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Narrativas de mulheres em hemodiálise: à espera do transplante renal

Resumos

O objetivo do estudo foi compreender os significados da espera do transplante renal para mulheres em tratamento hemodialítico. Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, interpretativa, realizado com 12 mulheres em tratamento hemodialítico na região da Grande Florianópolis. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista em profundidade, no domicílio. Foi utilizado o software Etnografh 6.0 para a pré-codificação e feita a posterior análise interpretativa, de onde emergiram duas categorias. A primeira, "as sombras do momento atual", mostrou que as dificuldades iniciais da doença estão presentes, mas as mulheres conseguem lidar melhor com a doença e o tratamento. A segunda categoria, "à luz do transplante renal", evidencia a esperança promovida pela entrada na fila de espera pelo transplante.

Mulheres; Insuficiência renal crônica; Transplante de rim; Diálise


The objective of this study was to understand the meanings of waiting for a kidney transplant for women on hemodialysis. This is a qualitative, interpretive study, conducted with 12 women on hemodialysis in the metropolitan region of Florianópolis. Data were collected through in-depth interviews at the homes of the participants. Ethnograph 6.0 software was used for pre-coding and interpretative analysis was done subsequently, from which two categories emerged. The first, "the shadows of the present moment," showed that the initial difficulties of the disease are present, but women can cope better with the disease and treatment. The second category, "the light of renal transplantation", shows the hope fostered by entry on the waiting list for a transplant.

Women; Renal insufficiency, chronic; Kidney transplantation; Dialysis


El objetivo del estudio fue comprender el significado de espera del trasplante renal para las mujeres en hemodiálisis. Se trata de un estudio cualitativo-interpretativo, realizado con 12 mujeres en hemodiálisis en Florianópolis. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas en profundidad en el domicilio. Fue utilizado el software Etnografh 6.0 para la pre-codificación y posterior al análisis interpretativo emergieron dos categorías: "las sombras del momento actual", que mostró que las dificultades iniciales de la enfermedad están presentes, pero las mujeres pueden hacer frente mejor a la enfermedad y el tratamiento. La segunda categoría, "la luz del trasplante renal", muestra la esperanza impulsada por la entrada en la lista de espera para un trasplante.

Mujeres; Insuficiencia renal crónica; Trasplante de riñón; Diálisis


INTRODUÇÃO

A insuficiência renal crônica consiste na perda progressiva e geralmente irreversível da função dos rins. Trata-se de uma doença em ascensão no Brasil e no mundo, e atualmente um dos principais problemas de saúde pública.1Lugon JR. Doença Renal Crônica no Brasil: um problema de saúde pública. J Bras Nefrol. 2009 Jan-Mar; 31(Supl.1):2-5. O seu tratamento compreende três modalidades: a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal. A hemodiálise é um tratamento em que a circulação sanguínea do paciente é realizada de forma extracorpórea, e o sangue, com a ajuda de uma bomba, passa por dentro de um dialisador (membrana artificial), que, em contato com a solução de diálise preparada na máquina, promoverá a filtração do sangue. Já a diálise peritoneal é realizada pela introdução de solução salina com dextrose na cavidade peritoneal, por meio de um cateter implantado na região intra-abdominal. Essa solução, em contato com o peritônio, realiza a retirada das substâncias tóxicas do sangue. O transplante renal, por sua vez, é o procedimento cirúrgico em que a pessoa recebe um rim de um doador vivo ou cadáver.2Riella MC. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. 5ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2010.

