RESUMO
Objetivo: refletir sobre as relações envolvendo os idosos durante a pandemia da COVID-19 sob o olhar da complexidade, vislumbrando o caminho da esperança.
Método: trata-se de reflexão alicerçada na Teoria da Complexidade, segundo Edgar Morin, e em artigos abordando o novo coronavírus.
Resultados: as vivências durante a pandemia evidenciaram dificuldades econômicas, sociais, de saúde, culturais, éticas e morais em relação aos idosos. Enfrentar as incertezas da COVID-19 ensina sobre a postura diante desse acometimento inevitável na vida individual, coletiva e na história do país e do mundo - um problema agravado pelos medos da humanidade. Portanto, adaptar a sociedade e remodelá-la no que concerne às relações com o idoso pode se traduzir no sucesso contra a doença pandêmica. Isso induz a reforma do pensamento, reorganização da compreensão sobre o idoso, que na atualidade envolve pensamento disperso, disjunto, compartimentalizado e excludente. Essa reforma é ampla, profunda, paradigmática, cultural, ética e moral, que fortalece a cultura do envelhecimento, propagando e democratizando a poesia do viver, possibilitando que os idosos conheçam a beleza das emoções, descubram as próprias verdades por meio das obras primas de suas vidas. Porém, essa intenção pressupõe metamorfose do individualismo, da opressão e da exclusão, em cujo contexto a enfermagem gerontológica é fundamental.
Conclusão: as transformações vividas durante a pandemia podem ser o prelúdio da mudança nas relações com os idosos, mediante processos múltiplos reformadores e transformadores que se coligam, pelo fortalecimento da enfermagem gerontológica. Quiçá o momento pandêmico seja o começo do caminho da esperança para novos tempos de dignidade da Humanidade.
DESCRITORES Coronavírus; Idoso; Esperança; Enfermagem geriátrica; Filosofia em enfermagem
ABSTRACT
Objective: to reflect on the relationships involving the older adults during the COVID-19 pandemic from the perspective of complexity, envisioning the path of hope.
Method: this is a reflection based on the Theory of Complexity, according to Edgar Morin, and on articles addressing the new coronavirus.
Results: the experiences during the pandemic showed economic, social, health, cultural, ethical, and moral difficulties in relation to the older adults. Facing the uncertainties of COVID-19 teaches about the attitude towards this inevitable involvement in the individual and collective life, as well as in the history of the country and the world - a problem aggravated by the fears of humanity. Therefore, adapting society and remodeling it with regard to relationships with the older adults can translate into success against the pandemic disease. This induces thought reform, reorganizing the understanding of the older adults, which currently involves scattered, disjoint, compartmentalized, and excluding thinking. This reform is broad, deep, paradigmatic, cultural, ethical, and moral, which strengthens the culture of aging, propagating and democratizing the poetry of living, allowing the older adults to know the beauty of emotions, and to discover their own truths through the masterpieces of their lives. However, this intention presupposes a metamorphosis of individualism, oppression, and exclusion, in whose context gerontological nursing is fundamental.
Conclusion: the transformations experienced during the pandemic may be the prelude to changing relationships with the older adults, through multiple reforming and transforming processes that come together, by the strengthening of gerontological nursing. Perhaps the pandemic moment is the beginning of the path of hope for new times of Humanity's dignity.
DESCRIPTORS Coronavirus; Older adult; Hope; Geriatric nursing; Philosophy in nursing
RESUMEN
Objetivo: reflexionar sobre las relaciones que implican a los adultos mayores durante la pandemia de COVID-19 desde la perspectiva de la complejidad, vislumbrando el camino de la esperanza.
Método: reflexión basada en la Teoría de la Complejidad, según Edgar Morin, y en diversos artículos que tratan el tema del nuevo coronavirus.
