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REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL EM MORADIAS ASSISTIDAS NO BRASIL E EM PORTUGAL

LA REHABILITACIÓN PSICOSOCIAL EN LA VIVIENDA ASISTIDA EN BRASIL Y PORTUGAL

Resumos

O objetivo desta pesquisa é discutir como as Moradias Terapêuticas para usuários com transtorno mental, nos municípios de Miranda do Corvo-Portugal e de Volta Redonda-Brasil contribuem com o processo de reabilitação psicossocial das pessoas com sofrimento psíquico. Estudo de perspectiva histórica, cujas fontes foram leis, resoluções e relatórios oficiais e depoimentos de enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Constatou-se que, embora em ambos os municípios a intenção seja a desinstitucionalização das pessoas com sofrimento psíquico, em Miranda do Corvo-Portugal a gestão financeira e administrativa é de responsabilidade de uma Fundação e, em Volta Redonda-Brasil, essa gestão fica sob os auspícios do poder executivo municipal, além de se observar em Miranda do Corvo a adoção de normas disciplinares em função no excesso de usuários. Conclui-se que a crise econômica em Portugal interferiu na política de expansão de Moradias Terapêuticas para uma quantidade de usuários que não permite intervenção mais individualizada.

Saúde mental; Reabilitação; Moradias assistidas; Enfermagem psiquiátrica; História da enfermagem


El objetivo de esta investigación es analizar cómo las Casas Terapéuticas para los usuarios con trastornos mentales en los municipios de Miranda do Corvo-Portugal y Volta Redonda-Brasil contribuyen a la rehabilitación psicosocial de las personas con sufrimiento mental. Estudio de perspectiva histórica, cuyas fuentes históricas fueron leyes, resoluciones e informes oficiales y declaraciones de enfermeras, psicólogos y trabajadores sociales. Se encontró que en ambos municipios la intención es la desinstitucionalización de las personas con sufrimiento mental, en Miranda do Corvo-Portugal la gestión financiera y administrativa es responsabilidad de una fundación y, en Volta Redonda-Brasil esta gestión es auspiciada por el ejecutivo municipal, además de observar en Miranda del Corvo-Portugal la adopción de medidas disciplinarias en función de exceso de los usuarios. Se concluye que la crisis económica en Portugal ha interferido con la política de expansión de las Casas Terapéuticas en cuanto al número de usuarios que no permite la intervención más individualizada.

Salud mental; Rehabilitación; Instituciones de vida asistida; Enfermería psiquiátrica; Historia de la enfermería


The purpose of this research is to discuss how the Therapeutic Housing for service users with mental disorders in the municipalities of Miranda do Corvo (Portugal) and Volta Redonda (Brazil) contributes to the psychosocial rehabilitation of people with psychological problems. The study has a historical perspective and its sources were laws, resolutions and official reports, and statements from nurses, psychologists and social workers. It was verified that although in both municipalities the intention is the deinstitutionalization of people with psychological distress, in Miranda do Corvo (Portugal) the financial and administrative management is the responsibility of a foundation, while in Volta Redonda (Brazil), this management is under the auspices of the municipal executive department. Furthermore, it was noted that in Miranda do Corvo, disciplinary rules were adopted due to the excessive number of service users. It is concluded that the economic crisis in Portugal hindered the Therapeutic Houses expansion policy as it resulted in a number of users that does not allow more individualized intervention.

Mental health; Rehabilitation; Assisted living facilities; Psychiatric nursing; History of nursing


INTRODUÇÃO

A doença mental passou a se destacar e ser considerada de interesse para a pesquisa a partir do final do século XIX, com ênfase nas instituições psiquiátricas para tratar e/ou isolar a pessoa com algum tipo de transtorno psiquiátrico. Houve um aumento significativo dessas instituições em diferentes continentes, incluindo a Europa, onde predominava o discurso do afastamento social dos asilados para a realização de um tratamento adequado e proteção da população de alguma peculiaridade intrínseca a essas pessoas. Com isso, os hospitais psiquiátricos eram, de certa forma, vistos como uma solução para a loucura, embora essa proposta de tratamento também fosse, desde seu início, alvo de críticas.11. Alves FA. Doença mental nem sempre é doença: racionalidades leigas sobre saúde e doença mental - um estudo no norte de Portugal. Lisboa (PT): Afrontamento; 2011.

