Acessibilidade / Reportar erro

Integralidade na assistência à mulher na prevenção do câncer cérvico-uterino: um estudo de caso

Integrality in women's health in the prevention of cervical-uterine cancer: a case study

Integralidad en la atención a la mujer en la prevención del cáncer de cuello uterino: un estudio de caso

Resumos

Realizou-se análise da gestão da atenção, com base na integralidade da assistência à saúde da mulher na prevenção do câncer cérvico-uterino, através de entrevista com duas pacientes atendidas em serviço de saúde da região nordeste do país. Consistiu num estudo de caso onde os dados foram analisados através do Fluxograma Analisador do Modelo de Atenção de um Serviço de Saúde. Em um caso identificou-se a integração dos pontos de atenção, com caráter integral e no outro a fragmentação total desta. No estudo é percebida a importância de maior atenção do gestor no sentido de melhor planejar, organizar e avaliar as ações nos serviços de atenção saúde da mulher, buscando a eficiência, a eficácia e a efetividade, assegurando que os princípios do Sistema Único de Saúde sejam respeitados.

Serviços de saúde; Gerenciamento de prática profissional; Saúde da mulher


This study aimed at analysing attention-based management based upon women's health integration in the prevention of cervical-uterine cancer, using interviews with two patients who were given care in a healthcare service in the northeast region of Brazil. In this case study the data was analysed according to the Analysis Fluxogram of the Healthcare Attention Model. In one of the cases total integration of attention scores was identified; while in the other total fragmentation of attention scores was identified. In this study the relevance of greatest attention was played by the manager in the sense of better planning, organization, and evaluation of the service's interventions in women's healthcare; services that sought efficiency, and effectiveness, assuring that the principles of the Brazilian National Health Care System are respected.

Health services; Practice management; Women's health


Este estudio tuvo como objetivo analizar la gerencia de la atención basado en la integralidad de salud de la mujer en la prevención del cáncer de cuello uterino, usando la entrevista con dos pacientes atendidas en un servicio de salud en la región nordeste brasileña. Se constituye en un estudio caso cuyos datos fueron analizados según el Fluxograma Analizador del Modelo de Atención de un servicio de Salud. En uno de los casos se identificó la integración de los puntos de atención; de tipo integral y, en el otro, la fragmentación total de estos. Se percibe en el estudio la importancia de la mayor atención del gerenciador para poder planear mejor, organizar y evaluar las acciones en los servicios de la salud de las mujeres, en la busqueda de los parámetros de la eficiencia, eficacia y efetividad, garantizando que los principios del Sistema Único de Salud sean cumplidos y respetados.

Servicios de salud; Manejo práctico; Salud de las mujeres


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

Integralidade na assistência à mulher na prevenção do câncer cérvico–uterino: um estudo de caso

Integrality in women's health in the prevention of cervical–uterine cancer: a case study

Integralidad en la atención a la mujer en la prevención del cáncer de cuello uterino: un estudio de caso

Francisco Rosemiro Guimarães Ximenes NetoI; Isabel Cristina Kowal Olm CunhaII

IEnfermeiro. Sanitarista. Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA). Preceptor de Enfermagem da Residência em Saúde da Família da Escola de Formação em Saúde da Família, Sobral – CE

IIEnfermeira. Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem e Coordenadora do Curso de Especialização em Gerenciamento de Serviços de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração e Gerenciamento de Serviços de Saúde e Enfermagem (GEPAG). Diretora da Faculdade de Enfermagem da Universidade Santo Amaro (UNISA)

Endereço Endereço: Francisco Rosemiro Guimarães Ximenes Neto R. Sebastião Miranda, s/nº 62.184–000 – Centro, Cariré, CE. E–mail: rosemironeto@gmail.com

RESUMO

Realizou–se análise da gestão da atenção, com base na integralidade da assistência à saúde da mulher na prevenção do câncer cérvico–uterino, através de entrevista com duas pacientes atendidas em serviço de saúde da região nordeste do país. Consistiu num estudo de caso onde os dados foram analisados através do Fluxograma Analisador do Modelo de Atenção de um Serviço de Saúde. Em um caso identificou–se a integração dos pontos de atenção, com caráter integral e no outro a fragmentação total desta. No estudo é percebida a importância de maior atenção do gestor no sentido de melhor planejar, organizar e avaliar as ações nos serviços de atenção saúde da mulher, buscando a eficiência, a eficácia e a efetividade, assegurando que os princípios do Sistema Único de Saúde sejam respeitados.

