nova situação de vida,1818. Santana JCB, Dutra BS, Tameirão MA, Silva PF, Moura IC, Campos ACV. O significado de ser colostomizado e participar de um programa de atendimento ao ostomizado. Cogitare Enferm [online]. 2010 [acesso 2014 dez 19]; 15(4):631-8. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/20358/13519
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pois, aos poucos, começam a modificar suas atitudes frente à estomização, passando da indagação do "por que comigo?" para atitudes positivas com relação ao desenvolvimento de habilidades que permitam, pelo menos, conviver com o estoma.

As pessoas com estomas apresentam níveis moderados de aceitação, sendo que quanto mais recentes a doença e a estomização, menores são os níveis de aceitação da condição de vida.1919. Chao HL, Tsai TY, Livneh H, Lee HC, Hsieh PC. Patients with colorectal cancer: relationship between demographic and disease characteristics and acceptance of disability. J Adv Nurs. 2010; 66(10):2278-86. Além das questões subjetivas quanto à adaptação e à aceitação, os dados evidenciam que se há de considerar as questões materiais, visto que a pessoa com estoma necessita das bolsas coletoras e dos adjuvantes para o autocuidado com o mesmo e a pele periestoma, o que pode repercutir em sua vida financeira. Após a realização de uma estomização, a pessoa passa a ser considerada deficiente física2020. Brasil. Decreto-lei n. 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília (DF): DOU; 2004. e pode integrar o Programa de Assistência à Pessoa com Estomas.11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria SAS/MS nº 400 de 16 de novembro de 2009 [online]. Brasília (DF): Ministério da Saúde. [acesso 2014 Dez 19] Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2009/prt0400_16_11_2009.html
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Esse programa é mantido pelo serviço público e disponibiliza, mensalmente, às pessoas estomizadas, de forma gratuita, os dispositivos para o cuidado com a pele e o estoma.

No entanto, a pessoa com estoma e/ou seu familiar cuidador precisam deslocar-se todos os meses até o serviço para sua obtenção, tornando-se dependente do mesmo para seu cuidado, o que foi observado como uma das dificuldades de viver com um estoma. Sua existência passa agora a ser representada pela materialidade do estoma em seu corpo, dependente da bolsa coletora e adjuvantes, e sem controle esfincteriano.2121. Souza JL, Gomes GC, Barros EJL. O cuidado à pessoa portadora de estomia: o papel do familiar cuidador. Rev Enferm UERJ [online]. 2009 [acesso 2014 Dez 19]; 17(4):550-5. Disponível em: http://www.facenf.uerj.br/v17n4/v17n4a17.pdf
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Outra dificuldade apontada na categoria foi o fato de a cirurgia de estomização poder gerar complicações, como prolapsos e hérnias, entre outras, que podem ser evitadas pela adequação do estilo de vida, por meio das orientações preventivas dos profissionais da saúde. Nesse sentido, a consulta de enfermagem se apresenta como um momento primordial de oferta, além de suporte à promoção de ações e acompanhamento direto da pessoa, prevenindo complicações relacionadas ao estoma, e ajudando-o a enfrentar as dificuldades ocasionadas pelas mudanças ocorridas após a estomização.2222. Nascimento CMS, Trindade GLB, Luz MHBA, Santiago RF. Vivência do paciente estomizado: uma contribuição para a assistência de enfermagem. Texto Contexto Enferm [online]. 2011 [acesso 2014 Dez 19]; 20(3):557-64. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v20n3/18.pdf
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No processo de adaptação, pode haver momentos de avanços e retrocessos, que resultam em uma evolução, no sentido do enfrentamento das situações difíceis. O cotidiano de vida, com retorno à sociedade, pode representar momentos de dificuldades, que podem ser complexos, como a vergonha, o medo, a insegurança e, principalmente, o constrangimento, significativamente expressos,1414. Cetolin SF, Beltrame V, Cetolin SK, Presta AA. Dinâmica sócio-familiar com pacientes portadores de ostomia intestinal definitiva. ABCD Arq Bras Ci Dig [online]. 2013 [acesso 2014 Dez 19]; 26(3):170-2. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202013000300003&lng=en
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com repercussões que podem, em um primeiro momento, parecer negativas. No entanto, por meio desses momentos, permitem-se estabelecer estratégias de enfrentamento, fortalecendo a pessoa com estoma.