Resultados: las experiencias durante la pandemia evidenciaron dificultades económicas, sociales, de salud, culturales, éticas y morales en relación con los adultos mayores. Enfrentar las incertezas del COVID-19 deja enseñanzas sobre la postura frente a este fenómeno inevitable en la vida individual y colectiva, y en la historia del país y del mundo: un problema agravado por los miedos de la humanidad. En consecuencia, adaptar la sociedad y remodelarla en lo que concierne a las relaciones con el adulto mayor puede traducirse en el éxito contra la enfermedad pandémica. Eso induce a remodelar el pensamiento y a reorganizar la comprensión sobre el adulto mayor, que actualmente implica un pensamiento disperso, disociado, compartimentalizado y excluyente. Dicha reforma es amplia, profunda, paradigmática, cultural, ética y moral, y fortalece la cultura del envejecimiento, propagando y democratizando la poesía de vivir, tornando así posible que los adultos mayores conozcan la belleza de las emociones y descubran sus propias verdades por medio de las obras maestras de sus vidas. Sin embargo, esa intención presupone una metamorfosis del individualismo, de la opresión y de la exclusión, en cuyo contexto la enfermería gerontológica es fundamental.
Conclusión: las transformaciones experimentadas durante la pandemia pueden ser el preludio del cambio en las relaciones con los adultos mayores, mediante múltiples procesos reformadores y transformadores que se entrelazan, gracias al fortalecimiento de la enfermería gerontológica. Quizás el momento pandémico sea el comienzo del camino de la esperanza para nuevos tiempos de dignidad de la Humanidad.
DESCRIPTORES Coronavirus; Adulto mayor; Esperanza; Enfermería geriátrica; Filosofía en enfermería
INTRODUÇÃO
Partilhamos do mesmo destino planetário, a humanidade sofre iguais e mortais ameaças, como advindas do confronto com o novo coronavírus, designado como Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus-2 (Sars-Cov-2),1 causador da doença denominada Corona Virus Disease-19 (COVID-19),2-3que gera principalmente infecção respiratória aguda nos seres humanos. Estes são hospedeiros naturais do Sars-Cov-2,1 sendo que entre 2 e 4 semanas, o vírus é eliminado pelo corpo humano.2-5
O grupo populacional mais vulnerável e que apresenta maior letalidade em relação à COVID-19 são os idosos, principalmente aqueles com doenças crônicas.2,6Esse fato deve-se a imunossenescência, que aumenta a vulnerabilidade às doenças infectocontagiosas e traz os piores prognósticos para aqueles com doenças crônicas não transmissiveis.2,7No entanto, o ser humano não é somente biofísico, mas também psicossociocultural.8
Desse modo, os idosos que antes da pandemia vivenciavam crueldade, repressões, preconceitos, estereótipos e pré-julgamentos9 sentiram durante o período pandêmico a perniciosidade da hidra do ageísmo, disfarçada em ações de proteção da saúde. Durante a pandemia da COVID-19,10 a humanidade vivencia crises múltiplas,11 não permitindo atingir estado de Humanidade com os seres humanos idosos.
Em 1932, com lucidez que pode ser considerada extremamente atual para os tempos da pandemia, Paul Valéry afirmou, alinhado à teoria da complexidade, que jamais a humanidade reuniu tanto poder a tanta desordem, tantas preocupações a tantas manipulações e tantos conhecimentos a tantas incertezas.12 Em 2020, em meio às orientações, diretrizes e decretos com recomendações para que os idosos permanecessem em distanciamento social,4,10a heterogeneidade dos idosos brasileiros evidencia as dificuldades em atender a suas demandas, expondo fragilidades, principalmente familiares e de rede de apoio. Porém, não se pode decidir o destino do planeta isoladamente; é essencial o sentimento de cidadania, responsabilidade e compromisso consigo, com o próximo e com o próprio mundo.
Nesse âmbito, na gerontologia, as correntes ideológicas historicamente estimularam a autonomia e independência dos idosos,13 visando ao envelhecimento bem-sucedido. Isso motivou o desenvolvimento de diversas teorias sociais e psicológicas, focalizando-os como protagonistas do próprio processo de envelhecimento. Sob essa compreensão, o mundo investiu em políticas públicas e diretrizes para envelhecer de forma ativa, pró-ativa e funcional.