Palavras–chave: Serviços de saúde. Gerenciamento de prática profissional. Saúde da mulher.

ABSTRACT

This study aimed at analysing attention–based management based upon women's health integration in the prevention of cervical–uterine cancer, using interviews with two patients who were given care in a healthcare service in the northeast region of Brazil. In this case study the data was analysed according to the Analysis Fluxogram of the Healthcare Attention Model. In one of the cases total integration of attention scores was identified; while in the other total fragmentation of attention scores was identified. In this study the relevance of greatest attention was played by the manager in the sense of better planning, organization, and evaluation of the service's interventions in women's healthcare; services that sought efficiency, and effectiveness, assuring that the principles of the Brazilian National Health Care System are respected.

Keywords: Health services. Practice management. Women's health.

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar la gerencia de la atención basado en la integralidad de salud de la mujer en la prevención del cáncer de cuello uterino, usando la entrevista con dos pacientes atendidas en un servicio de salud en la región nordeste brasileña. Se constituye en un estudio caso cuyos datos fueron analizados según el Fluxograma Analizador del Modelo de Atención de un servicio de Salud. En uno de los casos se identificó la integración de los puntos de atención; de tipo integral y, en el otro, la fragmentación total de estos. Se percibe en el estudio la importancia de la mayor atención del gerenciador para poder planear mejor, organizar y evaluar las acciones en los servicios de la salud de las mujeres, en la busqueda de los parámetros de la eficiencia, eficacia y efetividad, garantizando que los principios del Sistema Único de Salud sean cumplidos y respetados.

Palabras clave: Servicios de salud. Manejo práctico. Salud de las mujeres.

INTRODUÇÃO

Na atualidade, a necessidade de se ter uma gestão com qualidade, efetiva, eficiente, humanizada e solidária, tem levado os diferentes atores da área da saúde a discutir estratégias de avaliação das diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). A avaliação em saúde é, pois, ampla o suficiente para conter em seu bojo desde "as políticas públicas em saúde, aos programas de saúde, o perfil da morbimortalidade da população ou à organização do sistema de saúde".1:272 Assim, o sistema de saúde brasileiro tem sido avaliado sob múltiplos olhares em suas diversas facetas como a da regionalização, da hierarquização da assistência e da descentralização administrativo–financeira, passando pelo controle social e participação da comunidade e aspectos da equidade, acessibilidade e integralidade.

A integralidade na atenção à saúde consiste no direito que as pessoas têm de serem atendidas no conjunto de suas necessidades e no dever que o Estado tem de oferecer serviços de saúde organizados para atender estas necessidades de forma integral.2 No que concerne à integralidade, como princípio do SUS, devemos visualizar a "pessoa como um todo" e que suas necessidades sejam assistidas através de ações integradas de promoção da saúde, prevenção de doenças, além da cura e reabilitação; com a articulação intersetorial, interdisciplinar, intergovernamental e institucional, com o intento de melhorar os níveis de saúde e a qualidade de vida das pessoas.3 Esse princípio é um dos mais preciosos termos para demonstrar que a atenção à saúde deve levar em consideração as necessidades específicas de pessoas ou grupos de pessoas, ainda que minoritários em relação ao total da população.4

Apesar de o Ministério da Saúde citar a integralidade como algo precioso para qualificar a atenção à saúde e suas adversidades, autoresafirmam que a integralidade e o controle social ainda não são realidade no cotidiano da atenção, ao contrário da descentralização e da universalização.5

A integralidade está distante das práticas assistencial (com uma atenção fragmentada, sem continuidade e acessibilidade) e gerencial (tanto na gestão clínica, como da atenção), ficando também longe da pesquisa e do ensino.