Em oposição a esse tratamento que isolava aqueles que conviviam com sofrimento psíquico, iniciou e se expandiu em vários países e continentes um conjunto de iniciativas políticas, sociais, culturais, administrativas e jurídicas, com a finalidade de transformar a relação da sociedade com a pessoa com sofrimento psíquico. Essas ações conhecidas como Reforma Psiquiátrica é um processo complexo que tem como desafio reconfigurar as práticas sociais, considerando um novo olhar para a pessoa com transtorno mental. A Reforma abrange, então, desde as transformações na instituição e no saber médico-psiquiátrico até às práticas sociais de interação com essas pessoas.22. Amarante P. Novos sujeitos, novos direitos: o debate em torno da reforma psiquiátrica. Cad Saúde Pública [online]. 1995 [acesso 2015 Fev 02]; 11(3):. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v11n3/v11n3a11.pdf
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Nesse contexto, tanto em Portugal como no Brasil, são aprovados dispositivos legais, ainda que em momentos diferentes, de modo a contemplar a formação de uma rede de apoio, necessária ao processo de desospitalização, de desinstitucionalização e de reabilitação psicossocial daqueles que se encontravam em sofrimento psíquico. Assim, em ambos os países, adotaram as Moradias Terapêuticas como um dispositivo extra-hospitalar importante no processo de reabilitação psicossocial e no resgate da cidadania, com características e desafios próprios.

Este estudo se justifica por permitir conhecer mais acerca do desenvolvimento da Reforma Psiquiátrica em Portugal e Brasil e, com isso, entender mais sobre a rede assistencial após a criação dos dispositivos extra-hospitalares em saúde mental nos dois países, destacadamente, as Moradias Terapêuticas. Além disso, esta pesquisa contribui para maior compreensão dos fenômenos históricos acerca da expansão de ações para melhor atender as necessidades daqueles com sofrimento psíquico.

A presente investigação tem como objetivos: discutir como as Moradias Terapêuticas para usuários com transtorno mental, nos municípios de Miranda do Corvo, Distrito de Coimbra, Portugal e de Volta Redonda, Estado do Rio de Janeiro, Brasil contribuíram com o processo de reabilitação psicossocial das pessoas com sofrimento psíquico. A denominação Moradias Terapêuticas foi adotada neste estudo, em substituição a Residências Terapêuticas, para maior compreensão dos leitores.

METODOLOGIA

É uma pesquisa qualitativa de perspectiva histórica, pois permite a reafirmação do princípio de que, em história, todas as abordagens estão inscritas no social e se interligam, com a finalidade de formular problemas sobre os atores coletivos, que envolve as relações e o comportamento entre os diversos grupos sociais, com destaque, também, na dinâmica social.33. Castro H. História social. In: Cardoso CF, Vainfas R, organizadores. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro (RJ): Ed. Campos; 1997. p.76-96.

As fontes primárias foram constituídas de documentos escritos, tais como leis, portarias e relatórios, diretamente relacionados ao tema, em ambos os países, e disponíveis em páginas virtuais oficiais. Também foram realizadas entrevistas com quatro profissionais que participaram do processo de criação e implantação das Moradias Terapêuticas para pessoas com sofrimento psíquico no município de Volta Redonda, região Sul do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, com 87.366 habitantes e 182.483 Km2. Esses profissionais foram dois enfermeiros, uma psicóloga e uma assistente social.

Também foram entrevistados quatro profissionais, todos vinculados às três Moradias Terapêuticas administradas pela Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional (Fundação ADFP), no município de Miranda do Corvo, Distrito de Coimbra, Portugal, com uma população de 7.147 habitantes e uma área geográfica de 46,61 Km2. Os profissionais portugueses entrevistados foram um enfermeiro, duas psicólogas e uma assistente social. Os municípios de Volta Redonda-Brasil e Miranda do Corvo-Portugal serão os cenários deste estudo.

Utilizou-se um roteiro semiestruturado, cujos depoimentos foram transcritos na íntegra. Para garantir o anonimato das pessoas entrevistadas, relacionadas às moradias no município de Miranda do Corvo-Portugal, adotou-se a letra D, de depoente, seguida da sequência numeral ordinal crescente, logo, o primeiro depoente do estudo foi identificado como D1 e assim sucessivamente, até D4. Para os depoentes vinculados as moradias no município de Volta Redonda-Brasil, os quatro depoimentos foram identificados também com a letra D, seguida de uma numeração ordinal crescente a partir do 5 até o D8.

A análise comportou repetidas leituras do corpus documental, em seguida os achados foram organizados, classificados, contextualizados em consonância com o método histórico. O apoio da literatura sobre a Reforma Psiquiátrica, desospitalização, desinstitucionalização e reabilitação psicossocial, importantes na assistência ao portador de sofrimento psíquico, permitiu a construção de uma versão quanto à participação do enfermeiro na estrutura e funcionamento das Moradias Terapêuticas para pessoas com transtornos mentais no município de Volta Redonda-Brasil, bem como da participação dos profissionais de saúde nos unidades residenciais, em Miranda do Corvo-Portugal.

As fontes secundárias constaram de artigos indexados na biblioteca eletrônica SciELO, outras bases de indexação internacional e nos livros que abordavam a assistência psiquiátrica e a enfermagem psiquiátrica.