No Brasil, o tratamento mais utilizado é a hemodiálise, realizada predominantemente em indivíduos do sexo masculino. Nos últimos 10 anos, entretanto, houve aumento significativo de mulheres com insuficiência renal crônica que realizam o tratamento hemodialítico.3SBN - Sociedade Brasileira de Nefrologia [página na internet]. São Paulo (SP): Sociedade Brasileira de Nefrologia; 2011 [acesso 2012 Jun 12]. Censo de diálise. Disponível em: http://www.sbn.org.br/pdf/censo_2011_publico.pdf
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O Censo 2011 mostrou que, das 50.128 pessoas em tratamento hemodialítico, 21.389 são mulheres, o que representa um número significativo e impulsor de novas pesquisas.3SBN - Sociedade Brasileira de Nefrologia [página na internet]. São Paulo (SP): Sociedade Brasileira de Nefrologia; 2011 [acesso 2012 Jun 12]. Censo de diálise. Disponível em: http://www.sbn.org.br/pdf/censo_2011_publico.pdf
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As pessoas em tratamento hemodialítico são acompanhadas pela equipe multiprofissional e orientadas sobre a possibilidade de transplante de rim, quando então se iniciam os exames e as consultas para a descoberta da compatibilidade e procede-se à entrada na lista de espera para o transplante renal. Diante dessa possibilidade, são requeridos alguns cuidados para que os pacientes mantenham-se ativos e em condições favoráveis ao transplante, e isso gera expectativas para as pessoas em lista de espera, que almejam não mais necessitar de hemodiálise e obter melhor qualidade para suas vidas, com maior liberdade.4Silva ASD, Silveira RSD, Fernandes GFM, Lunardi VL, Backes VMS. Percepções e mudanças na qualidade de vida de pacientes submetidos à hemodiálise. Rev Bras Enferm. 2011 Oct [acesso 2014 Fev 11]; 64(5):839-44. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672011000500006&lng=en
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- 5Burns T. Waiting for a kidney transplant in Australia - latest trends [online]. Transplant J Australas. 2013 Jul [acesso 2014 Feb 12]; 22(2):10-5. Disponível:http://search.informit.com.au/documentSummary;dn=494465714293729;res=IELHEA
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Observamos que, no decorrer dos anos, o tema dos transplantes e doações de órgãos foi evidenciado no Brasil e no mundo, devido ao crescimento numérico dos transplantes.6Pruinelli L, Kruse MHL. Biopolítica e doação de órgãos: estratégias e táticas da mídia no Brasil. Texto Contexto Enferm [online]. 2011 Dez [acesso 2014 Fev 11]; 20(4):675-81. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072011000400005&lng=en
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Mesmo assim o transplante renal requer um tempo de espera, como evidencia estudo que indica que em 2008, foram realizados, no Brasil, 19.125 transplantes de diversos órgãos e tecidos, dos quais 3.154 foram transplantes de rim.7Marinho A, Cardoso SS, Almeida VV. Disparidades nas filas para transplantes de órgãos nos estados brasileiros. Cad Saúde Pública [online]. 2010 [acesso 2012 Jun 12]; 26(4):786-96. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2010000400020
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No ano de 2012, em Santa Catarina foram realizados 122 transplantes de rim (de cadáver ou vivo) até o momento e, em agosto de 2012, estão cadastradas 398 pessoas em lista de espera.8SC Transplante [página na internet]. Florianópolis (SC): Secretaria de Estado da Saúde; 2012 [acesso 2012 Jul 12] Dados doação e transplante. Disponível em: http://sctransplantes.saude.sc.gov.br/images/2012/junho%202012.pdf

Neste trabalho, optamos por focalizar a mulher portadora de insuficiência renal crônica. Essa escolha está ancorada em aspectos relacionados a questões de gênero e a diferenças entre os sexos. Em primeiro lugar, levando em conta as funções distintas de homens e mulheres na sociedade, especialmente junto à sua família, em que é considerada o principal suporte psicológico e organizacional para todos os seus integrantes. Com a descoberta da doença crônica e a implementação do tratamento, muitas mudanças acontecem, o que pode desestruturar suas vidas e seu ambiente familiar.9Miranda DS, Lobato SEM. Processos de adoecimento ligados ao gênero: uma história de (des)valorização dos múltiplos papéis femininos. Ciênc Saúde [online]. 2007 [acesso 2012 Jun 20]. Disponível em: http://artigocientifico.com.br/uploads/artc_1206559548_43.pdf
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Outro aspecto, que vale ser ressaltado, são as diferenças biológicas (ou fisiológicas) entre homens e mulheres. A existência de desigualdades no acesso à terapia renal substitutiva, que tem sido evidenciada em alguns artigos científicos.1010 Machado EL, Caiaffa WT, César CC, Gomes IC, Andrade EIG, Acúrcio FDA, et al. Iniquities in the access to renal transplant for patients with end-stage chronic renal disease in Brazil. Cad Saúde Pública [online]. 2011 [acesso 2014 Feb 11]; 27(Suppl 2):284-97. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2011001400015&lng=en
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- 1111 Feehally J. Ethnicity and renal replacement therapy. Blood Purif. 2010 Jan; 29(2):125-9. Essa desigualdade no acesso, e também na realização de transplantes, expressa-se pela menor probabilidade que as mulheres têm de serem inseridas na lista de espera. A razão provável é o fato de que as mulheres têm um alto nível de painel de anticorpos reativos induzido pela gravidez, o que as contraindicaria para o transplante.1010 Machado EL, Caiaffa WT, César CC, Gomes IC, Andrade EIG, Acúrcio FDA, et al. Iniquities in the access to renal transplant for patients with end-stage chronic renal disease in Brazil. Cad Saúde Pública [online]. 2011 [acesso 2014 Feb 11]; 27(Suppl 2):284-97. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2011001400015&lng=en
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Pouco se sabe sobre o que as mulheres pensam sobre o transplante renal e o que isso significa em suas vidas, pela escassez de estudos sobre essa temática. Outro aspecto que justifica o estudo realizado, é que o transplante não é foco de atenção por parte dos profissionais de enfermagem, que atuam nos serviços de hemodiálise, que apenas se concentram nas atividades relacionadas às sessões de hemodiálise, deixando essas mulheres com muitas dúvidas sobre tudo que diz respeito ao transplante.