Esta questão é de uma magnitude e amplitude respeitável, que merece total atenção de todos os atores envolvidos, na construção das políticas, desde formuladores, executores, formadores, até a clientela das ações e serviços de saúde oferecidos pelo SUS. Tal preocupação foi manifestada durante a 11ª Conferência Nacional de Saúde em 2000, onde os participantes "reafirmaram a necessidade de fortalecer o caráter público das ações e serviços de saúde e a responsabilidade do Estado, definida na Constituição Federal, no provimento da saúde do povo. Da mesma forma, os princípios da integralidade assistencial, da humanização e da eqüidade foram reiterados, constituído–se como objetivos para a consolidação do SUS"6:114

O câncer, nas suas diferentes formas, constitui–se hoje numa das mais importantes causas de morte na população mundial. Sobre esta doença, afirma–se que a prevenção, bem como a detecção precoce, podem reduzir seus efeitos danosos. A prevenção deveria englobar o acesso integral aos serviços de saúde, onde aspectos educativo–preventivos devem ser abordados. Todavia há que se analisar e questionar esta atenção, uma vez que os profissionais de saúde ainda não a tem feito de modo efetivo e esperado.7 Neste contexto, reflete–se na tentativa de compreender a atenção à saúde da mulher na prevenção do câncer cérvico–uterino, sob o olhar da integralidade. Nesta área de atenção, apesar de terem sido implantados números consideráveis de ações e serviços, estes parecem não atender às necessidades de toda uma demanda de mulheres brasileiras acima de 10 anos, hoje estimada em 73.837.876, e em idade reprodutiva (10 a 49 anos), um total de 58.404.409.8 Ainda analisando–se os dados da mortalidade por câncer de colo uterino, este se situa no incômodo terceiro lugar nas causas de morte em 1999, com aumento projetado para este ano.8

A partir deste contexto, analisar sob a ótica da integralidade a atenção a saúde da mulher na prevenção do câncer cérvico–uterino é, pois, o objetivo deste estudo.

METODOLOGIA

A pesquisa é do tipo estudo de caso. O estudo foi realizado no Instituto de Prevenção do Câncer do Ceará (IPCC), em 2004, com duas mulheres clientes do serviço, que realizavam tratamento ginecológico. O IPCC é referência estadual na prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer cérvico–uterino e suas complicações. Os procedimentos éticos relacionados à pesquisa com seres humanos foram seguidos, apesar do Comitê de Ética ainda estar em fase de organização, tendo os sujeitos sido informados do estudo, bem como assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para coleta de dados foi utilizado como técnica a entrevista não–diretiva, também chamada de abordagem clínica e, com ela, se pretende colher dados no discurso livre sobre um tema.9 Como técnicas para análise dos casos utilizou–se a ferramenta denominada de Fluxograma Analisador do Modelo de Atenção de um Serviço de Saúde.10 Nele, trabalha–se "com a perspectiva de 'desenhar' um certo modo de organização de um conjunto de processos de trabalhos, que se vinculam entre si em torno de uma certa cadeia de produção".10:73 No fluxograma, alguns símbolos são utilizados para a construção do diagrama: a elipse (representa o começo e o fim da cadeia produtiva); o retângulo (mostra momentos em que são realizadas etapas de trabalho importante da cadeia produtiva, nas quais realizam consumo de recursos e produção de produtos bem definidos) e o losango (momentos de decisão a serem seguidos durante a cadeia produtiva).10

ANALISANDO OS CASOS ATRAVÉS DO FLUXOGRAMA

No Caso 1 (anexo 1 Anexo 1 – CASO 1 e 3 Anexo 3 – Descrição dos casos ) pode–se constatar a integração dos pontos de atenção à saúde, através de uma rede horizontal, onde a porta de entrada da cliente I.P.S. foi a atenção primária em saúde (Estratégia Saúde da Família), que durante uma consulta de rotina para prevenção do câncer cérvico–uterino com o Enfermeiro, teve seu problema detectado, sendo referenciada com presteza ao hospital local, onde foi assistida pelo médico e realizado exames de rotina (colposcopia) e coleta de material para biópsia. A seguir foi encaminhada para a unidade de referência estadual para prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer cérvico–uterino.

Neste processo de organização do trabalho das ações e serviços de saúde em sistemas integrados de serviços de saúde, "não há uma hierarquia entre os diferentes pontos de atenção à saúde, mas a conformação de uma rede horizontal de pontos de atenção à saúde de distintas densidades tecnológicas, sem hierarquia entre eles".11:55 Neste modelo de organização, propõe–se que esta rede horizontal seja organizada a partir de um centro de comunicação, destacando–o como o ponto da atenção primária à saúde.12

A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu esta atenção primária à saúde como "baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornando universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade, com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde".13:30–1