É válido comunicar que este projeto foi aprovado nos Comitês de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Hospital Escola São Francisco de Assis, Protocolo n. 015/2011 e da Unidade Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Protocolo n. 226/10-2014.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Moradias Terapêuticas no município de Miranda do Corvo, Distrito de Coimbra, Portugal

Em Portugal, a organização e a gestão dos serviços de saúde mental passaram por uma evolução parecida com a dos demais países europeus, sobretudo nas últimas décadas. A trajetória das políticas públicas para saúde mental em Portugal vai desde a centralização nos hospitais psiquiátricos, passando pela integração com os cuidados primários de saúde, até o estabelecimento do atual modelo, sustentado nos princípios da psiquiatria comunitária, onde os cuidados são promovidos prioritariamente ao nível da comunidade e os serviços locais constituem a base do sistema de saúde mental.44. Ministério da Saúde (PT). Coordenação Nacional para Saúde Mental. Plano Nacional de Saúde Mental 1007- 2016. Lisboa (PT): Coordenação Nacional para Saúde Mental; 2012.

Transcorrido alguns movimentos contraditórios em Portugal, sobretudo até a primeira metade da década de 1990, a publicação da Lei n. 36/98 e do Decreto-Lei n. 35/99 visava o resgate dos princípios conceituais acerca da organização de serviços de saúde mental comuns aos demais países da União Europeia. Assim, avançou na descentralização da rede de serviços, na articulação com os cuidados primários e com o desenvolvimento estruturado de alguns programas de reabilitação psicossocial.44. Ministério da Saúde (PT). Coordenação Nacional para Saúde Mental. Plano Nacional de Saúde Mental 1007- 2016. Lisboa (PT): Coordenação Nacional para Saúde Mental; 2012. Nessa conjuntura, o Decreto-Lei n. 35/99 faz discreta citação às unidades residenciais, enquanto possibilidade de reabilitação psicossocial e resgate da cidadania de pessoas com sofrimento psíquico.55. Portugal. Decreto-Lei n. 35, de 5 de fevereiro de 1999: dispõe sobre os princípios orientadores da organização, gestão e avaliação dos serviços de saúde mental. Diário da Repúblical, 6 Fev 1999. 1ª Série, Nº 205.

O Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 esclarece quais órgãos podem se estruturar com as unidades de saúde que realizam apoio domiciliário na área da saúde mental. Este Plano, contudo, não esclarece muito além disso.66. Ministério da Saúde (PT). Direção Geral de Saúde. Programa Nacional para a Saúde Mental de 30 de março de 2012: reatualização do Plano Nacional de saúde mental. Lisboa (PT): Coordenação Nacional para Saúde Mental; 2012. Apenas com a aprovação da portaria n. 149/2011, envolvendo o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e o Ministério da Saúde, é que se tem, mais detalhadamente, a maneira pela qual estas residências deveriam funcionar, classificando-as de acordo com o grau de autonomia de seus usuários.77. Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Ministério da Saúde (PT). Portaria n. 149 de 08 de abril de 2011: criação dos cuidados continuados integrados de saúde mental. Lisboa: Diário da República, 1.ª série, N.º 70; 2011.

É nesse contexto que o município de Miranda do Corvo-Portugal conta com três Moradias Terapêuticas, assim denominadas: Residências Tolerância, Igualdade e Esperança, sendo duas com estrutura arquitetônica verticalizada e a outra com apenas um piso. Todas contam com apoio de estrutura física e organizacional no próprio município, que denominaremos, nesta pesquisa, de Espaço de Apoio Residencial para melhor compreensão dos leitores. Nesse espaço é concentrada grande parte das atividades realizadas pelas pessoas com sofrimento psíquico, vinculadas a cada moradia (Figura 1).

Figura 1
- Moradias Terapêuticas e a rede de apoio no município de Miranda do Corvo, Coimbra, Portugal

A gestão das moradias acontece através de uma Fundação, conforme o depoimento a seguir: todas as moradias são administradas pela Fundação ADFP[Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional]. Trata-se de uma Instituição Particular de Solidariedade Social [IPSS], sem fins lucrativos, com estatuto de utilidade pública, nascida em Novembro de 1987 e sediada em Miranda do Corvo. A manutenção financeira das Moradias Terapêuticas da Fundação ADFP conta com recursos de investimentos da própria Fundação, como Parque Biológico, Vinhas, Restaurante e outros, além de recursos do Ministério da Saúde, da Instituições Particulares de Solidariedade Social, Centro Hospitalar Universidade de Coimbra[CHUC], conforme o protocolo estabelecido (D1).