Acreditamos que o presente estudo poderá ampliar a compreensão da equipe de enfermagem acerca do contexto do transplante renal, especialmente para mulheres em tratamento hemodialítico, melhorando, assim, o suporte para essas pessoas. Esse cuidado poderá estar mais direcionado à compreensão da condição de ser mulher com insuficiência renal crônica, contribuindo para que elas estejam cada vez mais orientadas sobre o transplante e os cuidados necessários após o mesmo, o que poderá influenciar na sua decisão de realizá-lo. Por isso, tivemos como objetivo compreender os significados da espera do transplante renal para mulheres em tratamento hemodialítico. No âmbito das narrativas, também existem poucos estudos, e se pensarmos em estudos direcionados a mulheres, não encontramos pesquisas com essas características. A busca pelas narrativas se originou do interesse em descobrir os detalhes das vivências dessas mulheres, o que se passa em sua rotina de tratamento conservador e na realização de exames considerando a espera pelo transplante.

MÉTODO

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, interpretativa, tendo como referência a abordagem etnográfica.

A pesquisa foi desenvolvida em uma clínica-satélite, localizada na Grande Florianópolis-SC. A escolha do local deste estudo se deu a partir da facilidade de entrada no campo e, também, devido ao apoio e interesse da instituição e dos profissionais que dela fazem parte. Essa instituição atendia, no momento da realização do estudo, aproximadamente 110 pessoas em tratamento hemodialítico, sendo que a maioria era atendida pelo Sistema Único de Saúde. Destas, 42 eram mulheres. Esse serviço conta com uma equipe composta por médicos nefrologistas, assistente social, nutricionista, técnico de enfermagem e enfermeiros.

A escolha dos participantes teve como critérios de inclusão: ter idade mínima de 18 anos completos; estar em tratamento hemodialítico há mais de um ano; estar na lista de espera pelo transplante ou realizando os exames para entrada na lista de espera do transplante. Os critérios de exclusão foram: mulheres com alteração de comportamento; mulheres com dificuldade de comunicação ou com problemas no sistema auditivo; mulheres sem condições clínicas para transplante. Com a colaboração da enfermeira responsável, foi elaborada uma lista das mulheres que atendiam aos critérios de inclusão, com registro dos dias e horários de hemodiálise, para realização do primeiro contato. Essa lista continha 20 mulheres, das quais foram selecionadas 12 para integrarem o estudo. Esse número foi definido pela consistência das entrevistas e os dados obtidos que possibilitaram atingir o objetivo proposto. O primeiro contato se realizou na instituição, quando fizemos o convite para participarem da pesquisa, explicando os objetivos e fazendo a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A coleta de dados se deu por meio de entrevista em profundidade, buscando conhecer as narrativas daquelas mulheres em tratamento hemodialítico sobre a espera pelo transplante renal, realizada no período de janeiro a março de 2012. Nessas entrevistas, utilizamos questões norteadoras, para estimular que contassem a história de sua doença crônica, tais como: conte-me como se iniciou seu problema renal. Como estava sua vida naquela época? Como foi iniciar o tratamento hemodialítico? Como você soube sobre o transplante renal? A partir das respostas a essas questões, outras foram surgindo, de forma a atender ao objetivo do estudo, até atingir a saturação dos dados. As entrevistas foram gravadas e transcritas pela entrevistadora com o auxílio de uma ajudante capacitada.

Foi utilizado o software Etnografh 6.0 para a organização dos dados e realização das pré-codificações de todas as entrevistas, visando identificar o seu conteúdo. Resultaram, desse processo, 216 códigos, os quais foram agrupados por afinidade. Por exemplo: adaptação da vida foi agrupada com atividades pós-hemodiálise, impacto da descoberta, impacto do início do tratamento, instabilidade no tratamento, limitações da hemodiálise, atividades cotidianas, mudança na rotina, mudança da vida, surpresa do diagnóstico. A partir daí, efetuamos a análise interpretativa, de modo a dar significado àqueles códigos. Nesse processo, foi necessário retornar várias vezes às entrevistas, possibilitando apreender a expressão da narrativa dessas mulheres, e, então, emergiram duas categorias: as sombras do momento atual; e à luz do transplante renal.

Nesta pesquisa, foram respeitadas as diretrizes da pesquisa com seres humanos, norteadas pela Resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da Universidade Federal de Santa Catarina, com o processo número 2411 e FR: 482837. Às participantes do estudo foi-lhes garantindo o anonimato. Dessa forma, as entrevistadas são identificadas como M1, M2, M3, e assim sucessivamente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As duas categorias identificadas expressam as narrativas das mulheres com doença renal crônica em tratamento hemodialítico. A primeira categoria foi denominada "As sombras do momento atual" e mostra a realidade que estão vivendo, na qual a escuridão da doença aparece em alguns momentos, mas também conseguem perceber suas possibilidades, especialmente advindas da luz que o transplante traz, que também tem suas sombras, como a difícil e insegura espera por ele. A segunda categoria foi "À luz do transplante renal", que evidenciou o momento da doença quando entram na fila da espera do transplante, e este passa a ser a fonte de esperança, uma luz em suas vidas.