Embora o idoso, na realidade brasileira, seja o principal provedor financeiro das famílias, sendo destaque na condução familiar, muitas vezes suas demandas não são plenamente atendidas. Nesse sentido, as ações para controle da pandemia vieram evidenciar suas necessidades: recomendação de permanência domiciliar, rede de apoio para compras e autopreservação de sua saúde como ação primária.
Os momentos vividos durante esta repentina pandemia ratificaram as dificuldades econômicas, de saúde, sociais, culturais, éticas e morais envolvidas nas relações com os idosos, abordando a complexidade inerente como problema fundamental e novo paradigma.14 Talvez, as transformações sejam o prelúdio da verdadeira mudança nas relações com os idosos, incluindo fortalecimento da enfermagem gerontológica. O sistema planetário está condenado a essa mudança,15 mediante processos múltiplos reformadores e transformadores que se coligam.16 Devemos lembrar que o futuro nasce do presente; desse modo, pensar o presente significa vislumbrar o futuro14; quiçá o momento pandêmico seja o começo do caminho da esperança para novos tempos, proporcionando o olhar extradisciplinar,8,17vislumbrando na integralidade o modo de fazer a enfermagem gerontológica e promovendo o cuidado com empatia, conhecimento científico e inovação.18
Nessa compreensão, a enfermagem gerontológica é destaque, pois esses profissionais fizeram a diferença durante a pandemia da COVID-19. Além disso, o ano de 2020 foi designado pela 72ª Assembleia Mundial da Saúde como Ano Internacional da Enfermagem, convergindo com a campanha Nursing Now e com a estratégia da Agenda Mundial da Enfermagem para 2030, que referenda investir no ensino de enfermagem para atender às necessidades globais, às demandas domésticas e responder às mudanças tecnológicas e modelos avançados de saúde e assistência social integrados.19 Considera-se que essa área de atuação precisa reformular o pensamento que isola e separa pelo que une e distingue; o disjunto e redutor pelo complexo.8 Assim as transformações vivenciadas durante a COVID-19 poderão ser profundas, pois terão retificado na prática a essencialidade do cuidado gerontológico de enfermagem, fortalecido, robusto e preparado para as necessidades emergentes e reemergentes.
Dentro desse contexto, este artigo se propõe a refletir as relações envolvendo os idosos durante a pandemia da COVID-19 sob o olhar da teoria da complexidade, vislumbrando o caminho da esperança.
IDOSOS NA PANDEMIA DA COVID-19 À LUZ DO PENSAMENTO COMPLEXO
Este artigo traz reflexão sobre as relações que envolvem os idosos durante a pandemia da COVID-19 à luz do pensamento complexo, conjecturando-se a possibilidade para o caminho da esperança. Alicerça-se em dois grandes pilares: as relações que envolvem os seres humanos idosos; e a esperança da reforma do pensamento com a pandemia da COVID-19.
Visto que a realidade social está em constante evolução e transformação20-21e que a pandemia trouxe modificações não só na vivência dos idosos no Brasil e no mundo, mas também em toda a sociedade, surgem alguns questionamentos: que compreensão de ser humano envolve o idoso na atualidade? Que relações são estabelecidas por e com esse ser humano idoso? Que características permeiam a compreensão sociocultural sobre o ser humano idoso? Que reforma a sociedade necessita em relação à conjuntura que envolve o ser humano idoso? Que pensamentos incitam mudança nas relações com os idosos no período da pandemia da COVID-19? Como integrar aspectos da crise gerada pela pandemia em contextos complexos e multidimensionais da enfermagem gerontológica?
Desenvolver a aprendizagem para o mundo em mudança,22 em ritmo sem precedentes, implica a priori quebrar barreiras excludentes e de preconceitos, de modo que as relações sejam sistêmicas e prevaleçam sobre o viver linear e fragmentado; a multidimensionalidade, sobre as causalidades determinísticas; a horizontalidade, sobre as relações verticalizadas; e a complexidade, sobre as abordagens simplificadoras. A metamorfose talvez tenha iniciado no presente, com as transformações impostas pela pandemia da COVID-19.