Durante os dezesseis dias percorridos no sistema de referência, pela cliente, destaca–se ainda neste caso a acessibilidade, que "envolve a localização do estabelecimento próximo da população a qual atende, os horários e dias em que está aberto para atender, o grau de tolerância para consultas não–agendadas e o quanto a população percebe a convivência destes aspectos da acessibilidade".13:32 "A acessibilidade é, ainda, classificada nas dimensões: geográfica (distância média entre a população e os recursos), organizacional (modos de organização dos recursos de assistência à saúde), e sócio–cultural (envolve fenômenos tais como: percepção sobre o corpo e a doença, crenças relativas à saúde, tolerância à dor e credibilidade nos serviços de saúde, dentre outros)".14:117–8 Quanto à integralidade, a rede assistencial do Caso 1 a contempla de forma significativa e até com certa resolutividade o princípio da integralidade, uma vez que ela exige que a prestação desta atenção atenda às necessidades mais comuns da população adscrita, a responsabilização pela oferta de serviços em outros pontos de atenção à saúde e o conhecimento adequado dos problemas biológicos, psicológicos e sociais que causam as doenças.

No Caso 2 (anexo 2 Anexo 2 – CASO 2 e 3 Anexo 3 – Descrição dos casos ), nota–se claramente a fragmentação e a falta de acesso à atenção primária em saúde, dificultando com isto o diagnóstico, o tratamento e seu acompanhamento. A entrada no serviço especializado, através de demanda espontânea, caracteriza a inexistência de referência, incrementando a demora no atendimento; a inexistência de prática do autocuidado, caracterizado pela não realização do exame de prevenção do câncer cérvico–uterino como rotina, a não resolutividade no tratamento, caracterizando a não acessibilidade e, por conseguinte, comprometendo a integralidade da atenção.

Em relação aos princípios doutrinários do SUS, afirma–se que "universalidade, integralidade e eqüidade da atenção constituem um conceito tríplice, entrelaçado, quase um signo, com forte poder de expressar ou traduzir de forma muito viva o ideário da Reforma Sanitária brasileira. A cidadania, a saúde como direito de todos e a superação das injustiças resultantes da nossa estrutura social estão implícitas no tríplice conceito–signo".15:113 A Política Nacional de Humanização do SUS (Humaniza SUS) enfatiza também que para que haja a integralidade é necessário garantir ao cidadão o direito de ser assistido da prevenção ao mais difícil tratamento das doenças, não excluindo nenhuma.16 No Caso 2, além de não existir uma rede horizontal integrada, sabidamente, não foram respeitados os princípios doutrinários (a universalidade, a eqüidade e a integralidade) e nem os organizativos (a regionalização e a descentralização) do SUS.

Neste Caso vê–se de forma nítida e obscura a relação entre o sistema local de saúde e a clientela, onde os anseios, as angústias, as dores e os problemas não são auscultados, e o ser humano, cidadão, dotado de deveres e direitos, encontra–se à revelia do sistema de saúde, como diz o poeta "[...] esperando a morte chegar".17 A morte aqui retratada não é a tão somente parada das funções vitais básicas, mas também, a morte social, cultural e, principalmente, a da capacidade de pensamento abstrato, a de sonhar, a de planejar o futuro e sentir–se vivo em sua plenitude, no mais completo bem–estar biopsicosocioespiritual. Quanto a estas necessidades pessoais e o sistema de saúde, autores retratam que "a dificuldade de ouvir as demandas dos pacientes e de tratá–los como outros sujeitos, com desejos, crenças e temores, tem sido causa de inúmeros fracassos na relação entre trabalhadores de saúde e população"* * Silva Júnior AG, Merhy EE, Carvalho LC. Refletindo sobre o ato de cuidar da saúde [Material Mimeografado]. , fato também identificado na relação, entre gestores e as políticas públicas de saúde, que estão na contramão das necessidades do usuário–cliente do sistema de saúde, e muitas vezes priorizam suas vontades pessoais e não as necessidades do sistema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise realizada, utilizando a ferramenta do Fluxograma Analisador do Modelo de Atenção de um Serviço de Saúde10 na avaliação do princípio da integralidade na gestão e organização dos sistemas municipais, conseguiu–se identificar no processo de trabalho, nas ações e serviços de saúde, alguns elementos estruturais da integralidade da atenção no que concerne ao Caso 1 e a fragmentação da atenção, ou inexistência da integralidade, no Caso 2.