As sombras do momento atual

As sombras expressam a condição atual, entre a escuridão da descoberta da doença, quando tudo parecia ter perdido a luz, e a claridade que poderá surgir com a realização do transplante. Nesta fase, há uma tentativa de aceitar a condição crônica e o tratamento, buscando colocar em relevo o que a hemodiálise promove de positivo. Tudo isso, porém, entremeado por momentos de tristeza, medo, esperança, revolta e frustração.

Nessas sombras, há também falta de informações acerca do transplante, somada à manutenção das boas condições que o viabilizem e à realização regular de exames. Além disso, elas vivenciam perdas da possibilidade de um transplante e, por vezes, observam a perda do rim transplantado em outras pessoas que já o realizaram e voltaram para a hemodiálise. No chamado momento atual, essas mulheres demonstraram estar em uma fase de aceitação da doença e, principalmente, do tratamento. Apesar de o tratamento ser uma fase de restrições e limitações de suas vidas, mesmo assim, em suas narrativas, elas mencionaram a necessidade da realização da hemodiálise e aceitam o fato de que, hoje, o que lhes possibilita a vida é uma máquina que filtra seu sangue.

A sessão de hemodiálise pode ser descrita como uma gangorra, em que existem o lado positivo e o negativo. Acontece que, sendo uma gangorra, há dias em que ela pesa mais para um lado, e há dias em que pesa mais para o outro.

A primeira vez que eu fui à hemodiálise lá em Tubarão, tinha uma escadinha com seis degraus, primeira coisa que eu falei com o meu marido: 'Você vai ter que me levar no colo, porque eu não vou conseguir subir nesta escada'. Aí ele me ajudou a subir a escada e, no outro dia que eu fui fazer a hemodiálise, eu já estava subindo a escada sozinha. Então, foi assim a entrada na hemodiálise, tem coisas que vieram para melhor e tem coisas que não, que vieram para piorar. Mas digo que vale muito fazer o tratamento. Tem um lado bom que você fica bem [...] (M1).

As sessões de hemodiálise, com o passar do tempo, foram incorporadas à rotina dessas mulheres e elas passaram a conviver com outras pessoas em tratamento, três dias por semana, criando laços de afetividade e, às vezes, chegam a considerar como a construção de uma nova família. Esse convívio com os companheiros da sessão de hemodiálise ajudou a minimizar a sensação de que não eram pessoas normais, pois ali estavam entre indivíduos que vivenciaram a mesma realidade.

Outro elemento foi a fé em Deus, que apareceu em muitas narrativas como um ponto de apoio. Quando possuíam fé, conseguiam olhar ao seu redor e perceber que existiam situações até piores do que as suas, e isso fazia com que tivessem forças para encarar a condição atual de vida.

[...] então Deus me dá muita coisa, tenho muita fé. Eu disse esses dias para Carla, não é que eu sou evangélica, aquelas coisas, mas eu digo sempre: 'Deus me ama muito porque, para mim, estar aqui hoje falando, já foi altos e baixos', então estou nessa [...]. Uma vez, eu li uma frase que, por mais difícil que esteja sua vida, sempre olha em volta que tem alguém pior. E olha que tem, depois que eu estou ali, já faleceram alguns pacientes. Tem uma senhora que faz ali, que ela faz de manhã, que é bem magrelinha, meu Deus! Eu olho para ela e digo: essa mulher é uma guerreira [...] (M2).

A expectativa do transplante sempre estava presente, ora como motivo de alegria e esperança, ora como ansiedade e frustração.1212 Moran A, Scott A, Darbyshire P. Waiting for a kidney transplant: patients' experiences of haemodialysis therapy. J Adv Nurs [online]. 2011 [acesso 2014 Fev 10]; 67(3):501-09. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20955183
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Expressavam felicidade por saberem que seus colegas de hemodiálise estavam realizando o transplante, que o pós-transplante estava sendo positivo, mas, ao mesmo tempo, manifestavam suas revoltas por não terem sido chamadas para o transplante. A expectativa de serem chamadas para o transplante gerava uma ansiedade constante, pois elas ficavam 24 horas por dia em alerta para um possível chamado. Muitas vezes, privavam-se de sair de casa por medo de não serem localizadas.

Também era frequente a referência aos cuidados especiais para estarem em condições de saúde para o transplante, especialmente evitando contato com pessoas com gripe, tosse, pneumonia ou outras doenças. Essa situação de espera gera angústia, pois percebem que a perda de uma possibilidade de transplante poderia ser arrasadora em suas vidas. Está sempre presente, portanto, a incerteza da chamada para o transplante, com a sensação de que estão flutuando em possibilidades, mas que, na realidade, não há nada de concreto, ou seja, não sabem se algum dia terão a oportunidade de sua realização.