A cirurgia de estomização modifica a vida da pessoa e da sua família, repercutindo em sua qualidade de vida. Entretanto, observa-se que a pessoa com estoma, à medida que retoma às atividades anteriores à cirurgia, e estabelece uma melhor relação consigo mesmo e sua situação de estomizada, definitiva ou não, passa a viver melhor, visualizando as possibilidades de viver com um estoma. Fatores como as complicações cirúrgicas, as comorbidades, a função sexual, até mesmo a capacidade de obter recursos de cuidado, como a bolsa coletora, repercutem na qualidade de vida da pessoa com estoma, sendo que as intervenções de enfermagem podem amenizar os efeitos negativos, contribuindo para uma melhor qualidade de vida.2323. Caetano CM, Beuter M, Jacobi CS, Mistura C, Rosa BVC, Seiffert MA. O cuidado à saúde de indivíduos com estomias. Rev Bras Ciênc Saúde [online]. 2014[acesso 2014 dez 19]; 12(39):59-65. Disponível em: http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_ciencias_saude/article/view/2100/1487
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Mesmo que a pessoa com estoma apresente uma boa adaptação e elevada qualidade de vida, a reversão da cirurgia, que consiste na reconstrução do trânsito intestinal, é desejada e esperada, fato evidente nas falas de parte dos sujeitos do estudo. As pessoas com estoma temporário, ou seja, que têm a possibilidade de reverter a estomização, passam por um processo de adaptação semelhante ao das pessoas com estoma definitivo. No entanto, a esperança da reversão persiste, causando ansiedade e podendo dificultar o desenvolvimento de habilidades e competências para o autocuidado.66. Souza PCM, Costa VRM, Maruyama SAT, Costa ALRC, Rodrigues AEC, Navarro JP. As repercussões de viver com uma colostomia temporária nos corpos: individual, social e político. Rev Eletr Enferm [online]. 2011 [acesso 2014 Dez 19]; 13(1):50-9. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n1/pdf/v13n1a06.pdf
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Ainda há pessoas estomizadas que não se sentem adaptadas e nem mesmo capazes de aceitar essa situação, mostrando-se tristes e descrentes com essa condição de vida. No entanto, cada pessoa possui sua singularidade, sua forma de enfrentamento e a adaptação à nova condição, podendo viver com sofrimento, dor, incertezas, mitos e medos.1414. Cetolin SF, Beltrame V, Cetolin SK, Presta AA. Dinâmica sócio-familiar com pacientes portadores de ostomia intestinal definitiva. ABCD Arq Bras Ci Dig [online]. 2013 [acesso 2014 Dez 19]; 26(3):170-2. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202013000300003&lng=en
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A enfermagem, dentro dessa realidade, possui o papel de facilitadora dos processos de cuidado. O enfermeiro ocupa posição diferenciada entre os profissionais que cuidam das pessoas com estomas, por estarem amplamente envolvidos com o desenvolvimento do autocuidado.88. Moraes JT, Sousa LA, Carmo WJ. Análise do autocuidado das pessoas estomizadas em um município do centrooeste de Minas Gerais. Rev Enferm Cent O Min [online]. 2012 [acesso 2014 Dez 19]; 2(3):337-46. Disponível em: http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/recom/article/view/224/348
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Dessa forma, o enfermeiro surge como agente transformador da saúde ao atuar como educador de pessoas com estomas e suas famílias, utilizando tecnologias educativas que ajudem a facilitar a compreensão do conhecimento, tornando o autocuidado algo exequível.2424. Barros EJL, Santos SSC, Gomes GC, Erdmann AL. Gerontotecnologia educativa voltada ao idoso estomizado à luz da complexidade. Rev Gaúcha Enferm. 2012; 33(2):95-101.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo de conhecer as repercussões da estomização no processo de viver de pessoas estomizadas foi alcançado. Observou-se que a estomização foi um evento adverso e complexo na vida da pessoa, que essa sofre uma importante modificação de sua existência e de seu corpo, buscando, muitas vezes, uma tentativa de se aproximar da pessoa anterior à cirurgia, escondendo sua nova condição de vida estomizada, e não admitindo nem a si mesma olhar seu corpo estomizado.

Concluiu-se que a estomização ocasiona profunda repercussão na vida de seus portadores. Torna-se necessária a construção de uma rede de apoio social, na qual profissionais da saúde e familiares cuidadores devem se unir para auxiliar essas pessoas em sua adaptação. Destaca-se o papel do enfermeiro no ensino do autocuidado, fornecendo-lhes orientações e apoio, para que consigam cuidar de seu estoma e realizar as trocas periódicas de suas bolsas coletoras de forma autônoma.

É necessário o auxílio no enfrentamento das dificuldades vivenciadas em seu cotidiano como forma de instrumentalização e empoderamento, contemplando, além do aspecto técnico do cuidado os aspectos psicológicos, social e religioso. O cuidado deve ser voltado também para o familiar cuidador da pessoa com estoma, pois esse é que convive diariamente com ele, sendo sua principal fonte de cuidado e apoio, sofrendo conjuntamente a repercussão da estomização. Conhecer as repercussões da estomização às pessoas estomizadas e sensibilizar-se com a maneira como elas lidam com a nova realidade tornam-se elementos indispensáveis para a elaboração de um plano assistencial efetivo e para a implementação de estratégias terapêuticas que auxiliem em sua adaptação. Só assim, essas pessoas são capazes de ressignificar seu viver. Novos estudos necessitam ser realizados, a fim de produzir conhecimento sobre as estratégias adaptativas implementadas por pessoas estomizadas, para qualificar seu viver, auxiliando os profissionais da saúde a se qualificarem para cuidá-los.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2014
  • Aceito
    07 Abr 2015
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