As Moradias Terapêuticas em Miranda do Corvo-Portugal se constituem de dois prédios destinados àqueles usuários com maior autonomia e uma casa de apenas um andar, própria aos usuários com grande comprometimento psíquico em função do longo período de hospitalização e, portanto, de autonomia bastante reduzida:as Residências [Moradias] são apartamentos em prédios alugados pela fundação, próximos à sede da Fundação, onde os utentes [usuários] permanecem o período da noite, e durante o dia saem para atividades aqui na própria Fundação [Espaço de Apoio Residencial], ou no próprio município e, algumas vezes, fora do município. Regressam apenas à noite (D2); [...] Também tem-se a Residência Igualdade [Moradia Igualdade] que fica ao rés do chão [térreo ou piso], própria para utentes [usuários] com elevado grau de dependência, necessitando de auxílio para quase todas as atividades (D3).

As três Moradias Terapêuticas foram inauguradas em 2004 e o funcionamento destas antecedeu a assinatura de um protocolo no qual se definiram as responsabilidades de cada uma das partes envolvidas, incluindo-se, aí, os recursos financeiros. Nesse sentido, o protocolo firmado com a Moradia Tolerância a caracterizava como uma Unidade de Vida Apoiada e envolveu a Fundação ADFP, a Clínica Psiquiátrica dos Hospitais da Universidade de Coimbra e a Segurança Social. Para as Moradias Igualdade e Esperança, o protocolo envolveu a Fundação ADFP e o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, quando do encerramento de antigos hospitais psiquiátricos, nomeadamente o Hospital Psiquiátrico do Lorvão e o Centro Psiquiátrico e de Recuperação de Arnes.8.

No que concerne ao grau de autonomia dos usuários das Moradias, tem-se que para a Moradia Tolerância se destinam aqueles com maior grau de autonomia, com capacidade de realizar atividades de autocuidado e de se inserir em programa de formação profissional, além de destinar-se a ambos os sexos. A Moradia Igualdade, para ambos os sexos, também se destinava aqueles com elevado comprometimento da autonomia e, portanto, necessitando de auxílio para realizar atividades de higiene, alimentação, medicação, e outras. Já a Moradia Esperança, exclusiva para usuários do sexo masculino, acolhia os que possuíam maior grau de autonomia, com capacidade de utilizar transporte coletivo, capacidade de realizar atividades de autocuidado e de participar de programa de formação profissional. Quem está no apartamento [Moradia Tolerância]é porque consegue cumprir atividades decididas com ele[usuário]: realizar a própria higiene, as refeições, se vestirem sem auxílio e se programarem para sair para as atividades programadas, recreativas, formação profissional, e outras (D1);[...] Já na Residência Esperança [Moradia Esperança] ficam aqueles com grave comprometimento da autonomia e precisam de auxílio de toda natureza, para a alimentação, a higiene(D4).

Acerca da disponibilidade dos usuários por Moradia, tem-se que são distintas entre si, conforme depoimentos a seguir: [...] cabendo à Moradia Tolerância 21 usuários, num prédio com cinco apartamentos de três quartos cada um; a Moradia Igualdade com 20 usuários, em uma casa com sete quartos; e a Moradia Esperança, 49 usuários, em oito apartamentos, de dois e três quartos. As Moradias Igualdade e Esperança acomodam no máximo três usuários por quarto e a Tolerância, no máximo dois (D4).

As três Moradias dispõem de enfermeiro e de, no mínimo, dois auxiliares durante todo o período em que os usuários estão presentes. Além disso, às três Moradias Terapêuticas é disponibilizado um Espaço de Apoio Residencial, onde se concentram as consultas médicas clínicas e psiquiátricas, semanalmente; assistência psicológica e de serviço social, à medida que se faz necessário; atividades recreativas com animadoras, atividades de educação física, planejamento de saídas terapêuticas, e outras.

O estigma também foi destacado, sobretudo quando da chegada ao município dos primeiros oitenta usuários com sofrimento psíquico. Naquele momento, esse era o tema que predominava nos ambientes sociais entre os moradores da cidade:isso acontecia sim [estigma], mas foi quando chegaram os primeiros oitenta utentes [usuários]. Nós mesmas [técnicas] nunca tínhamos trabalhado nessa área. Tínhamos conhecimento acerca da doença mental, mas é diferente saber sobre eles [usuários] e trabalhar com eles(D3); [...] os vizinhos[outros moradores do mesmo prédio] fizeram uma comunicação à Câmara Municipal para que não permitissem que os utentes [usuários]ocupassem os apartamentos. A população tinha medo da agressividade, do desconhecido (D2).