Foi assim: ligaram para minha filha, mas aonde a minha filha mora é horrível para pegar o telefone. É horrível, horrível para pegar o telefone! Aí, a minha filha pegou e viu a ligação. Aí, quando ela foi ver o telefone, tinha uma ligação estranha, várias ligações estranhas no telefone dela. Ela resolveu ligar para ver quem que era aquele número, quem era, aí falou com a Adriana, falou direto com a Adriana, cedinho já, de manhã. Ela viu o telefone e já veio aqui na minha casa, veio aqui, eu nem tinha visto meu telefone ainda, eu nem tinha mexido no meu telefone ainda. Ela chegou aqui e disse: 'Mãe do céu, aconteceu uma coisa para ti!'. Já pensei numa coisa ruim. 'Tu fosse chamada, mãe, para o transplante, e você não viu, cadê teu telefone?'. Porque o telefone tem que estar no quarto com a gente. Agora eu aprendi, botei um ali, um lá e um no meu quarto, eu tenho telefone no meu quarto. Daí ela foi e disse, meu Deus, ela chorava tanto, essa guria, ela chorava tanto... ela ficou assim... Aí nós nos abraçamos, aí nós chorávamos muito, nós duas, e ela dizia para mim me conformar, mas, ao mesmo tempo, ela não se conformava disso. Então foi assim que eu descobri, daí diretamente já olhei no meu celular e já vi também a mesma ligação. Daí eu fui, no outro dia eu fui pra clínica, pra clínica X, e falei com o Dr. R. e ele disse assim: 'Báh, guria, o que aconteceu contigo que tu não fosses?'. Eu disse: 'Olha, simplesmente eu estava em casa, só que eu não escutei o telefone tocar'. Quantos dias eu deixei de ir lá para cima, para o sítio, com medo, porque lá não pega telefone, e eu em casa não consegui ver [...] (M9).

As informações sobre o transplante não são precisas, especialmente sobre o que constitui o processo de transplante ou sobre como será sua vida como pessoa transplantada. Sendo assim, sua preocupação está mais focada nos exames mensais, na preocupação de que todos estejam dentro ou próximos da normalidade. Esses cuidados envolvem alimentar-se corretamente e, também, realizar as sessões de diálise de forma satisfatória e, principalmente, a restrição hídrica, apontada como a maior dificuldade.

E os exames de sangue estão bons, todos os outros exames ficaram bons. Só o fósforo e o potássio que estavam um pouquinho alto, mas a doutora T. disse que não é coisa grave demais, só que eu tenho que cuidar. Este mês estou me cuidando pra caramba, e assim, quanto à alimentação o que eu mais como, é pão, para não comer muito sal, para não comer muita comida salgada. Pão, requeijão, aquele queijinho branco, ou se não aquele requeijão light, iogurte light, um pouquinho. Eu como macarrão, arroz, frango, bife, é assim, alguma coisa a gente tem que comer. E, daí, laranja lima, que eu mais gosto é laranja lima, pera argentina. E eu estava comendo muito daquela ameixinha, mas digo que aquela ameixinha tem muito potássio, eu achava que não tinha, mas tem potássio. Então é assim, nós dois, eu e meu pai, variamos. Às vezes,, uma cocadinha, porque meu pai é muito chato para comer [...]. Às vezes uma polentinha, sabe, às vezes a gente come uma polentinha com frango, e assim a gente vai levando. Mas eu como muito pão, pão não tem hora pra comer, daí bolinho, simples assim (M9).

Suas narrativas revelaram que no momento atual há luzes e escuridão, o que gera as sombras do conviver com possibilidades e incertezas constantes. Conseguem aceitar sua condição crônica e o tratamento hemodialítico, porém nunca é uma aceitação plena. Há sempre momentos de revolta, de conflitos e de incertezas. Mas a esperança sempre aparece para colocar um pouco mais de luz no seu viver.