REPENSAR A REFORMA, REFORMAR O PENSAMENTO EM RELAÇÃO AOS SERES HUMANOS IDOSOS
Os modelos estandardizados do desenvolvimento humano ignoram solidariedades, habilidades e saberes dos idosos, no entanto é importante repensar a diversidade e o desenvolvimento, de modo a preservar esses seres humanos idosos. Desse modo, apesar da complexidade do viver, o revelar ao mesmo tempo biológico e cultural8 no envelhecimento é pertinente e torna relevante a reflexão além dos aspectos biofisiológicos e funcionais, mediante relacionamentos humanizados. Em sociedade multipolar, que focaliza a juventude e a produtividade, a mudança pandêmica faz repensar a reforma emergente.
Tal reforma pode iniciar com o pensamento sobre as informações e divulgações que viralizaram em redes sociais, maciçamente utilizadas nos tempos de distanciamento social, com uso de áudios, vídeos, figuras envolvendo idosos em diversas situações, geralmente negativas e carregadas de julgamentos e exclusão. Predominou a ênfase nas dificuldades de comportamento e na inadequação ao distanciamento, insuflando interpretações de idosos reticentes, teimosos e desobedientes. Também houve destaque na relação geracional, com menção para o cuidado da criança, reforçado pelas limitações impostas durante essa fase da vida, as quais, neste momento pandêmico, são transferidas como “vingança” aos idosos. Além disso, ficaram à mostra ações de desprezo, xingamentos, ofensas e humilhações, sendo apropriado salientar que algumas dessas atitudes por diversas vezes eram praticadas ou publicizadas pelos próprios familiares.
As respostas e ações dos idosos diante dos fatos vividos durante a pandemia entrelaçaram-se com condições físicas, emocionais e culturais de passividade e revolta, incluindo reações nefastas nos ambientes domiciliares e públicos. Infelizmente, não há preparo da sociedade para a “cultura do envelhecer”, que começa pelo próprio ser em seu contexto de vida. Em contrapartida, o desafio cultural, sociológico e cívico23 incita a metamorfose, que não poderia acontecer senão por meio do desenvolvimento multiforme da sociedade, talvez com a criação de circunstâncias de decisão planetária para problemas vitais, como viver no mundo envelhecido.
Perante este desafio pandêmico, conscientes das necessidades que envolvem os idosos brasileiros, muitos sentem-se impotentes, resignam-se, caem no fatalismo e perdem a esperança ou se enraivecem. É oportuno que exista consciência do quão dramáticos são os fatos ocorridos durante a pandemia para a espécie humana - o momento atual suscita não apenas consciência das ambivalências, dos riscos e perigos, mas também de suas chances de promover a evolução Humana.16
Mediante este processo, pode-se despertar a consciência sobre possibilidades de novas políticas direcionadas às pessoas idosas, que permitam simultaneamente envolver solidariedade planetária, realizando profunda reforma transformadora da sociedade. Para tanto, é necessário reformar as mentes;8 pode-se partir do diagnóstico gerontológico nacional, em que a multiplicidade e agravamento dos problemas envolvendo os idosos tiveram simbiose com os males da sociedade e da civilização, ampliando ações egoístas, perversas e reducionistas.16,24
Agregado a isso, vivenciamos apetites desenfreados do individualismo; degradação das solidariedades concretas; exacerbação e pressão tecnológica;25 dominação quantitativa do fazer e da produtividade, principalmente no ambiente laboral; obrigações ilusórias das relações de apoio financeiro e de cuidado intergeracional; idosos como cidadãos condicionados e atomizados; carência de afeto e separação que compartimentaliza; além de conhecimentos fragmentados e limitados. Tudo isso interdita a possibilidade de abarcar os problemas fundamentais da gerontologia e das vidas dos seres humanos idosos, em meio à crise do pensamento cego, em que há incapacidade de formulação de reflexões sobre a realidade.16
Evocam-se também os males sociais que envolvem os idosos, como consumo descontrolado de medicamentos, ausência de compartilhamento econômico e moral, hiperespecialização do trabalho, com prevalência de jovens e desmotivação ao viver. Ainda, carência de empatia, simpatia, compaixão, traduzida pela indiferença, exclusão e falta de cortesia com o idoso, além da ausência de reconhecimento deste como ser humano digno. Trata-se do humanismo revisitado com a justificação antropocêntrica do homem,14 deficiente da conscientização que os jovens no futuro serão idosos.