O portador de sofrimento psíquico traz consigo um atributo indesejável, decorrente da patologia psiquiátrica. Essa condição pode gerar consequências que interferem na ressocialização deste, ainda mais ao considerarmos que já é, não raro, rejeitado e desqualificado frente à sociedade.99. Martins GCS, Moraes AEC, Santos TCF, Peres MAA, Almeida Filho AJ. The implementing process of therapeutic homes in Volta Redonda - Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [online]. 2012 [acesso 2012 Set 28]; 21(1):. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000100010&lng=pt
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A sociedade estabelece a divisão das pessoas em categorias e, a partir daí, são identificadas pelos atributos comuns aos seus membros. Logo, ao portador de sofrimento psíquico, também lhe é estabelecida uma identidade social, porém, nesse caso, evidenciando uma lógica desumana das relações sociais.1010. Martins GCS, Peres MAA, Oliveira AMB, Stipp MAC, Almeida Filho AJ. The stigma of mental illnesses and the therapeutic residences in the town of Volta Redonda-RJ. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 [acesso 2015 Fev 02]; 22(2):. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n2/en_v22n2a08.pdf
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Outro aspecto relatado por um depoente é que havia uma rotina a seguir, com horários estabelecidos para as refeições; para a higiene; para saírem e regressarem às Moradias, exceto nos finais de semana; para o consumo do tabaco; e uma rotina de café da manhã, por grupos, com a finalidade de permitir a supervisão da ingestão de medicamentos prescritos. Embora os moradores não ficassem restritos ao espaço interno das Moradias Terapêuticas, eram sujeitos ao controle em várias oportunidades. [...] Os utentes [usuários]que se locomovem saem do apartamento às 8horas e não podem regressar antes do final do dia, os apartamentos são trancados. Essa é uma rotina necessária porque alguns utentes [usuários] regressavam ao longo do dia para dormir [...]. Para o pequeno almoço [café da manhã] os utentes[usuários] são organizados em grupos de 15. Isso foi necessário para que pudéssemos supervisionar o uso das medicações. Seria impossível acompanhar a ingestão dos medicamentos com os 50 utentes ao mesmo tempo. Essa supervisão é feita pelo enfermeiro e os auxiliares (D2).

A definição de normas com horários definidos, sem negociação que considerem as peculiaridades de cada usuário, tais como a impossibilidade de regressar à moradia antes do horário noturno, supervisão de grupos para o café da manhã, em função da terapêutica prescrita; horário determinado para uso do tabaco, assemelham-se à rotina institucionalizante da pessoa com sofrimento psíquico. Muitas dessas regras determinadas se dão em função da quantidade excessiva de usuários por Moradias Terapêuticas no município de Miranda do Corvo-Portugal. Situações como estas resultam que a equipe técnica planeje as atividades, de modo a atender as demandas clínicas próprias da doença; a manutenção de necessidades básicas, tais como comer, dormir, de viver; e as demais atividades importantes na recuperação das relações e construção de um novo projeto de vida para os usuários podem não ser priorizadas.1111. Souza EJ, Moreira LHO, Cardoso MMVN, Ferreira RGS, Silva TCS. The formation of social reintegration strategies of the psychic suffering carrier: new directions for psychiatric nursing. Issues Ment Health Nurs [online]. 2014 [acesso 2015 Fev 04]; 35(9):. Disponível em: http://informahealthcare.com/doi/abs/10.3109/01612840.2014.901451
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As normas implementadas nas moradias precisam ser flexíveis e considerar as peculiaridades de cada pessoa com sofrimento psíquico, apenas assim se estará, efetivamente, desinstitucionalizando os usuários com sofrimento psíquico e seguindo em direção a sua reabilitação psicossocial. Mesmo para as pessoas com doença mental grave, a atenção integral consiste em ir além do tratamento farmacológico. É preciso assegurar o acesso a uma ampla gama de serviços psicossociais, para as quais se exige cautela na execução de normas e padronizações do cuidado. Inúmeras iniciativas levadas a cabo na América do Norte e internacionalmente têm promovido a adoção generalizada de tais serviços.1212. Menear M, Briand C. Implementing a continuum of evidence-based psychosocial interventions for people with severe mental illness: part 1-review of major initiatives and implementation strategies. Can J Psychiatry [online]. 2014 [acesso 2015 Fev 04]; 59(4). Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4079135/
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-1313. Briand C, Menear M. Implementing a continuum of evidence-based psychosocial interventions for people with severe mental illness: part 2-review of critical implementation issues. Can J Psychiatry [online]. 2014 [acesso 2015 Fev 04]; 59(4). Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4079132/
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Ainda seria necessário investir em ações para o desenvolvimento de competências sociais dos usuários das Moradias Terapêuticas, de modo a ampliar o seu universo de atividades sociais e, assim, também aumentar o seu grau de autonomia no território onde vivem. Tal condição se traduziria em atitudes importantes para a reabilitação psicossocial do grupo, mas que ainda não é possível sua implementação em virtude da grave crise econômica a qual se encontra Portugal.Teria que se desenvolver o treino de competências sociais, isso não acontece por falta de mais recursos financeiros, ou seja, não é possível estimular o usuário a arrumar sua própria cama, preparar seu pequeno almoço [café da manhã], almoçar, realizar sua própria higiene, dentre outros (D2).