O sofrimento inicial indica o rompimento de uma rotina de vida e o aparecimento das incertezas sobre seu corpo e seu futuro. Passaram a viver em um mundo distinto, que é o ambiente do serviço de hemodiálise, com conexão à máquina, contato frequente com profissionais de saúde e com pessoas desconhecidas em situações semelhantes. Esse momento pode ser chamado de liminaridade. Considerado como a experiência do rompimento da vida por uma doença grave ou crônica, neste caso, a insuficiência renal crônica.1313 Molzahn AE, Bruce A, Sheilds L. Learning from of people story wich chronic kidney disease. Nephrol Nurs J. 2009 Jan-Fev; 35(1):13-20. Essa experiência pode gerar ansiedade, estresse, incertezas e o medo da morte, e tudo isso conduz à incerteza sobre o futuro.4Silva ASD, Silveira RSD, Fernandes GFM, Lunardi VL, Backes VMS. Percepções e mudanças na qualidade de vida de pacientes submetidos à hemodiálise. Rev Bras Enferm. 2011 Oct [acesso 2014 Fev 11]; 64(5):839-44. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672011000500006&lng=en
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Esses relatos também nos mostraram uma lacuna na assistência prestada pela equipe de enfermagem, que não está voltada para as reais necessidades das mulheres com insuficiência renal crônica em hemodiálise, que esperam a possibilidade do transplante renal. Percebemos, no ambiente da realização de hemodiálise, que o foco está na preparação das máquinas, na reposição de materiais, na organização das salas. As pessoas permanecem por quatro horas em contato direto com a enfermagem e saem dos serviços com dúvidas, questionamentos e dificuldades em enfrentar a doença renal crônica e seu tratamento. O enfoque sobre a vivência dessas pessoas em sociedade, em família, quando esse suporte, muitas vezes, permanece fragilizado, requer apoio dos enfermeiros e de toda a equipe no sentido de discutir e encontrar soluções para essa necessidade.1414 Nogueira PCK, Feltran LdS, Camargo MF, Leão ER, Benninghoven JRCS, Gonçalves NZ, et al. Prevalência estimada da doença renal crônica terminal em crianças no estado de São Paulo. Rev Assoc Med Bras [online]. 2011 Aug [acesso 2014 Feb 11]; 57(4):443-49. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302011000400020&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302011000400020
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À luz do transplante renal

Esta categoria focaliza o transplante renal como perspectiva de vida, no entanto, considerando a possibilidade remota, como uma "loteria". Ele representa a melhor opção de tratamento na busca pela normalidade, por mais qualidade de vida e pelo resgate da liberdade para viver.

A esperança permeou as narrativas das mulheres entrevistadas, quando se referiam à possibilidade do transplante. A simbologia do transplante é a de um novo renascer em meio à doença crônica, é o que traz a perspectiva de uma vida longa. Ao considerarem o transplante renal como a melhor opção de tratamento, algumas mulheres mencionaram que gostariam de tê-lo tido como a primeira opção de tratamento, ao invés da hemodiálise. No entanto, o transplante requer que se entre em uma fila, e sua possibilidade é considerada uma verdadeira "loteria".

Ah, imaginando se eu fizesse um transplante renal, mudaria tudo! Porque, se eu ficar bem, só se for por um transplante, porque nem todos dão certo, é uma loteria. Um transplante é uma loteria, mas que eu quero esse jogo, eu quero jogar. Porque o único problema que eu tenho é o rim. Se eu colocar um rim, eu fizer um transplante, eu vou me sentir bem, eu vou ser feliz, me sentir bem, eu vou ser uma pessoa normal. Eu vou voltar a trabalhar, eu vou voltar a beber, não a beber muito, e não posso abusar de nada, de nada! Mas só o fato que eu serei aquela pessoa perfeita de novo e com uma esperança de vida longa, é isso [...] (M9).

Estudo que buscou compreender as percepções das pessoas em lista de espera para o transplante renal evidenciou a esperança em vários discursos dos entrevistados e destacou a percepção do transplante renal como impulsor de mudanças na vida, associado à vontade e maior certeza de viver, de não mais precisar da hemodiálise.1515 Flores RV, Thomé EGR. Percepções do paciente em lista de espera para o transplante renal. Rev Bras Enferm [online]. 2004 Nov-Dez [acesso 2012 Jul 01]; 57(6):687-90. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v57n6/a11.pdf
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A esperança é um fator sempre evidenciado em estudos relacionados a pessoas com uma doença crônica. Esse sentimento se afigura como uma fonte de apoio e força na busca de tratamento e na manutenção da vida dessas pessoas.1616 Balsanelli ACS, Grossi SAA, Herth K. Avaliação da esperança em pacientes com doença crônica e em familiares ou cuidadores. Acta Paul Enferm [online]. 2011 [acesso 2012 Jun 10]; 24(3):354-8. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002011000300008
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A esperança, portanto, está associada ao fato de que o transplante renal poderia modificar suas vidas, proporcionar-lhes o retorno às atividades anteriores.1515 Flores RV, Thomé EGR. Percepções do paciente em lista de espera para o transplante renal. Rev Bras Enferm [online]. 2004 Nov-Dez [acesso 2012 Jul 01]; 57(6):687-90. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v57n6/a11.pdf
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, 1717 Pietrovski V, Dall'Agnol CM. Situações significantes no espaço-contexto da hemodiálise: o que dizem os usuários de um serviço? Rev Bras Enferm [online]. 2006 Set-Out [2012 Jun 22]; 59(5):630-5. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v59n5/v59n5a07.pdf
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No decorrer do tratamento renal, e nessa espera pelo transplante, as mulheres entrevistadas tinham contato com pessoas que já realizaram o transplante renal, e com isso aumentava ainda mais a expectativa de que o transplante lhes traria a vida anterior. Elas se referiam a essa possibilidade do transplante como uma nova vida.