A degradação dos laços que religam a solidariedade social e familiar do idoso pode ser acrescida das miríades de pequenos males que oprimem, perturbam, obscurecem o contexto de vida.24 Porém, não é adequado alicerçar os atos nas ações de outros; o planeta necessita de mudanças individuais e coletivas, que primariamente começam com cada ser que habita o globo terrestre. Nesse sentido, é relevante contextualizar e situar esses idosos no Universo, não os separando do conjunto planetário, com seu enraizamento e desenraizamento no cosmo físico e na esfera da vida.8
Em meio a essas contradições, equívocos e problemas envolvendo os idosos, vivenciados principalmente no primeiro trimestre de 2020, não há espaço para permitir regressão em relação às conquistas do ser humano idoso. Em contrapartida, incita-se como necessária a reflexão para reforma do pensamento e do planeta, por meio tanto da compreensão do idoso envolvido na forma suprema do reconhecimento quanto de atos de amor e proteção, salientados durante as ações vividas na pandemia.
O CAMINHO DA ESPERANÇA PARA OS IDOSOS
A evolução obedece a um princípio multicausal, no qual as inter-retro-ações não apenas se combinam e se combatem entre si, mas também produzem causalidade própria, com determinações exteriores que comportam a auto-nexo-causalidade complexa.14 Ao mesmo tempo que a cultura fechada, desvitalizada, não tolera idosos autônomos e ativos, desintegra-os da sociedade e os isola, as fissuras sociais transformam-se em rachaduras, e a exclusão se amplia.16 Em contraposição, a cultura ativa, aberta, propõe integração na sociedade com reconhecimento e respeito no que se refere à sua condição. Dessa forma, é o momento de revitalizar o pensamento gerontológico, fomentando a “cultura do envelhecimento” no Brasil.
A sociedade precisa se curar, principalmente devido à conjuntura de agravamento das crises durante a pandemia, que de um lado evidenciaram facetas de angústia, frustração e deslocamento. De outro lado, catalisaram determinadas ações de solidariedade, empatia, compreensão e amor individual e coletivo, envolvendo ampliadas relações afetivas e de amizade 26-27viabilizando bem-estar emocional, psíquico e moral na comunidade.
As vivências durante a pandemia da COVID-19 também destacaram o imperativo de valorizar a qualidade de vida, das relações, do ar, da alimentação, das águas, da saúde, do clima e do viver. Incitaram a desintoxicação da produtividade incessante, atividades contínuas e prevalentes do individualismo e da desvalorização do outro, traduzindo-se em patologia comprometedora que envolve o idoso e a sociedade. Para a evolução emergente da revolução incitada pela pandemia COVID-19, inovações, criações, culturas e ideias14 vislumbram-se em correntes possíveis para cenários futuros, que incluem: a reumanização das relações com os idosos, a revitalização da solidariedade e a inclusão dos seres humanos idosos na esfera planetária.
A reumanização das relações inclui o seio familiar e da sociedade. Nesse ínterim, destaca-se o respeito e zelo com o idoso, incluindo compreensão sobre as alterações da senescência e da senilidade. Inclui-se, nesse âmbito, a política de cuidado ao idoso, que exclui a rejeição, a desmotivação de residencialização e videoproteção exacerbada, possibilitando liberdade para espaços de compreensão e afeição do idoso no meio social. Trata-se de envolver os jovens (crianças, adolescentes e adultos) como elos coletivos com os idosos; embora aqueles geralmente sejam mais fortes fisicamente, estes últimos detêm sabedoria de vida, de modo que essa união é capaz de promover uma relação simbiótica, a qual pode emancipar a todos e conduzir à dignidade humana.