Estas atitudes são parte da proposta terapêutica, pois o principal objetivo do tratamento deve ser o de promover um enriquecimento do repertório das habilidades e comportamentos sociais do usuário, pois, criar dispositivos que substituam os manicômios não implica, por si, uma substituição da cultura, dos conceitos e das práticas que deram origem e consolidaram a psiquiatria tradicional.1515. Saraceno B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Rio de Janeiro (RJ): Te Corá/Instituto Franco Baságlia; 2001. Assim, o manicômio de fato só se encerra, quando a base do paradigma psiquiátrico tradicional é desmontada na forma de pensar e agir dos profissionais que atuam diretamente com os usuários. Isso só é possível quando o profissional está disposto a reconfigurar seus saberes, práticas e seus valores, com vistas a ampliar a autonomia da pessoa com sofrimento psíquico, rejeitando a cultura de exclusão da loucura.

Além disso, se a coesão social e a solidariedade social nos bairros são importantes para a saúde mental das pessoas que não apresentam distúrbios psiquiátricos, entendemos que estas variáveis também são fundamentais para a reabilitação psicossocial das pessoas com sofrimento psíquico. Daí a necessidade de valorização de atividades externas as Moradias Terapêuticas e ações de combate ao estigma social, dirigidas a esse grupo.1414. Fleury MJ, Ngui AN, Bamvita JM, Grenier G, Caron J. Predictors of healthcare service utilization for mental health reasons. Int J Environ Res Public Health [online]. 2014 [acesso 2015 Fev 04]; 11(10):. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4210995/
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No município de Miranda do Corvo-Portugal, percebemos que a rede de atenção psicossocial acontece, fundamentalmente, no âmbito da Fundação ADFP, com algumas inserções no território. Essa assistência é, em muitos aspectos, dificultada pela importante crise financeira experimentada pelo país, que limita os investimentos na aquisição de mais Moradias Terapêuticas, mais profissionais e outras instituições extra-hospitalares, de modo a ampliar a rede de atenção psicossocial às pessoas em sofrimento psíquico, possibilitando uma assistência mais individualizada nas Moradias Terapêuticas e demais serviços dessa rede.

Moradias Terapêuticas no município de Volta Redonda, Estado do Rio de Janeiro, Brasil

No Brasil, o processo de Reforma Psiquiátrica surgiu no final da década de 1970, num contexto em que se demonstrava a crise do modelo de assistência, centrado no hospital psiquiátrico. No entanto, apenas em 1989, um Projeto de Lei, propôs, propunha a regulamentação dos direitos das pessoas com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. Sua tramitação no Congresso Nacional levou mais de uma década quando, então, foi promulgada a Lei n. 10.216, em 06 de abril de 2001. De acordo com essa Lei, apenas as pessoas em situação de crise aguda seriam internadas em um hospital psiquiátrico, todas as demais deveriam receber tratamento alternativo, permanecer junto à suas famílias e o tratamento realizado em serviços comunitários, prioritariamente.1616. Silva AL, Fonseca RMGS. Processo de trabalho em saúde mental e o campo pisicossocial. Rev Latino-Am Enfermagem. 2005 Mai-Jun; 13(3):441-9. A partir daí, tem-se dois movimentos simultâneos: a construção de uma rede de atenção à saúde mental, substitutiva ao modelo centrado na hospitalização; e a fiscalização e redução progressiva e planejada dos leitos psiquiátricos existentes. Com isso, a Reforma Psiquiátrica brasileira se caracterizava como política oficial do Governo Federal.1717. Gonçalves L. Integralidade e Saúde Mental. São Paulo (SP): Editora Manelli; 2001.

Dentre os dispositivos que integram a rede de atenção à saúde mental para garantir assistência integral aos usuários com sofrimento psíquico, temos as Moradias Terapêuticas, articuladas com os demais dispositivos da rede de atenção extra-hospitalar, como: leitos reservados em Hospital Geral; Estratégia Saúde da Família (ESF); Associação de Moradores; Centros de Convivência; Centro Integrado de Atenção à Saúde (CAIS); e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades de atendimento ambulatorial para pessoas em acompanhamento terapêutico de diferentes naturezas: uso abusivo de drogas, alcoolismo e doenças mentais.1818. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil: documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. Brasília (DF): MS/OPAS; 2005.

É nesse contexto que, em 2009, em função do fechamento da Casa de Saúde Volta Redonda, única instituição psiquiátrica conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) no município de Volta Redonda-Brasil, teve início a implantação de Moradias Terapêuticas, como uma alternativa de habitação para usuários com sofrimento psíquico.99. Martins GCS, Moraes AEC, Santos TCF, Peres MAA, Almeida Filho AJ. The implementing process of therapeutic homes in Volta Redonda - Rio de Janeiro. Texto Contexto Enferm [online]. 2012 [acesso 2012 Set 28]; 21(1):. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072012000100010&lng=pt
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A implantação dessas Moradias só foi possível porque os demais dispositivos da rede de atenção psicossocial já estavam em funcionamento (Figura 2). Essa rede de atenção psicossocial é importante por investir na possibilidade de inserção social e resgate da cidadania dos usuários, além da oportunidade de estreitar o contato com aquele cidadão que percebe o transtorno mental como uma ameaça.