A atenção, no Caso 1, apresenta uma sólida rede assistencial de saúde, com integração dos pontos de atenção, tendo início na Unidade Básica de Saúde (UBS) atenção primária em saúde , demonstrando o contato com a cliente, caracterizando o acolhimento, a longitudinalidade e a coordenação da atenção, a avaliação do risco individual, a utilização da clínica ampliada, a acessibilidade, a eficiência com resolubilidade; onde, durante o percurso da assistência individual, percebe–se a efetividade de elementos que compõem a integralidade da atenção.

No Caso 2 vê–se claramente a inexistência de acesso à atenção primária, com a desarticulação dos pontos de atenção e a mais completa fragmentação da assistência, com o aumento do risco individual e a falta de respeito à legislação do SUS e ao ser humano cidadão, portador de necessidades básicas e fundamentais para a sobrevivência, sendo a atenção à saúde, uma delas.

A efetivação do princípio da integralidade, de forma universal, está muito distante de ser atingida devido, principalmente, ao modelo de atendimento, que não privilegia a integração horizontal dos pontos de atenção, com uma atenção primária qualificada. Para que isso possa ocorrer todos os atores envolvidos devem procurar avaliar esta atenção propondo mudanças. Os gestores, como profissionais responsáveis pela execução das políticas públicas na área, necessitam melhor planejar, organizar e avaliar os serviços a fim de que possam assegurar que estes sejam eficientes, efetivos e eficazes para a clientela envolvida, assegurando os princípios do SUS aos usuários.

Recebido em: 13 de março de 2005.

Aprovação final: 12 de julho de 2006.



Caso 1

I.P.S., 59 anos, viúva, G9 P8 A1, residente e domiciliada no município de Horizonte, Estado do Ceará; procurou o posto de saúde no dia 14 de junho de 2004, sem queixas, para realizar o exame de prevenção do câncer colo–uterino referindo realizá–lo rotineiramente, uma vez por ano. Durante a consulta para coleta de material foi assistida por Enfermeiro. No momento da coleta do material para esfregaço, este profissional identificou um discreto sangramento, não coletou material, e imediatamente a referenciou para o médico do hospital local para melhor avaliação. Cinco dias após foi atendida pelo médico no hospital do município, realizando colposcopia e coleta de material para a biópsia. Este, em seguida, encaminhou–a ao Instituto de Prevenção do Câncer do Ceará (IPCC) para realização de consulta especializada e possível tratamento, referindo que a mesma não tinha uma "raladura" no útero. Em 30 de junho a cliente viajou para Fortaleza, utilizando como transporte, uma ambulância. Ao chegar ao IPCC foi diretamente ao SAME, para preenchimento de fichas e dados de identificação do prontuário, sendo em seguida encaminhada para consultórios médicos, sem as devidas explicações sobre o funcionamento e rotinas do serviço. Durante a consulta foi realizada nova colposcopia e fornecido o resultado da biópsia que, segundo a cliente, apresentava um "tumosinho no útero" e tinha que fazer tratamento com "luzes". Referiu não apresentar preocupações quanto ao seu agravo, devido a médica do IPCC ter orientado que tinha cura. O tratamento indicado foi a crioterapia. Em seguida a mesma foi encaminhada ao Serviço Social para orientações sobre o processo de tratamento e início do mesmo.

Caso 2

R.M.O.S., 34 anos, casada, G3 P3 A0, fumante, residente e domiciliada no Bairro Conjunto Esperança, município de Fortaleza, Estado do Ceará. Procurou o Instituto de Prevenção do Câncer do Ceará (IPCC), através de demanda espontânea. Refere que desde 1997 sentia fortes dores abdominais, ardor, corrimento vaginal e verrugas na genitália externa, já tendo procurado o serviço de saúde aproximadamente seis vezes, não conseguindo marcar consultas e nem ter respostas para seu problema. Refere nunca ter realizado o exame de prevenção do câncer cérvico–uterino. Depois de muitas tentativas conseguiu agendar uma consulta através do seu cunhado que trabalhava nas proximidades, vizinho ao IPCC, no ano de 2002. A mesma refere ter sido bem recebida na recepção do IPCC, em seguida foi ao SAME, para preenchimento de fichas e dados de identificação do prontuário. Após, foi encaminhada para consultório médico (sem as devidas explicações sobre o funcionamento e rotinas do serviço), onde realizou colposcopia e biópsia. Ao final da consulta e exames, o médico falou que seu problema era HPV. "Só faltei desmaiar pensando que era HIV. Então, ele falou que era HPV, um tipo de germe [...], um vírus [...], e que eu ficaria boa cuidando a tempo". Logo após, foi encaminhada para tratamento cirúrgico, dando continuidade ao tratamento com cremes vaginais e comprimidos por via oral. Retornou ao serviço periodicamente, tendo realizado cinco consultas em 2002, quatro em 2003 e três em 2004, até o mês de junho. Em relação ao serviço, a cliente diz que é "bem atendida, explicam como é. Mas, em compensação, to do mesmo jeito [...] a barriga parece tá com oito meses de gravidez. Não suporto mais não".