É de importância capital a reflexão e compreensão sobre o humanismo, abarcando significado de ser humano em sua tripla natureza (biológica, individual e social), assim como consciência da condição humana, incluindo sua história, meandros, contradições, tragédias e vitórias. A dimensão humana possibilita manter solidariedade e fraternidade, permitindo conceber a identidade do ser humano idoso, assim como as diferenças e complexidade de si do outro.16
A revitalização da solidariedade entrelaça-se com a valorização do idoso como ser humano multifacetado, e isso envolve compreensão para além do aspecto numérico de anos vividos; pressupõe fortalecimento da rede de apoio, principalmente para aqueles que residem sozinhos ou possuem limitações físicas ou cognitivas, grupo que apresenta crescimento quantitativo relevante.28
Deve-se relembrar que o comportamento social é influenciado por aspectos pessoais (saúde, gênero, renda, escolaridade), contextuais (suporte social, barreiras físicas e oportunidades) e por eventos comuns da velhice que caracterizam momentos socialmente transitórios.13 Assim, é hora do estabelecimento de políticas públicas que promovem atividades compartilhadas entre os próprios idosos, assim como intergeracionais, sobretudo estratégias para inclusão dos idosos em atividades de ensino e trabalho, pois o cotidiano de interação entre eles e os jovens possibilita vida social integrada, com abertura de novos horizontes.
Outro item de destaque envolve a segurança do idosos, sobretudo daqueles que apresentam fragilidade. Qualquer ação de violência ou criação de ambiente de insegurança envolvendo-os deve ser rejeitada pela sociedade. Infelizmente atos de violência são comuns contra os idosos na atualidade, sendo inúmeras vezes praticados pelos próprios entes familiares ou cuidadores, denotando desrespeito, desvalorização e desprezo.
Lembremos que estamos em universo permeado pelo princípio da agitação, dispersão, desordem, no qual há reorganização permanente,14 incluindo a luta para enfrentar as incertezas, como a pandemia da COVID-19. Isso nos ensina sobre a postura diante desse acometimento inevitável na vida individual, coletiva e na história do país e do mundo - um problema agravado pelos medos da humanidade. A crise pode incitar revolução multidimensional, abarcando mudanças simultâneas;21,23tem, portanto, a possibilidade de remodelar a sociedade no que concerne às relações com o idoso e de se traduzir em sucesso contra a doença pandêmica. Isso pode ocorrer mesmo sem alteração quantitativa nas estatísticas epidemiológicas, pois algumas mudanças não são numéricas, mas qualitativas e relacionais de evolução humana.
Tal cenário induz a reforma do pensamento,8 reorganização das compreensões sobre o ser humano idoso, que na atualidade se conjunturam com pensamento disperso, disjunto, compartimentalizado e excludente. Essa reforma é ampla e profunda, paradigmática, cultural, ética e moral;8 pressupõe destaque para a “cultura do envelhecimento”, a qual propaga e democratiza a poesia do viver, possibilitando que cada idoso conheça a beleza das emoções, descobrindo suas próprias verdades por meio de obras primas da vida. Para tanto, precisa-se refletir sobre individualismo, opressão e exclusão.
Desse modo, as ideias postas neste artigo não são conclusivas, mas pretendem instigar a reflexão e pensamento, de modo que as críticas construam novas formas de ser e viver. Acredita-se que a defesa central alinhada às vivências dos idosos até o momento na pandemia da COVID-19 incitam necessidade de remodelação de relações, com nova política para envelhecer, na qual a “cultura do envelhecimento” promova possibilidade do viver digno e saudável, arrancando a apatia, resignação e ageísmo.