Figura 2
- Moradias Terapêuticas e a rede de apoio em Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil

Os profissionais envolvidos no processo de implantação das Moradias Terapêuticas conseguiram alugar três casas. É possível notar que houve preocupação dos profissionais sobre a localização e a estrutura dos imóveis, de modo que se buscou atender o previsto na Portaria n. 106/2000,1919. Ministério da Saúde (BR), Gabinete Ministerial. Portaria n. 106 de 11 de fevereiro de 2000: Institui os serviços residenciais terapêuticos. Brasília (DF): MS; 2000. garantindo a proximidade das casas com outros espaços de trocas sociais, o que contribui para a reinserção social efetiva dos usuários e favorece a sua reabilitação psicossocial.

As Moradias Terapêuticas receberam 28 usuários, ficando assim distribuídos: uma casa com 10 usuários e as outras duas, com nove cada uma delas, quando o previsto na Portaria n. 106/2000 era de que a lotação deveria variar de oito a seis usuários por Moradia Terapêutica.1919. Ministério da Saúde (BR), Gabinete Ministerial. Portaria n. 106 de 11 de fevereiro de 2000: Institui os serviços residenciais terapêuticos. Brasília (DF): MS; 2000.[...] o número de pessoas estava acima do que a portaria previa, justamente por isso precisávamos de mais uma casa, estávamos com um usuário a mais em cada Residência(D5); [...] quando foi inaugurada, quando eu cheguei aqui em 2009, tinha residência que tinha 10 pessoas e pela antiga portaria nós não podíamos ter 10 pessoas, nós só podíamos ter oito pessoas. Então a gente já sabia que ia ter que implantar mais uma residência (D6).

O excesso de moradores contrariava a Portaria n. 106/2000 e, portanto, um obstáculo à solicitação de credenciamento ao SUS. Com isso, a manutenção do financiamento e os custos das Moradias Terapêuticas ficaram sob a responsabilidade da Prefeitura, uma vez que o repasse de verbas federais para manutenção do serviço ocorre apenas após a efetivação do credenciamento. Logo: [...] o município sempre arcou com todas as despesas das casas(D6).

Para acompanhar os usuários nas Moradias Terapêuticas, optou-se por técnicos de enfermagem, submetidos à avaliação da equipe que coordenava o processo de implantação de tais moradias. Essa equipe contava com a enfermeira coordenadora do Programa de Saúde Mental, em sua composição.

Nessa etapa inicial, a preferência pelos técnicos de enfermagem para atuar no interior das moradias era justificada pelo alto grau de dependência dos usuários e as limitações decorrentes da cronificação da doença, conforme depoimento: [...] necessidade de colocar esses cuidadores como técnicos de enfermagem devido ao pouco grau de autonomia que esses usuários das residências terapêuticas tinham (D7).

Para as Moradias Terapêuticas de Volta Redonda-Brasil se fazia necessário a contratação de técnicos de enfermagem, uma vez que foram classificadas como tipo II, aquelas destinadas a usuários com outras morbidades, tais como: hipertensão arterial, diabetes mellitus e outras, e necessitavam de atenção específica. Contudo, esses profissionais precisavam ter uma compreensão reabilitadora e, suas funções, comportar atividades para além de procedimentos técnicos, deveriam estimular a autonomia do usuário, no interior das residências.

Conforme previsto na legislação vigente, cada Moradia Terapêutica deveria estar articulada diretamente a um CAPS de referência. Em Volta Redonda-Brasil, as três Moradias Terapêuticas estavam articuladas, até dezembro de 2009, ao CAPS Vila e ao CAPS Usina dos Sonhos e, a partir daí, o CAPS Belvederi também integrou o elenco de dispositivos de referência para suporte às Moradias.2020. Alves CS. Projeto para implantação de Residência Terapêutica. Volta Redonda (RJ): Coordenação do Programa de Saúde Mental da Secretaria de Saúde Municipal; 2005.

O funcionamento inicial das três Moradias Terapêuticas passou por problemas que afetavam os próprios moradores, os técnicos de enfermagem que atuavam nas moradias, os serviços que davam suporte às moradias e à vizinhança. [...]Quando eu cheguei era um momento, assim, muito difícil ainda, as pessoas em adaptação [...] Então, foi um período muito tenso para as pessoas que estavam lá, para os usuários, um período muito conturbado (D6).