Eu conheço pessoas que fizeram transplante e com ela foi bem. Eu conheço um monte de gente que fez. Do lado da minha tia, tem um rapaz que fez já, e às vezes eu converso com ele. Tem aqui também, mas fora daqui é ele. E ele diz que não é nada assustador, que não é para mim me assustar, que a gente fica assustada, que acha que vai doer. Mas não é nada assustador, que para ele não foi, que a recuperação dele foi bem rápida e que ele já fez dois. Tanto um quando o outro, ele se recuperou rápido e depois volta à vida normal, bem dizer que ele já está trabalhando. E eu soube casos daqui da clínica que não deram certo, só de pessoas daqui, mas eu sei que tem esse risco. Mesmo tendo o risco, eu tenho que tentar, pelo menos, eu tenho que tentar. Se aparecer algum que se encaixa nesses 9% que resta e eu não tentar, eu nunca vou saber, pelo menos eu tenho que tentar arriscar [...] (M7).

A busca pela normalidade encontra, no transplante renal, a saída que lhes possibilitaria as condições físicas para voltar a realizar as atividades cotidianas. Referiam-se a uma vida anterior de saúde e liberdade, almejando o transplante para poderem retornar ao trabalho, terem possibilidade de estudar, passear livremente, realizar os serviços domésticos. Elas associaram isso à normalidade.

O transplante renal tem sido percebido pelas pessoas que dele necessitam, como a única alternativa para saírem do sofrimento que permeia suas vidas, para promover o reequilíbrio após a desordem causada pela hemodiálise.1818 Roso CC, Beuter M, Kruse MHL, Girardon-Perlini NMO, Jacobi CDS, Cordeiro FR. Self-care of patients in conservative treatment of chronic renal insufficiency. Texto Context Enferm. 2013 Sep [acesso 2014 Feb 11]; 22(3):739-45 : Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000300021&lng=en
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- 1919 Magi S, Frankland J, Long-Sutehall T, Addington-Hall J, Mason J. Seeking Normality. Life on the Kidney Transplant List [online]. 2012 [acesso 2012 Jun 03]. Disponível em: http://www.wlv.ac.uk/pdf/Kidney%20transplant%20list%20sque_book%20weimar.pdf
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Outra questão, amplamente apontada em estudos sobre pessoas com insuficiência renal, é a liberdade. As pessoas com a doença aludem à ausência da liberdade, vinculada ao fato de viverem em função do tratamento hemodialítico, com a exigência de comparecerem regularmente ao hospital, três vezes por semana, para sessões de quatro horas em média.1515 Flores RV, Thomé EGR. Percepções do paciente em lista de espera para o transplante renal. Rev Bras Enferm [online]. 2004 Nov-Dez [acesso 2012 Jul 01]; 57(6):687-90. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v57n6/a11.pdf
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Só o fato de não ter que sair para a máquina está te libertando, porque você está em uma prisão. Você não pode ficar sem fazer, eu nunca arrisquei ficar sem fazer, eu morro de medo de ficar sem fazer. Chegar lá e fazer menos tempo, tudo bem, mas eu nunca fiquei sem fazer, porque eu tenho medo de ficar sem fazer. Eu fiz uma fístula em uma sexta e o médico disse: 'Você não precisa ir amanhã', que era um sábado. Eu fiquei com medo e fui em cima da hora, às 5 horas da manhã eu acordei meu marido e fui, eu tenho medo [...] (M11).

Comparando a hemodiálise e o transplante renal, um fator diferencial em seus relatos é a ideia do transplante como liberdade. Fazendo uma analogia com um pássaro, é como se a mulher percebesse a hemodiálise como sua gaiola, e o transplante como o céu imenso para seu voo.

As pessoas com insuficiência renal crônica em hemodiálise vivenciam condições particulares, como a necessidade de acessar os serviços de saúde, a dependência dos serviços de hemodiálise, as perdas físicas, a necessidade de controlar a dieta e a redução da carga de trabalho, o que afeta o orçamento doméstico. Tudo isso configura perdas tanto para as pessoas adoecidas como para sua família.1919 Magi S, Frankland J, Long-Sutehall T, Addington-Hall J, Mason J. Seeking Normality. Life on the Kidney Transplant List [online]. 2012 [acesso 2012 Jun 03]. Disponível em: http://www.wlv.ac.uk/pdf/Kidney%20transplant%20list%20sque_book%20weimar.pdf
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O enfrentamento deste período é um grande desafio, e o transplante torna-se a possibilidade de reconquistar a liberdade que lhes foi tomada.2020 Mattos M, Maruyama SAT. A experiência em família de uma pessoa com diabetes mellitus e em tratamento por hemodiálise. Rev Eletron Enferm [online]. 2009 [acesso 2012 Jun 12]; 11(4):971-81. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/v11/n4/v11n4a23.htm
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O transplante, para essas mulheres, é também visto como a retomada da felicidade, já que, como foi dito anteriormente, elas se sentem condicionadas a uma vida limitada e triste. O transplante poderá promover-lhes uma vida em que sejam felizes novamente, com o resgate da força física e da ingestão de uma alimentação que as torne mais fortes e para que reconstruam sua autoimagem, fragilizada pela doença e pelo tratamento.