O pensamento unificador23 para e com o idoso caracteriza-o como cidadão e protagonista do seu viver. Insere a relação com os jovens alinhada à apoio, zelo, respeito e proteção, abrindo-se para o contexto planetário. Nesse ínterim, juntos (idosos e jovens), formam elos de promoção do caminho da esperança para o futuro ressignificado, principalmente diante das vivências da pandemia. O protagonismo do idoso propicia desenvolvimento de conhecimentos contextualizados, críticos e reflexivos sobre seu contexto, visando à superação de estigmas e incorporação de atitude de compromisso com a vivência em plenitude.29
No Pensamento Complexo, o ser humano desenvolve a capacidade de pensar de forma conjunta sobre os problemas locais e globais, possibilitando tecer considerações acerca das partes na sua relação com o todo e do todo nas suas relações com as partes. Assim, não se partilha do pensamento parcelado, reducionista ou simplificado, incapaz de vislumbrar a globalidade, gerador da separação dos diferentes aspectos do contexto de vida, do isolamento dos objetos ou fenômenos do seu meio ambiente, levando à incapacidade de integrar-se ao sistema global.30
Reforça-se que os problemas são complexos e, consequentemente, não há lugar para o saber simplificado.20,23Eis que cada ser humano idoso pode viver a identidade complexa envolvida nas profundezas do seu viver,14,26alinhada com o horizonte infinito que retrocede ao que se sabia e se fazia antes do período pandêmico. As vivências da pandemia da COVID-19 podem despertar o repensar e pensamento para novos tempos, nos quais a enfermagem gerontológica reforça e fortalece sua prática alinhada à consciência, ética, moral e ciência, orientando o cuidado em prol do ser humano digno, solidário e fraterno.
O reconhecimento do ser humano idoso propõe reorganização conceitual que rompe o determinismo clássico, envolvendo a reconstrução, com noções de autonomia, individualidade, autoprodução; abarcando elo corrente, ao mesmo tempo produto e produtor do contexto de vida. Nesse âmbito, propicia-se unidade e invariância, pluralidade de contextos e potencialidades do viver; respeitando ambivalências, contradições e complexidade do ser.8,24
CONCLUSÃO
As reflexões tecidas neste artigo incitam alerta para alguns pontos importantes que envolvem os seres humanos idosos: envolvimentos de vínculo e interação de familiares e rede de apoio ao idoso; estreitamento dos tratamentos dispensados aos idosos na sociedade, principalmente com a ocorrência da pandemia da COVID-19; características que permeiam as compreensões socioculturais sobre o ser humano idoso; importância da reforma do pensamento e transformação da sociedade em relação à conjuntura que envolve os idosos; pensamentos de mudança e vivências da pandemia; integração do aprendizado e reflexão com a crise gerada nos contextos complexos e multidimensionais de atuação da enfermagem gerontológica.
É oportuno vislumbrar o ser humano idoso, com sua subjetividade, heterogeneidade, autonomia, e humanidade, integrando-se na esfera planetária com respeito, consideração e valorização. Desse modo, desacredita-se em práticas de julgamento, ageísmo e exclusão, principalmente as vivenciadas durante o período da pandemia da COVID-19. Nesse contexto, o idoso precisa estar envolto por práticas de respeito, amor e segurança.
Apesar do período pandêmico evidenciar aspectos ruins, o caminho da esperança para a metamorfose em relação ao ser humano idoso implica e inspira o mapeamento, entendimento e reconstrução das relações vividas. Não se pretende rivalizar ou instigar competição entre jovens e idosos, mas integrar esforços para novos entendimentos, que abarcam ambos como elos fortalecidos na caminhada rumo ao futuro mais digno da Humanidade.
Nesse contexto complexo, a enfermagem gerontológica, com a vivência pandêmica da COVID-19, se fortalece na integralidade, possibilitando tornar-se referência e auxílio para entrelaçar a sociedade com o ser humano idoso enriquecido nas suas contradições. Nessa relação, flui o ser dialógico, que se complementa e combate os enfrentamentos vividos.
A vivência pandêmica sob o olhar complexo envolve reflexões, o repensar e pensamentos que não se separam do contexto planetário, mas situam o idoso nele, com reconhecimento da condição humana, fortalecida pela dignidade, solidariedade, cidadania e fraternidade. Eis a possibilidade do caminho da esperança em relação aos idosos, possibilidades de ressignificar novos tempos!
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Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Set 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
27 Abr 2020 -
Aceito
15 Jun 2020