No que diz respeito ao espaço físico, a estrutura das casas era bem menor que o espaço disponível aos usuários no hospital psiquiátrico onde viviam, onde podiam circular em grandes áreas e dormiam em enfermarias com diversos leitos. Percebe-se que a divisão da casa em cômodos e a organização de usuários por dormitório causou estranheza no processo inicial de adaptação. Por sua vez, os profissionais que atuavam nas Moradias Terapêuticas também estavam em um momento delicado, pois, enfrentar o novo requeria subsídios estratégicos que derivam não apenas de conhecimentos teóricos prévios, mas também das experiências pessoais anteriores.2121. Lucchese R, Barros S. The constitution of competences in mental health nursing education and practice. Rev Esc Enferm USP [online]. 2009 [acesso 2015 Fev 02]; 4(1):. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n1/en_20.pdf
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O fato de lidar com questões psiquiátricas com abordagem diferente da coação ou imposição de poder, através de contenções e medicamentos, expõe o profissional ao não saber/fazer frente a uma situação e o convoca para a construção coletiva de novas possibilidades.2121. Lucchese R, Barros S. The constitution of competences in mental health nursing education and practice. Rev Esc Enferm USP [online]. 2009 [acesso 2015 Fev 02]; 4(1):. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n1/en_20.pdf
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No caso de Volta Redonda-Brasil, apesar da maioria dos usuários passarem o dia no CAPS, muitas vezes este serviço não possuía condições de conter uma crise mais grave, havendo a necessidade de solicitar internação no CAIS Aterrado. Este dispositivo destinado a urgências/emergências psiquiátricas foi muito utilizado na fase inicial de adaptação dos usuários à nova moradia. [...] Logo após a implantação, o CAIS Aterrado é que dava muito suporte. Às vezes, na casa não dava mesmo e, aí, a gente contava com a emergência do CAIS Aterrado (D6).

A enfermeira do CAPS esclarece que havendo necessidade, as visitas domiciliares eram realizadas, mas que se devia priorizar a ida dos usuários ao serviço: [...]a assistência do enfermeiro prioriza que seja no CAPS e não nas residências terapêuticas, a não ser que haja necessidade de fazer isso [visita domiciliar] (D7); [visita domiciliar]só quando necessário, quando a gente precisa de alguma coisa. Mas, a gente prefere levá-los, tem-se que inseri-los na sociedade(D8).

A visita domiciliar é um recurso usado pelos profissionais que atuam na ESF que possibilita a aproximação com a realidade do usuário, complexa e dinâmica. Pode ser considerada como uma estratégia de longitudinalidade do cuidado. Além disso, possibilita o uso de tecnologias leves do cuidado, ou seja, aquelas que se efetivam através das relações interpessoais, como o vínculo e o acolhimento.2222. Salles MM, Barros S. Relações do cotidiano: a pessoa com transtorno mental e sua rede de suporte social. Physis [online]. 2011 [acesso 2015 Fev 02]; 21(2):. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312011000200012&lng=en&nrm=iso
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A rede de atenção psicossocial, estabelecida no município de Volta Redonda-Brasil, apresentava dificuldades que eram alvo de intervenção quando identificadas, com a finalidade de proceder as adaptações necessárias. Essa rede de atenção no município envolvia serviços como CAPS, ESF e CAIS, com atividades de inserção social, estratégias reabilitadoras dos usuários com transtorno psíquico.

CONCLUSÃO

A implantação de Moradias Terapêuticas em ambos os países possui origem no desejo político de desospitalizar a pessoa com sofrimento psíquico, porém, com vinculação administrativa e funcionamento bastante distintos em cada município estudado. Em Volta Redonda-Brasil, a gestão administrativa e financeira, em sua fase inicial, ficou a cargo do próprio município por não atender ao previsto em normativa ministerial, enquanto que a gestão administrativa e financeira desses dispositivos em Miranda do Corvo-Portugal era de responsabilidade da Fundação ADFP, com recursos governamentais.

Ainda mais, em Volta Redonda-Brasil as Moradias limitavam a quantidade de usuários, de modo a contemplar um planejamento flexível de estratégias de cuidados reabilitadores, ajustados e revistos constantemente, de forma corresponsável com o usuário, e isso implicava em não estabelecer excessos de regras, sobretudo para atividades que colaboram para desenvolver a autonomia da pessoa com sofrimento psíquico. Em Miranda do Corvo-Portugal, o excesso de usuários em cada Moradia Terapêutica representou um obstáculo à implementação dessas atividades, reproduz o caráter disciplinador das instituições psiquiátricas, mesmo disponibilizando recreadoras, saídas terapêuticas, e outros. É na dinâmica diária em seu domicílio que a pessoa percebe o crescimento de sua autonomia.

Cabe, no entanto, destacar que, exceto em algumas situações de grave redução do grau de autonomia, onde tais medidas podem ser ineficazes, para as demais não devem haver protocolos de ações, e sim, planejamento flexível de estratégias de cuidados reabilitadores, ajustados e revistos constantemente, de forma corresponsável com o usuário. Assim, será possível considerar que as ações seguem na direção da reabilitação psicossocial, compatível com a condição de cada indivíduo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2015
  • Aceito
    25 Set 2015
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