Só que depois do transplante eu creio que vou ficar mais forte, fortalecer mais o meu corpo. Sou muito magra também, daí, vou varrer a casa, varro um pouquinho, canso, daí vou lavar a louça, lavo um pouquinho, canso. Então, tem que fazer um pouquinho, parar um pouquinho, fazer um pouquinho, parar um pouquinho. Então é bom conseguir me revigorar, fazer as coisas sozinha, por isto eu estou sempre gritando: 'Sogra! Tia Regina!' Estou gritando sempre com elas, para elas virem me ajudar [...]. Transplantar é poder ser feliz, é poder ter mais tempo de vida, sabe, de ficar bem, não estar caída, igual eu estou [...] (M1).

Resultados semelhantes foram encontrados em estudo2121 Quintana AM, Santos TK, Hermann CW. Atribuições de significados ao transplante renal. Psico [online]. 2011 Jan-Mar [acesso 2012 Jan 15]; 42(1):23-30. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/6057
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que buscou conhecer as atribuições de significados do transplante renal, e nos traz como contribuição dados sobre os sentimentos (medo, angústia, tristeza) apresentados pelas pessoas que vivem essa espera pelo transplante.

O transplante pode ser visto como forma de melhorar a qualidade de vida. O benefício de sobrevida do transplante renal, em comparação com a diálise, em pessoas selecionadas esta cirurgia, projeta a expectativa de vida para aproximadamente 17 anos, em comparação às pessoas em diálise com apenas seis anos de sobrevida após iniciar o tratamento.2222 Oniscu CG, Brown H, Forsythe JLR. Impact of cadaveric renal transplantation on survival in patients listed for transplantation. J Am Soc Nephrol [online]. 2005 Jun [acesso 2012 Jan 20]; 16(9):1859-65. Disponível em: http://jasn.asnjournals.org/content/16/6/1859.short
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Apesar de um maior risco inicial de morte, a sobrevida no longo prazo para pessoas submetidas a transplante é significativamente melhor em comparação com aqueles que estão na lista, mas permanecem em diálise. Um bem-sucedido transplante triplica a expectativa de vida de uma pessoa com insuficiência renal em lista de espera.2121 Quintana AM, Santos TK, Hermann CW. Atribuições de significados ao transplante renal. Psico [online]. 2011 Jan-Mar [acesso 2012 Jan 15]; 42(1):23-30. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/6057
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Outro aspecto importante em relação à doença renal crônica é que as mulheres, segundo estudo realizado, têm uma menor probabilidade de serem inseridas na lista de espera pelo transplante. A provável razão para isto é que as mulheres têm um alto nível de painel de anticorpos reativos, induzido pela gravidez, o que pode contraindicar o transplante.2323 Machado EL, Cherchiglia ML, Acurcio FA. Perfil e desfecho clínico de pacientes em lista de espera por transplante renal, Belo Horizonte (MG, Brasil), 2000-2005. Ciênc Saúde Coletiva. 2010; 16(3):1981-92. Essas mulheres que esperam o transplante não sabem que possuem probabilidades menores de transplante, e existem poucos estudos que revelam a realidade do transplante em mulheres, e a assistência prestada nos serviços de diálise não relaciona a questão de gênero.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essas narrativas revelaram que a realização da hemodiálise é vital, a espera pelo transplante é inevitável e o sucesso do procedimento não é previsível. A única certeza presente é a de que coragem e resistência são obrigatórias para continuarem vivendo da melhor maneira possível, realizando terapia dialítica, enquanto esperam pelo transplante.

Os resultados nos permitem refletir sobre o quanto essa doença promove o sofrimento e requer das mulheres um esforço na busca por sua sobrevivência. Compreendemos que essa condição traz prejuízos nos diferentes âmbitos do viver dessas mulheres, especialmente o psicológico. Compreendemos, também, que a forma como elas encaram essas experiências e o apoio que recebem influenciam na aceitação de sua condição. O significado que dão ao transplante renal é o de uma possibilidade de tratamento mais definitivo, que pode mudar suas vidas e transformar uma realidade extremamente difícil em dias melhores. Ter a possibilidade de fazer um transplante ajuda-as a encarar o penoso dia a dia do tratamento e surge como um sonho de recomeço.

Isso aponta a necessidade de reformular nossa assistência com um novo olhar não só voltado para o cuidado imediato, mas antevendo as necessidades dessas mulheres, como, por exemplo, a expectativa do transplante. Destacamos ainda que, mesmo em momentos turbulentos, precisamos orientar as pessoas para o enfrentamento da doença, instigando-as a terem expectativas e novos olhares em meio à escuridão ou sombras do seu viver com a doença renal crônica em tratamento hemodialítico, na perspectiva de avançar na integralidade da atenção à saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2013
  • Aceito
    29 Jan 2014
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