  • 1 Turrini RNT. Avaliação em saúde. In: Cianciarullo TI, Silva GTR, Cunha ICKO. Uma nova estratégia em foco: o programa de Saúde da Família, identificando as suas características no cenário do SUS. São Paulo (SP): Ícone; 2005. p.27186.
  • 2 Prado SRLA. Integralidade: um estudo a partir da atenção básica à saúde da criança em modelos assistenciais distintos [tese]. São Paulo (SP): EEUSP/Programa de PósGraduação em Enfermagem; 2005.
  • 3
    Ministério da Saúde (BR). SUS: princípios e conquistas. Brasília (DF): O Ministério; 2001.
  • 4
    Ministério da Saúde (BR). Guia do conselheiro: curso de capacitação de conselheiros estaduais e municipais de saúde. Brasília (DF): O Ministério; 2002.
  • 5 Giovanella L, Carvalho AI, Cunha EM, Conil EMC, Lobato LVC. Sistemas municipais de saúde e a diretriz da integralidade da atenção: critérios para avaliação. Saúde debate. 2002 JanAbr; 26 (60): 3761.
  • 6 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. O Brasil falando como quer ser tratado: efetivando o SUS, acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde com controle social. In: Anais da 11a Conferência Nacional de Saúde [relatório final]; 2000 Dez 1519; Brasília, Brasil. Brasília (DF): O Ministério; 2003. p.114117.
  • 7 Branco IMBHP. Prevenção do câncer e educação em saúde: opiniões e perspectivas de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2005 AbrJun; 14 (2): 2469.
  • 8
    Ministério da Saúde (BR). Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília (DF): O Ministério; 2004.
  • 9 Leopardi MT. Metodologia da pesquisa em saúde. 2a ed. Florianópolis (SC): UFSC/PósGraduação em Enfermagem; 2002.
  • 10 Merhy EE. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: Merhy EE, Onocko R, organizadores. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo/Buenos Aires (SP/AR): HUCITEC/Lugar Editorial; 1997. p.71112.
  • 11 Mendes EV. Os sistemas de serviços de saúde: o que os gestores deveriam saber sobre essas organizações complexas. Fortaleza (CE): Escola de Saúde Pública do Ceará; 2002.
  • 12 Mendes EV. A atenção primária à saúde no SUS. Fortaleza (CE): Escola de Saúde Pública do Ceará; 2002.
  • 13 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. 2a ed. Brasília (DF): UNESCOBrasil/Ministério da Saúde; 2004.
  • 14 Fekete MC. Estudo da acessibilidade na avaliação dos serviços de saúde. In: Santos JP, organizador. Desenvolvimento gerencial de unidades básicas do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): Organização Panamericana de Saúde; 1997. p.11420.
  • 15 Cecílio LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e eqüidade na atenção em saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro (RJ): IMS/UERJ/ABRASCO; 2001. p.11326.
  • 16
    Ministério da Saúde (BR). Humaniza SUS: Política Nacional de Humanização, documento base para gestores e trabalhadores do SUS. Brasília (DF): O Ministério; 2004.
  • 17 Seixas R. Ouro de tolo [acesso em 2006 Jul 07]. Disponível em: http://vagalume.uol.com.br/cpaste.php?id=3ade68b6g1492fda3&print=1&auth=3734

Anexo 1  – CASO 1

Anexo 2  – CASO 2

  • Endereço:

    Francisco Rosemiro Guimarães Ximenes Neto
    R. Sebastião Miranda, s/nº
    62.184–000 – Centro, Cariré, CE.
    E–mail:
  • *
    Silva Júnior AG, Merhy EE, Carvalho LC. Refletindo sobre o ato de cuidar da saúde [Material Mimeografado].
  • Anexo 3 – Descrição dos casos
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Recebido
      13 Mar 2005
    • Aceito
      12 Jul 2006
    Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
    E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br